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Tien Wen Lio. ; J. S. ; C. M. J

Rodrigues, Francisco; Jesuítas portugueses-Astrónomos na China; Instituto Cultural de Macau, 1990

O padre Francisco Rodrigues que viveu entre 1873 e 1956, escreveu duas obras referentes à actividade dos jesuítas da Companhia de Jesus, que desperta-ram as atenções dos estudiosos: "Mathe-maticos Portugueses na China", que viria a ser divulgada na "Revista de Histó-ria" em 1925 e a "História dos Jesuítas na Assistência Médica de Portugal", em sete volumes, publicada no Porto entre 1931 e 1950. Considerando-o de um in-contestável valor actual, o Instituto Cul-tural de Macau decidiu apresentar, aquele primeiro trabalho do padre Fran-cisco Rodrigues com o título em epígrafe e em edição bilíngue - português e chinês - o que lhe confere, sem dúvida, uma ou-tra dimensão como documento.

O autor tratou de historiografar com grande pormenor o esforço dos mis-sionários jesuítas para, após terem con-seguido, com a sua proverbial tenacida-de, diluir a xenofobia dos chineses, criar em Pequim, junto da corte imperial, uma "escola de astrónomos", ideia do padre italiano Matheus Ricci, onde se distin-guiriam, vários jesuítas portugueses, como foi o caso de Duarte Sande, Antó-nio de Almeida, Francisco Cabral, João Soeiro, João da Rocha, Gaspar Ferreira e Manuel Dias, André Pereira, Tomás Pereira e Félix da Rocha, que chegou a ser presidente do Tribunal de Astrono-mia ou Observatório de Pequim e ainda os padres Gabriel de Magalhães e Ma-nuel Dias, que "se distinguiu pelos estu-dos matemáticos e publicou em língua chinesa, além de outras obras, "O Tra-tado da Esfera", intitulado Tien Wen Lio.

É ampla e minuciosa a incursão de Francisco Rodrigues à história da pre-sença dos missionários na China daquele tempo, (note-se que a exposição de Francisco Rodrigues abrange um perío-do de 222 anos, isto é, de 1583 a 1805), dos seus triunfos e das suas desditas, numa terra à mercê de constantes vira-gens políticas que não raro se transfor-mavam em catástrofes nacionais. O facto de os imperadores terem aceite de início, com satisfação, a presença na corte dos"missionários-astrónomos", foi motivo de alegria, semeando-se a ideia de que, com isto, estava aberto o caminho para a verdadeira evangelização do país. Mas houve momentos de tormentosa dúvida, provocada pela coacção e a dureza dos imperadores. Apesar de tudo, segundo Francisco Rodrigues, que cita Ricci, "sobretudo pelos mapas e livros que estampamos, da nossa Matemática e pelas muitas novidades nesta matéria, nos dão o maior crédito em assuntos matemáticos e nos guardam respeito extraordinário".

Demonstra Francisco Rodrigues, neste seu trabalho, como foi importante para a manutenção da Missão Jesuíta em solo chinês a implantação do Tribunal, Escola ou Observatório Astronómico. Na página sete de "Jesuítas Portugueses - Astrónomos na China", transcreve-se o testemunho do explorador Barão de Richthoven, quando deixou escrito:"Em nenhuma região alargaram mais seus horizontes os missionários da fé cristã, nem fizeram mais importantes conquistas para a ciência do que na Chi-na. Â frente de todos se nos deparam os jesuítas dos séculos XVII e XVIII, sem cuja actividade, tão vasta e profunda, a China, se exceptuarmos a costa, ainda hoje seria para nós uma terra desconhe-cida". E, acrescenta mais adiante Fran-cisco Rodrigues, foram excepcionaisnesta missão, mormente os missionários portugueses. Aliás, o Observatório de Pequim, teria como derradeiro presidente um português, o padre José Bernardo de Almeida, "o último grande valor na China dos jesuítas portugueses".

J. S.

Yuuki, Diego; Luis de Almeida, Médico, Caminhante, Apóstolo; Instituto Cultural de Macau, 1989; Os quatro legados dos dáimos de Quiuxu após regressarem ao Ja-pão; Instituto Cultural de Macau, 1990 (edição bilingue português, japonês).

A historiografia contemporânea, sempre inquieta na perspectiva de abor-dagens mais fecundas e/ou originais, re-encontrou há alguns anos o tema da bio-grafia, abandonado ou mal-querido des-de o século XIX. Agora, pensa-se, é con-veniente abordar as grandes estruturas e, sobretudo, as conjunturas e os even-tos, através da marca de um homem na história, operando a partir desse índice, um trabalho de reconstituição.

Deste modo, esmiuçando a análise à sensibilidade de um sujeito, torna-se possível obter uma visão enriquecida por um exemplo de experiência concreta dos acontecimentos e dos valores. No fundo, trata-se de levar ao extremo a historio-grafia positivista e meramente factual: os acontecimentos são filtrados por uma maneira de olhar, ela própria moldada por uma época.

Luís de Almeida nasceu em Lisboa em 1525, a época dos primeiros sinais de declínio da expansão portuguesa, que atingira o seu apogeu com o Vice-Rei Afonso de Albuquerque e o controlo do Oceano Indico. Dois anos após receber o título de médico (1548), parte rumo à Índia. No Oriente, negoceia, cura e co-meça a sentir os apelos de uma vocação religiosa. É no Japão que realizará a grande obra que, ainda hoje, os japone-ses recordam e respeitam.

A seu favor tinha a ciência médica que vai sempre bem a par com a evange-lização. A um tempo, curava e conver-tia. Graças a Luís de Almeida foram construídos os primeiros hospitais em território japonês. Na realidade, este in-signe português trouxe para o Oriente os progressos científicos que o saber oci-dental tinha desenvolvido nas últimas décadas.

Mais do que políticos ou militares, são este tipo de homens desinteressados que efectuam a real ligação entre os po-vos e as culturas. O presente livro de Diego Yuuki é o eco, já longínquo mas, ainda assim, distinto, da importância dos contactos entre Portugal e o Japão, no caso concreto, entre um homem e um povo unidos na aventura da demanda de si próprios.

A história do cristianismo no Japão guarda episódios únicos, eventos muito especiais entre culturas até então irredu-tíveis, quer pela simples contigência es-pacial, quer pela incompreensão que, mutuamente, se votam hábitos e regras diferentes. Neste história, recheada de abnegados missionários e santos martiri-zados, sobressai o episódio dos quatro legados dos dáimios de Quiuxu, envia-dos a Roma para travar conhecimento directo com a civilização ocidental e, concomitante, serem a prova vida da evangelização do Oriente.

Fundamentalmente, Diego Yuuki reuniu, através de uma notável série de documentos da época, os factos mais marcantes da vida e actividade religiosa dos legados depois do regresso ao Japão. Este livro vale, portanto, como reposi-tório de factos e indiciador de pistas para a compreensão das reacções dos japone-ses à presença europeia nos seus domí-nios.

Os legados foram os primeiros japo-neses a visitar a Europa; traziam consigo a memória de outros povos, de outros hábitos e costumes. Neste sentido, são ainda hoje considerados pioneiros: fo-ram, na prática, a primeira embaixada asiática a terras europeias, isto numa época em que a Europa estugava o passo na senda dos contactos com outros po-vos.

Martin Hara, Julian Nakaura, Man-cio Itoo e Miguel Chijiwa (que acabou por abandonar a Companhia de Jesus e o cristianismo), foram incumbidos da difí-cil tarefa de converter o maior número possível de japoneses. Para tanto preci-savam da preciosa cobertura político-re-ligiosa dos senhores locais, o que nem sempre veio a acontecer.

Por responder ficam várias ques-tões, pertinentes numa análise histórica mais profunda, que o professor Yuuki certamente empreendeu noutros traba-lho, como por exemplo: l) Que grupos sociais aderiam mais facilmente ao cris-tianismo? 2) Como se explica a discre-pância de atitudes dos senhores locais face aos jesuítas e aos convertidos? 3) Que interesses político-económicos regionais estavam por detrás desta discre-pância? 4) Quem era verdadeiramente hostil ao estabelecimento dos europeus no Japão? Porque motivo? 5) Que raízes cristãs (europeias) deixaram os legados em terra japonesa?

Por outro lado, a partir da persona-lidade de Miguel Chijiwa poderíamos entrever a mentalidade japonesa da épo-ca, a questão da traição neste contexto, um tema deveras interessante. Alguns destes assuntos foram já aflorados nou-tras edições; ficam, no entanto, abertas, neste livro, inúmeras pistas que urge ex-plorar.

Teixeira, Padre Manuel; Primór-dios de Macau, Instituto Cultural de Macau, 1990, 39 págs; The Ja-ponese in Macau, Instituto Cultu-ral de Macau, 1990, 62 págs.

Em "Primórdios de Macau", o Pa-dre Manuel Teixeira descreve-nos, so-bretudo através do recurso a fontes da época, a criação de Macau e as vicissitu-des dos primeiros tempos da presença portuguesa nesta cidade do sul do mar da China. Cronologicamente, estende-se, de um modo geral, da segunda metade do século XVI ao fim da primeira me-tade do século XVII.

Para além da descrição dos aconte-cimentos e dos factos jurídicos e políti-cos, este livro contempla aspectos cultu-rais, religiosos e mesmo económicos. Trata-se de uma útil introdução para uma primeira abordagem destes assuntos, preparada com o intuito de come-morar o IV centenário da fundação de Macau.

Já "The Japonese in Macau" re-veste-se de um carácter completamente diferente. Deparamos, neste caso, com uma descrição de um fenómeno particu-larmente curioso e relevante da história de Macau: a presença dos japoneses no Território. Abrangendo um período que se estende do século XVI ao século XVII, o autor salienta a importância dos cristãos japoneses refugiados em Macau, na sequência das perseguições que lhes foram movidas no seu país, em inícios do século XVII.

A chegada dos japoneses à Cidade do Nome de Deus proporcionou-lhes o aprendizado das artes e uma preciosa co-laboração na decoração de templos cris-tãos, dos quais se destaca a Igreja de São Paulo. A história da religião católica vê registada neste livro a contribuição dos católicos japoneses na edificação da sua Fé nestas paragens da Ásia. Histórias de mártires, perseguições e mal entendidos são narradas pelo padre Manuel Teixeira neste breve ensaio mais factual do que interpretativo.

Portugal e o Japão; Instituto Cultu-ral de Macau,1989 (edição trilingue português, inglês, japonês).

É um álbum sobre Venceslau de Morais e, simultaneamente, uma ex-tensa súmula bibiográfica. Para além de tudo, tem a virtude de ter conseguido transformar um projecto potencialmente maçudo, numa edição agradável de se-guir.

Entre fotografias, reproduções de cartas, postais e edições antigas, vão des-filando bibliografias de um valor prático e documental inquestionável. Resumi-damente, reúne diversas bibliografias de Morais, sobre Morais, e ainda uma longa recolha de títulos sobre os contactos en-tre Portugal e o Japão, alinhados temati-camente.

Nos sessenta anos da morte do via-jante, curiosos ou investigadores encon-trão nesta edição uma preciosa ajuda para uma viagem à sua vida, à sua obra, e ao país onde aportou.

Amaro, Ana Maria; Três Jogos Po-pulares de Macau, Chonca, Talu, Bafá; Instituto Cultural de Macau, 1984; e O Traje da Mulher Maca-ense, da Saraça ao Dó das Nhonho-nha de Macau; Instituto Cultural de Macau, 1989.

Ana Maria Amaro tem revelado, através de um trabalho infatigável de re-colha e interpretação, esse Macau etno-gráfico, do qual tanto já se perdeu e secontinua ainda a perder, todos os dias, diante dos nossos olhos. É uma tarefa gi-gantesca e fundamental neste momento, daí a importância dos ensaios que a vasta investigação de Ana Maria Amaro vai segregando.

"Três Jogos Populares de Macau" introduz-nos nos domínios da antropolo-gia do jogo, uma área inaugurada por Roger Caillois, o autor da epígrafe que inicia o livro: "Não é absurdo tentar o diagnóstico de uma civilização a partir dos jogos que, aí, particularmente pros-peram". Desde então, os investigadores têm descoberto nos jogos as mesmas es-truturas de pensamento que regulam, numa determinada cultura, a formula-ção dos rituais e dos mitos, isto é, as re-presentações de valores colectivos. As regras do jogo são as regras do mundo., agora nas mãos da sorte e dos homens que, feitos deuses inábeis, competem en-tre si pelo destino do mundo.

Contudo, um jogo pode não ser ana-lisado estruturalmente, mas a partir da sua genealogia, cujo traçado reflecte o deambular de um item cultural de povo em povo, um método querido à escola difusionista, recentemente recuperado pela nova etnologia, e que parece ideal para o estudo de certos casos, como por exemplo, um espaço marcado pelo cru-zamento de culturas.

Ana Maria Amaro proporciona--nos, neste livro, uma abordagem simul-taneamente erudita e lúdica destes pro-blemas, através de três jogos populares de Macau já desaparecidos. Consideran-do a sua história e difusão podemos não apenas reconstituir o percurso dos povos que fundaram esta cidade mas é ainda possível, e talvez mais fascinante, pres-sentir-lhes os quotidianos e entrever mentalidades, valores e modos de ser, bem reflectidos no jogo, sobretudo quando somos a margem de duas civili-zações tão distintas e pensarmos com a autora no facto de o jogo ser "uma das formas mais populares de transmissão cultural.

Já com "O Traje da Mulher Maca-ense", somos introduzidos num universo diferente, mas igualmente fascinante, ou seja, nas questões relacionadas com o vestuário e, porque não dizê-lo, a moda. Trata-se de um livro muito interessante e atraente, até devido às ilustrações e foto-grafias antigas nele inseridas. Come-çando por abordar o traje feminino na rota do Oriente, passando pelo Islão e por Goa, este ensaio dá conta da moda feminina na Europa dos séculos XVI e XVII, para finalmente se debruçar, de-pois de devidamente contextualizado, sobre os trajes das mulheres de Macau e a sua evolução.

Tal como o jogo, a moda reflecte as concepções de determinada cultura, as suas oposições preferenciais. No entan-to, a leitura mais imediata e talvez mais importante, prende-se com o facto de a moda ter objectivos de distinção social e étnica. A partir da predominância de uma determinada influência podemos deduzir a implantação de uma comuni-dade e compreender as hierarquias so-ciais e culturais. Este facto é extrema-mente útil se pensarmos no mosaico de culturas que sempre foi a sociedade ma-caense. A moda tem as suas leis, quer consideremos a sua origem e difusão, quer a sua distribuição ao longo dos gru-pos sociais. Aplicando-as, como fez Ana Maria Amaro no caso de Macau, temos acesso a uma leitura que ultrapassa o âmbito do explícito para atingir um grau de profundidade apreciável. As conclusões são de âmbito geral e interessam a todos os que, de facto, procuram conhecer a realidade macaense no que ela tem de mais perdurável.

C. M. J.

Ferreira, José dos Santos; Doci Pa-piaçám di Macau; Justituto Cultu-ral de Macau, 1990.

José dos Santos Ferreira possui a rara virtude de transformar a sua arte de dizer poesia numa fonte documental que está muito longe de representar apenas uma mera curiosidade. Com o cultivo do "patois" macaense, o autor de "Doci Pa-piaçam di Macau" dá uma larga contri-buição a que, nestas paragens de porvir incerto quanto a luso testamento, da pre-sença portuguesa fique ao menos a me-mória sedimentar dum encontro de sécu-los nas ténues sequelas do idioma que ja-mais soubemos implantar e que estão na raiz do dialecto que José dos Santos Fer-reira tão bem conhece e ama.

Este meio de expressividade poética escolhido pelo autor tem ainda a caracte-rística de, na dimensão do verso, ofere-cer ao leitor uma sensibilizadora e colo-rida sucessão de quadros da vida maca-ense sublinhados por um ritmo narrativo de autêntico sabor popular, através do qual se retratam pessoas e locais e se fala de tradições e acontecimentos, sem a preocupação de fazer história, mas fa-zendo-a, apesar disso. Afinal, a chama-da "pequena história" é um elemento importante que baseia e enriquece o pai-nel da factologia fundamental da Histó-ria no seu todo. Isso nos exemplifica a poesia de José dos Santos Ferreira, que revivendo um tempo que para Macau já é passado, não só nos permite voltar a percorrer esse passado redescoberto pela bruma duma saudade muito íntima, como oferece aos investigadores de hoje e de amanhã uma segura fonte de informação.

De relevar, também, em José dos Santos Ferreira, o humanismo integral da sua feição poética, aliás, humanismo presente em toda a sua obra que se di-vide entre a poesia, a prosa e o teatro. Mas é no presente livro que mais se acen-tua essa característica, reforçada na pa-tente paixão pela terra que lhe foi berço. Na dezena e meia de poemas que com-põem o conteúdo de "Doci Papiaçám di Macau", destacam-se os diversos tons com que o poeta engrinalda, num lirismo que vai até à exaltação, os contornos da Cidade do Nome de Deus.

J. S.

Nota da Redacção: a secção Edições deste número da Revista de Cultura enferma ainda de algumas lacunas relativas, sobre-tudo, a edições extra-ICM. Num futuro próximo procuraremos colmatar esta falha, tentando registar toda a produção literária editada em Macau.

desde a p. 225
até a p.