Atrium

APRESENTAÇÃO

Carlos Alberto dos Santos Marreiros Presidente do Instituto Cultural

    Entre a folha branca e o gume do olhar 
    a boca envelhece. 
    
    Sobre a palavra 
    a noite aproxima-se da chama. 
    
    Assim se morre dizias tu. 
    Assim se morre dizia o vento acariciando-te
    a cintura. 
    
    Na porosa fronteira do silêncio
    a mão ilumina a terra inacabada. 
    
    Interminavelmente. 

    (in "Véspera da Água" de Eugénio de Andrade)

O presente número de Revista de Cultura, provavelmente mais que qualquer das suas ante riores edições, foi arquitectado sob o transepto da História. Não que, antes, os tema s catedrais da História não tenham sido elevados até às cúpulas, ou ardido nos tu ríbulos dos investigadores de Macau mas, mesmo assim, quero destacar o seguinte: de quase p assiva administradora da miscelânea de textos que os autores generosamente lhe vão confi ando, a RC afirma-se, neste número, activo intelecto organizador de temas e autónomo inve stigador - destarte, também, obreira humilde de uma historiografia macaense que assim se vai enriquecendo de pequenos grandes contributos.

Servem de ilustração a este facto as áreas aqui dedicadas à Imprensa Periódic a e à Fotografia. Dentro de enquadramentos conformados por perspectivas diferentes de divers os autores - e que resul-tam em abordagens gerais aos temas - confluem e reforçam-se as razões de evidência do pioneirismo de Macau nestes dois campos de manifestação cultu ral.

Já sobre a "Abelha da China" estava afirmado (P.e Manuel Teixeira, Luís Gonzaga Gomes) que fora o primeiro jornal periódico editado no continente chinês. Num quadro informativo mais denso e abrangente, aduzem-se as razões históricas, explicativa s e promotoras, de consagração da "Abelha da China" como o primeiro órgão da imprensa pe riódica moderna editado na China, reproduzindo-se em fac-simile o seu primeiro númer o, publicado em Setembro de 1822, cujo um exemplar jaz, tombado, na nossa Biblioteca Central de Macau.

Jornal oficial de uma Administração que, tomado como baluarte de outra família ideo lógica, livremente critica a própria tutela, a "Abelha da China" fica para a História do Continente Chinês como um dos mais significativos símbolos culturais, em que Macau foi bandeirante das sendas do futuro.

Mais merece o corpo aqui dedicado à história da Fotografia na China. Partindo dos elem entos disponíveis - exposição patenteada no Arquivo Histórico de Macau sob a publicidad e de "As Primeiras Fotografias de Macau e Cantão" - a RC ousou, com lucidez e pesquisa, promo ver os mesmos factos à superior instância da lista estimável dos contributos pioneiros d e Macau para a civilização chinesa. Sob o título, que não é redundante, de "As Pr imeiras Fotografias na China e da China", ficam assim propostas as fotos do francês Jules Iti er como as primeiras alguma vez captadas em terras da China que, simultaneamente, tomou conheci mento da máguina fotográfica e dos processos de fixação e revelação inventados por Jacques Daguerre cinco anos antes.

Mas lançam-se ao futuro os arcos-botantes desta cúpula que se eleva neste núm ero duplo da Revista de Cultura. A fidelidade de Macau à sua mais medular tradição e vocação será a única via de continuidade do progresso. A garantia da sua subsistência na diferença como grand' arco de passagem da grande revolução cultural gerada no Oci dente, desde os anos trinta e que prepara a institucionalização histórica da Nova Idade.

Assim, hoje, em Macau, nas Artes.

Na Gravura, novas técnicas, processos e concepções, dão já corpo a um núcleo de artistas gravadores em afirmação pujante e a um intercâmbio onde o Território pode equiv aler-se ao que de melhor existe nesta área geográfica.

Na Pintura, e sublinho a importância dos artistas para a construção do imaginário colectivo e da sublimação da identidade própria de Macau, do justo destaque dado a Marc iano Baptista passo para os artistas do Círculo dos Amigos de Cultura de Macau, exemplo vivo da capacidade de fundir sínteses culturais nos dias de hoje, com metais e fogos do passado e da contemporaneidade.

E nesse fogo intenso e incestuoso - porque acasala sensibilidades teoricamente impossívei s -arde em transparências e fulgurações de vermelhão sanguíneo, a confiança da cont inuidade indestrutível da historicidade de Macau no porvir, porque sobe alto nas labaredas do stempos, deixando baixas as poeiras das contemporaneidades, das intrigas historicistas do pres entismo, das anuências pseudo--catedráticas de efémeros arqueólogos dos papéis amar elecidos ou de politiqueiros de convenções apressadas.

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