Centenário

ANTIFADO CHAMADO PORTUGAL
Oferecido por Agostinho da Silva para o Amigo pontuar à vontade

Que mau jeito teve o moço

testarudo e de mão brava

de se opor a sua mãe

que amava o Conde de Trava

sem perceber que o fazendo

punha o Minho de fronteira

entre nós os portugueses

e Galiza a companheira

pela qual o nosso amor

jamais se desmentirá

e decerto a qualquer hora

algum jeito se dará

já que a flor do verde pinho

na língua deles se chora

pelo que o jovem pôs fora

gratos porém para sempre

porque nos deu Santarém

ousou armar-se em Zamora

e nos postou sobre o Tejo

que já ia mar em fora

enquanto o rei repetia

o que não se teve um dia

se terá em qualquer hora

depois os filhos e netos

muito Sanchos muito Afonsos

talharam-nos Portugal

menos ternos do que intonsos

a bom ferro e bom foral

felizmente o Lavrador

pôde parar na função

compor jardim defendê-lo

a leste com pedra e cal

para oeste sobre o mar

com muralhas de pinhal

e com tempo de pensar

e cuidar de haver marinha

nos arranjando o Peçanha

que muito século após

em sua directa linha

o Poeta de Macau

nos dava em onda final

com sua irisada espuma

da fala de Portugal

poeta sendo também

o nosso rei Dom Dinis

em seu paço de Lisboa

ou seu castelo do Lis

com as palavras domadas

mas as paixões em tropel

fazendo à força bem santa

sua rainha Isabel

e o povo solto nas festas

da criança imperador

e dos banquetes em paga

e sem prisões de terror

mas quis Deus pairar de novo

por sobre as águas do mar

para que o mundo criado

se viesse a recriar

no se conhecerem homens

dum lado a outro da terra

e transformou o jardim

em cais do sonho que encerra

a mente que Deus é todo

mas tem o mar vida e morte

mas tem o mar vaga e lodo

e nos coube a nós em sorte

a glória ganhar vogando

para encontrarmos em terra

toda a tristeza penando

sempre as lágrimas de Inês

sempre o Cru e sua fúria

sempre o brilho das estrelas

velado por nossa incúria

teve que vir quarto Afonso

teve que vir duro Infante

teve que vir Dom João

de lua em quarto minguante

para que aos pães milagrosos

da boda em longe profundo

replicasse Portugal

multiplicado no mundo

e a Deus servindo que só

ainda que muito possa

tanto Povo não criava

sem a força que é a nossa

e bem o soube em seu tempo

tempo de sonho e de lida

Camões que levou a vida

por entre visões e dores

quando nos fez deuses gregos

em suas ilhas de amores

mas rolou ano após ano

sem haver aurora nova

um cume se levantava

logo passava a ser cova

noites e noites de borco

só a lama nunca o pé

pisando o solo a subir

que nos prometia a fé

quanta lágrima chorada

quanto esforço desprezado

quanta ideia feita nada

quanto peito destroçado

por toda a parte lembranças

sombra só das esperanças

e foi tudo Afonso Quarto

com heterónimos vários

até que em setenta e quatro

sopraram ventos contrários

mesmo a si próprio contrários

em turbilhão de começo

de mundo ase construir

coitados dos inocentes

julgando nos confundir

como se ninguém soubesse

o navegar de bolina

o de obrigar o que é contra

a servir a nossa sina

mão no leme companheiros

olho ao rumo almas ao tudo

a vida é nossa é moldá-la

não me iludas não te iludo

desde a p. 131
até a p.