A correspondência de Camilo Pessanha é escas-sa. Este facto é o corolário lógico da sua voluntária re-clusão, relativamente à sociedade em que vivia. Esta sua faceta é-nos revelada pelo próprio poeta, em mis-siva dirigida a Alberto Osório de Castro, seu dilecto amigo, de Leça da Palmeira, datada de 24 de Maio de 1907: "Largos anos passei sem escrever uma única car-ta. A ninguém!...."
Tão breve produção epistolar contrasta vincada-mente com a doutro eremita, homiziado em Tokushi-ma, no Japão, e perene amigo do autor da Clepsidra, Wenceslau de Moraes, de quem se conhecem largas centenas de cartas. Com efeito, relativamente a Ca-milo Pessanha, apenas tenho conhecimento de 72 car-tas e postais, dirigidas aos familiares (pai, Francisco de Almeida Pessanha, mãe, Maria do Espírito Santo Pe-reira, primo, José Benedito Pessanha, e tia, Maria Au-gusta de Almeida Pessanha) e aos amigos (Ana de Cas-tro Osório, Alberto Osório de Castro, João Baptista de Castro, Carlos Amaro, Henrique Trindade Coelho, Mário Beirão, Francisco Xavier Anacleto da Silva e António Pinto de Miranda Guedes).
Houve, ainda, certamente, correspondência tro-cada com Fialho de Almeida, Gomes Leal, Wenceslau de Moraes, Pires Avelanoso, João Jardim, Ayres de Castro e Almeida, Abel Aníbal de Azevedo e os ir-mãos, que a voragem do tempo se encarregou de dissi-par ou, com optimismo, poderá ainda ser recuperada de algum acervo que teima em se conservar oculto.
Tendo em consideração que a sua poética é de extrema subjectividade e que alude mais do que explica - facto que é pedra de toque da verdadeira poesia-, éainda maior o valor das cartas que Camilo Pessanha es-creveu. Com efeito, são nucleares para a compreensão da sua mundividência e da sua complexa psicologia, pois trazem-nos elementos de carácter biográfico que nos poderão ajudar a trilhar uma senda tão hermética como a Clepsidra.
A carta inédita que ora se apresenta, foi gentil\-mente cedida pela Dra. Maria Eduarda de Miranda Guedes, filha do Engenheiro António Pinto de Mi-randa Guedes, a quem foi endereçada. Revela-nos uma faceta da personalidade polivalente de Camilo Pessanha: a sua empatia relativamente à arte chinesa, que coleccionou criteriosamente durante cerca de 30 anos. A propósito, abra-se um parêntesis para registar que o poeta doou ao Estado Português, em 1915 e, pouco antes de falecer, em 1926, duas colecções de arte chinesa. O primeiro conjunto esteve "arquivado", du-rante 10 anos num anódino armazém do Museu de Arte Nacional em Lisboa, subestimado pelo seu direc-tor, José de Figueiredo, um dos intervenientes na fa\-mosa "Questão dos Painéis"; posteriormente foi recu-sado pelo Museu Etnográfico de Belém. Seguiu, final\-mente, em 1926 para o Museu Nacional de Machado de Castro, de Coimbra, onde foi meticulosamente com-pulsado, sob a égide de António Augusto Gonçalves, fundador daquela instituição. No que diz respeito à se\-gunda doação, só chegou a Portugal em 1928, para onde fora enviada pelo Governador Maia Magalhães. De Lisboa, seguiu integralmente para a exposição de Sevilha, onde foi apresentada com assinalado êxito, como refere a Gazeta de Coimbra, de 3 de Janeiro de 1931. Porém, no regresso, encontrava-se indelevel\-mente mutilada: tinham-se extraviado, misteriosa-mente, seis peças.
A colecção de Camilo Pessanha, que prima pelo seu ecletismo, é composta de cerca de 300 peças- pin-tura, caligrafia, cerâmica, brocados, indumentária, cloisonné, etc. e encontra-se, como foi mencionado, no Museu Nacional de Machado de Castro, à excepção das peças referidas nesta carta, que foram ofereeidas ao Museu da Macieirinha, do Porto, pelos herdeiros de António Pinto de Miranda Guedes.
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até a p.