Artes

100 ANOS DE PINTURA PORTUGUESA

Sílvia Chicó*

Fruto de uma louvável iniciativa do Leal Senado e do Museu Luís de Camões, realizou-se uma grande exposição de pintura que possibilitou ao público de Macau um contacto altamente significativo com a produção portuguesa dos últimos cem anos.

Uma grande exposição concebida em seis etapas, e metodologicamente tratada por seis diferentes comissários, foi vista em Macau, entre Novembro de 1986 e Março de 1987; exposição que, a repetir-se na íntegra, traria certamente muita luz sobre a complexa, e ainda não suficientemente analisada, problemática da arte portuguesa contemporânea.

"A chávena de Chá",Columbano,1898(óleo sobre madeira,34×26cms)

Iniciando-se com 'Os Naturalistas', a primeira exposição comissariada pela Drḁ Margarida Marques Matias, continha obras de, entre outros artistas, Silva Porto, Marques de Oliveira, Pou-são, Malhoa, Carlos Reis, Veloso Salgado, Aurélia de Sousa e Falcão Trigoso, correspondendo a reunião destas obras a uma valiosa colaboração de vários museus. Seguiu-se a segunda exposição, dedicada exclusivamente a Co-lumbano, comissariada pela Drå Maria de Lourdes Bártholo, e que levou a Macau as peças mais representativas da obra deste pintor de sensibilidade oitocentista, como 'Um Concerto de Amadores', 'Grupo do Leão, 'Cristo Crucificado', 'A Luva Cinzenta' e 'Retrato de Antero de Quental', para citar apenas algumas obras que atestam a representatividade com que Columbano foi dado a conhecer.

"Mucha", Amadeo de Souza-Cardoso, (óleo sobre tela.27×21 cms)

A modernidade seria introduzida através da terceira exposição, tratada por Rui Mário Gonçalves, crítico de arte e historiador da contemporaneidade artística portuguesa, que em 'Os Pioneiros do Modernismo' apresentaria obras, quer da geração que implanta o Modernismo -Almada Negreiros, Ama-deo de Souza-Cardoso, Santa-Rita Pintor e Eduardo Vianna - quer de pintores que até aos anos trinta e quarenta seguiram tendências da modernidade, entre as quais pinturas de Maria Helena Vieira da Silva, pintora então incompreendida no seu país de origem, obras que antecederam (sem por isso terem sido entendidas) outro surto da modernidade da década de quarenta: a dos Surrealistas e a mais internacionalista mas menos inovadora, a dos Neo-Realistas. Nessa exposição, além de obras dos modernistas já citados, pôde ver-se a pintura de Manuel Bentes, Milly Possoz, Abel Manta, Dordio Gomes, Jorge Barradas, Carlos Botelho, Mário Eloy, Dominguez Alvarez, Sarah Afonso e Júlio Reis Pereira.

Seguir-se-ia a exposição de Almada Negreiros, que mereceu honras de exposição individual tal como acontecera com Columbano, e talvez como devesse ter acontecido com Amadeo de Souza-Cardoso se tal tivesse sido possível. Comissariada pelo Arquitecto Sommer Ribeiro, director do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, levou essa mostra a Macau obras determinantes para o entendimento de Almada Negreiros pintor. Desde desenhos, que constituem como sabemos um dos dados fundamentais na estruturação do todo pictórico de Almada, aos esboce-tos para os painéis das gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, Almada pôde neles ser apreciado, simultâneamente nas suas facetas humorística, cubo-realista e ilustrativa.

A penúltima destas exposições constituiu um testemunho sobre um dos momentos quiçá mais raros e ricos da história portuguesa deste século. Comissariada pelo pintor Fernando de Azevedo, que deste momento histórico é também protagonista, nela foram mostrados os exemplos mais altos do Surrealismo dos anos quarenta e do Neo-Realismo português. Puderam ser vistas obras fundamentais de António Pedro e de António Dacosta, bem como, evidentemente, do próprio Fernando de Azevedo, de Marcelino Vespeira, de Moniz Pereira e Cruzeiro Seixas, para citar apenas alguns, num contexto que, apesar de relativamente pouco produtivo, não pode deixar de ser vasto.

Coube-me a mim organizar a última exposição, referida aos últimos trinta anos, e intitulada 'Últimas Décadas'. Com o desconforto e a difícil objectividade de quem se situa na autoria de um processo organizativo, deverei declarar que privilegiei dois grandes grupos, os quais 'grosso modo' poderei classificar de Abstractos e de Neo-Figurativos. Com cerca de oitenta obras expostas, a exposição teve que seccionar-se em duas partes, que não agrupavam núcleos temáticos, antes tentavam relações formais, temáticas e mesmo cromáticas entre os quadros, em que várias gerações conviviam, atestanto a riqueza e a grande criatividade a que se assistiu nos últimos trinta anos.

"Espacilimitado", Nadir Afonso,1959(óleo sobre tela,80x147cms)

"Entrada de Toiros", Júlio Pomar,1963(óleo sobre tela,130.5x96.8cm)

"Self-Portrai in red", Paula Rego (pintura e colagem sobre tela,152x152cms)

Pintura, António SENA,1975(acrílico sobre tela,130xcms)

Sem título, Graça Pereira Coutinho.1975(técnicas mistas sobre tela,121x90cms)

Por tudo o que foi exposto, ainda que resumidamente, se conclui que Macau foi um território privilegiado para a apreciação da arte portuguesa dos últimos cem anos. O convívio com as obras de alto nível, facilitado por museus e pela Fundação Gulbenkian, proporcionou certamente um momento alto na fruição estética da pintura portuguesa, facto que a ser devidamente 'rentabilizado' em termos culturais, não poderá deixar de dar frutos, tanto para os artistas como para o público da arte.

*Profa Assistente do Departamento de Artes Plásticas, ESBAL/Universidade Nova de Lisboa; crítica de Arte e ensaísta.

desde a p. 95
até a p.