Ethnos

Habitat, Tecnologia e Sociedade
Os pescadores chineses do Sul da China*

Rui Brito Peixoto *

Os pescadores chineses de Macau, e do Sul da China em geral, representam um dos casos mais extremos de adaptação ao meio ambiente que podem ser encontrados no contexto de sociedades tecnologicamente complexas. O objectivo deste texto é explorar, a nível preliminar e de forma muito limitada e sucinta, algumas das relações entre a trilogia habitat, tecnologia e sociedade neste contexto, e daí extrair algumas ilações sobre aqueles aspectos da estrutura social que parecem mais ou menos susceptíveis de serem condicionados pelos factores do meio e da inovação tecnológica a que o sector das pescas tem estado sujeito nos últimos anos. Simultaneamente, gostaríamos de retomar um problema que tínhamos começado a abordar anteriormente (Brito Peixoto 1987) e que se prende com o facto da comunidade piscatória ser por vezes representada como se não fosse de facto chinesa; neste sentido, haveria que definir os requisitos mínimos, do ponto de vista cultural e social, para que um determinado grupo seja considerado "chinês". Por fim, a questão que permanece é a de saber até que ponto a organização social da comunidade piscatória de Macau revela algo de comum com outras comunidades chinesas, não obstante a sua especialização profissional a colocar perante situações que aquelas não têm de enfrentar.

As regiões marítimas do Sul da China e da Ásia do Sudeste, com a sua imensa orla costeira e elevados níveis de pluviosidade, são sulcadas por um gigantesco labirinto hidrográfico composto por uma profusão de lagos, canais e rios que por sua vez se desmultiplicam em deltas e estuários de traçado complicado. Aqui, onde os deuses também "se esqueceram de separar a terra do mar", emergiram, desde há muito, povos e culturas que desenvolveram notáveis adaptações ecológicas e económicas a um meio aquático. O emaranhado da linha costeira, a riqueza dos recursos marítimos, a rugosidade da topografia associada à pobreza dos solos - resultante das elevadas temperaturas e das chuvas abundantes, e agravada pela sobrexploração agrícola das planícies de aluviões densamente povoadas - podem ter sido algumas das razões que contribuiram para este movimento demográfico em direcção ao mar. Seja como for, o facto é que os povos da vasta região que vai da Ásia do Sudeste ao Japão, passando pelas províncias marítimas do Sul da China, se adaptam facilmente à vida no mar. Os Orang Laut da Malásia e da Indonésia, os Mawken da Birmânia, os Tán-ká e os Hok-lou do Sul da China, e os di versos grupos étnicos, nunca descritos, do Vietname, do Cambodja e da Tailândia: um pouco por todos os países desta área vamos encontrar povos que residem em barcos, ou que os utilizam em modos de vida baseados na água. Flutuante, na verdadeira acepção da palavra, esta população tem recebido pouca atenção do ponto de vista antropológico e sociológico, de que resulta uma virtual ausência de dados nestes domínios.

fig. 2 - Casa-barco: embarcação que não navega e serve apenas de residência.

A maioria da população flutuante da província de Cantão - e, certamente, a quase totalidade da comunidade piscatória de Macau - pertence à categoria Tán-ká que é a palavra cantonense empregue para a referir. Contudo, este termo tem uma conotação depreciativa e os assim designados reservam para si mesmos a designação Sôi Seong Iân, literalmente 'Gente sobre água'. Se a palavra Tán-ká aspira a uma acepção científica - tal como tem sido empregue por certos autores chineses (cf. Ho 1965; Chen 1946) - então o seu uso deveria restringir-se a denotar aquele sector da população chinesa que fala cantonense e que habita permanentemente em barcos, ou que os utiliza em modos de subsistência baseados na água. Na verdade, existe uma oposição cultural entre 'Gente do Mar' e 'Gente de Terra' que conduz a uma atitude de desqualificação sociológica inerente à definição dos primeiros pelos últimos (cf. Brito Peixoto 1987). A Gente do Mar ressente-se de ter vindo a ser discriminada como grupo desprezado, enquanto que a Gente de Terra alega as suas supostas disformidades físicas e morais, e situações indesejáveis, nomeadamente que outrora lhes era proibido fixar-se em solo firme, lhes estava interdito o casamento com gente de terra e, conjuntamente com outras minorias, lhes era vedada a autorização a candidatar-se aos Exames Imperiais - um factor crucial de mobilidade social na China Antiga. Tudo isto é normalmente justificado como se a população em causa não fosse, de facto, chinesa - quer dizer, como se não falasse chinês, ou como se não fosse de descendência Han ( 漢 ), tal como é reivindicado pelos outros cantonenses. O facto é que a ignorância acerca da Gente do Mar por parte daqueles que com ela têm poucos contactos é notável, e a natureza confabulatória de muitas destas suposições pode ser imediatamente detectada por observação directa. O problema das origens e disputadas raízes tribais, na ausência de dados concludentes, pode ser sumariado da seguinte maneira: é muito provável que a população flutuante não seja nem mais nem menos de ascendência Han que os restantes cantonenses do Sul da China; tem havido movimentos demográficos de terra para o mar, e vice-versa, que sugerem que a população marítima não seja racialmente distinta; os traços físicos que permitem detectar, por exemplo, um pescador - tez mais escura, andar bamboleante, relativa hipertrofia muscular do tronco e dos membros superiores, em assimetria com relativa hipotrofia muscular dos membros inferiores - podem mais prontamente ser explicados em função da respectiva adaptação a um meio aquático (Ward 1965).

Em contrapartida, não deixa de ser verdade que a maioria da população permanece analfabeta; que o casamento com Gente de Terra é pouco frequente (endogamia étnica) e, quando ocorre, verifica-se na forma de alianças de mulheres do mar com homens de terra (hipergamia), desconhecendo-se a existência de reciprocidade de trocas matrimoniais, em sentido inverso. É também um facto que o grupo tem sido alvo de preconceitos que interiorizou, e que fazem parte da sua própria configuração psicológica.

Um breve relance pela cena fluvial do Porto Interior de Macau, mesmo com olhar inexperiente, permite detectar imediatamente que as embarcações chinesas apresentam diferenças flagrantes de configuração. Por seu turno, o observador familiarizado com a realidade marítima do Sul da China será capaz de identificar prontamente, não só a finalidade específica a que se destina cada uma destas embarcações, mas também a região particular de onde provem. Daqui não se deve inferir que a sua classificação seja tarefa fácil, e, na verdade, qualquer tentativa neste sentido depara, desde logo, com uma profusão de termos que se contradizem mutuamente. Esta situação não é inteiramente estranha à constatação de que "não há dois juncos exactamente iguais" (Naval Intelligence Division 1944:5). Isto é explicado pelo facto das características da sua produção em moldes artesanais implicarem que, por um lado, "num junco chinês o tamanho e a forma da embarcação dependem em larga medida da dimensão e do formato das pranchas de madeira originais" (Naval Intelligence Division, 1944:5) e de, por outro lado, a sua construção se processar num contexto de relacionamento entre artífice e cliente, de tal modo que os requisitos específicos deste originam particularidades próprias a cada embarcação. Finalmente, convém referir que os estaleiros operam sem outros planos que não sejam os da representação mental do próprio artífice, e que esta variação considerável na configuração das embarcações, associada aos centros marítimos de onde provêm, é, por seu turno, acrescida de variações na nomenclatura que também tem características regionais.

O facto é que as ocupações dos marítimos são altamente especializadas - transporte de carga e de passageiros, pesca, etc. - de modo que cada tipo específico de operação requere embarcações e equipamentos distintos. Para o antropólogo, tem particular significado que esta especialização afecte não só as embarcações como a própria população flutuante. Assim, desde logo, convém reter que constitui um grupo à parte todo aquele sector da população que, devido à escassez de espaço em terra e de habitação, continua a viver na área dos portos - em casas-barco que não navegam (cf fig. 2) ou em casas construídas em cima de estacas, nas águas abrigadas junto à margem (cf. fig. 3). Esta população, muitas vezes composta de ex-pescadores, retendo eventualmente laços com a Gente do Mar e partilhando com eles o estigma que lhes está associado - tende a trabalhar em terra, em ocupações várias, de tal modo que o meio aquático constitui apenas uma forma de residência e deve ser visto meramente como uma extensão de terra. Sociologicamente, esta população está mais próxima das classes trabalhadoras da Gente de Terra, onde progressivamente tende a integrar-se.

fig. 3 - Habitação construída sobre estacas, na área do Porto Interior de Macau.

Do mesmo modo, recorde-se que apenas uma percentagem dos Tán-ká se ocupa da pesca, estando os restantes ligados a várias formas de transportes - que se processam quer a nível local, quer entre os portos chineses e de Hong Kong - e na prestação de serviços de vária ordem dentro do mundo flutuante - como vendedores ambulantes de mercadorias e de alimentos, de água, etc. (cf. fig. 4). Este sector da população flutuante, que gravita em torno das águas portuárias, forma o sub-grupo Tán-ká mais urbanizado e mais próximo da Gente de Terra com quem contrai laços de diversa natureza, integrando a vida social do cais e demarcando-se claramente da comunidade piscatória que constitui uma entidade à parte.

Por fim, a comunidade piscatória não se define apenas por esta especialização profissional, mas está segmentada segundo sub-especialidades que, como dizíamos, não só condicionam as embarcações como os próprios pescadores. Quer dizer, um Tán-ká que nasça num barco de pesca de arrasto tende, não só a seguir este modo de vida e a explorar um certo tipo de recursos marítimos, como também a casar-se com uma mulher cuja família se dedica a esta actividade, e a educar os filhos na mesma tradição. Com excepção da pesca à linha sem profundidade, que tende a ser praticada por todos os pescadores na infância e na adolescência, os recursos marítimos são explorados segundo artes de pesca distintas, tão especializadas e implicando investimentos de tal ordem, que a passagem de um ramo de actividade para outro era, tradicionalmente, pouco frequente. A mecanização do sector das pescas implicou um acréscimo de mobilidade social a este nível, como veremos mais adiante.

Voltemos agora a nossa atenção para a tripulação destas embarcações:

"(...) Ao referir-me à tripulação dos barcos, devo notar que o chinês faz do barco a sua casa permanente e vive nela, pelo menos, a família inteira do patrão, mostrando-se as mulheres com as esplêndidas qualidades de marinheiro que em geral tem o china e competindo-lhes naturalmente os serviços de cozinha de todo o pessoal. Nas embarcações maiores, a tripulação é já exclusivamente masculina. Nos 'Tancar' e 'Chin-Sán T'éang' a tripulação limita-se à família, sendo o patrão também por vezes mulher (...)"

(Barbosa Carmona 1953:43)

Esta observação pertinente, registada nos anos vinte pelo Almirante Carmona, então tenente da Marinha Portuguesa destacado em Macau, prefigura já o tom da nossa exposição. De facto, tradicionalmente, a habitação do pescador é o próprio barco, verificando-se, hoje, uma tendência para a progressiva fixação em terra. Assim, quando os pescadores usam o termo 'ká' ( 家 ) 'casa, família' referem-se, normalmente, à embarcação ou aos seus ocupantes. Note-se que os barcos de maior dimensão têm, muitas vezes, assalariados a bordo; curiosamente, estes indivíduos são muitas vezes referidos por termos de parentesco fictício, tal como se a tripulação e unidade de produção - idealmente a família - não pudesse ser pensada a não ser exclusivamente em termos e à imagem desta (1). Voltaremos a esta questão.

fig. 4 - Vendedor de água no Porto Interior.
fig. 5 - Embarcações fundeadas e atracadas de braço dado.

Tendo já avançado uma definição de habitação, reparemos contudo que esta é alargada por uma prática comum: o costume de fundear e atracar de braço dado (paralelamente) (cf. fig. 5). Quer dizer, o local onde um barco está fundeado, ou a que o barco está atracado, não é fruto do acaso, ou mera coincidência. Pais e filhos, irmãos e parentes por afinidade, a pescar com base no mesmo porto, tendem a fundear e a atracar conjuntamente, de tal modo que as amarras entre as embarcações traduzem literal e metaforicamente laços de parentesco entre as respectivas tripulações. O 'território' de cada grupo doméstico é mutuamente respeitado, e muitas vezes assinalado por determinadas ornamentações - como, por exemplo, a pintura das chaminés de cada barco com determinada cor ou marca emblemática. Esta disposição das embarcações permite que a tripulação de cada uma delas circule livremente através dos respectivos convés - os homens reúnem-se para deliberar medidas a tomar, as mulheres organizam refeições que juntam várias famílias, as crianças brincam conjuntamente, etc. - constituindo, deste modo, um espaço único de abrigo, consumo e convívio. Grupos de barcos aglomerados nestas condições podem ser vistos diariamente no Porto Interior, variando comummente de 2 a 6 unidades, podendo chegar a 20 ou mais durante um casamento e outros períodos festivos, e atingindo um clímax por ocasião das festividades do Ano Novo Lunar. Nesta altura, o cariz religioso da comunidade piscatória emerge de forma dramática: todas as actividades de pesca são interrompidas e a frota permanece no porto pelo período de alguns dias. Dado que as embarcações estão fundeadas segundo o princípio já referido, tudo se passaria como se, caso nos fosse possível tirar uma fotografia aérea nesse momento, pudéssemos então dispor de uma representação espacial da estrutura de parentesco da comunidade.

Retomemos as observações do Almirante Carmona, acima referidas. Se a embarcação também é habitação que comporta, para além dos pescadores operacionais de ambos os sexos, as crianças e os idosos, então parece plausível que haja um certo tipo de ligação entre o tipo de arte de pesca e o tipo de organização da família do pescador. Assim, desde logo, a dimensão do agregado familiar está condicionada, inevitavelmente, pelo tamanho da embarcação que, por sua vez, depende do nível económico deste e da arte de pesca adoptada. Aqui, afigura-se-nos inevitável a introdução de um parêntisis de carácter técnico.

As artes de pesca praticadas no Sul da China são diversas e numerosas. Por conveniência de exposição, limitar-nos-emos a referir algumas das mais significativas. É nosso dever advertir que estamos perante um domínio cuja tecnicidade ultrapassa a esfera da nossa competência, pelo que reenviamos o leitor mais interessado para a literatura da especialidade, limitando-nos aqui a delinear um esboço muito esquemático, mas adequado aos fins em vista.

A pesca com aparelho de anzóis: consiste numa série de linhas com anzóis nas extremidades, ligadas umas às outras de modo a formar uma linha comprida que, por meio de lastros e de bóias, se mantem estendida paralelamente ao fundo (cf. fig.6); faz-se com uma embarcação que pode transportar entre uma a cinco sampanas (espécie de bote), requerendo uma tripulação numerosa de pescadores conhecedores e experientes. A vantagem deste método é permitir capturar o peixe vivo, que tem muita procura nos mercados da região, atingindo os preços mais altos e sendo servido como iguaria nos restaurantes mais caros; em contrapartida, apresenta o inconveniente de ser particularmente dura e fatigante, o que pressupõe uma retribuição comparativamente elevada, para além de requerer muitos braços, o que mais acresce os custos. Na prática, a viabilidade económica da pesca com aparelhos de anzóis está associada a embarcações maiores, capazes de transportar uma família extensa - um casal, os respectivos filhos, por sua vez casados, vivendo juntos com as respectivas mulheres e a sua descendência, todos debaixo do mesmo tecto, isto é, no mesmo barco. Esta arte de pesca deixou de se ver em Macau. Por um lado, deu-se um surto migratório dos pescadores especializados para Hong Kong, onde a procura atinge valores mais elevados; por outro lado, esta especialidade está em declínio devido à incapacidade de competir com os salários de terra.

A pesca de arrasto: realiza-se por deslocação da embarcação que arrasta, pelo fundo, uma rede que colhe num saco o peixe, os crustáceos e os moluscos que vai encontrando. Pode ser feita em parelha - quando a rede é accionada por duas embarcações (cf. fig. 7), pela popa - em que a rede é mantida aberta por dois suportes de cada lado da popa da embarcação (cf. fig. 8), ou lateralmente - em que a rede é mantida aberta por varas (cf. fig. 9). Os arrastões, nas suas várias modalidades, constituem o sector mais modernizado da frota pesqueira de Macau e de Hong Kong e aquele que tem mais significado económico. Convém referir que a exploração dos recursos marítimos é objecto de uma certa selectividade: tal como a pesca com aparelhos de anzóis é dirigida para espécies do tipo Nemipterus virgatus, assim o camarão constitui o principal recurso explorado pela frota pesqueira de Macau, que é dominada por embarcações de arrasto lateral - designadas justamente por "Camaroeiros" (Ha Teng 蝦艇 ) (Serviços de Estatística e Censos, 1987). Os arrastões têm vindo a integrar sucessivas influências da tecnologia ocidental, tendo evoluído do modelo tradicional (de proa baixa e popa levantada, concebidos originariamente em função da navegação à vela - cf. fig. 10), para o modelo moderno (de popa baixa e livre, adaptada à navegação a motor e à instalação de guinchos para recolha mecânica das redes - cf. fig. 11). Este processo de inovação tecnológica recebeu um impulso considerável por parte do Governo de Hong Kong, não só sob a forma de financiamento, mas também através da introdução de protótipos (Department of Agriculture and Fisheries 1966-1987). É particularmente relevante para o nosso estudo que a introdução de modelos de embarcações de inspiração ocidental - nomeadamente os vocacionados para a pesca de alto mar - requerendo equipamento sofisticado e impondo avultados investimentos económicos, exigem uma maior rentabilização do espaço que desencoraja o transporte da família a bordo e que, neste caso, passa a ter de ficar alojada noutra embarcação que permanece estacionada no porto para o efeito, ou numa habitação em terra. Quer dizer, a introdução da tecnologia de arrasto de inspiração ocidental está associada a uma tendência para a progressiva mudança dos padrões de vida familiar. Nas embarcações de modelo tradicional confirma-se a tendência para a ocorrência da família extensa.

A pesca com redes de emalhar: faz-se por enleio dos peixes e dos crustáceos nas malhas das redes, após frustradas tentativas de as atravessar. As malhas da rede variam de dimensão, em função das espécies a capturar. A rede é rectangular e mantida perpendicularmente ao fundo através de lastros e flutuadores; uma das extremidades está presa à embarcação e a outra deixada à deriva, mas assinalada por uma bandeira (cf. fig. 12). A operação é executada manualmente, em águas pouco profundas, a partir de embarcações geralmente de modelo tradicional. O tamanho da embarcação é variável, mas usualmente não há assalariados a bordo e a família é a tripulação.

A pesca com redes de cerco: requere pelo menos duas embarcações - ou uma embarcação auxiliada por uma sampana (bote) - de modo a permitir cercar um cardume com uma rede que depois é puxada dos dois lados. A rede é mantida na perpendicular por meio de lastros e flutuadores, junto à superfície; por vezes é utilizada uma terceira sampana para afugentar o peixe em direcção à rede (cf. fig. 13). A operação é executada manualmente em águas costeiras. A família é a tripulação.

fig. 6 - Pesca com aparelho de anzóis.

A pesca à linha sem profundidade e a pesca com armadilhas: As armadilhas consistem em redes de armar, fixas, próprias para a pesca de crustáceos, operando de modo semelhante aos nossos covos (cf. fig. 14). Tem em comum com a pesca à linha sem profundidade, executada debaixo do cuidado constante do pescador, o facto de poder ser operada por uma ou duas pessoas a bordo de uma sampana ou pequena embarcação. Economicamente, estas artes de pesca são pouco importantes, e mais do que uma especialização profissional representam recursos extremos das camadas mais desfavorecidas. O tipo de família é, regra geral, a nuclear.

Como se pode ver, constata-se uma estreita correlação entre o tamanho da família e a arte de pesca adoptada. Se a família é a tripulação, e se as embarcações estão adaptadas aos requisitos ditados pela arte de pesca, então é naquelas que requerem mais braços que vamos encontrar famílias mais numerosas. Do mesmo modo, verifica-se uma correlação entre o binómio 'arte de pesca’ ‘tamanho da embarcação' e a estrutura da família: barcos mais pequenos tendem a apresentar famílias nucleares, enquanto que barcos maiores comportam famílias de três gerações, e outras extensões lineares e colaterais a partir da nuclear. Também parece válida a correlação, frequentemente apontada noutros contextos da sociedade chinesa, entre a dimensão e o nível económico do agregado familiar. Como reparamos, a propósito da pesca à linha sem profundidade e da pesca com armadilhas, há artes de pesca que são ditadas pela necessidade económica. A recíproca também parece verdadeira: o investimento económico pode ser condicionado pelos limites da dimensão do agregado familiar. Um exemplo prático pode clarificar esta afirmação: um ex-funcionário do Governo de Hong Kong recorda o caso de um pescador de sólida reputação que rejeitou uma oferta do Departamento de Agricultura e Pescas no sentido do financiamento da aquisição de uma embarcação maior com a frase 'não há gente que chegue' (m káu iân 唔夠人 ), tal como se a condição de 'gente' fosse apenas satisfeita pela nossa gente - isto é, a família - e a hipótese de admitir assalariados estivesse, à partida, excluída. Por conseguinte, não é de surpreender que os Tán-ká valorizem tanto a fertilidade. Se o grupo doméstico constitui a unidade de produção, a família com uma descendência numerosa - sobretudo masculina - está numa posição economicamente vantajosa.

fig. 7- Pesca de arrasto em parelha.

Tendo encontrado uma congruência entre família e tripulação, em termos de dimensão e estrutura, fica de pé a interrogação quanto à possibilidade de uma influência análoga na natureza das relações entre os seus membros. Assim, comecemos por reparar que o bom andamento de uma destas embarcações parece requerer uma divisão clara de funções:

"(...) Num arrastão, o homem em posição de senioridade ocupa a posição de comando, na cabine, ou ao leme durante períodos críticos, ou onde quer que possa melhor avaliar e actuar perante a situação. O filho mais velho, ou um irmão mais novo do homem em posição de senioridade, vai ao leme. O homem a seguir ocupa-se dos motores, e o que se lhe sucede controla o funcionamento das varas e das redes. Entretanto, a mulher do homem em posição de senioridade dirige a cozinha e outras operações domésticas; a mulher do irmão do homem em posição de senioridade, ou do filho mais velho, ocupa-se da cozinha. A mulher do irmão a seguir lava roupa, ou toma conta das crianças. A mulher do irmão mais novo que ainda não tem filhos, baldeia o convés ou ajuda a recolher as redes. As crianças mais velhas olham pelas mais novas, fazem redes, ou ajudam na cozinha. Todos sabem o que podem fazer, o que se espera que façam, e qual a área das suas atribuições. Crianças de quatro anos já aprendem a remendar redes e a olhar pelos bebés (...)"

(Anderson 1970:102, nossa tradução)

Como se depreende facilmente, o critério implícito à hierarquização destas funções processa-se segundo o princípio Geração-Idade-Sexo que faz convergir o poder no seio da família nas mãos do homem em posição de senioridade. Ora, por outro lado, na prática, verifica-se que a operação de uma embarcação deste tipo requere um patrão de comando inquestionável - necessidade sentida de modo particularmente premente em situações de emergência. Logo, se a família é a 'tripulação', então o chefe de família é o 'comandante' e, por conseguinte, a autoridade tradicional do pater familias - isto é do ká cheong ( 家長 ) chinês- é ainda mais exarcebada pela autoridade funcional que lhe advém da sua posição como patrão da embarcação. Daqui que a distância entre o 'chefe de família / comandante' e a 'família / tripulação' seja muito vincada, traduzindo-se, nomeadamente, sob a forma de um acentuado autoritarismo na relação entre pai e filho. Na família chinesa, o problema do conflito estrutural entre pai e filho mais velho, e da ameaça latente que o último representa para a posição do primeiro, foram já objecto de análise noutros contextos (cf. Wolf 1970); entre a comunidade piscatória esta situação é exarcebada. Seja como for, há um factor natural que vai contra o poder adquirido pelo chefe de família através da idade - o processo de envelhecimento. À medida que o tempo passa, a balança de forças - num sentido literal - vai-se gradualmente inclinando do pai para o filho; formalmente, o ancião é o depositário da autoridade, mas na realidade esta tende a estar associada ao vigor físico, no contexto de uma família que vive da pesca. Esta questão faz-se sentir particularmente cedo entre os Tán-ká: embora não disponhamos de estatísticas de aposentação, constata-se que é raro encontrar patrões com idades para além do meio da casa dos cinquenta anos. Isto é justificado, pela própria população, em termos da sua árdua vida no mar requerer um patrão fisicamente capaz - que não é necessária, embora o seja idealmente, o homem mais velho. A transferência de poderes do pai, geralmente para o filho mais velho, entre a Gente do Mar, dá-se, assim, comparativamente mais cedo do que entre a Gente de Terra. Este processo é gradual e culmina, provavelmente, na passagem da licença de registo da embarcação parao nome do filho; recorde-se que as embarcações de pesca não são obrigadas pela Lei a registar-se em Macau, e muitas não o fazem, enquanto que outras têm licenças de Macau, de Hong Kong e da República Popular da China; é apontado que uma das razões que leva ao registo em Macau consiste, justamente, no problema da transmissão da propriedade.

fig. 8 - Pesca de arrasto pela popa.

Tínhamos dito que o chefe de família é o 'comandante', Porém, a recíproca também é verdadeira: o comandante passa, facilmente, a 'chefe de família'. Se a actividade da família é a actividade da tripulação, comandar a tripulação representa, em larga medida, um exercício de autoridade sobre as actividades da família. O filho mais velho pode começar por controlar as finanças da família, e daí poder decidir a instalação de motores, ou a construção de um barco novo, enquanto que o pai, afastado do centro das operações, vai sendo progressivamente relegado para segundo plano, embora seja consultado e ouvido, e ainda tenha palavra final em domínios que se prendem com a educação dos mais novos, ou com o arranjo de casamentos, e assim sucessivamente, até que a sua posição é apenas supranumerária.

Como é óbvio, o sistema encerra uma contradição estrutural: entre a Gente do Mar a autoridade tradicionalmente investida no chefe de família é exarcebada em virtude de motivos associados às operações que lhe competem nos seus barcos mas, simultaneamente, e pelas mesmas razões, este poder é posto em causa mais cedo do que na família chinesa noutros contextos.

fig. 9 - Pesca de arrasto lateral.

fig. 10 - Arrastão de tipo tradicional.

fig. 11 - Arrastão de tipo moderno.

A lógica da argumentação que vínhamos a desenvolver parece ter incorrido numa aparente contradição com as observações do Almirante Carmona, que havíamos começado por citar, a qual convém agora esclarecer. De facto, recorde-se que é dito que

"(...) Nos 'Tancar' e 'Chin-San T'éang' a tripulação limita-se à família, sendo o patrão também por vezes mulher (...)".

(Barbosa Carmona 1953:43, nosso sublinhado)

Repare-se, contudo, que o próprio autor nos elucida a este respeito, de forma complementar, numa passagem inserida no capítulo 'Barcos de Tráfego Local', quando afirma que o Tancar " destina-se a transporte de passageiros dentro do porto", e que o Chin-Sán T'éang faz o tráfego de Chin-Sán e de outros portos fluviais próximos" (Barbosa Carmona 1953:43). Quer dizer, o Tancar e o Chin-Sán T'éang, excepções em que "o patrão é por vezes mulher", não são embarcações de pesca. No início desta exposição tínhamos demarcado a comunidade piscatória da restante população flutuante e já anteriormente se havia observado que "entre os pescadores é raro encontrar casos em que o patrão da embarcação seja uma mulher - razões de ordem social (obtenção de relações de crédito) e mesmo de ordem física, tornam a pesca em mar aberto pouco adequada às mulheres (a única excepção seria a pesca à linha sem profundidade e a pesca com armadilhas). Porém, em águas abrigadas, é possível, para mulheres cujos maridos trabalham em terra ou para as suas filhas solteiras, por exemplo, organizarem por si mesmas o transporte de passageiros em pequenas embarcações, que normalmente operam nas águas abrigadas dos portos ou dos ancoradouros"; foi ainda dito que "esta última ocupação, que corresponde à visão do cais que a gente de terra tem mais frequentemente do mundo flutuante e, por conseguinte, aos seus olhos a mais típica - é um dos modos de vida dos Tán-ká que conta com um elevado número de mulheres que são patrões da embarcação, o que parece um 'grave' desvio do papel tradicional da mulher na sociedade chinesa" (Brito Peixoto 1987). Daí que não seja inteiramente inesperada a acusação, que lhes é por vezes impugnada pela Gente de Terra, de que os Tán-ká são matrilineares (Ward 1965). Convém referir de imediato que não há dados que fundamentem esta suposição e, pelo contrário, tudo parece indicar uma forte ideologia patrilinear. Assim, a família nuclear é constituida por um homem, uma mulher e a respectiva descendência, formando uma unidade de produção, reprodução, consumo e abrigo - tradicionalmente, na mesma embarcação; o casamento é patrilocal (é a mulher que se desloca, indo viver para a embarcação do marido); o estatuto da mulher é inferior ao do homem, e a descendência masculina é mais desejada do que a feminina; o concubinato é socialmente aceite, mesmo se pouco frequente na prática devido a limitações de carácter económico, porém o divórcio e o casamento das viúvas são socialmente reprovados; a herança é repartida apenas entre os homens; a família extensa, quando ocorre, define-se a partir da nuclear por inclusão de outros parentes traçados na linha masculina, mais as respectivas mulheres e filhas solteiras, podendo realizar-se no sentido linear ('stem family'), ou linear e colateral ('joint family'). Cada família tem na embarcação um 'altar' dos seus antepassados (definidos, como é óbvio, segundo a regra patrilinear), que reverencia também por ocasião do Chin Ming (淸明) e de outras festividades cíclicas. Tudo isto, como se vê, encontra paralelismo imediato na família tradicional chinesa.

Para além da família, os Tán-ká traçam relações de parentescos até quatro ou cinco gerações, mas não consideram outros grupos como o clã, ou a linhagem que, como se sabe, são característicos do Sul da China. Recorde-se que a linhagem, tal como é observada por Freedman (1958,1966) nas províncias de Fuquien e de Cantão, consistia num grupo de homens descendentes do mesmo antepassado, a viver conjuntamente com as respectivas mulheres e filhas solteiras, debaixo da liderança de um conselho de anciãos, possuindo uma propriedade agrária em comum, e solidários em torno do culto dos seus antepassados que eram 'recordados' num 'pavilhão dos antepassados' (dzi tong 祠堂 ) onde se conservava a sua genealogia. De facto, esta forma de organização social ainda hoje é reconhecível nas áreas rurais dos Novos Territórios de Hong Kong (Baker 1968, 1979), e a situação típica de muitas aldeias litorais na região adjacente a Macau consiste numa comunidade dualista, em que a secção em terra é formada por agricultores - muitas vezes pertencendo ao grupo étnico Hakka (狹家) - com o mesmo apelido, e a secção flutuante composta por pescadores Tán-ká de diferentes apelidos e sem formas de organização social intermédias entre a família e a comunidade; as duas secções estão relacionadas por um complicado sistema de trocas, mas não se casam entre si. Quer dizer, os pescadores Tán-ká não têm nem clãs, nem linhagens, e tanto quanto se sabe nunca tiveram (Anderson 1970; Ward 1955), apesar de co-existirem ao longo de séculos junto a populações onde estas formas de organização social eram predominantes.

fig. l2 - Pesca com redes de emalhar.

Porque é que os Tán-ká não têm linhagens? Comecemos por reformular esta questão, interrogando-nos sobre as condições que parecem estar subjacentes à emergência da linhagem como forma de organização social no Sul da China. Implícita à análise deste problema, digamos, para abreviar a discussão de um problema relativamente complexo, parece estar a posição segundo a qual, "a propriedade colectiva da terra, sob a forma de uma herança ancestral é uma condição sine qua non para o desenvolvimento de uma forte organização de linhagens na China" (Potter 1970:127). Ora, os Tán-ká, uma população flutuante, por definição, não tinham terras, e a única propriedade que possuíam eram as suas embarcações que, à parte o seu carácter perecível, não reuniam condições para tornar viável a sua gestão para além dos limites da família extensa. Do mesmo modo, e segundo o mesmo raciocínio, é sustentado que a conservação de genealogias e a prática do culto dos antepassados, num sentido mais lato, para além da família, sancionava ritualmente a distribuição da propriedade ancestral (Potter 1970). Logo, não é de admirar que os Tán-ká não mantenham livros de genealogias e não venerem os seus antepassados para além de cinco gerações. De facto, os pescadores utilizam estatuetas de madeira, em vez de inscrições nas "placas ancestrais" (sân chu pai 神主牌) a fim de representarem e reverenciarem a alma dos seus familiares mortos. A própria população explica este facto alegando o seu analfabetismo; porém, sempre houve outras camadas desfavorecidas de analfabetos na China que não praticavam este costume, pelo que deve haver outras razões. O facto é que as estatuetas se adaptam ao propósito de representação de um número limitado de cinco gerações, sendo então queimadas ritualmente, e as cinzas lançadas ao mar, a fim de "serem enviadas para o Céu" (Anderson 1970:97). Entre a Gente de Terra as placas ancestrais, depois de cinco gerações, são enviadas para o templo, onde ficam ao cuidado de um sacerdote, ou para o 'pavilhão dos antepassados' onde eram veneradas colectivamente. À parte isto, como se pode observar em Macau, o foco religioso da comunidade piscatória é o Templo da Barra (Má Kok Miu 媽閣廟) onde é venerada a divindade protectora dos mareantes, mas o culto é um acto familiar e não assume a expressão colectiva de solidariedade em torno de antepasados comuns que é própria da linhagem.

fig. l3 - Pesca com redes de cerco.

fig. 14 - Pesca com armadilhas-covos.

Gravura extraída de "Lorchas, Juncos e Outros Barcos do Sul da China", do Contra-Almirante Artur Leonel Barbosa Carmona (Edição da Obra Social dos Serviços de Marinha, Imprensa Oficial de Macau -1985).

Também tem sido considerado que uma das razões para a proeminência da linhagem no Sul da China, se prende com o facto de se tratar de uma região de colonização Han relativamente tardia, onde esta forma de organização social constituía um meio eficaz de proteger vidas e propriedade contra povos hostis, muitas vezes sem ajuda do governo central (Wiens 1954). Neste sentido, a linhagem tem sido analisada como uma "organização de expansão predatória", isto é, como "um meio social de intrusão e competição num nicho ecológico já ocupado" (Sahlins 1961). Porém, no caso dos Tán-ká, a população flutuante auferia, potencialmente, de uma grande mobilidade física, cuja flexibilidade e independência tornaria difícil a organização e a estabilidade de grupos alargados de parentesco. Mais ainda, como referimos acima, as comunidades piscatórias não se caracterizam pela auto-suficiência e, para poderem sobreviver, teriam de estar em simbiose com comunidades sedentárias de agricultores com quem estabeleciam relações de dependência. Quer dizer, a própria condição da sua especialização profissional parece ter como reverso inevitável uma relação de complementaridade social. Daí a importância que assumiam as relações horizontais, próximas, de solidariedade com elementos exteriores ao grupo - próprias da comunidade piscatória - em detrimento dos laços verticais, distantes, de ascendência comum - característicos da linhagem. É por conseguinte natural que a prevalência dos primeiros tenha conduzido, dinamicamente, à atrofia dos segundos. Era com isto em mente que ao discutir o problema da identidade da comunidade piscatória de Macau, tínhamos sentido necessidade de o enquadrar no campo mais vasto do fenómeno da etnicidade do Sul da China, argumentando de forma controversa que muitas das suas caraterísticas, que são muitas vezes supostas estarem enraízadas no seu substracto racial ou cultural, mais não resultam do que da sua interacção social com outros grupos, de tal forma que as distinções entre eles são, justamente, preservadas pelas posições que cada um deles assume num processo de complementaridade das suas diferenças (Brito Peixoto 1987). Finalmente, convém referir que o facto de os pescadores do Sul da China não terem clãs e linhagens, que tem suscitado dúvidas quanto à sua identidade ser de facto "chinesa", não é anómalo; a ocorrência do fenómeno de "atrofia da linhagem" não é inteiramente excepcional, tendo sido descrito em comunidades rurais de Taiwan (Pasternak 1968) e, como se sabe, esta forma de organização social também se esbate no contexto urbano de Macau, Hong Kong, Singapura e noutras comunidades chinesas de além-mar.

A imagem que nós fazemos da realidade social chinesa tem vindo a ser, geralmente, formada a partir de estudos sobre uma sociedade de raízes agrárias, que se reproduziu sob a influência de uma poderosa civilização escrita. A nossa tradição de investigação sobre a China tem-se debruçado pouco sobre um vasto sector da população que, em virtude do seu modo de vida especializado, adaptado a um meio aquático, se depara com problemas que os outros chineses não têm de enfrentar. Mais do que uma demonstração exaustiva, este texto pretende ilustrar algumas das respostas a esses problemas, nos domínios da família e do parentesco. Vimos que, não obstante o processo de adaptação ao meio condicionar as relações familiares e de parentesco entre os pescadores Tán-ká, essa estrutura permanece, inconfundivelmente, chinesa. Como é óbvio, há muitos outros níveis da organização social desta população flutuante que não chegámos a referir. No entanto, a análise das condições ecológicas e o estudo da tecnologia tradicional parecem oferecer uma plataforma empírica para o fazer. ·

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NOTAS

(1) Estes termos, empregues como expressão de respeito, amizade e solidaridade, são os seguintes: 'irmão mais velho do pai' (a pak 阿伯 ) no caso de se tratar de um ancião, em posição de senioridade relativamente a um sujeito hipotético, aqui referido por ego; 'mulher do irmão mais velho do pai' (tai sám 大嬸 ) para uma anciã, em posição de senioridade para com ego; 'irmão mais novo do pai' (a sôk 阿叔 ), para um homem mais velho, ou da mesma idade como mostra de deferência e respeito; 'mulher do irmão mais velho' (tai sou 大嫂 ), para uma mulher casada, um pouco mais velha que ego; 'irmã mais velha' (tché tché 姐姐 ) para uma mulher solteira mais velha que ego; 'irmã mais nova' (muimui 妹妹 ) para uma mulher solteira mais nova que ego; 'irmão mais velho' (gógó 哥哥) para um homem da mesma idade, como expressão de proximidade e solidaridade; 'irmão mais novo' (taítaí 弟弟 ) para um homem solteiro e mais novo que ego. Esta lista não é exaustiva.

Ching Ming (淸明) literalmente 'Claro e Brilhante' por alusão ao tempo que faz na Primavera, altura do ano em que os chineses visitam os túmulos dos seus familiares, a fim de procederem aos ritos tradicionais que são ocasião de uma importante festividade cíclica. NOTA DO AUTOR

** A pesquisa subjacente a este texto foi realizada com apoio de uma bolsa do Instituto Cultural de Macau, a quem estamos muito gratos. O nosso reconhecimento é extensivo aos Serviços de Marinha de Macau, que nos deram apoio logístico, e nos prestaram valiosos esclarecimentos no domínio da arte naval e da tecnologia de pescas. Porém, como é óbvio, qualquer erro ou imprecisão, incorrido neste texto, é da inteira responsabilidade do autor.

As considerações que aqui se tecem são apresentadas com grandes reservas: o presente artigo, elaborado a fim de satisfazer uma contrapartida acordada com o ICM, corresponde à etapa inicial de um projecto de investigação em Antropologia Social e Cultural sobre a comunidade piscatória de Macau. Assim, o curto período da sua redacção surgiu apenas como uma pausa de reflexão no decorrer do trabalho de campo presentemente em curso. De momento, limitar-nos-emos a esboçar o problema em análise, recorrendo-nos de observações de carácter provisório. Para os presentes fins, foi adoptado um estilo de comunicação dirigido a um público informado, mas não necessariamente especializado em Antropologia, ou familiarizado com a área etnográfica que o texto versa.

*Dipl. Psicologia Clínica (ISPA), Lic. Ciências Etnológicas e Antropológicas (ISCSP), Mestrado em Antropologia Social (King's College, Cambridge), bolseiro do ICM.

desde a p. 9
até a p.