Artes

PAINÉIS DO SEMINÁRIO DE S. JOSÉ

Pe Manuel Teixeira*

No primeiro andar do Seminário de S. José, no cruzeiro central, há, à direita de quem entra, duas salas que se podem chamar o Museu de Arte Sacra.

Na primeira sala, que olha para o claustro, figuram os seguintes painéis:

1. A Virgem e o Menino, com anjos a toda a volta (Reprodução de Murillo).

2. A Verónica mostrando o rosto de Cristo (ambos pequenos).

3. A Virgem e S. Francisco de Assis.

4. Mater Dolorosa com Jesus mor-to nos braços (pequeno).

5. Emblema da Misericórdia.

6. Descida Cruz: Madalena, prostrada, cobre de lágrimas os pés de Jesus, vendo-se ao lado uma ânfora. Dos lados de Jesus, S. João e um anjo (pequeno).

7. A Virgem segura o Menino ao colo com a esquerda e um cetro com a direita. Por cima, anjos; em baixo, um barco de 3 mastros; do lado oposto, uma igreja encimada por uma Cruz.

8. A Virgem sobre a lua e anjos por baixo (Reprodução de Murillo).

9. Mártires do Japão.

10. S. Sebastião.

11. A Virgem, pintada nas Filipinas em Junho de 1828: desce do alto do manto uma cinta às curvas em volta do corpo, com as letras J. H. S. e A. M. (Jesus, salvador dos homens; e Ana Maria).

12. Última Ceia.

13. Baptismo de Jesus.

14. Jesus, entre duas árvores de espinhos, segura com a mão um cordeirinho.

15. Retrato a óleo de D. António Joaquim de Medeiros, bispo de Macau (1884-1897).

16. S. Miguel.

17. A Virgem, com anjos em toda a volta (Reprodução de Murillo).

2ª Sala

Oposta à primeira, junto das escadas que levam ao coro da igreja, fica a segunda sala, onde se acham os seguintes painéis:

1. Reis Magos.

2. S. Luís Gonzaga com o Menino Jesus ao colo; um anjo em frente oferece-lhe um raminho de flores.

3. Baptismo de S. Francisco de Assis.

4. Momento de decisão, em que S. Francisco deixa o pai.

5. Quadro irreconhecível.

6. Santa Catarina de Siena.

7. S. Francisco e os passarinhos.

8. S. Francisco recebe os estigmas.

9. Santa Rita de Cássia.

10. S. Coração de Jesus.

11. A Virgem oferece o Menino a S. José.

Estes quadros são quase todos do séc. XVl. Aqui vamos referir-nos apenas aos painéis mais artísticos e dignos de nota; sete deles foram restaurados em Londres pelo pintor Alan Bradford. Os outros aguardam a restauração. Desconhecem-se os nomes dos autores e as datas dos quadros.

Descida da Cruz

A VIRGEM E S. FRANCISCO DE ASSlS

Este belíssimo quadro foi restaurado em Londres em 1981 por Alan Bradford, juntamente com o dos Mártires do Japão: aquele custou 4.000 libras pagas pela Hong-Kong Shanghai Bank Foundation; este, 450.000 dólares de H. K. pagos por Stanley Ho.

S. Francisco contempla devotamente a Virgem com um ramo de flores na mão esquerda. A Virgem, rodeada de anjos, calca aos pés a cabeça do dragão infernal.

O Génesis apresenta a Virgem a calcar aos pés a serpente que seduziu Adão e Eva; aqui, porém, a Virgem pisa a cabeça do dragão.

EMBLEMA DA MISERICÓRDIA

A Sta. Casa da Misericórdia foi fundada em 1498 pela Rainha D. Leonor; teve como auxiliar frei Miguel Contreiras, religioso da Ordem da SSma. Trindade.

Desenhou-se então o emblema da Misericórdia, figurando nele as pessoas mais ligadas a essa instituição.

No emblema de Macau, como nos seus congéneres, aparecem as seguintes figuras: Nossa Senhora, Mãe de Misericórdia; dois querubins, de asas emplumadas, seguram o seu manto pelas pontas.

À direita da Virgem: o Papa Alexandre VI, de capa de asperges e tiara; um pouco para dentro, o cardeal de Lisboa (Alpedrinha), D. Jorge da Costa, com o seu chapéu cardinalício; do mesmo lado, no outro extremo, dois Irmãos Cavaleiros com elmo em bico.

À esquerda da Virgem: no primeiro plano, frei Miguel Contreiras, que podemos chamar co-fundador da Misericórdia, tem no escapulário uma cruz e as iniciais F. M. I. (frei Miguel Instituidor); à direita deste, a Rainha D. Leonor, de coroa real, alta e fechada; um pouco atrás, o rei D. Manuel, de coroa real aberta; entre os dois, D. Martinho da Costa com mitra, irmão de Alpedrinha, a quem sucedeu na Sé de Lisboa; mais para dentro, um velho com elmo que parece ser um Irmão Cavaleiro; em planos posteriores, ao fundo, cabeças de vários frades.

Este emblema figura em todas as bandeiras da Misericórdia.

MÁRTIRES DO JAPÃO

A inscrição deste painel diz tudo.

"Gloriozo Martirio dos 23 Santos Proto-Martires do Japão da Ordem Serafica das Filipinas. Martirizados por mandado do Imperador Taycozama em Nangazaqui aos 5 de Fevereiro de 1597. E canonizados pelo Smo P. Urbano 8o no Anno de 1627.

1. S. Pedro Bapta Leitor de Artes, ex-Custodio Provincial, Embaixador de S. M. C., Comnifsro Proval. do Japão, e primro. Bpo. Eleito, natal. d'Avila em Hespa., e de 48 as. de ide.

2. S. Martode Lugnez, nal de Varanqueza em Biscaya e de 30 as. de ide

3. S. Franco. Brco, natal. de Mte. Rei em Galiza de 30 as. de ide.

4. S. Gonçalo Gracia, nal. de Baf-saim na índia Oriental.

5. S. Filipe de Jezus, nal. de México, Corista.

6. S. Frco. de S. Migl, nal. de Parrilha, Corista.

7. S. Luiz, de 10 as. de ide.

8. S. António, de 12 anos de ide.

9. S. Thomaz Cosaque, de 15 a.

10. S. Paulo Ibarqui de Dryetqui.

11. S. Mathias de Meaco.

12. S. Leão Carainsnaro, de Graa, Irmão de S. Paulo Ibarqui e Tio de S. Luiz.

13. S. Boaventura de Meaco.

14. S. Joaqm. Taccaquibara, de 40 ans .

15. S. Franco., Médico, de 46 ans.

16. S. Thomaz Danoquidanque, 2°. Interprete.

17. S. João Chinoya.

18. S. Gabriel, do Reino de Isca de 19 ans.

19. S. Paulo Suoquero, do Reino de Oara, Interprete, todos naturaes do Japão.

Setença do Imperador do Japão Taycozama: Tenho condenado estes prezos a Morte proq. vierão das Filipinas ao Japão com o fingido titulo de Embaixadrs, e porque tem presist°. nas mas. terras sê ma. licença e pregado a Lei dos Christaons contra o meu Decreto.

Mando, e quero que sejão crucificados na minha cidade de nangazaqui."

Os mártires que figuram no painel são 23, mas aparecem lá apenas 19 nomes.

Este painel foi pintado em Macau em 1640 e pago pelo Leal Senado em Julho de 1641: "Despeza que fis cõ o painel dos Stos. martires (1):

Despendi trinta e sinco pardaos cõ o pintor que fazem tes. (taéis) de corrente - 29/7/5/0

Despendi cõ o pintor que doro as fasquias três taeis e qtro. mes. (mazes) - 03/4/0/0

Despendi duas Entenas pera as fasquias q. trouxerão da Caza da polura - 33/1/5/0."

Em 1641 este quadro custou 33 taéis; em Março de 1985 a sua restauração custou 450.000 patacas.

O autor deste painel cometeu duas faltas, não sei se de propósito ou por ignorância: pintou apenas 23 mártires ligados aos franciscanos, mas deixando de lado 3 jesuítas, que foram crucificados com eles: Paulo Miki, irmão leigo, e dois assistentes, João de Goto e Diogo Kisai.

Faltam lá as suas efígies e até os seus nomes.

Outra falta: só aparecem 19 nomes, quando no painel figuram 23 mártires.

Os 26 mártires podem dividir-se em 6 grupos:

1o grupo: Seis franciscanos propriamente ditos, sendo 3 Padres e 3 Irmãos: Padres: a) Pedro Bautista Blásquez (1542-1597), n. de San Esteban del Valle, Ávila; b) Martin de la Ascensión (1567-1597), n. de Vergara (Guipúzcoa). No painel chama-se-lhe "Martinho de Lugnez, n. de Varangueza em Biscaya"; c) Francisco Blanco, n. de Montrey (Orense).

Os 3 Irmãos são: a) Gonçalo Garcia, filho de pai português e mãe indiana, n. de Bassaim b) Francisco de S. Miguel, n. de Parrilla, Valladolid; c) Filipe de Jesus (no século, Filipe de las Casas), n. do México, clérigo.

Só estes 6 é que eram franciscanos propriamente ditos.

2o grupo: (que não figura no painel): lrmão Paulo Miki, S. J., e 2 auxiliares: João de Goto e Diogo Kisai.

3o grupo: Sete catequistas dos Franciscanos: Cosme, Ventura (ou Boaventura), de Meaco, Gabriel, de lsca, Tomás Danoquidang lze, Paulo e Leão, que eram dois irmãos que tomavam cuidado do Hospital de Sta Ana e Francisco, médico do Hospital de S. José.

4o grupo: Seis assistentes dos Franciscanos: Miguel Cosaki e seu filho Tomás de 15 anos; Paulo, João Chinoya, Matias, de Meaco, e Joaquim Taccaquibara, cozinheiro.

5o grupo: Duas crianças: Luís, de 10 anos, e António de 12 anos.

6o grupo: Dois adaucti (acrescentados). Quer dizer: houve dois que se juntaram aos 24 mártires no caminho para Nagasaqui: Pedro Jukijiro, que fora enviado pelo P. Organtino, S.J., de Kyoto, para ajudar os mártires na sua caminhada para Nagasaqui; o outro, Francisco, de Kyoto, carpinteiro, seguiu os mártires todo o tempo até que os guardas o meteram no grupo.

À direita no quadro, aparecem três pessoas, testemunhas do martírio - Vo. Pedro Martins, S. J., Bispo do Japão, e dois padres jesuítas.

S. SEBASTIÃO

Este painel, cheio de cor, de vida e de movimento, é o mais belo de todos.

S. Sebastião é um dos heróis dos primeiros séculos do cristianismo, sendo cognominado "Defensor da Igreja". Protegeu os mártires, animou-os e consolou-os e converteu muitos pagãos.

Nasceu em Norbonne e entrou no exército. As suas grandes qualidades tornaram-no conhecido na Corte e Diocleciano nomeou-o capitão da primeira companhia da sua guarda.

Denunciado por um espia apóstata como sendo cristão, foi chamado pelo imperador.

- "Como é isto? disse, irritado, Diocleciano, eu cumulei-te de favores, habitas no meu palácio e tu és inimigo do imperador e dos deuses?"

- "Eu, respondeu Sebastião, tenho sempre orado a Jesus Cristo pela vossa saúde e pela conservação do império e sempre adorei o Deus do céu."

Furioso, o imperador entregou-o a uma tropa de archeiros para o trespassarem de flechas. Deixaram-no por morto; mas foi recolhido por uma dama cristã. Logo que se curou, apresentou-se ao imperador que, estupefacto, lhe disse:

- "Quê? És tu o mesmo Sebastião, que eu mandei matar a golpes de flechas?"

- Sim: o Senhor curou-me para protestar contra a perseguição contra os cristãos, que são os melhores cidadãos do império."

O imperador mandou que fosse levado ao circo, onde foi morto à bastonada.

S. MIGUEL

Diz-se que este painel foi pintado pelos discípulos de pintura do P. Giovanni Nicolao, expulsos do Japão em 1614, juntamente com os missionários.

O Pe. Nicolao fundou duas escolas de pintura no Japão: uma em Arima, em 1601, outra, em Nagasáqui, em 1603. Ele veio para Macau com os seus discípulos e continuou em S. Paulo a sua escola até à morte, a 16 de março de 1626.

Os seus discípulos japoneses eram Mâncio Taichiku, Pedro Chicuam, Tadeu e Jacob Neva, o mais famoso de todos.

A igreja da Madre de Deus (vulgarmente, de S. Paulo) tinha 3 naves, 3 capelas e 2 altares no Cruzeiro, a saber: a capela-mor, a capela de Jesus e a capela das 11.000 Virgens. Entre o arco da capela de Jesus e o da capela-mor ficava o altar do Espírito Santo com um retábulo de relíquias; e da outra parte o altar de S. Miguel.

Quando, em 26 de Janeiro de 1835, ardeu S. Paulo, foi quase tudo queimado, mas salvou-se o retábulo do altar de S. Miguel, que se julga ser o que está hoje no Seminário. Pintado por artistas japoneses, semelha um samurai japonês.

ADORAÇÃO DOS MAGOS

Este painel, que é de grande beleza, foi também restaurado em Londres por Alan Bradford em 1985-1986.

Os três Reis Magos apresentam-se, ao romper da manhã, perante a Virgem. Atrás de Maria está de pé o seu inseparável companheiro, S. José, com os braços estendidos, todo contente.

A Virgem, sentada, segura nas mãos o Menino Jesus. O rei mago Melchior, careca e de barbas, revestido dum manto amarelo-cinzento, oferece de joelhos um presente de incenso ao Menino que o recebe de mãos estendidas, a sorrir.

Atrás, o outro rei mago, Gaspar, de manto verde-branco, tem na mão direita um vaso de oiro e na esquerda oiro maciço; espera a sua vez.

Atrás deste, o rei mago Baltazar, preto, sem barba, tem a cabeça coberta por um turbante que termina em forma de cone; tem na mão um cálice de mirra; um rapazito, a seus pés, pega-lhe nas orlas do seu manto vermelho.

Como pano de fundo, aparecem os animais: uma mula, cujas rédeas são seguradas por um rapaz; um cavalo e, finalmente, dois camelos com um rapaz a segurar-lhe as rédeas.

QUADROS DE S. FRANCISCO DE ASSIS

São quatro: Baptismo de S. Francisco, Momento de decisão, S. Francisco e as aves, S. Francisco recebe os estigmas. Foram restaurados em Londres pelo pintor Alan Bradford.

I - Baptismo de S. Francisco: Nasceu em 1182 em Assis, sendo filho de Pedro Bernardo de Moriconi (conhecido por Bernardone) e de Pica. Quando esta se achava por vários dias com horríveis dores de parto, um peregrino que passou disse que "a mãe havia de parir num estábulo e o menino nascer sobre a palha". Dito e feito. Hoje o estábulo é uma capela. No Baptismo apresentou-se um homem de aspecto venerando que segurou nas suas mãos o menino, ao qual foi dado o nome de João. Pela facilidade com que aprendeu o francês, mudou o nome para Francisco.

II - Momento da decisão: Rezava ele na igreja de S. Damião prostrado diante do Crucifixo, quando ouviu por três vezes estas palavras do mesmo Crucifixo: "Vai, Francisco, e repara a minha casa, que está para cair em ruína".

Voltou a casa, pegou numas peças de fazenda, foi vendê-las à cidade de Foligno, na Perigia, e foi pôr o dinheiro numa das janelas de S. Damião para a restauração dessa igreja.

O pai maltratou-o e ele foi refugiar-se em S. Damião. O pai propôs-lhe que renunciasse aos seus bens e levou-o para isso ao bispo de Assis. Perante o bispo, Francisco despojou-se dos vestidos e disse: "Eu até aqui chamava-vos pai sobre a terra; mas agora posso dizer: Pai nosso, que estais no Céu".

O bispo cobriu-o com o seu manto e depois deu-lhe uma capa velha. Foi este o momento da decisão, em que deixou o pai para viver só para Deus.

III- S. Francisco e as aves: Um dia, perto da pequena cidade de Bevagora, Francisco vê uma multidão de aves nos ramos e vai-lhes pregar. São todos seus irmãos: o sol, o lobo, o peixe, o abutre, o cordeiro, as aves e as flores. O quadro é tão poético que só pela poesia se pode mostrar:

"Vinham cruzando o vasto azul do ar;

Aves em bando, num rumor contente;

Chegadas perto, punham-se a escutar:

Que lindas coisas ditas simplesmente!

E tal prodígio foi neste momento,

Que nunca a terra o viu de igual maneira:

Vibrou nos ares um deslumbramento;

Floriu em volta a natureza inteira".

(Oliva Guerra)

"Quantas vezes os próprios

passarinhos

Quedavam sobre os ramos a

escutar...

E só recomeçavam os seus

gorgeios

Quando o Santo acabava de

pregar".

(Maria Godim)

De facto, enquanto ele falava, alongavam as aves os seus pescoços, moviam as asas e inclinavam as cabeças até tocar no chão.

IV - S. Francisco recebe os estigmas: Retirara-se ele para uma gruta, no Monte Alverne, a 1208 metros sobre o nível do mar. Na festa da Exaltação da S. Cruz, 14 de Setembro de 1224, quando estava a orar, baixou do céu um serafim com asas de fogo e deteve-se no ar, aparecendo entre as suas asas a imagem de Jesus Crucificado. Francisco caiu em êxtase; desapareceu a visão, deixando-lhe na alma um fogo de amor e no corpo as cinco chagas que ele acabava de adorar.

Passou a andar calçado e com as mãos cobertas para que ninguém lhe visse as chagas; mas nem assim as conseguiu ocultar e à sua morte muitíssimas pessoas as beijaram.

S Sebastião (Guido Reni, 1575-1642)

(1) Arquivos de Macau, Vol. I 312.

*Laureado historiador, de reputação internacional, da História de Macau, da presença portuguesa e da Igreja no Oriente, com mais de 115 livros publicados.

Membro da Academia Portuguesa de História e de várias associações e instituições internacionais, v.g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia.

desde a p. 87
até a p.