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A IMPRENSA NA CHINA

Ramón Lay Mazo*

Como um sítio longínquo e ignorado, que é apenas conhecido através de referências a um outro de maior importância e renome, assim é hoje conhecida a pequena cidade de Macau. Para localizá-la, quando a queremos mencionar, dizemos que se encontra situada perto de Hong Kong, na foz do rio das Pérolas, ao sul da China. No entanto, tempos houve em que esta remota colónia portuguesa, de escassos seis quilómetros quadrados de superfície, era conhecida na Europa e figurava nas rotas dos grandes navegadores que se aventuravam pelos desconhecidos mares do Extremo Oriente e Oceânia, na demanda das especiarias e do comércio com a China. E, dura nte quase três séculos, antes de o nome de Hong Kong aparecer nos mapas, foi único fulcro donde irradiava a luz das ideias europeias para o continente chinês.

Um dos meios que mais contribuiu para propagar essas novas ideias na China foi o jornal. Segundo os historiadores, a China foi o país onde se inventou a fabricação do papel, cer ca do ano 105 da nossa era, e é-lhe atribuída a prerrogativa de ser o país onde se editou o primeiro jornal do mundo: o King-Pao ou King Ch'au, quer dizer, a Gazeta de Pequim, cuja publicação durou mais de mil anos.

Contudo, ainda que a sua publicação fosse diária, a Gazeta de Pequim estava longe de ser aquilo que hoje concebemos como jornal. Era mais uma espécie de "boletim oficial da corte". O seu formato era pequeno, de 10 x 20 centímetros de largura, com 10 a 12 folhas coladas segundo o antigo uso chinês, para dar umas 20 a 40 páginas, as quais eram divididas em sete linhas verticais vermelhas, atadas, dentro de folhas de cor amarelo vivo, com duas pe quenas tiras de papel enrolado, que se enfiavam, como se fossem cordéis, por uns orifícios feitos perto da margem vertical direita, de forma a que a leitura se pudesse efectuar do modo clássico chinês: da direita para a esquerda. O seu texto, impresso com caracteres móveis d e madeira, era constituído pelos registos das cerimónias oficiais da corte, decretos de no meações, promoções e transferências do pessoal do governo, bem como sentenças de e xílio ou decapitações, demais éditos e ordens imperiais, todo escrito em linguagem ofi cial, lacónico e técnico, incompreensível para a quase totalidade do povo.

Como a sua tiragem era reduzida e os assuntos oficiais aí tratados de grande interesse para muitos (os que necessitavam de estar a par das decisões imperiais), abundavam indiví duos nas capitais de província que ganhavam a vida copiando e anotando a gazeta, para suprir as necessidades dos que não conseguiam adquirir a edição oficial. Estas cópias chamavam -se "se-pun"(manuscritos).

Até ao início do século, para além da Gazeta de Pequim, não existia outra publicação periódica na China. O jornal, como órgão informativo e orientador da opin ião pública, tal como hoje o conhecemos, só apareceu em 1822 com A Abelha da China, publicado precisamente nessa minúscula colónia portuguesa de Macau, e editado em portu guês.

Esta publicação era de pequeno formato e escassa tiragem. A sua impressão era feita com tipos móveis de metal e, apesar do seu aspecto modesto, foi o primeiro jornal que aparece u em todo o Extremo Oriente.

Pouco tempo depois surgiu o Evangelist, em língua inglesa, de igual tamanho e fo rmato, também impresso em Macau. Era editado pela Albion Press, das missões protestantes. Esta publicação foi rapidamente proibida por atacar a religião do Estado português: o catolicismo.

Também se imprimia em Macau, por essa altura, o Hong Kong Government azette, editad o pela British Superintendency of Trade, o orgão que representava o governo britânico nestas longínquas paragens. Depois de 29 de Agosto de 1842, data em que os ingleses tomaram oficialme nte posse da ilha de Hong Kong, pelo acatamento dos iníquos tratados arrancados à China com a infâme Guer ra do Ópio, passou a ser publicado em Hong Kong tornando-se, portanto, no primeiro jornal efectivamente editado na colónia inglesa.

Apesar do governo manchú de Cantão ter proibido a introdução de novas ideias na China, em 1927 foi editado The Canton Register, sendo este o primeiro jornal estrangeiro, em língua inglesa, que aparecia em território propriamente chinês.

Só em 1870 apareceu em Xangai o primeiro jornal editado em língua nativa, o Pan Pa o. Este diário, no entanto, não passava de uma simples folha volante, pelo que a sua existência foi efémera, tendo sido, pouco tempo depois, substituído pelo Sin Pao, propriedade dos comerciantes ingleses aí estabelecidos, que o financiavam e dirigiam.

Como os estrangeiros tinham livre acesso e residência garantida em todos os Portos do T ratado (Cantão, Foochao, Amoy, Ningpo, Xangai, Che-foo, Kiaochao, Hankow e Tientsin) logo su rgiram jornais em japonês, francês, alemão, russo e italiano, sem contar com os que era m publicados em inglês e chinês.

Até aos inícios do século XX, a tiragem do maior jornal chinês não passava os 50 mil exemplares diários, porque eram escritos em "man-u", o idioma clássico, pelo que o número de leitores era muito reduzido, limitando-se unicamente à classe intelectual e ofic ial do país.

Só com a reforma da escrita chinesa, advogada principalmente pelo filósofo Hu-Shih e Ch 'en Tah-siu, o número de leitores cresceu de um modo fantástico em pouco tempo e, consequ entemente, o número e a tiragem dos jornais foram aumentando de dia para dia, na mesma propo rção.

Esta reforma foi levada a cabo pelo Movimento Cultural de 14 de Maio de 1919. Com ela re duziu--se o número de caracteres de quarenta mil para quatro mil, ou seja, os necessário s para se poder escrever e ler um texto sobre qualquer assunto "pouco profundo", e empregaramse pela primeira vez na escrita as regras de concordância e de sintaxe que regiam o idioma f alado. Assim, a linguagem clássica, que era extremamente difícil, quer pelo seu excessivo laconismo, quer pelo enorme número de caracteres que empregava, foi substituída pelo "pai-wa" ou linguagem falada.

Com estas radicais modificações na escrita, os indivíduos de pouca instrução pa ssaram a poder ler e compreender com grande facilidade o que viam estampado em letras de imp rensa, por estar escrito nalinguagem de uso diário. Desde então tornou-se raro encontrar u m chinês das novas gerações que não saiba ler um jornal.

Antes da Segunda Guerra Mundial, os jornais chineses publicavam notícias mundiais, nacio nais e locais, que ocupavam, com o artigo de fundo ou editorial, toda a primeira página. As oùtras páginas eram preenchidas com contos, notícias policiais, éditos judiciais, crí ticas de costumes, receitas culinárias, necrologia, anúncios comerciais, enfim, com tudo o que os jornais têm para encher as suas páginas.

Com excepção de alguns jornais de reconhecida seriedade e grande tiragem, a imprensa chinesa diária das grandes cidades caracterizava-se pela pouca veracidade das notícias, bem como pelo chauvinismo da maior parte dos seus redactores, que distorciam a verdade dos factos para ir de encontro ao patriotismo de uma maioria de fanáticos exaltados. Isto constituía um motivo de desconfiança e desassossego para os núcleos de estrangeiros, bem como uma fonte de desinformação, pela grande influência que exerciam sobre a opinião pública.

Muitos desses jornais, sobretudo os de pequeno formato e curta tiragem, vulgarmente chamados siu-pao, que os ingleses apodaram de mosquito newspaper, devido à sua abundância e ao quão importunos eram, mantinham-se, como no México ainda hoje se mantêm alguns dessa laia em anos de eleições, graças à intriga, à adulação e à chantagem. Estes odi endos pasquins conseguiam extorquir subsídios substanciais e "donações espontâneas" de pessoas atemorizadas que, com medo de se transformarem nos alvos das suas arremetidas di-fa matórias, lhes concediam o suficiente para que os seus directores vivessem como nababos, com grande influência e poder no meio local.

Nos últimos anos do governo nacionalista não só existia liberdade de imprensa como um a desenfreada "libertinagem de imprensa". O mercado jornalístico encontrava-se inundado de d iários, folhetos e revistas de todos os formatos e de todas as cores políticas, religiosas e ideológicas. Com o advento do novo regime - comunista - acabou por completo a liberdade de imp rensa e com ela esta nauseabunda "libertinagem de imprensa". Agora, tal como em todos os paí ses do chamado "mundo socialista", onde o partido único controla todas as formas de expres são, tudo se encontra subordinado ao Partido, a única entidade que mobiliza, inspira, orien ta e guia a imprensa nacional.

(Traduzido do Espanhol)

* Viveu 30 anos na China e 12 em Macau. Sinólogo, com várias traduções e ensaios publicados.

desde a p. 39
até a p.