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A contribuição portuguesa para as duas primeiras igrejas da Companhia de Jesus nstruídas em Beijing no Século XVII

João Basto*

Perspectiva do interior da Igreja de S. José dos Portugueses, em Pequim (c. 1776). "A - Altar-mor B - Capella de S. Joseph C - Capella de Sancto Xavier D - Capella de Anjo de Guarda" Desenho: traço e água-tinta
Perspectiva geral da Igreja de S. José dos Portugueses, em Pequim (c. de 1776). Desenho: traço e água-tinta (gravuras do Arquivo Histórico Ultramarino)

"(... )devido às perseguições religiosas empreendidas pela emergente dinastia Ming, que toma as rédeas efectivas do poder em 1368, o Catolicismo viria a ser suprimido da China, menos de século e meio após a sua instauração. O seguinte breve relato investiga como, após um interregno de quase dois séculos e meio, a divulgação do Catolicismo, de novo permitida na China — mas não oficialmente seguida — veio dar origem ao renascimento, em Beijing, de uma arquitectura sacra "à europeia", na qual a contribuição portuguesa se fez largamente sentir".

Em 1293 o franciscano João de Montecorvino (n. 1247, em Salerno), um italiano, chega a Cambaluc (a Beijing de outrora) por via terrestre, onde é acolhido favoravelmente pelo imperador Kublai Kahn. Segundo uma carta datada de 8 de Janeiro de 1305, João de Montecorvino informa o papa Clemente V que, tendo-se radicado na capital do império China, aí erigiu duas igrejas do culto católico, a primeira das quais acabada em 1299 com "uma torre e três sinos".

No entanto, devido às perseguições religiosas empreendidas pela emergente dinastia Ming, que toma as rédeas efectivas do poder em 1368, o Catolicismo viria a ser suprimido da China menos de século e meio após a sua instauração.

O seguinte breve relato investiga como, após um interregno de quase dois séculos e meio, a divulgação do catolicismo, tendo de novo sido permitida - mas não oficialmente seguida - na China, veio dar origem, em Beijing, ao renascimento de uma arquitectura sacra "à europeia", na qual a contribuição portuguesa se fez largamente sentir.

Em 1601 o jesuíta Mateus Ricci (n.1552, em Macerata), um italiano, alcança Beijing proveniente de Macau, onde tinha chegado por via marítima, saído de Lisboa em 1578, e depois de residir em Goa desde Setembro de 1578 a Abril de 1582. Após ter ganho os favores da corte chinesa, Ricci recebe per-misssão do imperador para adquirir em 1605, na capital, uma residência de 40 divisões, subsequentemente transformando a maior sala desta numa capela. Esta sala provavelmente ocuparia o mesmo lugar, em plano de estrutura da residência, que a capela dedicada ao SS. Salvador instalada em 1610 no futuro complexo do cemitério - dito de Chala —, ex-residência do eunuco imperial Yang. Esta sala, fundamentalmente de construção chinesa, seria só e apropriadamente transformada num espaço interno de igreja mediante uma decoração "à europeia", pela aposição de objectos de culto e quadros ou painéis testemunhando imagens da fé católica, tal como já tinha acontecido quando do estabelecimento das três prévias residências de Ricci na China, em Tchao-K'ing (1583-89), Nan-Tchang (1589-98) e Nanking (1595-1616).

Este parece ter sido o único treino arquitectónico prévio de Ricci antes de empreender, em 1610, com Sabatino de Ursis - um religioso seu companheiro que vivia em Beijing desde 1607, tinha sido estudante em Coimbra em 1600 e residente em Macau desde 1604 - o desenho de uma igreja "de estilo europeu, com 25 pés de largura e 50 de comprimento".

Fernando Bortone especifica que a igreja media 8x16 metros (era, em planta, um duplo quadrado), que tinha uma elegante fachada, provavelmente de estilo renascença e que o seu interior era constituído por uma única nave com arcadas e cornijas, sendo o chão do altar elevado três degraus em relação ao pavimento da nave. Esta igreja de reduzidas dimensões e dedicada ao SS. Salvador, seria a primeira construção do Régio Padroado de Portugal edificada em Beijing.

Para que melhor se possa compreender a inserção deste exótico templo ocidental no seio de um império aparentemente tão fechado a estrangeirismos será necessário que façamos uma rápida análise em retrospectiva das razões que motivaram e favoreceram o alastramento da Companhia de Jesus até Beijing.

Em 1493 o papa Alexandre III declara que a Santa Sé reconhece o Régio Padroado de Portugal e concede a este o exclusivo controlo da expansão religiosa no Oriente, inclusive na China. O édito papal vem a ser ratificado em 1494 pelo Tratado de Tordesilhas, que confere à Coroa Portuguesa o monopólio dos transportes marítimos para o Extremo Oriente pelo Cabo da Boa Esperança e pela Índia. A partir dessa data o poderio marítimo português, expandindo-se cada vez mais para o Oriente, viria a estar associado a uma crescente anexação colonial, que teria como política a cristianização dos territórios ocupados.

Independentemente da Ordem a que pertencessem, todos os religiosos que pretendessem singrar para o Oriente, tinham de o fazer em navios portugueses que saíssem de Lisboa - recebendo nesta cidade a investidura de missionários -, e obrigatoriamente passando por Goa-onde se submetiam à jurisdição da respectiva diocese, sede do Régio Padroado de Portugal no Oriente. Só então, aqueles que pretendessem ir para a China, poderiam seguir viagem em outro navio português, fazendo ou não escala em Malaca, com destino a Macau - a única porta aberta do Império China.

A ordem dos Jesuítas, fundada por Inácio de Loiola em 1539 e aprovada em 1540 pela bula "Regimini militantis Ecclesiae" do papa Paulo III, confirmou-se como precursora na divulgação da fé cristã nos territórios gradualmente anexados à Coroa Portuguesa, aí rapidamente construindo igrejas e colégios de imponentes arquitecturas. É de salientar que D. João III viria desde o início não só a reconhecer mas também a incentivar, os ideais evangelizadores dos jesuítas, muito antes de a Ordem vir a ser aprovada constitucionalmente em 1591 pela bula "Ecclesiae Catholicae" do papa Gregório XIV, apoiando já em 1540 a partida dos missionários para a Índia, entre os quais S. Francisco Xavier, que chega a Goa em 1542.

Após a tomada de Goa em 1510 por Afonso de Albuquerque, o testemunho dos primeiros jesuítas no território de Macau data de 1540, estabelecendo--se no colégio de S. Paulo construído entre 1541-43 e reconstruído em 1560. Só mais tarde transferiram a sua sede para o edifício luxuoso, e arquitectonica-mente notável, da igreja e convento do Bom Jesus (1594-1605).

Após a conquista de Malaca pelos portugueses em 1511 a notícia sobre os primeiros jesuítas nesta feitoria data de 1548, tendo estes transformado, de 1566 a 1590-93, uma capela erigida em 1521 e dedicada a N. Sra. da Anunciação, na "mais esplendorosa (igreja) da cidade" e reconsagrando-a a S. Paulo.

O estabelecimento definitivo dos portugueses em Macau em 1557, na quinta feitoria que lhes foi aberta nas costas de China, foi imediatamente seguida pelo estabelecimento dos jesuítas que, de 1558 a 1560, aí fundaram três igrejas: a de S. Lázaro - dita de N. Sra. da Esperança -, a de S. Lourenço - dita de N. Sra. dos Remédios - e a de Sto António, mais tarde construindo a igreja de S. Paulo - dita da Madre de Deus -, implantada em 1562-63, modificada em 1574, reconstruída em 1594-95 e ampliada em 1602-03.

Desde o primeiro quartel do século XVI até meados do século XVII as possessões portuguesas no Oriente — então no seu máximo esplendor — foram a cena de uma progressiva, ininterrupta e febril actividade arquitectónica religiosa de larga escala, principalmente na construção de igrejas, mas também de residências, colégios e hospitais, os quais não poderiam ter deixado de impressionar pela sua magnificência os missionários membros de tais Ordens.

Em Goa destacam-se, entre outras, as igrejas de Sta. Catarina (1510, ampliada em 1550 e reconstruída em 1557-1625), de N. Sra. da Serra (1513), de S. Francisco de Assis (1517), de N. Sra. da Luz (1543), de S. Martinho (1547) e a igreja e colégio de St. Agostinho (1572).

Em Malaca, já em 1613 Manuel Godinho de Erédia descrevia que na cidade havia 14 igrejas, 4 conventos e vários oratórios.

Em Macau eram então dignas de nota a igreja de Sta. Mana (anterior a 1576), a igreja e o convento de S. Francisco - dita de N. Sra. dos Anjos - (1579-80), as igrejas de S. Domingos - dita de N. Sra. da Graça-(1578-89, transferida em 1591) e de N. Sra. da Penha de França (1621-22), a igreja e convento de Sta. Clara (1633-34) e culminando na imponente fachada de S. Paulo, atribuída ao frade italiano Carlo Spinola (martirizado no Japão em 1622) e construída provavelmente em 1637-40.

Se bem que Ricci e S. de Ursis tivessem crescido e iniciado os seus estudos teológicos em Itália, e aí estado em contacto com uma criativa e progressiva arquitectura sacra, os seus anos de. consolidação e maturidade decorreram verdadeiramente em Coimbra, Goa e Macau e destes sítios certamente lhes ficaram na memória o esplendor das muitas igrejas então recentemente reconstruídas ou a serem edificadas. Não sendo de refutar que (tal como Carlo Spinola foi influenciado, na composição da sua fachada da igreja de S. Paulo, pelo Gesù, em Roma) Ricci possa ter sido influenciado pelas estruturas das igrejas de S. Giovanni, em Macerata (que frequentou de 1561-65) ou da Sta. Maria Annunziata, em Roma (que frequentou de 1568-71 e 1573-77), parece mais crível que os elementos arquitectónicos da sua igreja de Beijing fossem derivados da experiência mais actual de uma arquitectura sacra colonial portuguesa contemporânea, esta directamente relacionada com a presença preponderante dos padres e missionários portugueses com os quais Ricci continua em contacto durante os seus primeiros anos de estadia na China (Francisco Cabral - 1585, António de Almeida -1586, João Barradas e Domingos Fernandes - 1595, João da Rocha-1598, Manuel Dias "o Velho" -1602, Pedro Ribeiro, Gaspar Ferreira, Jerónimo Rodrigues e Feliciano da Silva-1604, entre outros). Finalmente, uma influência mais realista e directa poderia provir da convivência quotidiana em Beijing com dois macaenses: o irmão Jacob Neva - um dos discípulos de Carlo Spinola que trabalhou na fábrica de S. Paulo em 1601 - residente a partir de 1602, e o padre Gaspar Ferreira, residente a partir de 1605.

Possivelmente devido à diminuta escala desta igreja, não existem quaisquer testemunhos documentais quer de apoios ou interferências por parte do imperador ou da corte à sua erecção, ou mesmo quaisquer notícias de restrições ou condicionalismos arquitectónicos. Sabe-se somente que, tendo sido começada na primavera de 1610, estava já numa fase adiantada de trabalhos a 14 de Maio, tendo sido consagrada exactamente um ano após a morte de Ricci, em 3 de Maio de 1611.

Este não é certamente o caso da futura igreja denominada Tien-Tchou-Tang (ou: Igreja do Senhor do Céu) que viria a ser construída por Adam Schall, em 1650.

Schall chega a Beijing, à semelhança de Ricci, proveniente de Roma (1611-18), Lisboa (1618) e Goa (1619), residindo em Macau de 1619-22. Exaltado difusor da fé católica no interior da China, de 1622 a 1630, graças aos seus contínuos e elevados préstimos científicos e militares postos ao serviço da corte, obtém por parte do imperador da recém instaurada dinastia Qing não só um acréscimo de terreno para construir uma mais ampla igreja, mas também uma bonificação de 10.000 taéis para a sua erecção. O projecto da igreja, já concebido em 1649-de acordo com uma carta datada de 17 de Março de 1649 pelo padre Luigi Buglio, o futuro colaborador do padre português Gabriel de Magalhães na construção, em 1665, da nova igreja do SS. Salvador (dita de S. José) em Bei-)ing - foi levado avante utilizando os escombros deixados pelos rebeldes durante as lutas intestinas dos últimos anos da dinastia Ming.

Assim, Schall edifica, em Beijing, do sétimo para o oitavo ano do reino do novo imperador, uma igreja de 80 pés geométricos de comprimento (aprox. 26 metros) por 45 pés de largura (aprox. 14 metros) em forma de cruz latina, com o corpo principal dividido em três naves separadas por colunas, sendo a nave central mais elevada e terminando esta numa cúpula. Das paredes pendiam quadros onde estavam inscritos em grandes caracteres dourados os preceitos da religião católica, as obras misericordiosas, as beatitudes e outros princípios do catecismo. A fachada principal alcançava mais de trinta braças de altura erguendo-se ao fundo de um pátio de forma quadrada de 100 pés geométricos de lado (aprox. 32 metros) delimitado por paredes de pedra e tijolo. O acesso à igreja fazia-se mediante 5 degraus e sob uma colunata executada de acordo com modelos europeus, não especificados. A meio do pátio erguia-se um arco triunfal à chinesa ('pailou') de mármore branco "com várias esculturas" e contendo, no alto, ao centro, uma inscrição imperial. Este era ladeado por 2 estelas com inscrições, uma da autoria do 66° descendente de Confúcio e a outra do presidente do Tribunal dos Ritos.

Van der Wygaert, numa relação datada de 7 de Março de 1659, descreve que a exposição do SS. Sacramento era aqui feita "segundo os costumes das igrejas de Macau e de Portugal".

O acesso do pátio ao exterior fazia-se por outro portal construído em tijolo, "menos sumptuoso mas mais artisticamente ornado", encimado por uma inscrição relativa à fundação do edifício. Adjacente à igreja fez-se construir uma capela dedicada á Mãe-de-Deus para o culto exclusivo das mulheres, visto que, de acordo com os costumes chineses, estas deviam ser segregadas dos homens.

À falta de qualquer representação gráfica da igreja, e se bem que a sua descrição literária seja bastante sumária, é interessante salientar que a estrutura do edifício se assemelha bastante à da igreja de Sto. Agostinho, em Macau, não só nas proporções do seu corpo central (quase um duplo quadrado tripartido) como na disposição em planta, com uma nave central e duas laterais respectivamente encabeçadas pelo altar-mór - dedicado ao Cristo Redentor - e por outros dois secundários - dedicados a N. Sra. de S. Lucas, venerada na igreja de Sta. Maria Maggiore, em Roma e a S. Miguel Arcanjo — ladeados por mais dois outros altares - dedicados a Sto. Inácio de Loiola e a S. Francisco Xavier— adossados a ambas as elevações laterais que, somente no caso de Beijing, eram rasgadas por largas janelas. De notar também que uma descrição do seu chão revestido por ladrilhos de cerâmica e da sua cobertura, indicando-a como constituída por um revestimento liso de madeira, são ambas estilisticamente afins dos pavimentos e tectos das igrejas macaenses de Sto. Agostinho - conforme ainda hoje se pode observar - e de S. Paulo - conforme descrito contemporaneamente por Peter Mundy.

Mais semelhanças entre esta segunda igreja de Beijing e demais construídas no precedente século em Macau, podem ser devidas ao grande prestígio e actividade atingidos nas últimas décadas pela fábrica da igreja e colégio de S. Paulo, exarcebada pelas posições secundárias a que gradualmente são relegadas Goa e Malaca na expansão oriental das missões apostólicas da Santa Sé. Enquanto Goa, pela constituição "Sedis Apostolicae" de Paulo V, em 1608, perde o exclusivo de ser o porto de paragem obrigatória para os missionários a caminho do Extremo Oriente, Malaca, durante o primeiro quartel do século XVII, vê a sua situação colonial degenerar numa crescente instabilidade política e económica, finalmente vindo a cair em poder dos holandeses em 1641.

Tendo apenas atracado esporádica e brevemente nos portos portugueses da Índia e Sudeste Asiático, todos os companheiros de Schall teriam fracas ou nenhumas memórias das construções religiosas dessas paragens, mas certamente recordar--se-iam vivida e positivamente da monumentalidade da arquitectura sacra de Macau. É de salientar que o domínio exclusivo de influência do Régio Padroado de Portugal nas missões da China se fazia também sentir pela preponderância de religiosos lusitanos. Efectivamente, de 1581 a 1740, dos 483 missionários jesuítas que entraram na China por Macau 174 eram portugueses e 289 estrangeiros, dos quais, pelo menos, 62 eram italianos.

Favier ao descrever a segunda igreja de Beijing "de estilo europeu adaptado ao gosto chinês" põe em evidência a amplitude de condicionalismos arquitectónicos impostos pela alçada imperial na realização e no aspecto final não só do edifício como na planificação do terreno concedido. Assim, e se bem que o complexo fosse a sede dos Jesuítas na China sob a égide do Régio Padroado de Portugal, é impossível alienar-se de que a sua real existência não permitia as seguranças e regalias que eram concedidas à outras igrejas da cristandade em território colonial português; que não gozava de uma autonomia extraterritorial, nem tão pouco era considerada como um domínio sob ocupação estrangeira — como Macau e mais tarde as feitorias europeias abertas nos portos costeiros -, antes que a sua privilegiada situação, adjacente à Cidade Interdita, tenha sido concedida sob a firme convicção de que esta poderia ser anulada sem possibilidade de apelo e a qualquer momento — como de facto iria suceder em 1665.

É de notar que a implantação, no recinto da residência, de elementos arquitectónicos essencialmente chineses, tais como o 'pailou', ou de monumentos tais como as estelas, possivelmente sob pavilhões abertos, não fazendo quaisquer concessões ao espírito missionário católico, eram pré-requisitos essenciais para a existência da propriedade. É admissível que uma proposta da futura igreja a erigir, no seu volume total e incorporando os seus elementos decorativos, tenha sido previamente submetida e aprovada por um dos seis Tribunais Supremos da capital, sendo a sua futura edificação controlada por oficiais ou arquitectos chineses delegados para esse fim, aos quais também competiria acompanhar os obreiros chins, totalmente desconhecedores dos métodos adequados a adoptar no seguimento dos cânones da arquitectura europeia. Efectivamente está seguramente documentado que os trâmites para a doação imperial do cemitério de Chala, em 1610, aos jesuítas portugueses, foram efectuados pelo Tribunal dos Ritos e que a ocupação da "Residência" e a edificação da igreja a Jesus Cristo Crucificado — dita do Norte ou "Beitang" - (respectivamente em 1693 e 1694-1703) pelos jesuítas franceses, foram supervisionadas pelo Tribunal das Edificações, estes sendo dois dos Tribunais Supremos da capital.

Em 1648 os padres Luis Buglio, um italiano, e Gabriel Magalhães, um português chegam a Beijing por incumbência imperial para trabalharem na corte e no Observatório Astronómico, e vão habitar uma propriedade recentemente comprada por Schall, a Este da Cidade Interdita, onde viriam a construir em 1659, adjacente à antiga residência tipicamente chinesa, uma capela da qual pouco mais se sabe para além de ter sido do estilo jónico e dedicada a S. José. É a partir dessa altura que a anterior propriedade que passámos a descrever se começa a denominar de "Colégio" e a sua igreja de Sul ou "Nantang", e a mais recente propriedade de "Residência" e a sua igreja de Este ou "Toutang".

Vitimados pelas perseguições religiosas incentivadas a partir da morte do imperador Shun Chieh, em 1662, por Young Kuan Hsien - o futuro presidente do Observatório Astronómico -, em 1665 Schall e todos os seus companheiros foram transferidos por ordem imperial para a "Residência" com o consequente encerramento oficial do "Colégio" e da igreja de Sul. A tumultuosa continuidade da sua história viria a estar, desde 1669, altura da sua reabertura ao culto, estreitamente ligada com a do segundo estabelecimento dos jesuítas portugueses em Beijing - dito a "Residência". De frisar, no entanto, que a igreja de Sul tal como hoje se apresenta é resultado de três profundas alterações na sua traça original, efectuadas em 1730-43 - no seguimento dos tremores de terra de 1720 e 1730 -, em 1776 - devido ao desastroso incêndio de 1775 -, e em 1902 -reabilitada das demolições e vandalismos dos fanáticos Boxers em 1900. Estas, muito embora distantes de um envolvimento português, sucessivamente respeitaram nas suas reconstruções e restauros (se bem que cada vez mais abastardados) a planta e o cunho estilístico do edifício original.

*Arquitecto, M. A. (Londres).

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até a p.