O Comércio

O MUSEU E A ARQUITECTURA

Carlos Moreno*

A arquitectura tem vindo a assumir cada vez mais um papel preponderante no processo de concepção de um novo museu, não apenas no que respeita à definição formal que deverá ser dada ao novo edifício, com todas as suas vertentes de natureza funcional, técnica ou económica que lhe devem estar subjacentes, como no que se refere à forma de organizar convenientemente o espaço visitado, e mesmo a sua interdependência com o mundo exterior e em particular com o meio ambiente que o cerca.

Na origem de tal facto está a própria concepção de museu, que tem vindo a evoluir ao longo dos tempos; e se o seu conceito tradcional assentava 'a priori'numa estrutura estática e fechada consigo mesma, onde os objectos a expor, mais ou menos valiosos, eram devidamente "armazenados" e expostos, mantendo contudo uma relação de distanciamento para com o visitante, tal conceito tem vindo a alterar-se profundamente e hoje o museu não é mais considerado como a antítese da vida quotidiana mas sim integrado na estrutura social e urbana, sendo as barreiras suprimidas em toda a medida do possível.

A arquitectura é então aqui chamada para recriar as condições favoráveis à implementação deste novo conceito museológico, procurando atingir a qualidade espacial que permita estabelecer uma comunicação efectiva entre o objecto e o visitante, abolir a separação entre o "passado" e o "presente", entre o que é "morto" e o que está "vivo".

Uma característica importante dos museus actuais é também o pluralismo, quer da natureza e conteúdo dos objectos ou temas abordados, quer da composição sociológica dos visitantes. Começa-se assim a reconhecer que é uma obrigação moral dos museus tornar acessível ao maior número de pessoas o potencial de educação e de cultura que cada objecto contém, com recurso frequente a diversos meios de interpretação, designadamente os audio-visuais, cuja importância e difusão não cessa de crescer.

Uma outra característica que os museus actuais revelam é o dinamismo. Os objectos deixam de estar a dormir nas suas vitrinas ou lugares de exposição, e estabelece-se uma relação interactiva entre estes e os visitantes, ambos protagonistas únicos do espaço cultural comum que é o museu.

Ao invés de separar o objecto dos visitantes, procura-se antes establecer uma relacão directa entre ambos, e em alguns casos defende-se mesmo a situação inversa: é o visitante a ser separado dos objectos, que assumem assim função primordial e activa no espaco cénico em que se transforma o museu.

Estas considerações servem para apressentar, em termos genéricos, as bases conceituais e programáticas que gostaríamos de ver consistentemente atingidas no futuro Museu Marítimo de Macau, instituição que dispõe neste território da Ásia de um espaço sócio-cultural perfeitamente legítimo para ocupar, e que deu recentemente os primeiros passos com a inauguração de uma pequena área de museu, ocupando instalações provisórias num edifício do Largo do Pagode da Barra.

Esta primeira acção, para além de ter o mérito de permitir a recuperação física e funcional de um edifício de habitação dos anos quarenta, que estava em acentuado estado de degradação e que assim adquiriu de novo uma presença afirmativa no conjunto envolvente do Largo, possibilitou também a oportunidade de se tentarem aplicar na prática alguns dos conceitos atrás esboçados, e que naturalmente se procurarão desenvolver e melhorar quando for construído o edifício onde no futuro irá ficar instalado definitivamente o Museu Marítimo de Macau ·

*Arquitecto; autor do projecto do Museu Marítimo de Macau.

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