Centenário

2 POEMAS DE
José dos Santos Ferreira

LUZ DI NATAL

    Sino ta rapicá na tudo gréza, 
    N'altar, candia têm fôgo sandido. 
    Alma crente, masquí sofrê tristéza, 
    Nádi sintí esp'ránça cai perdido. 
    
    Sã Natal, j'olá? Céu ficá luzido, 
    Istréla ta dá cor, mostrá grandéza
    Di unga dia nunca isquecido, 
    Di unga anôte inchido di beléza
    
    Si têm fé, nádi lô iscurecê. 
    Nôs sã já uví falá di salvaçám, 
    Di tánto uví, qui certo lôgo crê. 
    
    Alegrá co Jesus, alma cristám, 
    Dessá luz di Natal vêm devolvê
    Esperánça pa tudo coraçám. 

(Natal, 1990)

MADRUGADA NO PINHEIRAL

Um dia pela manhã, muito cedinho, estava o céu apenas um nadinha iluminado, a aurora a querer despontar,

Caminhando devagarinho, subí à colina da Guia,

Para gozar mais uma madrugada das minhas setenta primaveras.

Naquele benigno pinheiral, tão cedinho,

Tudo era sossego,

Tudo era beleza.

Na realidade, dá gosto respirar esses ares de paz,

No meio de coisas puras que Deus criou

Com algumas outras boas que mãos humanas fizeram.

Oh! Bentido pinheiral!

No topo está o Farol da Guia,

Com a morada de Nossa Senhora ao lado;

O farol emite luz intensa para alumiar o mar, indicando caminho aos barqueiros que ali remam os seus botes;

Na capela, a Mãe de Deus, com todo o carinho, vela sobre Macau,

Iluminando a nossa alma com a luz de Seus olhos, com o Seu coração cheio de bondade.

Encontrado um banco para me sentar, ergui os olhos para avistar o firmamento, baixando-os depois para contemplar o mar em baixo.

A água luzia,

O firmamento tinha começado a aclarar, iluminado por duas faixas de clarão avermelhado.

Não faltava frescura,

O ambiente sereno estava ali.

Era madrugada no pinheiral de Macau,

Mais um dia que despontava na nossa vida.

Vejo agora o Sol a subir, pachorrento, mostrando um segmento da sua careca redonda.

Devagarinho, a testa fica à mostra,

Devagarinho, a cabeça se ergue toda, parecendo uma bola de fogo a emergir do mar, subindo, subindo para o espaço.

MADRUGADA NA PINHERAL

Unga dia pramicedo, cedo qui cedo, céu um-chinho lume na-más, dia ta querê abrí,

Iou vagar-vagar andá, já trepá vai mato Guia,

Pa gozá más unga madrugada di iou-sa saténta primavera.

N'acunga pinheral, assi cedo,

Tudo sã sosségo,

Tudo sã beléza.

Divera dá gosto respirá selea bafo di paz,

Na meo di ancuza puro qui Dios criá,

Co quánto ancuza bom qui mám di home fazê.

Ah! Bendito pinheral!

Na riva, sã farol di Guia,

Co casa di Nos'Sióra na lado;

Farol sai luz fórti lumiá mar, mostrá caminho pa barquéro qui ta remá su lorcha;

Mai di Dios na capela, co tudo carinho, ta olá Macau,

Lumiá nôsso alma co luz di Su ôlo, co Su coraçám fêto di bondádi infinito.

Cavá buscá unga bánco pá vai sentá, iou erguí ôlo tentá céu, bassá ôlo contemplá mar na basso.

Águ ta luzí,

Céu justo ta começá abrí, lumiado pa dôs fio di clarám vemelado.

Frescura nunca faltá,

Serenidádi têm ali.

Sã madrugada na pinheral di Macau,

Más unga dia ta abrí na nôsso vida.

Sol agora, pachorento, ta subí, ta mostrá unga tiz redóndo di su careca.

Vagar-vagar, su testa ta sai vêm fora,

Vagar-vagar, su cabéça ta impiná, ramendá unga tira di fôgo ta sai di mar, subí, subí vai céu.

Muito jovial,

O Febo fita sorridente os olhos em Macau, Convidando a despertar do sono a Cidade do Nome de Deus.

Ainda um pouco estonteado com o sono, eu tive a ilusão de ter ouvido ao Sol dizer:

"Bom dia, Macau! Quê novas, Macau!"

Agora, tudo aparece iluminado: o céu, o mar, as colinas, o piso das ruas, jardins e os telhados das casas.

Assim começou mais um dia...

Volvendo os olhos para rever a mata espessa,

Fui vendo imensas árvores grandes e arbustos baixinhos cobertos de folhas frescas.

Árvores plantadas por todo o solo da colina,

Baralhadas com uma quantidade de pinheiros,

Pareciam um mundo de verdura.

Tudo era frescura impregnada de cheiro deleitoso, saudável a não poder mais.

Perpassava uma brisa suave,

Refrescando meigamente o meu rosto;

O frescor envolvia-me o corpo inteiro.

O aroma agradável dos pinheiros exalando nos ares, depressa me entrava pelas narinas, indo direito aos pulmões.

Levanto-me e começo a andar

E vejo gente por todos os cantos;

Velhos e velhas, jovens, dispersos aqui e ali,

Uns correndo, outros andando vagarosamente,

E outros ainda flectindo os joelhos e braços, praticando com lentidão o seu "t'aip-kêk".

Homens transportando canários em gaiolas,

Mulheres levando crianças pela mão,

Todos gozavam essa doce frescura da madrugada no pinheiral.

Quelê alegre,

Sol raganhado tentá Macau,

Chomá Cidádi di Nómi di Dios erguí di sono.

Iou, um-chinho ton-tôm mon-tôm di sono, sintí ta uví Sol sai voz falá: "Bom-dia, Macau! Qui-nova, Macau!"

Agora, tudo já ficá lume: céu, mar co montánha, chám di rua, jardim, co telado di tudo casa-casa.

Assi já começá más unga dia...

Virá ôlo tentá acunga matozarám,

Iou olá quelê tánto árvre grándi, co arvrito pequinino, inchido di fólia-fólia fresco.

Árvre semeado na tudo chám di montánha,

Champurado co unga porçám di pinhéro,

Ramendá unga mundo fêto di verdura.

Tudo sã frescura burifado di vento cheroso, certo nom-pôde más di bom pa saúde.

Unga bafo suávi di vento ta aguá,

Mánso-mánso ta rafrescá iou-sa rosto;

Fresquidám ta abraçá iou-sa corpo intéro.

Acunga chêro sabroso di árvre-pinhéro qui ta izalá na ar azinha intrá na buraco di nariz, vai drêto pará na pulmám.

Iou erguí, vai andá,

Pa tudo vánda, agora, ta olá gente;

Vêlo co vêla, gente, jóvi, têm aqui, têm alá,

Quim corê, quim rónça-rónça andá,

Quim arcuá perna, bulí braço, ta fazê su "t'ai-kêk" co mesura.

Nhu-nhum cartá canário na cajola,

Nho-nhónha pegá quiança na mám,

Tudo ta gozá acunga dóci frescura di madrugada na pinheral.

(Escutem: Afinal de contas,

Quem foi que se lembrou de mimosear Macau com este bendito pinheiral?

Ah! Bem inteligentes eram, na realidade, as pessoas doutros tempos, não eram?

Pois, em vez de perderem o seu tempo a sonhar com árvores das patacas, buscando sarna para se coçarem,

Elas se esmeraram e plantaram tão vasta quantidade de pinheiros, por bem da nossa saúde...)

Por todos os cantos do pinheiral,

Passarinhos mexendo seus bicos, cantam pio... pio... pio...

Centenas deles, empoleirados nos ramos das árvores, sobre as rochas, no chão da mata,

Assobiam doces melodias da alvorada.

Ora cantando, ora andando aos pulinhos e volitando,

Passarinhos pequenos, amorosos, de variadas cores,

Fazem lembrar criancinhas brincando nos campos.

São mimos da Primavera,

Época de brisas fresquinhas,

Tempo em que as flores em botão desabrocham lindas, resguardadas por viçosas folhas;

É quando as borboletas coloridas esvoaçam, indo dum lugar para outro.

Deveras lindo!

Que lástima não estar ali o nosso Camões com a sua pena de mestre.

Quanta poesia bela não faria ele

Na serenidade daquela solidão,

Com a inspiração de tamanha beleza!

Macau não possui muitas e muitas coisas,

Mas tem a sua Primavera, filha predilecta da Natureza,

Com as suas brisas acariciantes, flores perfumadas

E céu azul.

(Uví, af'nal di cónta,

Sã quim já lembrá fazêestunga bendito pinheral na Macau?

Ah! Gente antigo divera capaz, sã nunca?

Em viz di perdê tempo sunhá co árvre di pataca, buscá sarna pa cuçá,

Ilôtro já matá-morê, pa semeá assi tánto árvre-pinhéro, pa bêm di nôsso saúde...)

Pa tudo cánto-cánto di pinheral,

Passarinho bulí-bulí su bico cantá pio... pio... pio...

Quánto-cento di ilôtro impolerado na rámo di árvre, na riva di pedra, na chám di mato,

Ta subiá su dóci cantiga di madrugada.

Ora cantá, ora pulá-pulá, aguá,

Passarinho pequinino bunitéza, di laia-laia côr,

Ramendá quiança-quiança inocénte ta brincá na campal.

Sã Primavera, j'olá?

Sã tempo di frescura,

Sã tempo qui botám abrí, virá ficá fula bunito dado braço co fólia fresco.

Sã tempo di borboléta garido

Aguá di unga pónta pa ôtro.

Divera bunito!

Qui saiám nôsso Camões nom-têm ali co su péna di mestre...

Quánto posia suávi êle nádi fazê

Na serenidádi di acunga lugar retirado,

Co ajuda di tánto beléza!

Macau nom-têm unga porçám di ancuza,

Mâz têm su Primavera, fila quirida di Naturéza,

Co vento qui fazê mimo, fula qui sai cherôso,

Co céu azul.

O Sol brilhante nasce pela manhazinha do lado do mar,

E ao cair da tarde

Vai repousar por detrás da montanha, pelos lados da Barra.

Ao anoitecer,

A Lua cor de prata, risonha,

Vem-nos alumiar, fazendo luzir como espelho a água do mar,

Com uma infinidade de estrelas ao seu redor, estrelas que brincam connosco, abrindo e fechando os seus olhitos.

Quem desce à praia

Vai ouvir o frá... frá... frá... das ondas, atrás umas das outras,

Estendendo os braços, meiguinhas, acariciando com beijos a areia.

Daqui por uns anos, depois de dizer adeus a todos nós,

A Portugal e a todos os seus filhos espalhados pelo Mundo inteiro,

Macau talvez deixe de ter muitas das coisas deliciosas...

Talvez não tenha o arroz-carregado com porco, balichão e tamarinho;

Chau-chau de pele e amargoso em lorcha;

Galinha chau-chau à parida;

Talvez não tenha o bolo menino, bagí e fios de ovos;

Pode, quiçá, não ter quem toque viola, para a Chacha cantar a sua "Bastiana"...

Mas a sua Primavera com frescura,

Passarinhos a cantar pi... pi... pi...

Não faltarão certamente.

Gente de mão de ferro pode destruir tudo, pode virar uma casa de pernas para o ar,

Mas ninguém pode tocar em coisas misteriosas

Que Deus próprio criou.

Vamos nós, amanhã, pela manhã, muito cedinho,

Subir vagarosamente a calçada até ao pinheiral,

Para respirar brisa pura,

Ouvir cantar os passarinhos,

Ver borboletas a voar,

E ouvir o Sol bonachão dizer "Bom dia, Macau!"

(Maio de 1989)

Sol briliánti pramicedo erguí na vánda di mar,

Chegá perto iscurecê

Vai discansá na trás di montánha, na vánda di Bara.

Chegá anôte,

Lua côr di prata, raganhado,

Lôgo vêm lumiá nôs, fazê águ di mar luzí ramendá ispêlio,

Co unga porçám di istréla juntado, capí-capí ôlo brincá co nôs.

Quim vai praia,

Lôgo olá ónda frá... frá... frá... unga trás di ôtro,

Istendê braço, fazê garidiça, chapá bêço bezá area.

Más quánto áno, cavá falá adios pa nôs,

Pa Portugal, pa tudo su filo-filo ispalado na Mundo intéro,

Macau pôde-sã qui nádi têm tánto ancuza sabroso...

Nom-têm aroz caregado co porco balichám-tamarinho,

Cha-chau di pêle, margoso-lórcha,

Galinha cha-chau parida;

Nom-têm, bôlo-minino, bagí, cabêlo-nóiva;

Nádi têm nhum capaz tocá viola pa chacha cantá su Bastiána...

Mâz Primavera co frescura,

Passarinho cantá pi... pi... pi...

Certo lôgo têm.

Gente co su mám pesado pôde quebrá tudo, pôde virá casa di pê pa cabéça,

Mâz ninguim pôde bulí co ancuza misterioso

Qui Dios onçôm já criá.

Vêm-cá nôs amanhá pramicedo, cedo qui cedo,

Vagar-vagar subí ladéra vai pinheral,

Respirá vento puro,

Chomá passarinho cantá,

Olá borboléta aguá,

Uví Sol bondoso falá "Bom-dia, Macau!"

(Maio di 1989)

desde a p. 126
até a p.