Centenário

Razões de um Festival

António Carmo*

"As crianças só atiram pedras às árvores que dão fruto..."(Provérbio persa)

Nas páginas anteriores desta Revista aparece uma descrição sumária do que foi o Festival, seu interesse para Macau (na perspectiva do autor), bem como as opiniões de alguns dos participantes, pelo que nos dispensamos de tal tarefa.

Posta assim de lado a descrição do "como", passamos imediatamente ao exame muito sumário do "porquê" e "para quê" do Festival, já que as limitações que nos foram impostas, por razões de espaço e contenção de gastos, nos obrigaram a reduzir consideravelmente o texto inicial. Tentaremos, apesar da amputação feita, não mutilar demasiado as ideias-chave.

AS GRANDES COISAS SÃO PARA VER AO LONGE

Macau não produz nada em matéria de agricultura. O que comemos e o que bebemos é importado, tanto da vizinha China como do resto do mundo. Não temos fontes de energia próprias, nem minérios para extrair do solo. Somos uma pequena cidade a abarrotar de gente e duas ilhas igualmente pequenas, confinados em escassos 16 Km2. Entretanto vivemos relativamente bem, temos um orçamento folgado e vimo-nos obrigados a repatriar centenas de imigrantes ilegais que entram a nado e pelos processos mais variados; de contrário, acabaríamos por ir ao fundo com o peso.

De onde nos vem esta prosperidade se tão pouco possuímos? Em primeiro lugar, como toda a gente sabe, das receitas do jogo. Somos o 3° casino do mundo.

Mas há felizmente outras actividades saudáveis que nos trazem benefícios: a indústria têxtil, os brinquedos, etc. Transformamos matérias-primas alheias, incorporamos o suor e a habilidade de uma mão-de-obra abundante, barata, e muito diligente, associada ao capital de investidores com visão moderna, e obtemos receitas com aquilo que exportamos.

Como, porém, estamos muito condicionados pelos mercados externos, flutuações da moeda, barreiras alfandegárias, etc, a solução evidente parece ser alargar o leque daquilo que temos para oferecer, pois uma economia assente num pé só é sempre precária e corre o risco de se desequilibrar de repente. É por isso que a palavra "diversificação" está na ordem do dia e ocupa lugar cimeiro nas prioridades dos responsáveis pela administração do Território.

Nesta diversificação sobressai o Turismo, como uma das actividades que pode e deve dar muito dinheiro, para a qual temos já algumas infraestruturas razoáveis - sobretudo hotéis - mas que depende também em larga medida da atracção exercida pelo jogo.

Todos sabemos que Macau é um exemplo importantíssimo - quase diria ímpar - de como, neste Extremo Oriente, é possível a convivência saudável de raças e culturas tão diferentes É uma mistura que se nota por toda a parte, sobretudo para quem tem olhos para ver e está atento: na arquitectura, na língua crioula, nos tipos étnicos, na culinária, em tanta coisa! Mas, o que é evidente vê-se depressa e o resto é para os estudiosos.

Assim, sem pôr de lado o turismo que é produto do jogo, haverá que encontrar rapidamente novas fontes de atracção para outros tipos de visitantes que venham a Macau e aqui permaneçam mais tempo. Criar outras motivações, em suma.

É aqui que entra a ideia do Festival, como parte de um plano mais vasto, talvez não muito claramente definido mas certamente implícito nas linhas de acção governativa traçadas há um ano.

O que precisamos, em meu entender, é de criar um certo número de iniciativas válidas e permanentes, distribuídas ao longo do ano, preenchendo um calendário de actividades que atraia gente de quadrantes muito diversos, encha os hotéis, gaste dinheiro nas lojas, aprenda as lições que Macau tem para dar e leve uma imagem para difundir. Gente que volte aqui com regularidade e traga outros consigo.

É isso que se passa com o Grande Prémio Automóvel que hoje já ninguém se lembra de contestar e era, até aqui, o único grande acontecimento com repercussão internacional. As críticas de que foi alvo no princípio deixaram de se ouvir, porque as pessoas acabaram por entender a sua utilidade - apesar dos incómodos passageiros que causa, com as ruas cortadas, o barulho dos motores, a poluição, etc.

O Festival de Música nasceu, exactamente com o mesmo objectivo. Nunca ninguém pensou que traríamos aqui os maiores nomes do canto lírico e da música chamada "clássica" apenas para deleite ou formação cultural de alguns que aqui vivem (o que é necessário mas não constituía razão suficiente). O projecto é mais vasto, tem sobretudo uma dimensão virada para fora, para levar Macau ao conhecimento de uma grande parte do mundo que nem sequer sabe que existimos. Nesta perspectiva, os espectadores acabam por ser figurantes da televisão e esta adquire uma importância fundamental na organização.

Será certamente necessário criar outras actividades com esta dimensão e um festival de música "ligeira" (sem que isso signifique que a outra é "pesada") pode e deve ser encarado nos mesmos moldes e com idêntica amplitude. Não se trata de uma alternativa mas sim de algo complementar.

Estão pensados também festivais de cinema, mas igualmente se alinham neste horizonte actividades ligadas a outros sectores da cultura, bem como congressos científicos diversos - a informática será um deles, aproveitando a nossa localização privilegiada nesta imensa bacia do Pacífico para onde o eixo do mundo começou já a deslocar-se. Na época de charneira em que nos aconteceu viver, não só entre dois séculos, mas sobretudo entre duas formas de civilização - um in-dustrialismo agonizante e um novo modelo que desponta, impulsionado pelos computadores - seria loucura desperdiçar uma oportunidade excelente, já que nos encontramos perto dos agentes da mudança e somos uma das portas de entrada da nova China que desperta.

Consciente de que me alarguei um pouco neste enunciar de objectivos mais vastos em que o Festival se insere, penso todavia que era indispensável referi-lo, sob pena de nunca mais entendermos o porquê desta ideia, que não foi apenas -longe disso - uma bizarria ou um capricho de diletantes intelectuais. E estou à vontade para o afirmar porque embora com a responsabilidade de coordenar o Festival, não me coube a paternidade da ideia.

O "QUÊ" E O "COMO"

Visto assim rapidamente o "porquê", passemos agora em revista em que consistiu o Festival e como decorreu. Para garantir o nível internacional que se pretendia e a sua continuidade, havia que atingir uma grande qualidade artística, uma ligação real entre a música ocidental e a chinesa e um benefício imediato visível para a comunidade das nações destinatárias.

O nível artístico foi assegurado pelo programa escolhido - da responsabilidade sobretudo de Adriano Jordão e do Instituto Cultural de Macau - e pelos intérpretes convidados. A fim de obter uma apreciação crítica de peritos, mas também com o objectivo de conseguir apoiantes no acesso ao mundo dos festivais de música - ou seja, para conquistarmos rapidamente um lugar ao sol neste baluarte quase inexpugnável - convidámos os dirigentes dos maiores festivais portugueses e a Presidente da respectiva Associação, Dra. Maria de Jesus Barroso, o que veio a revelar-se uma medida acertada, pois recebemos garantias de apoio entusiásticas.

A música chinesa esteve presente através de uma bela composição interpretada logo na abertura por mais de uma centena de excelentes músicos da Orquestra da Radiodifusão da RPC, dirigida por um notável maestro (Yuan Fang), que aliás já aqui haviam actuado. Entre parêntesis adiantaremos já que, de futuro, teremos de aumentar e diversificar a participação chinesa, alargando-a a outras áreas, tais como o bailado, a ópera de os grandes coros, num "mano-a-mano" com os intérpretes ocidentais (por exemplo, um coro da Grã-Bretanha - que, por sinal, já se ofereceu - o ballet da Gulbekian, etc.).

Como benefício para a comunidade internacional escolhemos entregar a receita da gala final à UNICEF, para auxílio às crianças protegidas pela organização.

Estas três linhas (qualidade do produto, mistura Ocidente-Oriente e actividade filantrópica) parecem-nos de manter intransigentemente, constituindo um tripé que assegurará a individualidade própria do Festival Internacional de Macau no conjunto dos grandes festivais mundiais a que nos candidatamos.

Não parece necessário descrever com detalhe como decorreu a memorável semana de 24 a 31 de Outubro, pois outros o fizeram já com maiores garantias de isenção. A execelente revista que é a "Macau", editada pelo Gabinete de Comunicação Social, incluiu na secção "Actual" do seu número de Novembro, um artigo assinado por Fernando Pires (editor-chefe do "Diário de Notícias", de Lisboa) com o título "o Nível chegou ao Superlativo", que nos parece elucidativo.

Foram noites que fizeram histó ria, em que aconteceu arte, percorrendo os salões do Forum, do Palácio da Praia Grande, do auditório da Universidade da Ásia Oriental e da igreja de São Lourenço.

A Revista trilingue do Festival que dirigimos e o Instituto Cultural editou, com o propósito de constiuir mais um instrumento de divulgação para o exterior, incluiu artigos sobre aqueles locais, biografias dos intérpretes e uma síntese do programa.

Procurou-se também encontrar uma forma pedagógica de atrair e formar a audiência interna, através de pequenos programas telvisivos de 5 minutos, transmitidos nas duas semanas que antecederam o Festival, à hora do Telejornal.

Com excepção de dois, todos os concertos foram gravados pela TDM e irão ser comercializados no 1° trimestre do próximo ano, para as grandes cadeias internacionais de TV. Juntamente com o conjunto das gravações vendidas avulso ou em "pacotes" diversos, surgirá um video de 50 minutos com a síntese do que foi o Festival, incluindo passagens escolhidas de cada concerto, imagens de Macau e passeios das "divas" pelo Território - justamente na linha dos objectivos atrás enunciados. Ali aparecerá também a famosa Audrey Hepburn, a quem os anos não apagaram o sorriso gaiato da menina da "My Fair Lady", entrevistada pelo director de programas da RTP Carlos Pinto Coelho, para falar da UNICEF, suas carências e actividade humanitária.

Foi uma notável proeza a que a TDM conseguiu, ao garantir a transmissão directa do concerto final para 11 países tão diferentes como, por exemplo, o Japão, a Coreia, Hong Kong, a França, a Suíça, a Hungria ou a Noruega. Além dos cerca de 60 milhões de espectadores que assistiram simultaneamente ao memorável "Stabat Mater", realizado a favor da UNICEF, muitos foram também os que viram o concerto inicial - o "concerto da amizade luso-chinesa", como foi baptizado, e que reverteu para as crianças deficientes de Macau - estimando-se estes em cerca de 11 milhões. Ou seja: Foi o acontecimento a que se deu maior projecção internacional nestes 400 e tantos anos da história de Macau.

POR CAUSA DA FLOR...

Diz um velho aforismo grego que "por causa da flor, o vaso também é regado".

Sabedoria do povo que se aplica particularmente a todos quantos trabalham na preparação, na organização, e se quedam depois afastados das luzes da ribalta. Quando as coisas correm mal têm as organizaçôes uma especial vocação para bode expiatório e as pedras chovem de todos os lados.

Mas quando tudo correu bem, ao ouvir os aplausos aqueles que se empenharam e deram tudo por tudo - o melhor de si mesmos - para que nada falhasse, sentem também, como o vaso, a frescura da água que vivifica a flor, engrossando a gota reconfortante com uma lágrima de comoção. Valeu a pena! - era o que diziam uns aos outros, abraçando-se.

É certo que a gratidão vem sempre no fim de todas as coisas e que raramente alguém se lembra das raízes quando contempla uma flor, mas desta vez houve até quem estivesse atento. Os artistas e os dirigentes dos outros Festivais foram unânimes na sua apreciação e, no artigo referido, F. Pires conclui com estas simpáticas palavras: "... uma palavra de louvor - justíssima! Erguer um festival de música é tarefa muito complexa, erguê-lo como em Macau, com sucesso artístico, e tudo o mais que tanto foi, honra e dignifica".

^^ MAS NEM TUDO FORAM ROSAS Bem entendido que houve erros que importa corrigir no futuro, defeitos a merecer reparo. Milagre seria se os não houvesse e distracção imperdoável se não atentássemos neles. Começando pelo tempo, que foi curto (coisas destas necessitam de mais de um ano para pôr de pé e não apenas de alguns meses de antecedência), pelo tipo de organização escolhido (um Secretariado Permanente com representantes dos principais organismos de suporte - ICM, DST e TDM), com orçamento tripartido e a maioria do pessoal de apoio em part-time, até algumas carências notórias, entre as quais avulta a falta de um bom piano tropicalizado e de uma sala de espectáculos à altura. Verdade seja que se melhoraram notavelmente (uns 60%) as condições da sonoridade do Forum, com a instalação de placas em acrílico e uma concha acústica, mas não é o bastante. O salão maior do Forum foi concebido para outro tipo de espectáculos e actividades, pelo que se torna demasiado grande para um concerto de música (mesmo com o assinalável recorde de 3.500 pessoas, na noite de 28, a sala apresentava muitas clareiras). ^^ ENCAIXANDO O "PUZZLE" Como o leitor decerto se apercebeu, procurámos fugir à descrição pura e simples do Festival, pois não fazia muito sentido uma reportagem do acontecimento numa Revista de Cultura se não houvesse consequências importantes de ordem cultural a considerar. Falámos da importância de um calendário de grandes actividades a implementar em Macau (com as evidentes repercussões sociais que resultam de uma maior riqueza) mas importa referir que o efeito mais considerável, porque mais duradouro, é de ordem cultural. Na realidade, de nada serve repetir chavões como a "permanência da maneira portuguesa de estar no mundo", tão apregoados ultimamente, se não institucionalizarmos os vectores que garantam essa permanência. De contrário, não passaríamos de fala-baratos, esquecidos do que se vai passando em Goa e aconteceu um pouco por toda a parte: em meia dúzia de anos é fácil apagar uma tradição de séculos, tanto pelo uso do camartelo, como pelo abandono da língua, a substituição dos costumes ou a subversão dos valores. Para que tal não aconteça, há que ser realista e criar formas reais, palpáveis, enraízadas, de perpetuar a nossa presença depois de a administração mudar de mãos. Daí a importância da existência de um Instituto Cultural, cujo objectivo tanto é preservar as culturas em presença como estimular o seu diálogo, assegurando que a fusão não destrua a individualidade, antes a enriqueça. Como o seu presidente escreveu nesta mesma revista (1), depois de apontar "algumas áreas prioritárias na cooperação e intercâmbio entre Macau e o interior... abre-se assim à nossa frente todo um conjunto de trabalhos de preparação do futuro que importa iniciar". O importante agora é seleccionar os temas que virão a preencher o tal calendário. É uma tarefa a desempenhar colegialmente, por todos os que detêm responsabilidades na condução da vida do Território - e portanto não apenas o Governo mas também, em larga medida, as entidades privadas, singulares ou colectivas - o que supõe a vontade de realizar encontros interdisciplinares para determinar quem realmente somos, como estamos, quais os cenários alternativos, em que direcção deveremos caminhar e com que recursos (com quê e com quem). Para tanto, 12 anos não são demais, se houver vontade de juntar todas as peças do "puzzle" para formar o padrão mais adequado. Não será seguramente um padrão das descobertas de novas terras e novas gentes, mas poderá ser o da descoberta de que nestas terras e com estas gentes é possível encetar um modelo novo de convivência no novo século que desponta.
Ileana Coirnbas

O Festival Internacional de Música proporcionou-me a sorte de poder vir a Macau. É fantástico! Um cantor ter a possibilidade de conhecer o Oriente onde as pessoas e a cultura são tão diferentes. Gosto de poder sentir um novo público e este é muito especial, muito característico. Quando me contactaram e me puseram a hipótese de poder vir a Macau cantar, não hesitei, disse-lhes logo que sim.

Acho que o festival começou muito bem sente-se logo quando existe qualidade e eu notei-a imediatamente. Tudo correu da melhor forma: a pequena orquestra inglesa e a orquestra de Pequim, todos os músicos, os locais escolhidos, a apresentação da Noite de Gala feita pela grande actriz que é Audrey Hepburn e mesmo as duas cantoras - foram muito bem.

Foi sem dúvida a melhor forma de começar o que se pretende seja o primeiro de uma longa série de Festivais Internacionais de Música em Macau. Penso que reveste grande significado haver um acontecimento musical deste relevo em Macau e acho que pode vir a ser um Festival de primeira categoria. Os primeiros passos estão dados, há agora que fazer sempre melhor.

A sensação que tive quando aqui cheguei foi de estar em casa; Macau é extremamente familiar porque é uma cidade muito mediterrânica, apesar de ser tão diversa. Fiquei muito feliz e transmiti-o ao meu marido: foi como se estivesse em Pádua (perto de Veneza) na minha casa. Disse-o e digo-o com o coração, porque os cantores são ingénuos e puros como crianças. Fiquei deveras entusiasmada e passeei imenso por todo o lado sobretudo na Avenida da Praia Grande que é muito bela. Disseram-me que outrora lhe chamaram a "Nápoles do Oriente".

Muitas vezes as pessoas não entendem a ópera porque é preciso ter uma cultara musical vincada; normalmente requer um público de élite. Na Noite de Gala de Ópera tivemos tudo o que era preciso: as duas peças escolhidas eram incríveis, o público era numeroso, entusiasta e estava contente, a orquestra e os cantores afinadíssimos, a televisão gravou e transmitiu tudo em directo, uma coisa verdadeiramente bem feita.

É preciso saber quando as coisas são bem feitas. Tenho uma auto-crítica terrível por isso afirmo: - foi de facto um trabalho bem realizado e que tem na sua génese a possibilidade de evoluir bastante. É maravilhoso que nesta cidade que é tão diversa e oriental se tenha realizado um Festival tão ocidental. Digo-lhe com toda a sinceridade que gostaria de voltar, e espero fazê-lo para o ano porque há muitos coisas para fazer. É preciso pensar nas coisas mais interessantes e mais belas para Macau.

Lucia Valentini-Terrani

É encantador estarmos aqui e é óptimo conhecermos os músicos chineses bem como todos os outros. Gostei bastante de ter tido a oportunidade de conhecer as cantoras, foi magnífico ouvir Ileana Cotrubas. Gostei bastante do concerto no Palácio do Governo, foi muito bom. O concerto na igreja de São Lourenço tendo sido de grande qualidade penso que pode-ria ter tido mais gente; faço notar que as condições não foram as melhores devido ao calor que se fazia sentir.

O Festival Internacional de Música terá futuro, sem dúvida, mas Macau terá de ser mais conhecido. Saliento a importância de o concerto da Noite de Gala ter sido transmitido em directo pela televisão. É uma das melhores formas de levar Macau e o Festival a várias partes do mundo, cumprindo assim parte da necessidade de divulgação.

Quanto às condições para as futuras realizações elas estão criadas. Na generalidade o Festival correu muito bem, embora tenham existido pequenas anomalias indignas de reparo, tendo em consideração que foi o Primeiro Festival Internacional de Música de Macau.

John Whibley**

Entre os dias 24 e 31 do mês de Outubro passado, as maravilhosas ilhas de Macau e Taipa viveram momentos cultural e inolvidavelmente relevantes. A realização desta semana com 8 manifestações recheadas de nomes sonantes no universo musical e artístico tais como as cantoras Ileana Cotrubas e Terrani, pianistas como Ingried Habler, Pedro Burmester, Adriano Jordão, celista Peter Dansberg, Orquestra Sinfónica da Rádio-Televisão de Pequim com os Maestros Silva Pereirae Yan Fang, Ensemble Goldeberg e ainda da famosa e bela actriz Andrey Hepbum no concerto com que fechou este memorável 1°. Festival de Música de Macau, envolveram este Território de uma luz que não pode nem deverá apagar-se nos seus futuros horizontes. Aqui, permitimo-nos relembrar aos grandes e incansáveis obreiros deste Festival, que há 3O anos se inaugurou neste mesmo Território, uma Delegacão do Círculo de Cultura Musical de Lisboa a cuja iniciativa e presidência esteve ligado o nome desse grande português e Amigo, o Dr. Pedro Lobo, que a Macau permitiu ouvir alguns dos maiores e mais prestigiados nomes do mundo musical europeu. Posteriormente, pouco tempo depois, por razões inexplicáveis de inércia ou provinciana intriga, julgamos, essas portentosas actividades morreram na vida musical macaense, sem deixarem testamento. Se é certo que a primordial característica do "Ser" português, biologicamente poético, logo emocional, só hesita perante o "fácil", não é menos certo que o verdadeiro sentido de continuidade cultural pressupõe qualidades por vezes ausentes no seu querer, tais como equilíbrio na perseverança, avidez no desejo, arrojo nas dificuldades e heroísmo sem lamentações. Por todas estas razões, devemos confessar o nosso entusiasmo pela preciosa organização deste 1°. Festival de Música, apoiada na inteligente e sensível compreensão do Governo do Território. Parabéns pelo que se conseguiu e muito em especial pelo entusiasmo já demonstrado no prosseguimento das mesmas jornadas culturais futuras e que certamente incluirão Macau na rota dos grandes Festivais de Música Mundiais.

Finalmente, tecer críticas aos raros momentos de elevação sócio-artísticos vividos em Macau, não nos cabe tal responsabilidade por participante activo nos mesmos. Exijo porém para nós a felicidade de afirmar: seja qual for o preço da cultura, ela não será apenas prazer circunstancial, antes profundo e largo investimento num futuro digno. Será deitar à terra semente tão rica e fértil que nenhuma intenção sinuosa poderá destruir, nem nenhum mau-olhado poderá desviar do seu rumo certo. Assim seja, MACAU!

Silva Pereira

(1) Jorge Morbey, "A Cultura em Macau: perspectivas de futuro", in Revista de Cultura, n° 2.

** Director comercial do "Goldberg Ensemble"

*Licenciado em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP), foi o Coordenador do Festival, em representação do Governador de Macau a cujo Gabinete pertence.

desde a p. 134
até a p.