Cidades Portuárias

Isolamento ou abertura da China Antiga ao Mundo?

Benjamim Videira Pires, S. J.*

"Apesar da sua aparente solidão, as fronteiras nórdicas da China foram abaladas geralmente de 500 em 500 anos, por confederações de nómadas: Hunos, Mongóis e Manchus. Os seus territórios também se expandem para além dos Himalaias, em conquistas e expedições até ao Mar Cáspio e à Índia, donde provêm elementos novos que enriquecem a sua flora, fauna, cultura e arte. A China assimila essas tendências religiosas e artísticas do Ocidente e dos povos vizinhos dela, sem perder, contudo, a identidade nacional. Vamos apresentar vários exemplos de importações, no campo da cultura principalmente, a que os chineses, combinando-as com os substratos nativos, deram um cunho peculiar, em que já mal se distinguem os traços estrangeiros."

Cada verdade tem sempre pelo menos outra verdade complementar. Assim, a liberdade supõe a responsabilidade, a nutrição conota a assimilação dos alimentos, a conclusão postula a premissa, etc.

Paralelamente, não se concebe que uma pessoa ou uma nação se desenvolvam ou progridam, na solidão absoluta do mundo circundante. O aperfeiçoamento do indivíduo e dum povo, realiza-se por meio do seu instinto de sociabilidade, conjugado com a sua força de criatividade. Por isso, o avanço sócio-político e cultural das nações efectua-se por meio do comércio e intercâmbio internacionais.

Pode haver países com mais talento e vigor de síntese que outros, mas nenhum é completamente original e sem importações estranhas.

O Império da Ideia, por isso, não tem fronteiras nem alfândegas de fisco.

Peça de "cloisonné" esmaltado, segundo modelo de um bule para chá e leite de Lama do Tibete (reinado de Chi'en-lung, 1736-1 795, Dinastia Ch'ing).

Á China, através da sua história milenária, não fugiu a esta regra, nem quando se fechou às relações com os vizinhos, durante algum período, forçosamente breve. Foi precisamente esta atitude antina-tural que, por vezes, precipitou a restauração da ordem normal de convivência pacífica e frutuosa.

"As situações violentas não duram" indefinidamente - diz o provérbio romano. Esta é a lição que vamos tirar da excursão pela história cultural do Celeste Império, na sua parte antiga, que a moderna, do século XV aos nossos dias, é mais conhecida e entra-nos pelos olhos.

Perante o estudo da cultura da China, o homem do Ocidente amedronta-se, porque a arte e o pensamento daquele país parecem-lhe longínquos e impenetráveis. O classicismo greco-latino e as categorias ou esquemas de pensamento aristotélico-tomista, de que somos herdeiros, dificultam-nos a apreciação correcta das linhas e cores atormentadas, características do Extremo Oriente.

Todavia, se nos familiarizarmos com as diversas tendências estéticas que floresceram no mundo antigo, reconheceremos, com relativa facilidade, a inspiração e os motivos artísticos comuns que aproximaram e uniram sempre os homens, na missão de criar beleza.

A civilização e o destino da China, na sua origem, assemelham-se aos da Suméria, do Egipto e de Moenjo-daro (Vale do Indo). "Dádiva do Rio" Nilo chamou o historiador grego Heródoto à terra dos Faraós. O mesmo podíamos dizer da imensa planície chinesa, fecundada e assolada pelas águas caudalosas do Rio Amarelo.

O Rio Indo forma uma linha clara de divisão entre o Próximo e o Médio Oriente, embora se dê naturalmente um grande salto entre-as duas regiões. Com efeito, o Próximo Oriente acha-se muito ligado ao mundo do Ocidente, com as suas tradições greco-romanas e judaico-cristãs. O Médio e o Extremo Oriente têm um carácter inteiramente diferente, pois são a contrapartida da Europa e da Ásia Ocidental.

Retomando o fio das ideias do penúltimo parágrafo, sabemos que a vocação da China, ao longo de vários milénios, é essencialmente agrícola e campestre (e ainda o não deixou de ser): a presença do mar só encontrou nela eco fugidio, no início da história contemporânea, por meio das efémeras expedições do eunuco Cheng Ho.

Escondido atrás de planaltos de gelo e de desertos e estepes sem fim, fortificado pela Grande Muralha de 221 antes de Cristo, o Império do Meio reprega-se sobre si próprio, simulando voltar as costas ao resto do Mundo; e, nessa espécie de isolamento impressionante, elabora, com paciência e perseverança sem iguais, uma das culturas mais originais da história. O amor da natureza e do concreto, a harmonia entre o homem e o universo e o apego à vida de família manifestam-se, desde o início, nos seus bronzes, na sua pintura e no seu pensamento.

Apesar, porém, da sua aparente solidão, sobretudo as suas fronteiras nórdicas foram abaladas, geralmente de 600 em 600 anos, por confederações de nómadas: Hunos, Mongóis e Manchus. Os seus territórios também se expandem para além dos Himalaias, em conquistas e expedições até ao Mar Cáspio e à Índia, donde provêm elementos novos que enriquecem a sua flora, fauna, cultura e arte.

A China assimila essas tendências religiosas e artísticas do Ocidente e dos povos vizinhos dela, sem perder, contudo, a identidade nacional.

Vamos apresentar vários exemplos de importações, no campo da cultura principalmente, a que os chineses, combinando-as com os substratos nativos, deram um cunho peculiar, em que já mal se distinguem os traços estrangeiros.

"Nas esculturas das grutas de Touen-Houang (366 p. C.), Yung-Kang, Tien -Lung-Shang e Lung-Men, no norte da China, descobrimos elementos decorativos típicos da Ásia central, folhas e pincéis de acanto e esboços de capitéis claramente helenísticos, bem como motivos indianos da época. Nas estátuas de Buda, podemos observar a evolução do estilo grego de Gandhara para o indiano propriamente dito. Nos numerosos frescos dessas grutas-só as de Touen-Houang são 96 grutase nichos -, há um rico repertório das lendas e folclore da Índia."

S. em falar da possível origem dos horizontes pré-históricos Yang Shao e Lung Shan no planalto do Irão, sabemos que a dinastia Han (206 a. C. até 221 p. C.) absorveu a região dos Ordos, Mongólia Meridional, donde trouxe, para a sua pintura e escultura, formas zoomórficas e efeitos decorativos geométricos. Inaugura-se, então, o célebre Caminho da Seda, que foi, durante séculos, a maior via de comércio entre o Extremo Oriente e o Ocidente. Alguns pórticos da Grande Muralha mostram influências da Assíria.

Mesmo por mar, a China comunica com a Europa. Durante o cativeiro da Babilónia, os Judeus disseminam-se pela China e Coreia, como indicam pedras com a estrela de David e a inspiração nitidamente sapiencial do livro clássico Tou Tak-king, atribuído a Lao-tsé. Em 166, uma embaixada de Marco Aurélio Antonino (An-tun, nas fontes chinesas) chegou, pelo Mar Vermelho e Oceano Índico, ao nordeste do Annam, parte do Império Chinês, e daí, por terra, talvez à côrte do imperador Huan, oferecendo-lhe marfim, chifres de rinoceronte e carapaças de tartaruga, que não eram produtos do Império Romano. Antes desta expedição, possuímos provas evidentes de que os gregos conheciam já o porto de Cattigara, na costa nordeste do Annam, que se atingia pelo sul da Índia.

O período turbulento e caótico das Seis Dinastias (221-617) marca a entrada do Budismo na China, que imprime nova direcção ao espírito e à arte dessa grande nação.

Nas esculturas das grutas de Touen-Houang (366 p. C.), Yung-Kang, T'ien-Lung-Shang e Lung-Men, no norte da China, descobrimos elementos decorativos típicos da Ásia central, folhas e pincéis de acanto e esboços de capitéis claramente helenísticos, bem como motivos indianos da época. Nas estátuas de Buda, podemos observar a evolução do estilo grego de Gandhara para o indiano propriamente dito. Nos numerosos frescos dessas grutas - só as de Touen-Houang são 96 grutas e nichos -, há um rico repertório das lendas e folclore da Índia.

O Budismo lançou na China as bases duma arquitectura sagrada, cujo modelo se perpetuou nas dinastias seguintes até aos nossos dias. Além dos templos rupestres, importados da Índia; surgiram os pagodes ou monumentos funerários à memória de um rei, que revelam também uma influência indiano-búdica evidente. Como o stupa da Índia, cujas origens se perdem na pré-história, o pagode chinês obedece a um simbolismo cosmológico e o seu pilar central representa o eixo do mundo ou a união da terra com o céu.

A propósito, os mitos da China e da Índia têm uma origem comum, cerca do ano 820 antes de Cristo, mas fora da China. Nos séculos seguintes, aparecem os mitos astrológicos. No tempo de Lao-Tsé (nascido provavelmente em 604 antes de Cristo), difundem-se novas lendas e abre-se um vácuo até ao tempo dos Estados Contendores (500-100 a. C.), em que novos estímulos e emoções propiciaram a criação mitológica. Depois de Lao-Tsé, o mito existe na China esporadicamente até que os filósofos da dinastia Sung, juntamente com a vitória dos árabes muçulmanos sobre o exército T'ang no Rio Talas (Turques-tão Ocidental), em 751, lhe deram o golpe, do qual nunca se refez. É difícil definir com clareza quais as lendas chinesas que procedem ou não da Índia. A do dragão (culto de naga, cobra aquática) e a cruz gamada (a letra dez mil, em sânscrito) certamente que sim.

Busto de deusa, provavelmente um Budhisava ec akoração, com evidentes influências do estilo de gândhara no panejamento do vestuário e no cabelo (originário da cave de Naksatra, turkestão chinês; Museum für Völkerkunde, Berlim).
"Bailarinas Apsara"(cave 379 das grutas de Touen-Houang-366d. c.)

A homogeneidade e a constância interna man-tiveram-se na arte budista, transcendendo as diferenças e as metamorfoses locais, facto que se nota nos símbolos religiosos, como a flor do lótus e as várias mudras ou posições das mãos de Buda. O Budismo adaptou-se e transformou as culturas em que foi implantado, expandindo-se pelas vias comerciais do tempo.

O império Kushan ou Gupta, formado por nómadas do Kansu, no nordeste da índia - uma das cinco províncias indianas que Alexandre Magno chegou a conquistar nesse subcontinente -, difundiu o modelo da imagem de Buda, encontrado em Gan-dhara e Mathura (hoje, Muttra). Foi a dinastia Wei, umas das cinco atrás nomeadas, provavelmente fundada pelos turcos T'o-pa, que introduziu, no norte da China, a arte budista. Daí passou para a Coreia e o Japão.

Os primeiros monumentos stupas foram levantados pelo imperador Ashoka da dinastia índica Maurya (327-187 a. C.), que subiu ao poder, depois que as tropas de Alexandre da Macedónia evacuaram a Índia. As colossais colunas com a "Roda da doutrina" de Buda e antigo símbolo solar, que Ashoka espalhou pelo seu Império, baseavam-se num modelo Aqueménida (medo-persa) do Irão. Nota-se ainda a influência helenística na vivacidade dos corpos dos animais (elefantes, cavalos, leões, touros). Enfim, a arte de Gandhara é quase exclusivamente inspirada nos modelos estrangeiros da Antiguidade Clássica. Em Beram, próximo de Kabul, há artefactos dos séculos II e III com feições helenísticas, egípcias e sírias.

"O Budismo lançou na China as bases duma arquitectura sagrada, cujo modelo se perpetuou nas dinastias seguintes até aos nossos dias. Além dos templos rupestres, importados da Índia, surgiram os pagodes ou monumentos funerários à memória de um rei, que revelam também uma influência indiano-búdica evidente. Como o "stupa"da Índia, cujas origens se perdem na pré-história, o pagode chinês obedece a um simbolismo cosmológico e o seu pilar central representa o eixo do mundo ou a união da terra com o céu. "

Os centros de arte, Mathura e Amaravati, introduziram mudanças no Budismo e levaram a arte desta religião à perfeição; mas o Islamismo monoteísta, chegado à China entre 618 e 626 ( Cantão, Yangchow e Ch'uan-chou ou Zayton), bem como a queda de Magadha, em 1200, sob essa mesma religião, extinguiram o Budismo na Índia.

Em 226, o comerciante Ts'in-lun do Império Romano do Oriente chegou ao Tonquim. O prefeito Wu Miao enviou-o ao imperador Wu, em Sun Ch'uan. A cultura do jasmim, donde se fabrica o chá aromático, foi introduzida em Cantão pelos árabes e persas, na segunda metade do século III.

S. ob a dinastia T'ang (618-906 da nossa era), a China ganha uma dimensão ecuménica e quase se internacionaliza, alargando as suas fronteiras até à índia e ao Mar Cáspio, como indicámos atrás. Encontraram-se porcelanas chinesas desta época na Pérsia e no Egipto.

Na capital Tchang-An (Si-An), desenvolveram-se paralelamente o Tauismo, o Con-fucionismo, o Budismo, o Maniqueísmo, o Cristianismo nestoriano e, um pouco mais tarde, o Islamismo. O célebre monumento siro-sínico de Si-ngan-fu foi descoberto em 1625 e interpretado em linguagem chinesa vulgar pelo missionário jesuíta português Pe. Manuel Dias, S. J.. Supõe-se que a estela haja sido enterrada pouco depois da promulgação do édito de perseguição religiosa de 30 de Setembro de 845. Levantara-a o nestoriano Zazd-bozed, do clero secular, natural da cidade de Balk, no Turquestão, na reunião anual do inverno de 780-781, segundo ano do período Kien-Chung (781) da dinastia T'ang, "estando o ano em Tso-yo, no sétimo dia do primeiro mês, que foi domingo". No topo da lápide está uma cruz, sobre a qual se acham gravados nove caracteres, em três colunas, que dizem: "Monumento comemorativo da nobre lei de Ta-Tsin, no Império do Meio". Segundo o texto, Alopen chegou a Si-ngan-fu em 635, vindo de Ta-Tsin, provavelmente a Pérsia. O imperador Tai-Tsong enviou o seu ministro Fang Huang-ling a recebê-lo e conduzi-lo à côrte. Depois de se convencer da verdade da religião cristã (heresia de Nestório, patriarca de Constantinopla), aquele ministro chinês favoreceu a sua propagação e, por ordem do mesmo imperador, foi construído, em 638, um mosteiro nestoriano. Outros se ergueram no reinado seguinte, do imperador Kao-Tsong (650-683), e Alopen foi promovido a Grande Senhor Espiritual, Protector do Império. A estela cristã de Si-ngan-fu tem gravada uma inscrição com 1780 caracteres. Além disso, em baixo, há uma série de datas em língua siríaca, em caracteres estrangelo. Dá um sumário do Catolicismo e conta a história do nestorianismo na China desde 635 até à primeira metade do século IX.

Os pintores Chou Fang e Chang-Hsuan receberam ordem de um imperador T'ang para pintar o povo e a topografia de Prom ou Hrom (Roma), segundo a descrição de viajantes que a tinham visitado. Infelizmente, as ditas pinturas, mencionadas pelos cronistas da época, perderam-se.

Em 640, um embaixador de Bizâncio trouxe presentes de artefactos de vidro vermelho e verde ao imperador Tai-Tsong, que agradeceu com vestuários de seda.

Durante esta dinastia, viviam em Cantão 100.000 estrangeiros. Em Ch'ang-An (capital), havia quatro templos de Zoroastro e duas igrejas nes-torianas. Lo-Yang era a capital intelectual da China e contava um milhão de habitantes. Após a invasão árabe da Pérsia, membros da família real dos sas-sânidas e muitos comerciantes persas e medos estabeleceram-se em Ch'ang-An, onde se espalhou o gosto pelos objectos de prata sassânidas.

A dinastia T'ang assinala a Idade de Oiro da história da China, mas as suas duas capitais, Lo-Yang e Ch'ang-An, foram saqueadas várias vezes e nada resta desse esplendor. Apenas o templo Todai-ji, em Nara, Japão, construído em 759 pelos chineses, dá uma ideia da harmoniosa e solene arquitectura chinesa de então. Sabe-se ainda que a antiga capital do Japão, Nara, foi construída toda segundo o modelo de Ch'ang-An, com a forma externa de uma colossal mandals.

"Mesmo por mar a China comunica com a Europa. Durante o cativeiro da Babilónia, os Judeus disseminam-se pela China e Coreia, com o indicam pedras com a estrela de David e a inspiração nitidamen te sapiencial do livro clássico Tou Tak-king, atribuído a Lao-tsé."

É impossível imaginar a pompa, a riqueza e o hedonismo dessa época alta da civilização da China. Os vestidos dos homens eram tão luxuosos como os das mulheres: longas togas de seda, espadas e cintos com incrustações de marfim, cristal, lápis-lazúli, jade e oiro. O trajo turco estava na moda, mesmo entre a família imperial; a música birmanesa era popular, raparigas do Sn Lanka serviam vinhos capitosos e escravos negros e malaios enxameavam pelos átrios e dependências da côrte. Todavia, os Uighurs e outros estrangeiros não podiam usar indumentária chinesa, nem podiam casar com as pessoas da raça Han. O Polo a cavalo, trazido da Pérsia, era o desporto favorito dos nobres e cortesãos, inclusivamente da famosa favorita Yang Kuei-Fei.

O templo japonês Shosoin contém mais de 3.000 objectos de fabrico chinês deste período, que pertenceram ao imperador nipónico Shomu (falecido em 756), contemporâneo do monarca chinês Hsuang-tsung.

"É difícil definir com clareza quais as lendas chinesas que procedem ou não da Índia. A do dragão (culto de "naga", cobra aquática) e a cruz gamada (a letra dez mil, em sânscrito) certam ente que sim.

A homogeneidade e a constância interna mantiveram-se, na arte budista, transcendendo as diferenças e as metamorfoses locais, facto que se nota nos símbolos religiosos, como a flôr do lótus e as várias "mudras"ou posições das mãos de Buda."

Apesar da abertura extraordinária dos imperadores T'ang aos valores humanos do estrangeiro, o Celeste Império, com o seu rígido sistema con-fucionista que tudo permeava, respeitou as tradições dos seus antepassados e não deixou perder à China, como um todo, a sua identidade. No final da dinastia, além das calamidades externas enumeradas, o Budismo foi perseguido de morte, entre os anos de 843 e 845.

Chegados ao poder em 960 com o general Tchao K'uang-Yin, os Sung (960-1269) propuseram-se reunificar a China e restituir-lhe as suas características originais. A nação não pretendeu engrandecer-se em detrimento dos vizinhos, mas concentrar-se nas riquezas e valores do passado, procurando nele a luz e a energia para um novo crescimento cultural.

Esta foi a grande época dos intelectuais, dos filósofos, dos poetas e dos pintores. Floresceram então uma alta cultura, um misticismo profundo e uma arte requintada, banhada de espiritualidade. O próprio imperador Houei-Tsong gostava de discutir os problemas estéticos e filosóficos com os sócios da Academia de Thou Houa Yuan.

Durante quase dois séculos, os Sung man-tiveram a unidade da China. Em 1126, porém, os Tártaros ocuparam o norte e os Sung limitaram o seu domínio ao sul, mudando a capital desde K'ai-Fong para Hangdzou, cidade rica de solares faustosos e jardins paradisíacos, que Marco Polo pôde visitar e admirar.

"Sob a dinastia T'ang (618-906 da nossa era), a China ganha uma dimensão ecuménica e quase se internacionaliza, alargando as suas fronteiras até à Índia e ao Mar Cáspio, (...).

Encontraram-se porcelanas chinesas desta época na Pérsia e no Egipto.

Na capital Tchang-An (Si-An), desenvolveram-se paralelamente o Tauísmo, o Confucionismo, o Budismo, o Maniqueísmo, o tarde, o Islamismo." Cristianismo nestoriano e, um pouco mais tarde, o Islamismo."

Como a primeira dinastia histórica Shang atingira a perfeição do bronze e a Chow a perfeição do jade, os Sung fabricaram as melhores cerâmicas de todos os tempos, cobertas de um verniz côr de jade: bom gosto, sobriedade, elegância e harmonia de for mas e côres.

Apesar de tudo, como já demos a entender, o panteão budista foi invadido pelos deuses e figuras lendárias da China, que se torna em vítima do seu sentido de adaptação. Assim, o budisava Avalokitesvara, originariamente um príncipe indiano, foi inter-pretado como mulher, na pintura e estatuária sino-nipónica.

Nasceu a seita Ch'an, ascendente da Zen do Japão, que produziu, entre outros, "o poeta louco" Mou K'i, aliás também excelente oaisaeista.

No período Mongol (1278-1368), penetrou o Lamaísmo Tântrico, mistura do primitivo animismo tibetano Boh e do Budismo indiano, sobretudo no norte da China. Se exceptuarmos o "Palácio da Ilha de Jade" ou o parque Mar do Norte (Beihai) e o esotérico templo-palácio Yong He Gong, em Pequim, o Lamaísmo não deixou grandes vestígios na cultura da China.

"Durante esta dinastia, (T'ang) viviam em Cantão 100.000 estrangeiros. Em Ch'ang-An (capital), havia quatro templos de Zoroastro e duas igrejas nestorianas. Lo- Yang era a capital intelectual da China e contava um milhão de habitantes. Após a invasão árabe da Pérsia, mem bros da família real dos sassânidas e muitos comerciantes persas e medos estabeleceram-se em Ch'ang-An, onde se espalhou o gosto pelos objectos de prata sassânidas."

Após 1300, a arte budista perdeu o vigor. Somente a seita não-ritualista e secularizada Ch'an (Zen, no Japão) exerceu alguma influência até aos nossos dias. A Cerimónia do Chá (Chanoyu), com achegas cristãs, é um dos seus legados importantes.

"Padrão de beleza", um dos nomes do famoso retrato da princesa Wo Siu, filha do Imperador Chi'en-Lung. A princesa foi retratada, com armadura e capacete de cocar, pelo IrmãoGiuseppe Castiglione que passou por Macau antes de se fixar em Pequim(1715-1766)e cujas obras exerceram notável influência na pintura chinesa.

Tornou-se mundialmente conhecida a viagem dos irmãos venezianos Maffeo e Nicolau, e sobretudo do filho deste, Marco Polo, a Khambalik (Pequim) em 1275. Foram os livros deste célebre viajante e cosmógrafo, principalmente II Miglione, que propagaram pela Europa o conhecimento da China. João de Montecorvino (1247-1328), porém, fundou a primeira missão católica e foi o primeiro arcebispo de Pequim. Trabalhou sozinho 11 anos e faleceu aos 81, com 34 anos de vida missionária. Converteram-se à fé muitos príncipes chineses e o imperador mongol enviou ao Papa uma embaixada. As dioceses católicas chegaram a sete, com cerca de 30.000 fiéis: Pequim, Zaitun ou Chinchéu (no Fuquim), Almaligh, Kaffa, Sarai, Tana e Kumuh.

"Podemos afirmar que na antiguidade a China esteve sempre aberta às influências do estrangeiro e a aproveitar as melhores descobertas da ciência, arte e tecnologia do resto do orbe, para as acomodar às suas exigências de perfeição humana. Isto aconteceu, mais ou menos, em todas as épocas. O que ocorreu, porém, algumas vezes, sobretudo nos primeiros anos dos Sung e Ming, é que o Celeste Império, devido ao seu tamanho territorial e complexidade étnica caiu, por vezes, na "mimésis do passado " (Arnold Toynbee), com o a gibóia gigantesca que, quando apanha uma gazela, necessita de bastante tempo para a digerir e assimilar ao seu enorme organismo."

A implantação da dinastia Ming pelo ex-monge budista, imperador Hung-wu (1368-1399), trouxe a destruição do Catolicismo. Os bispos de Ili-Balick e de Zaitun selaram com o seu sangue a fé que pregaram (1359-1362). Hoje, os únicos vestígios deste feito glorioso dos franciscanos são: uma bíblia latina do século XII, que o Pe. Couplet S. J. encontrou em Changchow (Kiangau), na casa de um pagão e se conserva hoje na Biblioteca Laurenciana de Florença; e um cálice talvez da mesma época.

Como se sabe, só com a chegada dos portugueses à China em 1513 e o estabelecimento de Mateus Ricci, S. J., em Shiu-hing (14-9-1583) e, anos mais tarde, em Pequim, se reatou a evangelização da China. Por ser demasiado conhecido, não desenvolveremos este e subsequentes influxos europeus.

Para terminar, vamos acrescentar só algumas palavras sobre a arte do "cloisonné", trabalho muito apreciado no Ocidente e quase esquecido na China e aí tido como inferior ao bronze, à porcelana e ao jade artísticos. Aliás, os intelectuais do Império do Meio nunca se interessaram por artefactos, nem os estudaram sistematicamente. Há, por isso, pouca literatura e escassos documentos sobre eles.

Somente na era Ching-Tai (dinastia Ming, 1450-1456) é que a porcelana "cloisonnée" adquiriu alta qualidade. Chamava-se, de início, Fa-lang-k'an ou Kuei Kuo — nomes que indicam origem estrangeira. Certamente esta arte teve, na China, precursoras, nos embutidos de prata e oiro dos anos 481--221 antes de Cristo (Reinos Contendores), na porcelana dos Han (206 a. C.-221 p. C.) e nas dinastias T'ang e Sung. Definitivamente, porém, a sua técnica especial veio do Ocidente. Foi introduzida na China na época Mongol (século XIV), possivelmente através dos Nestorianos, Franciscanos e Árabes.

Com efeito, o livro Ko Ku Yao Lun do autor T'sa Ming-Chung, escrito no princípio da dinastia Ming, diz que o "cloisonné" - nome que lhe deram os franceses-provém de Fo-lin ou Po-lin, vocábulo que significaria para os chineses Bizâncio ou Constantinopla. A perfeição e refinamento desta arte ocorreu certamente no longo remado do imperador manchu K'ienLông(1736-1796).

Como conclusão final e resposta directa à pergunta do título deste ensaio, podemos afirmar que, na antiguidade, a China esteve sempre aberta às influências do estrangeiro e a aproveitar as melhores descobertas da ciência, arte e tecnologia do resto do Orbe, para as acomodar às suas exigências de perfeição humana. Isto aconteceu, mais ou menos, em todas as épocas. O que ocorreu, porém, algumas vezes, sobretudo nos primeiros anos dos Sung e Ming, é que o Celeste Império, devido ao seu tamanho territorial e complexidade étnica, caiu, por vezes, na "mimésis do passado" (Arnold Toynbee), como a jibóia gigantesca que, quando apanha uma gazela, necessita de bastante tempo para a digerir e assimilar ao seu enorme organismo.

BIBLIOGRAFIA: Chefs-d'oeuvres de 1'art (III-De Ia Chine à 1'Inde Moghole), Librairie Hachette, 1963; Beurdeley, Michel - The Chinese Collector through the Centuries, transl. by Diana Imber, Fribourg, Suisse, 1966; In História dela Cultura Oriental, Edit. Labor, S. A., Barcelona, o artigo de Roger Goepper, nas págs. 329-409 sobre a China; Masterpieces of Chinese Enamel Ware in the National Palace Museum, Taiwan, Taipei; Prática da perfeição ou o livro de Lao-tsé Tou Tak King, vertido do chinês pelo Pe. Joaquim A. Guerra, S. J., Macau, 1987, ps. 31-35 (bibliografia sobre a influência dos Judeus na China); Teixeira, Pe. Manuel - Macau e a sua Diocese, vol. II, Macau, Imprensa Nacional, 1940, ps. 11-24: bibliografia nesta última página, nota 6.

*Lie. cm Literatura portuguesa e Filosofia (Univ. Lisboa); orientalista e Investigador da história portuguesa no Oriente e da Missão Jesuítica na Ásia; Governador da International Association of Histonans of Asia.

desde a p. 46
até a p.