Crónica Macaense

O combate de grilos em Macau

Leonel Barros*Ilustrações de Victor Marreiros

"O jogo e as apostas são para os chineses os maiores divertimentos da vida.

Nos casinos ou em casa, nos passeios ou nos bancos dos jardins, confortavelmente instalados ou simplesmente acocorados, chineses de todos os níveis sociais apostam em quase tudo. Até em combates de grilos, que anualmente são disputados no início do Outono, ou seja no período do Lap-t'chau (sétima Lua)."

Os grilos são apanhados pelos agricultores durante os meses de Verão ou no início do Outono a fim de serem metidos na "arena".

O "grilo chilreando na lareira", das canções folclóricas e dos contos, aparece em todas as habitações rurais e campos do mundo. Este insecto procria continuamente e qualquer colónia pode incluir espécimes de todas as idades.

As fêmeas possuem um ovi-positor longo, em forma de furador, pelo qual expelem os ovos para dentro de frestas, enquanto as que vivem ao ar livre põem os ovos debaixo da terra. Os ovos eclodem depois de um período entre 15 e 25 dias, a uma temperatura entre 25 e 30 graus, e o desenvolvimento das ninfas leva o mesmo espaço de tempo. Os grilos são geralmente nocturnos e cortejam as fêmeas no fim da tarde, continuando por toda a noite. Enquanto cortejam, emitem um som agudo e estridente produzido pelo friccionar dos tenigmas (asas dianteiras).

Os grilos caseiros são omnívoros, alimentando-se de qualquer matéria orgânica que encontrem, enquanto que os do campo (espécies Teleogryllus e Grillus), se alimentam de vegetais como batata, alface, cenoura e de toda a espécie de ervas.

A ninfa do grilo assemelha-se muito à espécie adulta, mas é mais pequena. As asas e o corpo vão crescendo, e muda de pele até se tornar insecto adulto.

Os grilos caseiros não se adaptam ao cativeiro nem tão pouco são utilizados para combates por serem pequenos e extremamente delicados.

Os do campo, que são conhecidos pelo nome vulgar de grilo campestre, são os mais procurados. Existem muitos tipos distintos, conhecidos por diferentes nomes.

Os machos são extremamente agressivos uns com os outros, estabelecendo a hierarquia e a chefia no grupo por meio de lutas. Embora, quando em liberdade, eles se agridam, é muito raro haver algum dano físico, o que não acontece quando lutam na "arena": o derrotado ou se retira ou morre despedaçado.

Os grilos do campo, por serem muito combativos, são procurados pelos agricultores que vão buscá-los às tocas quando eles se encontram hibernando. O camponês serve-se de um pequeno cesto de forma cilíndrica que é colocado à entrada da lura. Seguidamente, ele queima à entrada um pouco de palha ou folha seca cujo fumo penetra no hibernáculo, obrigando-o a sair e a entrar no cestinho. Acontece muitas vezes que o fumo provoca também a saída de serpentes. Os insectos apanhados nestas condições são os que mais dinheiro custam, podendo até atingir a casa dos milhares de patacas. Acreditam os chineses que os grilos assim caçados são bons lutadores porque até a serpente receia devorá-los na sua toca, o que é errado,visto que a serpente em hibernação não se alimenta, limitando-se unicamente a ingerir de vez em quando um pouco de água, caso esteja próxima dela.

Os grilos apanhados nos distritos de Sôi-Leng, T'cheng-Un, T'cheong-Fá e Kou-l são os mais procurados, em virtude de a grilada deles ser bastante estridente, podendo ser ouvida a grande distância.

As espécies mais procuradas são as conhecidas entre o povo pelos seguintes nomes: Pac-má--t'au (cavalo de cabeça branca), Vong-má-t'au (cavalo de cabeça amarela), Hak-má-t'au (cavalo de cabeça preta), Hai-kim (pinças de caranguejo) e Hak-ngán (olhos negros).

A manutenção destes insectos, além de ser muito dispendiosa, exige do criador enormes cuidados, visto que ao menor descuido eles podem adoecer e morrer.

Antigamente, há mais de 3.000 anos, os Imperadores da China criavam estes insectos em riquíssimos recipientes fabricados com ouro, prata, marfim, jade ou cristal e cada animal ficava aos cuidados de um "médico ervaná-rio".

Em cada um dos recipientes os tratadores colocavam um pequeno pote com água mineral a fim de saciar a sede do insecto e davam-lhe a comida: pequeníssimos insectos e peixinhos recém-nascidos, bem como batata, cenoura, couve e arroz cozido de primeira qualidade, a que era adicionado um pouco de mel, para que o insecto se tornasse mais pesado, forte e combativo.

No caso de algum insecto adoecer, o "médico" ministrava-lhe larvas de mosquitos secos ao Sol misturadas com algumas espécies de ervas medicinais. Mas o medicamento mais eficaz eram rebentos pisados da ervilheira selvagem. Além de todos estes cuidados, o mais aturado era o que preparava a vida sexual do insecto.

Assim, o "médico" tinha todas as noites de colocar em cada recipiente, junto do macho, uma fêmea que era retirada após uma permanência de algumas horas. No quarto onde se criavam os grilos não era permitido o fumo de cigarro ou do ópio, porque o fumo afecta a saúde do insecto podendo torná-lo inútil para os combates.

Muito antes da hora do início dos combates aparecem os apostadores com um ou mais potes com grilos que são colocados sobre uma longa mesa. Estes potes apresentam-se completamente tapados com um bocado de cartão forrado com papel vermelho. Em cada pote está gravado o nome do dono, para não haver enganos.

Um indivíduo com funções de fiscal pesa os insectos servindo-se de uma balança de precisão. Preferencialmente, os insectos devem ter o mesmo peso, mas em casos muito especiais, e com a concordância dos presentes, pode haver uma pequena diferença em gramas. O mesmo indivíduo serve também de árbitro durante os combates e não há reclamações das suas decisões.

Depois de pesados os insectos, e observada a sua constituição, dois deles são metidos no pote que servirá de "arena".

Seguidamente os donos dos grilos esfregam o dorso dos insectos com uma vareta que tem na extremidade alguns fios de bigode ou pêlos de rato. Isto torna-os furiosos. Os animais lutam então desesperadamente até que um fica totalmente despedaçado, sem ambas as pernas ou sem a cabeça. Pode acontecer durante a luta que algum dos animais se recuse à luta, recuando sempre que o seu adversário estende as patas para o agarrar. Quando isto sucede, a decisão fica por conta do árbitro.

Vinte por cento das receitas das apostas revertem para o proprietário do estabelecimento, e os vencedores são presenteados com um ou mais galhardetes vermelhos, com frases laudatórias ao grilo vencedor.

Seguidamente, fazem-se cortejos pelas ruas da cidade com grande acompanhamento de entusiastas para levar o insecto à residência do dono.

Nas apostas nunca há dinheiro à vista, mas sim a oferta de leitões assados ou bolos. O dinheiro é mais tarde entregue aos apostadores num determinado local e o volume global pode atingir as dezenas de milhares de patacas.

Antigamente, quando morria um grilo campeão a notícia ia para os jornais anunciando a hora exacta do "funeral", que assim congregava também um grande acompanhamento. O local do enterro tinha de ter também um bom "fông-soi", exactamente como o escolhido para enterrar uma pessoa.

No passado, este tipo de divertimento era feito em vários locais, de preferência nos hotéis ou em residências de famílias ricas chinesas.

Hoje, a luta de grilos é exibida numa residência antiga da Travessa dos Anjos, n°24 r/c, todas as tardes das 14.00 às 17.00 horas.

Não é permitido tirar fotografias durante as lutas porque a repentina claridade do "flash" estonteia o animal, inibindo-o de continuar a combater. •

* Estudioso e publicista de Macau.

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