Artes

GRAVURAS DE VIEIRA DA SILVA

Carlos Marreiros

(...)

Toute ligne fuyante en même temps vient tout axe qu'on prend fuit en même temps tout lien qu'on fuit nous suit un peu.

(...)

Les gens partent et plus ils partent plus ils creusent de gares d'où partir et moins ils viennent et moins ils sont.

Mais com ment partir sans fuir, et pourquoi partir?

Jean-Philippe Domecq

(A propósito da obra "La Gare Montparnasse" de Vieira da Silva)

Maria Helena Vieira da Silva, nome que vem sendo escrito há quase oitenta e dois anos, desde os primórdios de Lisboa à permanente e finalíssima (?) Paris, nasceu em Lisboa no sol de 1908, dia de Santo António, precisamente vinte anos depois de Fernando Pessoa. Como este, Vieira da Silva (d)escreve a vida sem mimetismos -com pedaços do quotidiano, de solidão e branco silêncio, de azulejos fragmen-tados em conservas de alguma discreta existência solar lisboeta, de penumbras calcetadas nas ruelas parisienses deixadas atrás da grande cenografia hausmanniana, de ritmos minúsculos, de partículas, de poeiras cintilantes-multiplicando-lhe as variações por meio de gestos tacteantes de outras vivências, estabelecendo-lhe pontes de ferro de complicada filigrana, jogando-se-lhe no tabuleiro de xadrez, jogos labirínticos, onde "não há progresso, há nascenças sucessivas, o ardor do desejo" como escreve René Char à artista. Na sua poesia pictórica, como a própria Vieira da Silva confessa a Alberte Grynpas Nguyen - numa série de entrevistas para as emissões radiofónicas da France-Culture em Agosto de 1987 -"Quero pintar o que não existe como se existisse (...) A pintura é mais difícil de fazer quando não se copia a natureza. O imaginário em mim, não é verdadeiramente o imaginário. É uma construção, uma maneira de me construir a mim própria".

A sua pintura não é um jogo de espelhos é antes o espelho de água a partir-se em ínfimas moléculas, ora sombrias e transparentes, ora coloridas e luminosas, orquestradas por sucessivos pontos de fuga, que se situam para lá do plano da tela, criando, em simultaneidade, perspectivas várias euclidianamente reguladas ou delirantemente curvilínias -apetece-me lembrar os ensinamentos dos geómetras e artistas renascentistas, do pintor-arqui-tecto jesuíta Giuseppe Castiglione também conhecido por Lang Shining nas cortes imperiais pequinenses, e mais recentemente, do M. C. Escher -estruturando definitivamente a sua coexistência com espaços onde habitam estilhaços de azulejos, andaimes, pontes-elevadores-gares-de-arquitec-tura-de-ferro-da-revolução-industrial, meganaves de Piranesi, cidades possíveis, livros amontuados, bibliotecas babilónicas e às vezes arlequins e solitários.

A obra de Vieira da Silva é verdadeiramente original e singular, a par com Bonnard e Matisse, que tanto a impressonaram na juventude, ou Klee, Hayter, Léger, Torres Garcia e Giacometti.

(texto extraído do catálogo "Vieira da Silva", editado pelo ICM, com adapatação da redacção da RC)

Rua das Chagas,1987.

desde a p. 178
até a p.