Atrium

ABERTURA

Carlos Alberto dos Santos Marreiros

Mais um número da Revista de Cultura com a qualidade confirmativa das anteriores que, para estímulo de todos quantos na RC trabalham, têm vindo a ser objecto de tantas palavras de apreço e de reconhecimento; porém, melhor que ao nosso, ao juízo apreciativo de leitores, assinantes e colaboradores o confiamos.

Porque acreditamos na identidade cultural própria de Macau e, mais que nunca, agora que a vertigem da ampulheta nos arrasta, implacavelmente, para o túnel do tempo que finda, na RC assume parte leonina o universo cultural de Macau.

Assim, dedica este número o maior espaço e a sua abertura a Camilo Pessanha, coroando o significante dos setenta anos da "Clepsidra". Da sua poesia já se ocupou a RC em edições anteriores. Agora, nesta, a partir de cadastros de natureza vária - literários, sentimentais, iconográficos, civis e recenciais, - se procura reconstituir um "retrato de corpo inteiro" do excêntrico e genial poeta de Macau, ora radiografando as ambiências psicológicas de penumbras e fulgurações que a sua aura exalava, para dentro e para fora, ora estabelecendo o seu "retrato-robot", do intimismo das coisas com ele, o poeta, protagonista também de pequenos e grandes cenografias que foi moldando com o barro do seu diário existir. Baseada fundamentalmente em excertos do livro de Daniel Pires "Homenagem a Camilo Pessanha", também por nós co-editado com o Instituto Português do Oriente, esta peça, valorizada pelas ilustrações de evocação e reconstituição biográfico-ambiental do Poeta, inaugura a sequente abordagem a uma poética do espaço, nos excelentes trabalhos de Luís Sá Cunha e Carlos Morais José, onde pela primeira vez se fala da sua casa e da correlação entre o Homem e a Casa, topo-análise por certo interessante aos aprofundamentos da ontogénese da sua poesia.

A enquadrar o Poeta na sua época, apresenta-se, também, uma selectiva pinacoteca fotográfica de Macau dos anos vinte - ainda não amarelecida na memória dos homens e tema de capa, de resto -, cenário comum a outro vulto da cultura: Silva Mendes. Professor, escritor, coleccionador de arte, da sua personalidade intelectual é aqui destacado o ensaísta da filosofia tauísta e o ideólogo - o primeiro historiador em Portugal do Socialismo libertário ou anarquismo, numa revelação inédita de António Aresta.

De Macau no imaginário dos poetas portugueses, referem-se dois textos: em José Augusto Seabra, os grandes do panteão e os mitolusismos orientais do sentir lírico lusitano; em Graciete Batalha, a obsessiva presença da angústia do fim, da partida, da efemeridade do tempo que já não conta, nas mais recentes liras dos contemporâneos.

Igualmente, em destaque, alguns aspectos da condição da Mulher, desde o rígido quadro tradicional de valores da Antiga China, às realidades vivenciais existentes em Macau, (Maria Ondina Braga, Ana Maria Amaro, Isabel Nunes).

Finalmente, as Artes. O modernista Bernardo Marques, a eterna Vieira de Silva e o europeu (azul) Luís Demée tiveram as suas obras expostas em Macau. Coube à Fundação Oriente trazer as do primeiro e ao Instituto Cultural de Macau as dos outros dois, tendo estado este último presencialmente entre nós, para confirmar que é o mais brilhante dos pintores macaenses.

Carlos Alberto dos Santos Marreiros

Presidente do Instituto Cultural

desde a p. 3
até a p.