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JORNALISMO NA CHINA
A GALÁXIA MACAU

A China não teve de esperar pela Europa para conhecer as inevitáveis vantagens da arte tipográfica. Muito antes de Guttenberg, já por todo o Império circulavam éditos, bolet ins noticiosos e informativos, aquilo a que se pode chamar formas embrionárias de jornal. Co ntudo, só nos anos vinte do século passado, foi impresso em Macau, na língua de Camões, o primeiro jornal de tipo moderno do continente chinês. "A Abelha da China", de seu nome. Uma vez mais, Macau foi o porto oriental que acolheu os então recentes sinais de modernidade.

Passaram em Setembro (período abrangido no semestre deste número da Revista de Cultura) 168 anos da publicação do primeiro número da "Abelha da China" (12/9/1822). Assinalado na generalidade dos autores como o primeiro jornal de Macau e, em escassas referências, como o primeiro jornal moderno publicado no continente chinês, a "A Abelha da China" não es tá nesta qualidade suficiente e definitivamente relevada na história da imprensa na China.

Os textos de seguida reunidos e convocados, complementando-se num esboço geral da hist ória dos primórdios da imprensa periódica na China, buscam assim um enquadramento que, r ealçando opioneirismo da "Abelha da China", reforçam o papel histórico de Macau como dif usor de modernidade, inovação e diferença no espaço sínico.

Não pode divorciar-se o surgimento da imprensa periódica, nas partes setentrionais da China, da introdução das técnicas europeias de tipografiano Século XVI, pela mão do jesuíta Alexandre Va-lignano e através de Macau. Foram grandes as repercussões dessa in ovação tecnológica europeia no Oriente, da Índia ao Japão, passando pelas Filipinas e pela China; com as dilacções compreensíveis, (por distanciamento geográfico e cultur al) também por esta via o Extremo Oriente se orbitou civilizacional-mente à Galáxia Guttenberg, à era cultural da civilização escrita, num processo histórico em que as técnicas da imprimissão vulgar haveriam de materializar o que estava anunciado desde que a Bíblia, isto é, o Livro, assegurava no tempo profano o qu e se perdia ou ocultava na milenar tradição oral da humanidade.

Servindo, sobretudo, as finalidades apologéticas das Ordens Católicas ou das Missões Protestantes, foram aqui desabrochando interessantes centros editoriais, sempre associados à logística impressora.

Espaço de liberdade e de tradição tipográfica, de novo Macau se distinguiu, nos p rincípios do passado Século, como viveiro primacial da imprensa periódica, aonde se tra nsplantaram também várias empresas editoriais obrigadas à interrupção na vizinha Ca ntão, enquanto não dispuseram da pax de Hong Kong. Aqui vem entroncar também a mo derna sinologia ocidental, de que a revista "Chinese Repository" é uma das primeiras expre ssões.

A chamada imprensa moderna ou de tipo moderno começou a surgir historicamente nos paíse s ocidentais com a emergência da consciência política das sociedades ou de sectores dessa s sociedades.

Veículos interventores de vanguardas ideológicas ou de "famílias políticas", os pe riódicos começam a pulular ao ritmo a que os diferentes projectos de organização da soc iedade, sincopada a unidade do Estado no "Ancien Régime", radicalizam teses e se impacientam na escalada de acesso ao poder par-tilhável. Arma de vulgarização das "ideias incendiá rias" que, das forjas da França de fins do Século XVIII, começaram a alastrar pela Europa e o Novo Continente, os "Mercúrios" e "Gazetas" multiplicaram-se em poder e tiragens c om a introdução dos tipos móveis metálicos.

Acorrendo às crescentes pressões e solicitações, subjectivas e objectivas, de info rmação, as gazetas passam de hebdomadárias a quotidianas, adquirindo os clássicos dist intivos da imprensa moderna: periodicidade, actualidade e variedade. Expressão pública da liberdade opiniosa institucionalizada, os jornais modernos passam a caracterizar-se sobretudo como veículos confessionais da concorrência política ou ideológica, e assim maiormente das oposições aos regimes, aos sistemas ou aos poderes vigorantes.

A imprensa dos novos tempos é a arma que assinala na história o surgimento da propagand a política sistemática.

Também o primeiro orgão periódico de informação surge em Portugal ligado às nec essidades de propaganda do movimento da Restauração. E é curioso assinalar que a "Gazeta da Restauração" começa a ser publicada apenas em Novembro de 1641, quase um ano depois do movimento revoltoso, isto é, quando as condições políticas permitiam uma liberdade prepa rada longamente por outras formas editoriais discretas e "restauradoras" dos mitos nacionais.

A chamada imprensa moderna está assim intimamente associada às características e evol ução política das sociedades europeias. Aqui introduzida, é uma novidade portadora de u ma lógica que é estranha e se confronta com sociedades organizadas segundo outra ordem, onde a sólida pirâmide da burocracia celeste se hierarquiza até ao cume de um agente máximo do poder que é, no microcosmo do Estado, o Descendente do Céu.

Não surpreende, pois, que frente a uma estrutura de Estado total e radicalmente unitári a e integrada, a "Abelha da China" constitua uma novidade precursora - orgão de uma família ideológica que se ergue na oposição política a uma Administração, cujos actos critic a, denuncia e combate.

Expressão pioneira do jornalismo dos tempos novos, impressa em caracteres móveis metálicos, a "Abelha da China" inicia um caminho logo concorrido por. tantos e tão variados orgãos de imprensa dentro do continente chinês - movimento editorial que, caminho dos fins do Século, iria propugnar as teses da modernização da China e o derrube da Dinastia Qing.

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