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Macau, por momentos

Celina Veiga de Oliveira*

Em 1415, começa a alongar-se o reino de Portugal, com a conquista de Ceuta.

Um século e meio mais tarde, os Portugueses estão estabelecidos em Macau e os seus «navios negros» frequentam os portos do Japão. Estava quase completa a europeização da Terra.

Entre estas duas etapas, as caravelas com a cruz de Cristo tinham referenciado os arquipélagos atlânticos, definido o perfil da África, revelado o Brasil, ligado as águas dos oceanos Atlântico e Índico e penetrado no Oriente e no tão cobiçado comércio oriental:

    «Há nela [na Índia] toda abundância
    de maças, cravo, canela, 
    noz, gengibre em abastança, 
    e pimenta de si lança
    que se enche o mundo dela, 
    âmbar, almíscar, tincal, 
    lenhóleos, cordial, 
    licorne, ruibarbo, tem, 
    cassia, sândalos também, 
    cânfora, aguila, e isto tal. 
    
    Tem rubis, diamantes tais
    que não tem preço ou contia
    esmeraldas mui reais, 
    pérolas de mui grã valia. 
    Espinelas, e tem mais
    carbúnculos, ametistas, 
    turquezas e crisolitas, 
    safiras, olhos de gato, 
    japonças, de tudo há trato, 
    e outras mais que são ditas
    
    Tem ouro, prata, brocados
    de mil feições, mui formosos, 
    entretalhos, e borlados, 
    muitos e subtis chapados, 
    mui ricos, pouco custosos: 
    ricas sedas de mil sortes, 
    alcatifas, chamelotes, 
    porcelanas, benjoins, 
    sinabafos, rambotins
    delgadíssimos e fortes. 
    
    Muitos damascos da China, 
    cofres de rede dourados, 
    mesas, leitos marchetados, 
    e mui rica prata fina
    de bestiães bem lavrados: 
    e quanto aljôfar tem, 
    quanta seda de lá vem? 
    que polícias tão polidas? 
    riquezas, cousas sabidas, 
    que antes não soube ninguém? 
    
    Tratam ricas pedrarias, 
    são mui grandes mercadores, 
    têm ricas mercadorias, 
    drogas, especiarias, 
    são nisso mui sabedores: 
    tratam na terra, no mar, 
    sabem tudo bem guardar 
    o que na terra se cria, 
    para quando tem valia; 
    para dedos é seu contar. 
    
    Querem ouro, prata, cobre, 
    vermelhão, querem coral 
    azougue também lá vale, 
    quem tem vinho não vem pobre, 
    se é de Almada, ou do Seixal: 
    não vendem nada alguns meses, 
    até que vão os Portugueses, 
    por venderem junto e bem: 
    mais modo no trato tem 
    que Veneza, e Genoveses». 

Assim definia Garcia de Resende a agitação mercantil que se vivia em Portugal, transformado, por via da sua política de transporte, em feira universal.

Mas era preciso continuar e entrar no rendoso circuito comercial que se estabelecia entre o Grande Império Chinês e os portos do Índico.

Por isso, D. Manuel I envia, em 1508, Diogo Lopes de Sequeira a descobrir Malaca, para indagar como eram os «chins e de que parte vêm e de quão longe e de quanto em quanto vêm a Malaca e as mercadorias que trazem e quantas naus deles vêm cada ano, e se têm feitores ou casas em Malaca ou em outra alguma terra, e se são homens fracos se guerreiros, e se têm armas ou artilharias, e que vestidos têm, e se são cristãos se gentios (…)».

Diogo de Sequeira que, de facto, já está em Malaca em 1509, na sua nau, a jogar xadrez, encontra juncos chineses, contacta com os seus ocupantes e, segundo Fernão Lopes de Castanheda, «ficaram tão amigos que ao outro dia foi comer com eles».

Paz curta, no entanto, porque a cidade é o maior centro distribuidor de especiarias das ilhas vizinhas e, simultaneamente, uma base naval que controla o estreito entre o Índico, o Mar de Java e o Mar da China Meridional, sendo, por conseguinte, muito cobiçada. Está, na altura, povoada de mouros, encarniçados inimigos dos Portugueses; mouros que tecem uma armadilha, obrigando Diogo de Sequeira a fugir para evitar a captura, deixando prisioneiros alguns portugueses.

Em 1511, Afonso de Albuquerque aparece em Malaca e exige os prisioneiros; como não é obedecido, toma a cidade. Tinha, para tal, recusado a ajuda de chineses que se lhe ofereceram «para sair em terra em sua companhia», alegando que os Portugueses não costumavam precisar da ajuda de ninguém para lutar contra os mouros, a não ser da ajuda de Deus...

Entre os oficiais de Afonso de Albuquerque, conta-se Jorge Álvares, o primeiro português a pisar terras da China; acompanhado de um filho e de um companheiro que vai como escrivão da viagem, parte de Malaca, em 1513, chegando à ilha de Tamão, referenciada como sendo a ilha de Lin Tin, a 52 km a nordeste de Sanchuão e a 32 km a sueste de Macau.

Jorge Álvares sai a terra, faz algum comércio em troca de pimenta, ergue um padrão com as armas reais, junto do qual enterra o filho que lhe morrera, e regressa. Voltará oito anos depois, já escrivão de Malaca, honra que lhe fora concedida como prémio da anterior navegação, e será sepultado no mesmo local onde repousa o filho.

Entre 1513-1515, Tomé Pires, farmacêutico de profissão e boticário real, escreve, na «SUMA ORIENTAL» - a obra mais completa sobre o exotismo do Oriente da primeira metade do século XVI -, que Cantão é, juntamente com Oquem (Macau), a «chave do Reino da China».

Será ele quem irá à China como embaixador de Portugal, em navio comandado por Fernão Peres de Andrade, que o deixará em Cantão, em 1517. Daí segue para a corte de Pequim, a cobrar audiência do Imperador.

Fracassa, no entanto, a acção diplomática de Tomé Pires e, durante alguns anos, serão difíceis as relações entre os dois países, embora os Portugueses fizessem várias tentativas, mal sucedidas, para renovar os contactos comerciais directos com Cantão.

Procuram os nossos mercadores as grandes feiras que reuniam milhares de barcos ou as regiões isoladas onde, por isso mesmo, as suas mercadorias podiam ganhar alto preço.

E não desistem!

Pouco a pouco, vão estabelecendo escalas e pontos de encontro; e uma espécie de comércio clandestino, com o consentimento mais ou menos explícito das autoridades locais, é então iniciado. Ao longo da costa da China, são estabelecidas prósperas mas efémeras feitorias, como as de Liampó e Chincheu.

Ambas terminam tragicamente!

Paralelamente às primeiras tentativas de fixação no litoral chinês, chegam os Portugueses aos portos do Japão por volta de 1542 e, apercebendo-se de que entre este país e a China não havia, por proibição recíproca, qualquer tráfego marítimo e comercial, actuam como intermediários e trocam a seda manufacturada ou em rama por barras de ouro e de prata.

Em 1554, conseguem os Portugueses autorização para a realização duma feira anual, juntamente com os viajantes do Japão, na ilha de Sanchuão - onde, dois anos antes, tinha morrido S. Francisco Xavier - situada a cerca de 50 milhas a sudoeste de Macau, «ilha cá fora no mar, onde os portugueses estiveram primeiro em choupanas e casas de palha, que, depois de fazerem sua feira e seus empregos, indo-se para a Índia, as queimavam».

A feira foi, entretanto, mudada para a ilha de Lampacau, situada mais para leste, cheia de rochas e livre de sepulturas, o que a tornava fácil de ser frequentada por estrangeiros.

É incontestável que é a Leonel de Sousa, capitão-mor da marinha mercante portuguesa na China, que os portugueses devem a oportunidade de retomar o comércio aberto com os cantonenses, tornando-o distinto das negociações clandestinas, pois ele ajusta um assentamento ou acordo com as autoridades chinesas podendo, desde então, fazer-se o tráfico com sanção oficial.

«E desta maneira fiz paz e os negócios na China, com que todos fizeram suas fazendas e proveitos, seguramente foram muitos portugueses à Cidade de Cantão, e outros lugares por onde andaram folgando alguns dias e negociando à sua vontade sem receberem agravo (...)» - escreve Leonel de Sousa numa carta ao Infante D. Luís, irmão de D. João III.

A data exacta da primeira estadia dos Portugue-ses em Macau é controversa, mas aceita-se 1557 como o ano em que nos foi permitido estabelecer uma feitoria na península, em recompensa dos serviços prestados na expulsão duma quadrilha de piratas que assolava os mares do Sul da China.

Conta-nos a Relação do Princípio que teve a Cidade de Macao, e como se sustenta até ao presente, manuscrito de 1629: «Sucedeu neste tempo andar um alevantado chincheu com grande armada, roubando e fazendo grandes insultos nos lugares e rios povoados de inúmeras embarcações, e não lhe podendo resistir, os do governo de Cantão pediram socorro aos Portugueses» que o derrotaram e, «por este grande e memorial serviço que fizeram ao rei da China, este concedeu-lhes que pudessem viver na ilha de Macau, dando-lhe aquele lugar em que o ladrão se recolhia com seus roubos».

Seja como for, o certo é que os Portugueses começaram a estabelecer-se em Macau por esta data, apesar de não terem abandonado Lampacau, onde, em 1560, ainda se encontravam 500 a 600 portugueses.

Assim nasceu Macau, o mais brilhante e duradouro estabelecimento português em terras do Extremo Oriente, «último de uma persistente série de tentativas mal sucedidas de mercadores aventureiros ou simplesmente aventureiros» - no dizer de António José Saraiva - para abrirem uma fresta no Grande Império do Meio, tornando-se, deste modo, no mais notável centro da cultura europeia no continente asiático.

Enquanto tudo isto sucedia por Macau, o que se passava no distante e quase esquecido Portugal?

Em 1557, morria D. João III e iniciava-se rapidamente a contagem decrescente para o fim da independência política portuguesa.

Nesta segunda metade de Quinhentos, o império espanhol atinge o seu apogeu terrestre e marítimo, enquanto se acentua o declínio do nosso império oriental e se agrava a crise financeira geral de efeitos prementemente imediatos. Sobre isto, o soçobrar de Alcácer-Quibir, com os seus cativeiros e os seus resgates dolorosos...

Sem dinheiro, as classes senhoriais abrem-se à corrupção espanhola e a alta burguesia pretende, com a união dinástica, garantir a conservação dos ameaçados comércios africano e oriental.

Excluindo o povo, visceralmente hostil a Espanha - desta, «nem bom vento nem bom casamento» -, todos os grupos sociais «convergem, pois, em esperar decisivos proveitos da união das duas coroas - e caminham no sentido de Filipe II, como o monarca espanhol caminha ao seu encontro» (V. M. Godinho, Ensaios II).

1580 não tarda a aparecer!

Tempos amargos estes que se viviam em Portugal, com reflexos inevitáveis em todas as parcelas do Império.

E em Macau?

Diz-nos Luís Gonzaga Gomes que «a primitiva população devia ser constituída por cobiçosos traficantes de pouco escrúpulo que, com as espantosas riquezas facilmente acumuladas [resultantes do comércio com o Japão], deveriam levar uma vida intensamente tumultuosa, criada pela febre do ganho. (...) Não deveria, portanto, ser fácil ter mão em gente tão turbulenta e arrogantemente indisciplinada, e afeita aos dissolutos costumes próprios da época. A única autoridade que existia era a do Capitão-Mor da Viagem do Japão», chefe de todos os barcos e estabelecimentos desde Malaca até ao Japão, representante oficial de Portugal perante as autoridades chinesas e japonesas e dependente do vice-reinado de Goa.

«Era ele quem, durante a sua estadia em Macau, nos intervalos das suas viagens, dirigia os assuntos dos Portugueses, esforçando-se por manter a ordem, superintendendo, igualmente, os embrionários serviços de interesse público.

«Este regime de carácter transitório e resultante das circunstâncias de momento não vigorou, porém, senão nos primeiros anos, pois que o grande incremento que estavam adquirindo os interesses mercantis exigia uma organização mais completa e eficiente, porquanto, a pouco e pouco, foram surgindo assuntos cuja resolução não podia aguardar o regresso do Capitão-Mor da sua viagem do Japão».

Assim, Macau, obrigada por estas razões e pela distância a que ficava de Goa e do Reino a assumir ela própria as responsabilidades do seu fomento e da sua administração, cedo criou «uma vida municipal que ficaria única no género, nos nossos serviços públicos».

Ouçamos Almerindo Lessa: «Instruídos por uma larga experiência de comércio, os moradores decidem constituir-se numa pequena comunidade, na qual cada cidadão tinha direito, quando nela nascido, a ser eleitor e ser eleito; regalias que os naturais de outras partes do Reino, (...) podiam alcançar, uma vez estabelecidos ou casados na cidade. As eleições faziam-se de 3 em 3 anos e o povo organizava uma pauta com os nomes dos «desimpedidos» para os vários Pelouros, a qual era transmitida a Goa para conhecimento do vice-rei que exigia saber das pessoas destinadas aos cargos, muito embora ciente de as não poder escolher nem sobre elas decidir. Desprovida de rendas e sem impostos organizados, o seu primeiro orçamento foi então o do caldeirão ou colecta pública voluntária, onde o dinheiro dos remediados se misturava com o dinheiro dos ricos. E os chineses estranhavam! (...)».

«Os vereadores, em número de três, juravam sobre os Evangelhos e, com mais três entidades oficiais e um secretário, formavam o Senado, cuja presidência passava de modo rotativo, ano após ano, às mãos de cada um deles. Nas situações graves, convocavam, também, as autoridades eclesiásticas e militares, bem como os cidadãos mais notórios e todos decidiam em Conselho Geral, por votação sempre livre, sem descomposturas, sendo multado o que abrisse boca depois de votar (...) e decidindo por unanimidade ou simples pluralidade de voto. Uma vez tomadas, as decisões eram irrevogáveis, ficando cada um e todos como fiscais e árbitros delas».

Macau começa a estruturar-se com os seus moradores, missionários, marinheiros, soldados e funcionários vindos do Reino, além de numerosas gentes orientais que aí vivem como se estivessem «na mais segura parte de Portugal», segundo o dizer de Fernão Mendes Pinto. E no ano de 1585, em sua representação, «os moradores, o Bispo e o Capitão da Viagem do Japão» pedem a Sua Majestade que lhes «faça mercê de a fazer cidade, por ser necessário governo político». A 10 de Abril de 1586, o vice-rei D. Duarte de Menezes comunica ao Senado de Macau a confirmação do nome de «CIDADE DO NOME DE DEUS NA CHINA», com privilégio, honras e mercês iguais aos da cidade de Évora, que vieram posteriormente a ser confirmados por Filipe II.

Ciosa da sua independência, não deixa de fazer sentir ao Governo Central, sempre que pode, que é uma Cidade Livre - mesmo quando este a considera uma simples extensão de Goa - e com um governo diferente de todas as cidades da Índia, «por depender da vontade dos naturais».

Já após a Restauração, o Governador D. João Pereira dizia que «se acha este povo tão livre, que os que temos a cargo governar, não nos é possível mais que governar pelos ditames do seu querer».

O poder residia, pois, no Senado, «um Senado que a tudo é superior», como o caracterizou Bocage, na sua fugidia e mordaz passagem por Macau.

No entanto, era constituído, a maior parte das vezes, por homens «de poucas ou nenhumas letras - quantas vezes assinando as actas com uma simples cruz», mas homens que ouviam o parecer arguto e prudente dos antigos senadores, os «homens-bons» que funcionavam «como uma espécie de câmara de reflexão».

É esta prudência, aliada a um peculiar instinto de sobrevivência, que faz com que os cidadãos jamais consintam que se arvore, em Macau, a bandeira de Espanha, durante a dominação filipina.

Em 1642, recebem, com alegria inteira, a notícia da libertação e nem o receio de perderem os seus haveres em Manila - com quem mantinham contactos comerciais - lhes esmorece o entusiasmo. Grandes festejos ocorrem, então, por todo o Território «para que os mais estrangeiros entendessem quanto a nação portuguesa, nos mais longínquos recantos do mundo, ama os seus príncipes».

A cidade apressa-se a mandar à corte dois moradores, com uma elevada soma de dinheiro e 200 peças de bronze, fundidas em Macau. A Coroa retribui, comovida, estas provas de fidelidade e concede-lhe o título de «NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL».

Singular comunidade! Umas vezes orgulhosa da sua independência, outras lembrando que, embora parcela distante do Império, está presente e não esquece a paternidade!

Entretanto, o comércio com o Japão declina, devido à expulsão dos Portugueses. Macau deixa de ser um grande entreposto para, pouco a pouco, se reduzir às proporções de simples porto comercial. Salvo pequenas divergências com a China, viveu-se em paz e até com relativa prosperidade.

As ligações com o Reino recomeçaram a fortalecer-se nos tempos do príncipe regente D. João, depois D. João VI, que concede, ao Senado de Macau, a designação de «LEAL».

Mas é com a Revolução Liberal de 1820, que substituirá as estruturas do regime absolutista pela nova ordem constitucional que, paradoxalmente, a cidade deixa de poder assegurar a continuidade do seu próprio governo autonómico.

O Senado é reduzido às funções de simples Câmara Municipal - embora conserve o nome que lhe havia dado tanto prestígio - e vê os seus procuradores eleitos serem substituídos por membros nomeados pela Coroa...

Mas:

    «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
    Muda-se o ser, muda-se a confiança; 
    Todo o mundo é composto de mudança, 
    Tomando sempre novas qualidades. 
    
    Continuamente vemos novidades, 
    Diferentes em tudo da esperança; 
    Do mal ficam as mágoas na lembrança, 
    E do bem, se algum houve, as saudades. 
    
    O tempo cobre o chão de verde manto, 
    Que já coberto foi de neve fria
    E em mim converte em choro doce canto. 
    
    E, afora este mudar-se cada dia, 
    Outra mudança faz de mor espanto: 
    Que não se muda já como soía. 

Assim cantou Camões - o poeta que talvez tenha sonhado em Macau - a mudança inexorável dos tempos e dos seres, a permanente evolução dos princípios e das ideias, dos costumes e das instituições.

A sensibilidade e pragmatismo luso-chineses encontraram, para o seu futuro próximo de início do século XXI, outros impulsos de organização e gestão político-administrativa de Macau.

Esta «ilha de nenúfares» que serviu de zona de circulação social, de convivência ideológica, de irradiação dos valores cristãos e de porta aberta para o Ocidente, pode e deve continuar como entreposto cultural da Latinidade.

A dimensão espaço/tempo e os homens nela incorporados geraram, em Macau, um modelo de vida diferente, que não é europeu nem asiático. Há uma maneira de ser dos portugueses que não tem relutância em aceitar usos e costumes de povos distintos, uma capacidade de convívio, próprio e peculiar, uma aproximação à maneira de viver dos outros, sem com ela interferir, e um desejo de paz entre os mundos e modos de vida diferenciados.

Tudo isto tornou Macau singular entre todos os estabelecimentos criados por europeus no Oriente e é esta singularidade que lhe dá razões de força, predominantemente humanas, de sobrevivência e afirmação de valores, independentes de poder político ou económico.

Oxalá os novos rumos e o novo ciclo desta terra encontrem, para as suas gentes, os modos de enriquecimento múltiplo a que aspiram e que a História comum de dois povos construíu, ao longo de quase cinco séculos de diálogo, convivência e entendimento.

É esse o nosso mais profundo desejo e o apelo sincero que aqui deixamos. ·

*Lic- História (Un. Coimbra): investigadora de temas da História de Macau.

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até a p.