Ciência/Tecnologia

O JUNCO CHINÊS: DO ESBOÇO DE UMA CRONOLOGIA À CRONOLOGIA DE UM ESBOÇO

Jean-Yves Blot

William Alexander:" Portrait of a Trading Ship". ALEXANDER, William; MASON, George Henry, Views of 18th Century China: Costurmes, History, Customs, London, Studio,1988, p. [33].

O estudo da evolução da embarcação tradicional chinesa à vela (o "junco") toma um particular relevo com o final do século XX e a conclusão de um fase da história dos territórios de Macau e Hong Kong.

Ambos os territórios representam cada um uma fase bem específica da história do junco chinês que podemos dividir em quatro partes de importância e extensão desiguais:

1- "Antiguidade" (da pré-história ao princípio da nossa era).

2- Maturação (do primeiro milénio ao princípio da dinastia Ming).

3- Retracção (séc. XV-1841).

4- O fim do navio chinês à vela (de 1841 aos anos 1980).

A presença britânica em Hong Kong, iniciada com o episódio da Guerra do Ópio, assinalou logo à partida o fim do junco chinês como navio militar, fim ilustrado pela destruição dos juncos de guerra durante um combate naval com o navio de guerra britânico "Nemesis", em 1841.

A presença europeia em diversos pontos da costa chinesa e águas interiores desencadeou seguidamente a introdução progressiva da motorização das embarcações tradicionais chinesas, fenómeno já visível no princípio do século XX e que se acelerou e generalizou após a II Guerra Mundial, até à extinção pura e simples do velame como aparelho de propulsão nas duas últimas décadas do século XX.

Notavelmente, a última fase das embarcações tradicionais chinesas teve como testemunhos privilegiados um punhado de observadores ocidentasis seduzidos por essas embarcações que exprimiam uma outra abordagem das técnicas para navegar.

Desta maneira, a obra, hoje em larga parte publicada, de autores como Louis Audemard (1865-1955), oficial francês destacado no Extremo Oriente no final do século XIX ou G. R. G. Worcester (1890-1969), oficial da Alfândega do porto de Xangai no final da primeira metade do séxulo XX, e outros autores ocidentais1 presentes no Extremo Oriente nos últimos cem anos, ajudou a preservar o testemunho de uma náutica chinesa cuja decadência era acelerada pela própria presença europeia naquelas águas.

Macau, onde os mesmos fenómenos foram observados, com variante, diz por sua vez respeito a uma fatia cronológica bem mais larga, de cerca de meio milénio, iniciada num período da história náutica chinesa marcado por uma dupla clivagem: por um lado a ruptura auto-decidida das ambições marítimas da administração chinesa da dinastia Ming no século XV e, por outro, o início das influências directas entre a náutica chinesa e a do Ocidente.

A QUESTÃO DAS INFLUÊNCIAS (ÁSIA, PORTUGAL E HOLANDA NO SÉCULO XVI)

De alguma maneira, o mundo náutico ocidental que acaba de chegar à China no princípio do século XVI é, do ponto de vista tecnológico, um recém-nascido. Pelo contrário, a marinharia chinesa que os portugueses têm à sua frente no rio das Pérolas na segunda década do século XVI é herdeira de mais de um milénio de evolução de técnicas náuticas locais, gigante maduro que já nada tem para provar após as faustosas viagens do almirante Zheng He ao oceano Índico no princípio do século XV.

Vista desta maneira, a chegada dos portugueses ao território náutico chinês do princípio do século XVI marca o cruzamento de dois mundos caminhando em sentido oposto, assistindo o último, adulto e sofisticado, à chegada de outro em pleno crescimento. A administração naval chinesa acabava então de renunciar aos juncos gigantes do princípio do século XV que marcaram o pico da sua evolução tecnológica enquanto a náutica portuguesa mal acabava de introduzir nos mares asiáticos uma tecnologia amadurecida no decurso do século anterior em navegações ao longo da costa africana.

Não é de admirar, nessas condições, que as trocas tecnológicas que se seguiram de imediato fossem no sentido da China para o Ocidente, como foi o caso do forro múltiplo do casco e da galeria de popa observados nos navios chineses durante a primeira embaixada portuguesa nas águas de Cantão e seguidamente adaptados pelos construtores navais portugueses.

Como o fazem notar Shefield e Vince, dois historiadores do período medieval na Europa, todo o milénio anterior à chegada dos Portugueses à Ásia é um canal de sentido único no que diz respeito às trocas tecnológicas entre o Oriente e o Ocidente.2

Neste contexto, a historiografia naval holandesa tem debatido sobre a eventual influência chinesa para determinados aspectos da tecnologia naval aparecidos. na Holanda na segunda metade do século XVI como é o caso dos patilhões laterais amovíveis das embarcações circulando em águas pouco profundas da costa e da rede fluvial holandesas.3 Décadas após o debate, um autor holandês, A. Sleeswyk, conclui que a origem terá sido chinesa (essa técnica aparece descrita pela primeira vez num manual chinês de técnica militar de meados do século VIII), tendo um marinheiro holandês embarcado com os Portugueses sido o provável autor desta importação, posteriormente a 1588.4 Sleeswyk analisa outros pormenores de velame e possíveis influências orientais neste domínio, levantando, sem o explicitar, um velho debate da história das tecnologias (difusão versus invenção local independente).

DE MARCO POLO A JOSEPH NEEDHAM(1971)

Seja como for, o Renascimento europeu marca indubitavelmente, com a charneira do início do século XVI, a inversão dos fluxos tecnológicos anteriores, ruptura profunda e de longa duração que levará o grande erudito e sinólogo Joseph Needham (1900-1995) a aprofundar de maneira definitiva, a partir de meados do século XX, a resposta à pergunta:"Por que é que a ciência moderna se desenvolveu na Europa e não na China?"5

Mais do qualquer autor, Needham, bioquímico de formação, poliglota de cultura universal que dirigiu de 1943 a 1946 uma missão britânica de cooperação científica na China, ao desenvolver a compilação magistral da História da Tecnologia Chinesa, editada em vários volumes a partir de 1956, muitas vezes em colaboração com diversos autores chineses,lançou a ponte que nos permite hoje desenrolar a história da tecnologia chinesa, nomeadamente da sua náutica.6

Needham, ao iniciar a publicação do seu imenso trabalho a partir de meados dos anos 1950, pôde desta maneira ter acesso não só às fontes clássicas chinesas mas também a todo um novo campo de conhecimento histórico que se abria então na China com a arqueologia.

Um dos resultados assim assinalado e divulgado foi a descoberta em Cantão, no princípio dos anos 50, de um modelo em cerâmica de uma embarcacção da dinastia Han equipado com um leme axial.7 Descoberta essencial: na marinha ocidental do final da Idade Média, foi o aparecimento do leme axial que seguidamente permitiu o crescimento exponencial da tonelagem e do tamanho dos navios. Com a presença do leme axial na tecnologia naval chinesa, a China dispôs, cerca de mil anos antes do Ocidente, das ferramentas que lhe permitiram amadurecer a sua marinha à vela em madeira.

Cerca de um milénio depois, a construção naval chinesa tinha alcançado uma tal maturação que se assinalaram as invenções mais exuberantes, nomeadamente no campo dos navios militares,8 por exemplo, navios de rodas movidos pela força humana utilizados em lagos e rios já no primeiro milénio da nossa era e que se mantiveram e desenvolveram durante a dinastia Song.

Ponto culminante dessa evolução tecnológica, a empresa marítima do início da dinastia Ming, liderada pelo almirante eunuco Zheng He nas primeiras décadas do século XV, representa a máxima expressão da capacidade tecnológica de uma sociedade herdeira de um longo e denso passado náutico. Aí também a obra de Needham voltou a ter um papel essencial ao comentar a descoberta arqueológica perto de Nanjing, em 1962, de um leme de madeira de 11 metros de comprimento, dimensão a partir da qual os investigadores tentaram estabelecer as dimensões da embarcação original. Um quarto de século depois da publicação (1971) do volume (IV) da série de Joseph Needham dedicado aos temas náuticos, o debate encontra-se longe de estar encerrado.

George Chinnery: "Juncos no Porto ao Pôr-do-sol, Macau". MUSEU LUÍS DE CAMÕES, George Chinnery: Macau, Macau, Leal Senado, 1985, il. 35a.

Apesar da sua riqueza, a história da tecnologia náutica chinesa reconstruída por Joseph Needham e colaboradores sofre, como qualquer testemunho, do calendário em que nasceu: por ter publicado em 1971 essa parte da sua obra, Needham não pôde relatar uma viragem essencial no conhecimento dos antigos navios chineses, viragem desencadeada em 1973 com a descoberta na costa de Fujian,província da China meridional, junto ao porto de Quanzhou, dos restos em madeira de um antigo navio. As escavações arqueológicas que se seguiram (1974) permitiram identificar um grande junco de comércio da dinastia Song cujo deslocamento original foi estimado em cerca de 390 toneladas. Um abundante lote de moedas permitiu datar o achado com precisão.

As peças de madeira conservadas incluíam a maior parte da querena, com forros múltiplos e divisões laterais (anteparas) do espaço interior do porão, uma das características da construção chinesa já assinalada por Marco Polo9 no final do século XIII. O painel de popa, igualmente conservado, permitiu observar pormenores da disposição do leme.10

Plano dos vestígios do junco escavado no Sul da ilha de Palawan; escavações de Ecofarm (Manila) sob a direcção de Gilbert Fournier.

O MARCO DE QUANZHOU

O junco de Quanzhou foi, para a comunidade arqueológica, ocasião de discutir pormenores de construção naval como a natureza das divisões transversais do porão (anteparas), descritas como painéis estanques no texto de Marco Polo. A observação arqueológica revelou orifícios (de circulação de água?) na parte inferior das anteparas. A investigação permite hoje concluir que, além de um uso eventual como divisão do porão em compartimentos estanques, as anteparas tinham, antes de mais, um determinado papel no momento da construção do casco em si, para a determinação das secções, mas tinham também, e sobretudo, talvez, um papel na coesão da estrutura do navio uma vez completado, já que as balizas transversais dos antigos navios em madeira construídos no Ocidente estavam ausentes na antiga construção naval chinesa. Assim, dividido em compartimentos, o casco do antigo navio chinês em madeira tinha a rigidez de uma viga compartimentada, fenómeno que Needham ilustra ao comparar a estrutura do junco à de um tronco de bambu, também ele dividido em compartimentos "estanques".

Mas o que fez da descoberta de Quanzhou, em 1973, uma etapa essencial da arqueologia naval chinesa foram três características essenciais observadas no casco desse junco da dinastia Song:

— a presença de uma quilha na parte inferior da querena;

— as secções em forma de V da querena;

— a grande largura relativa da mesma querena.

Com raras excepções, a quase totalidade dos observadores ocidentais tinha até então descrito o antigo junco chinês como uma embarcação de fundo chato, cuja querena apresentava a característica de não ter quilha.

Esses traços, observados em numerosos juncos marítimos e fluviais, eram citados como constante na maioria dos antigos textos relativos à construção naval chinesa. Um investigador como G. R. G. Worcester veio reforçar a situação nas suas publicações sobre os juncos do Iansequião da primeira metade do século XX, retomando a descrição do junco como sendo uma embarcação de fundo chato desprovida de quilha. As únicas excepções a essa "regra" eram os juncos do Sul da China, zona tradicionalmente submetida a uma forte influência exterior, pelo que a presença de uma quilha e de forma em "V" nesses cascos meridionais podiam ser vistas como o reflexo de traços externos, não chineses. O junco de Quanzhou veio alterar por completo esta visão, ao mostrar que os grandes navios à vela da China meridional da dinastia Song, longe de terem cascos que obedecessem à descrição "clássica" (fundo plano/ausência de quilha), apresentavam, pelo contrário, características opostas: secções profundas em "V" e presença de uma quilha de forte secção.11

Auguste orget: "A Junk off the Coast of China". HUTCHEON, Robin, Souvenirs of Auguste Borget, [Hong Kong], South China Morning Post, 1979, p. [5], em baixo.

Tal descoberta forçou os investigadores a rever o panorama da antiga construção naval chinesa, reforçando a divisão entre as embarcações do Norte e dos rios (as de fundo chato, sem "quilha"), e as embarcações de alto mar da China meridional. Tornava-se claro, desta maneira, que as observações de um Worcester sobre as embarcações do Iansequião, por apuradas que fossem, não podiam ser alargadas ao conjunto do espaço náutico chinês.

Hoje, aquilo a que chamaremos o "critério da quilha" passou a ser um parâmetro essencial da avaliação de qualquer tipo de vestígio arqueológico de cascos em madeira da China antiga. Na ausência formal de uma "quilha" no sentido clássico do termo numa antiga querena12 encontrada em Penglai, na província de Shandong, no Nordeste da China, o professor Xi Longfei, engenheiro naval da Universidade de Wuhan,13 faz observar que a sobre-espessura das tábuas do fundo da secção central da querena pode ser interpretada como uma expressão estrutural de uma quilha, ou reforço da rigidez longitudinal do navio, sem o inconveniente de uma saliência na parte inferior da querena, perigosa para a coesão do casco em caso de encalhe.

Os aspectos mais inovadores postos em relevo pela descoberta de Quanzhou de 1973 foram mais tarde confirmados por diversos outros achados arqueológicos. De cada vez verificou-se a presença de secções de querena em "V" e a de uma quilha, mesmo no caso de descobertas realizadas no Norte do Mar da China, na costa da Coreia, nomeadamente.

Esta inversão brutal dos dados anteriores deixou durante uns tempos os investigadores perplexos: da "hegemonia" anteriormente admitida dos cascos planos e sem quilha, passava-se à omnipresença, incontestável do ponto de vista arqueológico, dos cascos (com quilha e com secções em "V").

Na realidade, tanto o casco de Quanzhou como outros encontrados muito mais a norte, são o reflexo da presença efectiva dos antigos barcos de Fujian em toda a extensão das águas chinesas.14 Grandes construtores navais, os homens da província de Fujian tiveram um papel incontornávelem toda a história da náutica marítima chinesa. São eles os construtores chamados pelo Imperador para conceber em Nanjing os navios gigantes das expedições chefiadas pelo almirante Zheng He na primeira metade do século XV. Nos séculos XIX e XX, são ainda homens de Fujian que têm um papel incontornável na marinha de guerra do final do Império e da República da China.15

A inversão provocada pela descoberta de Quanzhou de 1973 ilustra à sua maneira mais um episódio da bipolaridade geográfica da sociedade chinesa, bipolaridade que se reflectiu até nas escolas de pintura paisagística da dinastia Ming, no século XVII.16

No caso das embarcações, a clivagem Norte-Sul, além das idiosincrasias culturais regionais, óbvias num território tão vasto como o do Império chinês, é antes de tudo atribuível às diferenças do meio marinho, as águas profundas da China meridional17 prestando-se a uma construção naval que seria imprópria para a circulação em zonas de inúmeros baixios como é o caso do Mar da China a norte da embocadura do rio Iansequião.

Essas diferenças entre as embarcacções do Norte e as do Sul sugerem, por exemplo, que a grande frota militar do imperador Kublai Khan enviada contra o Japão em 1281 reflectiu essa bipolaridade no modo de construção das suas embarcações, tendo uma parte da frota sido construída na Coreia enquanto a outra, destinada à força militar chamada do "Sul do lansequião", integrava embarcações de Fujian, província à qual tinham sido encomendados duzentos navios para essa empresa naval.18

Midship Section Secção na parte central de uma embarcação da segunda metade do século XI encontrada na Coreia (ilha de Wando). KIM Zae-Geun, "The Wreck Excavated for lhe Wando Island", in INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, Proceedings, Shanghai, Dec. 1991.

DO COMPROVADO E DO INACREDITÁVEL: DEBATE EM TORNO DA DIFERENÇA

Além da discussão sobre a configuração dos antigos juncos, o achado arqueológico de Quanzhou de 1973 foi a ocasião de rever e de retomar outro grande tema da historiografia naval chinesa, o dos grandes "navios do Tesouro" construídos no princípio da dinastia Ming em Nanjing para as viagens do almirante Zheng He, tema este até então situado na fronteira entre a compilação documental e o mito.

Favorito do Imperador, Zheng He dirigiu pessoalmente pelo menos seis das sete viagens ao oceano Índico realizadas entre os anos 1405 e 1433. É interessante analisar em que circunstâncias o tema das suas viagens aparece no palco da arqueologia naval chinesa no último quartel do século XX. As viagens de Zheng He contêm dois aspectos bem distintos do ponto de vista da investigação. O mais comentado, o mais visível, foi o das viagens em si, operações de prestígio servidas por uma logística naval, militar e diplomática fora de norma.

O fasto das viagens de Zheng He deixou durante muito tempo na sombra a questão das embarcações — construídas de propósito para o grande empreendimento naval — que permitiram tais viagens. As antigas crónicas da dinastia Ming citavam o número e as dimensões das embarcações. Com o passar do tempo e a repetição das referências cada vez mais longínquas, cada vez menos fidedignas, às viagens de Zheng He, os números das antigas crónicas perderam o seu significado. A projecção súbita dada pelo volume IV da obra de Needham publicado em 1971 veio alterar a natureza do interesse pelas antigas fontes. Ao comentar a descoberta em Nanjing em 1962 de um grande leme de madeira, e ao apresentar teses para o cálculo do tamanho da embarcação original que tinha sido equipada com tal leme, Needham lançou um debate que atinge hoje (1996) a maturidade.19

Auguste Borget: "A Trading Junk Lying in the River off Canton". HUTCHEON, Robin, Souvenirs of Auguste, Borget, [Hong Kong], South China Morning Post, 1979, p. [82], ao alto.

Este debate gira em torno de dois parâmetros extraídos das antigas fontes chinesas:

— o tamanho dos maiores navios da empresa de Zheng He;

— a proporção comprimento/largura.

A questão do tamanho diz respeito à tradução em medidas métricas das dimensões fornecidas pelos textos antigos. Segundo estes, os navios do Tesouro, os maiores navios da frota de Zheng He, tinham 44 zhang de comprimento por 18 de largura, o que equivale a embarcações de cerca de 137 m de comprimento por mais de 50 m de largura. Quanto à eventualidade de um erro de transcrição dos números aritméticos encontrados nas fontes antigas, a investigadora Ana Vong, do Museu Marítimo de Macau lembra-nos que os números em causa aparecem nos textos antigos não sob a forma de algarismos mas de transcrição literal por extenso, o que afasta a hipótese de um erro sobre os valores "44" e "18" dados para o comprimento e largura dos navios expressos em zhang.20 Apesar disso, ambas as medidas são consideradas "irrealistas" por determinado número de investigadores.

A razão dessa "impossibilidade" tem a ver com os limites da construção naval em madeira atingidos no Ocidente no final do século XIX e princípio do século XX. As numerosas embarcações de grande tamanho construídas neste período final da marinha à vela em madeira levaram os construtores navais ocidentais a admitir que um navio todo em madeira dificilmente poderia ultrapassar os 75 metros de comprimento sem perder qualidades de rigidez e segurança no mar.

Segundo André Sleeswyk, investigador holandês que se tem debruçado sobre estas questões, o limite de 75 metros de comprimento para uma embarcação toda em madeira poderia ser levado aos 100 metros de comprimento no caso de um navio "compósito" construído em madeiras com reforços metálicos.21Em ambos os casos, os navios de 44 zhang do século XV ultrapassam de longe esses "limites" admitidos, levando uma maioria de comentadores à incredulidade em relação aos textos que procuram analisar na tentativa de reinterpretá-los.22

Planta de um veleiro de pesca do lago Tai. BROELMANN, J., Die Sieben-Fäher-Dschunke und Andere Boote des Taihu-Sees in Süchina, das LogBuch. 30 Jg., 1994, H. 1, pp. 17-26.

Um dos aspectos dessa reinterpretação tem a ver com o liao, unidade citada nos textos antigos para indicar os pesos de uma carga mas que a historiografia naval recente tem vindo a reanalisar sob a forma de uma medida de volume...,23 numa tentativa de conciliar os dados brutos com um comprimento e tamanho mais "plausíveis" dos navios de Zheng He. Vários investigadores têm avançado hipóteses nesse domínio, sendo a última em data da autoria de Andre Sleeswyk.24

A arqueologia naval chinesa tem vindo a reanalisar a questão dos navios de Zheng He após a descoberta do junco de Quanzhou, não tanto pelas suas dimensões absolutas mas sim pela proporção, considerada até então como irrealista, entre o comprimento e a largura do barco, ratio com um valor de cerca de 2,5 neste caso, e que corresponde ao ratio citado pelas fontes antigas para os navios do Tesouro do princípio do século XV (44/18). Como o admitiu o professor Xi Longfei, engenheiro naval da "Wuhan Transportation University", este aspecto, e outros, do junco de Quanzhou encontrado em 1973 provocaram o retomar da historiografia e da arqueologia chinesas. O achado de Quanzhou foi a ocasião para que investigadores ocidentais, nomeadamente o arqueólogo submarino Jeremy Green, de Perth, inserissem no debate da arqueologia naval chinesa conceitos utilizados desde os anos 1960 para o estudo dos vestígios da construção naval ocidental, nomeadamente as noções de "casco primeiro" ou "esqueleto primeiro", noções que opõem a mais antiga tradição ("casco primeiro"), observada desde a protohistória até ao século XX em algumas regiões do mundo, da Escandinávia ao rio Douro e ao Extremo Oriente, à tradição "moderna", observada pela primeira vez numa embarcação do século VII no Mediterrâneo25 e que se estendeu até aos nossos dias ("esqueleto primeiro").

Auguste Borget: "A Junk Travelling Along a Canal Near Canton". HUTCHEON, Robin, Souvenirs of Auguste Borget, [Hong Kong], South China Morning Post, 1979, p. [87], ao alto.
"Modelo de Junco de Popa Torcida". OLEIRO, Manuel Bairrão; PEIXOTO, Rui Brito. Museu Marítimo de Macau, Macau, Museu Marítimo, [1992], p. 58.

No primeiro caso ("casco primeiro"), o casco de tábuas é construído sem a ajuda prévia de uma estrutura transversal enquanto essa constitui a etapa prévia da construção ("esqueleto primeiro"), na qual o tabuado do casco se resume a uma "pele" externa cuja função se limita a tornar estanque o volume do casco assente numa densa rede de madeirame transversal e longitudinal, ao contrário do "casco primeiro" em que o tabuado inicial determina os volumes da querena e as formas da embarcação e constitui por si só, pela sua resistência própria e a maneira como as peças do tabuado estão ligadas, um elemento de estrutura essencial à robustez do conjunto da embarcação. Um exemplo de "casco primeiro" flagrante é o do barco "rabelo" do rio Douro.26

Tais noções permitem avaliar melhor a diferença essencial que separa o casco tradicional chinês das técnicas clássicas utilizadas na construção naval ocidental recente. Os mesmos conceitos mostram por que razão os critérios criados no século XIX no Ocidente para a construção naval em madeira das embarcações de grande tamanho não se aplicam às técnicas de construção da marinha chinesa do século XV, por exemplo. O abismo que separa os conceitos subjacentes na construção chinesa tradicional ("casco primeiro") dos que regiam à construção dos últimos clippers e outros gigantes de madeira tornam inoperante as considerações recentes da investigação ocidental àcerca da "possibilidade" ou "impossibilidade" de construir embarcações de 100 metros ou mais na China no princípio do século XV. Abundam exemplos na história da tecnologia chinesa, recente ou antiga, de obras consideradas "irrealistas" ou "impossíveis" pela engenharia ocidental e que, no entanto, foram materializadas com sucesso pela engenharia chinesa. A grande ponte rodoviária e ferroviária de Nanjing sobre o Iansequião é talvez o exemplo mais recente dessas diferenças na maneira de abordar obras de grande engenharia que ultrapassam os modelos teóricos ou práticos existentes. Os andaimes de bambus utilizados ainda hoje na construção civil chinesa, inclusive para prédios de várias dezenas de andares, demonstram até que ponto tais diferenças podem ser aplicadas a obras de volume considerável.

Interior de uma embarcação de pesca motorizada (Qingdao, 26.03.1996). Apesar do aspecto exterior "moderno", a embarcação revela uma construção muito fiel aos moldes tradicionais.

O PAI DE TODOS OS NAVIOS

Na mesma linha, a questão das origens do junco chinês impõe hoje uma revisão aprofundada da investigação anterior. Após um trabalho de primeira ordem de recolha de formas de embarcações tradicionais da bacia do rio Iansequião, na primeira metade deste século, o britânico G. R. G. Worcester, ao debruçar-se sobre a questão das origens do junco, concluiu que se tratava provavelmente de uma extensão da jangada inicial,27 aparecendo então o junco como o herdeiro de uma metáfora tridimensional em que o casco do barco seria constituído pelo tronco de um bambu, arredondado e liso, desprovido de quilha, reforçado internamente pela presença de divisões laterais.

Tal visão baseava-se numa observação de Worcester: não existia, ou parecia não existir em todo o território náutico chinês, a piroga monóxila, embarcação rústica escavada num tronco e que constitui de alguma maneira a "alma" de todos os navios posteriores construídos em madeira.

Ao basear-se nos trabalhos de Worcester, Joseph Needham herdou esta visão do espaço náutico chinês que as descobertas arqueológicas do pós-guerra vieram derrubar. Investigações anteriores na Coreia e no Japão28 tinham já posto em evidência a presença da piroga monóxila no contexto náutico do Extremo Oriente, pelo que a total ausência de tal embarcação no passado náutico chinês aparecia como uma incógnita por esclarecer. Os trabalhos do arqueólogo Dai Kaiyuan29 e de alguns outros têm permitido divulgar as descobertas realizadas pela arqueologia chinesa da segunda metade deste século. As consequências de tais descobertas estão doravante analisadas pelos investigadores, pondo em causa o modelo histórico anterior proposto por Worcester e divulgado na obra de Joseph Needham.

O FIM DOS JUNCOS À VELA (CHINA, HONG KONG, MACAU)

De todos os momentos da história dos veleiros chineses, o mais enigmático é, curiosamente, a etapa final. Embora seja difícil situar com precisão o momento do desaparecimento do junco como veleiro marítimo na China, podemos, numa primeira aproximação, admitir que os juncos à vela eram ainda visíveis na China meridional nos primeiros anos da década de 1980, tendo desaparecido a seguir.30 Em algumas zonas portuárias muito abertas à industrialização, como Hong Kong, o fenómeno parece ter sido precoce.31 Noutras áreas, mantem-se pontualmente.32 A situação difere pouco nas áreas de grande navegacão fluvial, como o rio Iansequião. No alto Iansequião, nas cercanias da cidade de Chongqing, província de Sichuan, onde ainda se podem observar algumas embarcações tradicionais em madeira embora nenhuma com velame para a sua propulsão, um engenheiro de uma companhia de navegação local estimava que os veleiros tinham desaparecido em meados dos anos 1970.33 No rio Jialing, um afluente que desemboca no Iansequião em Chongqing, um piloto de ferry-boat reformado, interrogado recentemente ao descer o rio a partir da cidade de Hechuan, adiantou que os últimos veleiros tinham sido visto neste rio havia sete ou oito anos, ou seja, por volta dos anos 1988-89.34 Em alguns casos, como no porto de Qingdao, na província de Shangdong, no N. E. do Mar da China, formas tradicionais antigas, em madeira, com um complexo sistema de leme amovível herdeiro de uma longa tradição, mantêm-se nos barcos utilizados pelas companhias locais de transporte do sal, embarcações construídas neste caso há quarenta anos, ao que parece primeiro como veleiros e seguidamente motorizadas.35

"Antigas Feitorias de Cantão". MACAU. Instituto Cultural, Pinturas da "China Trade", Macau, Instituto Cultural, [s. d.], il. 44.

Mesmo numa metrópole de grandes dimensões como Wuhan, no médio Iansequião, podem ainda observar-se formas tradicionais em embarcações recentes, motorizadas ou não.36 Segundo o engenheiro naval reformado Li Bang Yan, o momento da passagem maciça da vela ao motor para as embarcações tradicionais marítimas chinesas situa-se nos anos 1956-1966.37 Segundo este técnico naval, puderam ver-se grandes juncos com cinco mastros (Sha Chuan) até muito tarde ao largo das costas da província de Jiangsu, a norte da embocadura do Iansequião.

Foi neste contexto muito específico da história recente da República Popular da China que teve lugar um episódio essencial e até hoje quase desconhecido fora das fronteiras chinesas, da história das embarcações tradicionais locais. Durante aquele período,38 o governo chinês tomou a iniciativa de financiar um vasto programa de inventário das embarcações tradicionais chinesas, tanto no mar como em lagos e rios. Tal inventário, levado a cabo por engenheiros navais e respectivos assistentes, permitiu recensear cerca de 350 tipos diferentes de embarcações de mar e cerca de 90 tipos no rio Iansequião. Uma parte das formas compiladas no terreno foi publicada num "catálogo" editado em algumas centenas de exemplares, com a colaboração de numerosos engenheiros navais. Este catálogo inclui 28 dos tipos de embarcações do Iansequião recenseadas no decurso do programa. Entre as raras difusões de parte deste vasto trabalho de inventariação figura a planta de um veleiro de pesca do lago Tai, a oeste de Xangai, publicado na Alemanha.39

É neste contexto que aparece, em 1971, a obra de Needham sobre a história da mais remota náutica chinesa. É também nesta perspectiva que deve ser percebido, na arqueologia naval chinesa, o nascimento de um aparelho científico e crítico que permitirá, em meados da década de 70, a explosão desencadeada pelo junco do século XIII encontrado em Quanzhou.

Piroga monóxila encontrada em Yanchen, província de Jiangsu, em 1965. Museu de Nanjing: 4,34 m de comprimento e 0,7/0,8 m de largura. DAI Kaiyuan, Notes on the Origination of Ancient Chinese Junks Based upon Study of Unerthed Dug-out Canoes, "Marine History Research, Xangai, (1)1985, p. 5.

Os recentes desenvolvimentos do debate no seio da disciplina não estariam para desagradar a Joseph Needham e à sua busca de uma resposta para a pergunta sobre a entrada ou não da China na história da ciência: no seu mais recenete artigo sobre a questão das dimensões dos grandes navios de Zheng He no século XV, André Sleeswyk refere a "perspicácia não habitual" dos arquitectos navais chineses ao tratarem uma medida de peso como o liao como uma medida de volume, o que, na hipótese apresentada pelo arqueólogo naval holandês, subentende o uso de fórmulas tão complexas como a raiz cúbica do produto das dimensões principais de um navio ou até potências fraccionárias.40 Tais questões estavam antes de tudo relacionadas com navios gigantes em relação aos tamanhos usualmente construídos nos estaleiros. Uma das ideias potencialmente mais ricas desenvolvidas por Sleeswyk no seu artigo é que todo oaparelho matemático subjacente à complexa questão das dimensões dos navios do Tesouro não teria sido mais do que ferramentas destinadas a permitir aos arquitectos navais chineses do princípio do século XV lançarem-se numa engenharia naval de escala até então desconhecida, escala exigida pela dimensão da empresa náutica imperial liderada pelo almirante Zheng He.

À falta de poder testar e experimentar os grandes navios em projecto, as ferramentas matemáticas sugeridas na hipótese de Sleeswyk teriam permitido explorar, pela mente e cálculo, um universo técnico onde o homem não tinha até então penetrado. Teria sido esse um passo dado pela China do princípio do século XV em direcção à ciência moderna?

Tal hipótese teria por certo entusiasmado Joseph Needham mas sabemos que a administração chinesa do século XV decidiu fechar a porta para leste e travar de uma vez todo o esforço marítimo empreendido nas décadas anteriores. Menos de um século após a morte de Zheng He chegava a Cantão a primeira embaixada portuguesa. Fechava-se um ciclo, outro acabava de nascer. Com a inversão dos pólos do desenvolvimento tecnológico, o junco, assinatura do navegar chinês, passou despercebido.

Da conjugação dos dois universos náuticos nasceram, além das primeiras influências imediatas observadas na construção naval portuguesa do século XVI, resultados mais tardios, influências em sentido contrário, caso da lorcha, adopção pela náutica chinesa de traços ocidentais. O intercâmbio aprofundou-se no século XIX.41

Alguns testemunhos privilegiados seguiram as últimas etapas das embarcações chinesas fora do território da República Popular. Em Macau, um antigo funcionário da Capitania do Porto,42 em função em Macau desde 1955, pôde assistir a essa etapa final, tendo ao longo da sua carreira levado a cabo, até ao princípio da década de 1970, numerosas vistorias no decorrer da construção de embarcações e assistido ao desmantelamento de cerca de duzentas outras.

Valentin Sokoloff: "Junco de Fuzhou".

OLEIRO, Manuel Bairrão; PEIXOTO, Rui Brito, Museu Marítimo de Macau, Macau, Museu Marítimo, [1992], p. 25.

No decurso de tal experiência, esta testemunha privilegiada pôde observar algumas evoluções subtis da configuração das embarcações e dos materiais utilizados,43 realçando a importância, na escolha desses mesmos materiais e até na configuração do barco, do orçamento e da vontade do proprietário e futuro armador. Desse testemunho ressalta a ideia da extrema flexibilidade da construção da embarcação chinesa, para um mesmo tipo, num mesmo período.

Longe de ter morrido com o fim da propulsão à vela, a história do junco chinês prolonga-se nas embarcações mais modernas,44 mesmo quando as aparências sugerem uma construção directamente inspirada do Ocidente como é o caso dos barcos de pesca construídos actualmente (Primavera de 1996) na ilha de Coloane, em Macau. Um exame atento revela que tais embarcações obedecem na realidade aos mais antigos princípios da construção chinesa, na qual, como foi comentado anteriormente, o tabuado do casco é instalado à partida, sem a ajuda, ou quase, de uma estrutura interna transversal, facto já notado pelos etnólogos navais Rui Peixoto e Manuel Bairrão Oleiro num trabalho dedicado às colecções do Museu Marítimo de Macau no qual os autores observam a pouca importância estrutural do cavername dos barcos de pesca construídos em Macau,45 claro "sintoma" de que estamos em presença não do princípio de construção "esqueleto primeiro" em vigor nas construção naval ocidental mas sim de um "casco primeiro" representativo neste caso da mais antiga tradição chinesa.

Ou seja: meio milénio após a chegada dos navegadores portugueses nas águas do Mar da China, a história das embarcações da região, apesar das violentas transformações sofridas, tanto com a "travagem" naútica da dinastia Ming como desde a recente motorização das embarcações, está longe de ter parado.46 Subsistem no lago Tai, a oeste de Xangai, algumas grandes unidades de veleiros tradicionais em madeira. Mas a grande parte dos efectivos, todos com vela e motor, é doravante constituído por embarcações mistas, cabines de madeira e casco de ferro-cimento, com variantes com convés em aço. Os cemitérios de navios do mesmo lago ensinam-nos hoje o que nenhum livro de história até agora registou: a morte lenta de autênticos protótipos construídos para os pescadores numa tentativa de contornar as mudanças no mercado dos materiais de construção naval. Observam-se, assim, agonizando debaixo de um céu cinzento de princípios de Abril, grandes cascos de madeira forrados de cimento, tentativas falhadas ou de pouca duração seguidas de outras, nas quais a parte da madeira diminui. Vêem-se hoje a flutuar, em frente aos protótipos abandonados, as versões acabadas dessas primeiras tentativas, veleiros de pesca em ferro-cimento cujas formas seguem de perto, mas com diferenças sensíveis, no entanto, as formas dos antepassados em madeira. Com o princípio do Verão de 1996, os grandes veleiros irão voltar a lançar as suas velas no céu da China central, última marca de uma náutica que, ainda hoje, nas suas formas mais modernas, hydrofoils ou cascos planantes ultra-motorizados, revela uma exuberância de formas e técnicas que sempre foi, com velas ou não, com ou sem madeira, a marca dos construtores chineses.

Trabalho apresentado no decurso de uma bolsa de estudos subsidiada pelo Instituto Cultural, DEIP.

NOTAS

1. DONNELLY, Ivon Arthur, Foochow Pole Junks, "Mariner's Mirror", 9 (8) 1923, pp. 226-31; River Craft of the Yangtszekiang, "Mariner's Mirror", 10(1) 1924, pp. 4-16; The 'Oculus' in Chinese Craft, "Mariner's Mirror", 12 (3) 1926, p. 339; Chinese Junks and Other Native Crafts, Singapore, Graham Brash, 1988, 142 p. (1a ed.: 1924); Chinese Junks Models, introd. por Ivon Arthur Donnelly [não datado, mas posterior a 1922; provavelmente editado em Xangai em 1930]; TING, V. K., Things Produced by the Works of Nature: Published in 1639, anot. por Ivon Arthur Donnelly, "Mariner's Mirror", 11 (3) 1925, pp. 245-50. WATERS, D. W., The Chinese Yuloh, "Mariner's Mirror", 32 (3) 1946, p. 189; The Straight, and Other Chinese Yulohs, "Mariner's Mirror", 41(1) 1955, pp. 60-1. CARMONA, A. L. Barbosa, Lorchas, Juncos e Outros Barcos Usados no Sul da China, Macau, Imprensa Nacional, 1954, 73 p.

2. SCHOFIELD, John; VINCE, Alan, Medieval Towns, London, Leicester University Press, 1994, p. 210:"During the entire period 500-1500 the Near East was superior to the West; technologically the West had little to bring to the East, and technological movement was in the other direction... The network ofthis movement was composed of European cities and ports... Discoveries which came by this route included the tidal mill, water clock, segmental arches in buildings, reservoirs and dams, gunpowder and cannons, the magnetic compass, alcohol, sulphuric and hydrochloric acids, asphalt, soap, tin, glazed and lustre-painted pottery, the spinning wheel, paper (including the airmail variety, which was developed so it could be carried by pigeons), many secrets of the tanning industry via Cordova in Spain, sugar, and coffee (al-Hassan and Hill, 1986)."

A fonte citada por esses autores é: AL-HASSAN, A. Y.; HILL, D. R., Islamic Technology: An Illustrated History, Cambridge, University Press, 1986.

3. Sobre este tema: GREENHILL, Basil, Distribution of Leeboards, "Mariner's Mirror", 55 (1) 1969, p. 16; DORAN JR., Edwin, The Origin of Leeboards, "Mariner's Mirror", 54 (4) 1968; PRINS, A. J. H., Dutch Maritime Inventiveness and the Chinese Leeboard, "Mariner's Mirror", 56 (3) 1970, pp. 349-53; HOGBEN, F. B., Dutch Maritime Inventiveness and the Chinese Leeboard, "Mariner's Mirror", 57 (1) 1971, p. 24.

4. SLEESWYK, André Wegener, "Some Hidden Problems of Chinese Nautical Technology", in JOHNSON, W., ed., Shaky Ships: The Formal Richness of Chinese Shipbuilding, Antwerp, Nationaal Scheepvaartmusuem, 1993, pp. 29-30:"The Lee-board and the Fore-runner of the GaffRig."

5. GOLDSMITH, Maurice, Joseph Needham: 20th Century Renaissance Man, Paris, UNESCO, 1995, pp.71,86,106,114.

6. Needham tratou da história da náutica chinesa no volume 4 da sua série, publicada em 1971 na Inglaterra (vol. 4, parte III: "Civil Engineering and Nautics", em colaboração com Wang Ling e Lu Gwei-Djen; I. S. B. N. 0 521 07060 0). Da documentação ao seu dispor, além dos materiais japoneses e ocidentais, Needham falou do "veritable ocean of the extant original Chinese books themselves" (prefácio do vol. 1 de Science and Civilization in China, 1956, p. 6, apud GOLDSMITH, Maurice, op. cit., p. 108.

7. Uma cópia deste modelo encontra-se hoje em exposição no Museu Regional de Cantão, situado na torre de Zhenhai, na parte Norte da cidade.

8. Textos do século VIII citam navios de 2 rodas acionadas com o pé "e que fazem avançar o barco tão depressa como um cavalo a galope". Textos dos séculos XII e XIII falam de navios com 4, 5 e até 13 rodas (para o sinólogo Jacques Dars, um número ímpar de rodas deve corresponder a navios equipados de uma roda na popa). DARS, Jacques, "Les Bateaux à Roues (Chechuan, Chelunchuan, Chelunge)", in La Marine Chinoise du Xe. au XVIe. Siècle, Paris, 1992, pp. 109-12.

9. Tem sido debatido recentemente a autenticidade do testemunho de Marco Polo e avançada a hipótese do autor italiano não ter sequer visitado o território chinês no final do século XIII (WOOD, Frances, Did Marco Polo Go to China?, Secker and Warburg, 1995), mas basta citar o seu testemunho das embarcações chinesas da época, testemunho esse preciso e precursor, para autenticar esta parte do relato do viajante italiano.

10. O junco de Quanzhou está visível num anexo do templo de Kaiyuan, na parte antiga da cidade de Quanzhou. Existe, sobre esta embarcação, uma bibliografia abundante, nomeadamente: GREEN, Jeremy, The Song Dynasty Shipwreck at Quanzhou, Fujian Province, People's Republic of China, "International Journal of Nautical Archaeology", 12(3)1983, pp. 253-62.

11. GREEN, Jeremy, Eastern Shipbuilding Traditions: A Review of the Evidence, "The Bulletin of the Australian Institute for Maritime Archaeology", 12 (2) 1986, p. 1: 420 x 270 mm.

12. Fim da dinastia Yuan ou princípio da Ming ("cerca de 1274-1376 da nossa era, não posterior a 1376"). XI Longfei; XIN Yua Nou, "Preliminary Research on the Historical Period and Restoration Design of the Ancient Ship Unearthed in Penglai", in INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, Proceedings, Xangai, Society of Naval Architecture and Marine Engineering, 1991.

13. Wuhan, 28.04.1996, comunicação pessoal. Um corte da secção central do fundo da querena encontrado em Penglai está reproduzido no capítulo de XI Longfei; XIN Yua Nou, op. cit., p. 236. Os cortes das anteparas de números 3 e 5, apresentados nas figuras 2 e 3 do referido capítulo (p. 235), mostram como a "quilha", citada como tal pelos autores (p. 225), apresenta uma saliência reduzida ou nula na parte inferior — plana — da querena.

14. Dr. Chen Yan Hang, "Quanzhou Museum of Overseas Communication History", 13.04.1996, comunicação pessoal.

15. Sobre o papel dos oficiais de Fujian nos últimos cem anos da história da marinha de guerra chinesa, ver SWANSON, Bruce, Eight Voyage of the Dragon: A History of China's Que st for Seapower, Annapolis, Maryland, United States Naval Institute, 1982, anexo H. O quadro dos oficiais da marinha de guerra chinesa, por região de origem, em 1888, mostra que 60% dos efectivos da época provinham da província de Fujian.

16. O nome mais relacionado com esta "teoria" é o do pintor, calígrafo e erudito Dong Qi Chang (1559-1636): "... segundo ele, todos os pintores eruditos de ambus e de paisagens a tinta monocromática, num estilo livre baseado em Dong Yuan e nos mestres da dinastia Yuan, pertenciam a uma tradição 'sulista'; os profissionais, pintores e decoradores e os membros da Escola Zhe eram relegados desdenhosamente para uma escola 'nortista'. A teoria ganhou larga aceitação entre os letrados por causa da sua adequação aos seus próprios ideais e preconceitos..." (SULLIVAN, Michael, A Arte Chinesa e Japonesa, [s. l.], Grolier, 1969, 1975, p. 86).

17. O arqueólogo naval Jeremy Green cita a esse respeito um texto chinês do século XVII traduzido por Joseph Needham e os seus colegas no vol. 4 de Science and Civilization in China, 1971, parte III:"Quoting from a translation of Daily Additions to Knowledge (Jih Chih Lu) a manuscript of 1673:'The sea-going vessels of Chiang-nan are named "sandships" for as their bottoms are flat and broad they can sail over shoals and moor near sand banks... But the sea-going vessels of Fukien and Kuangtung have round bottoms and high decks. At the base of their hulls there are large beams of wood in three sections called "dragon-spines". If (these) ships should encounter shallow sandy (water) the dragon-spine may get stuck in the sand, and if the wind ant the tide are not favourable there may be a danger in pulling it out. But in sailing to the South Seas (Nan-Yang) where there are many islands and rocks in the water, ships with dragon-spines can turn more easily to avoid them.'

The description could be read to indicate a keel scarfed together in three parts..." (GREEN, Jeremy, Eastern Shipbuilding Traditions, p. 4).

18. Durante os preparativos, o superintendente do comércio marítimo de Fujian, Pu Shou Geng, queixou-se do excessivo número de navios pedidos à sua região. Nessa altura, cinquenta navios já tinham sido completados. O historiador militar Paul Walsh considera que as dificuldades que seseguiram, durante a expedição (madeira podre nos navios), reflectem uma construção deficiente. WALSH, Paul. V., Invasion Attempt Repeated [sobre as duas tentativas de invasão das frotas de Kublai Khan de 1274 e 1281], "Military History", Leesburg, Oct. 1993, pp. 60-9.

19. André Wegener Sleeswyk, autor de vários trabalhos sobre as questões de engenharia e arqueologia naval relacionadas com as maiores embarcações em madeira da história, acaba de publicar um artigo em que o tema é abordado com novos critérios. Longe de apresentar uma resposta final, o artigo marca, no entanto, uma nova etapa na discussão. SLEESWYK, André Wegener, The 'Liao' and the Displacement of Ships in the Ming Navy, "Mariner's Mirror", 82 (1) Feb. 1996, pp. 3-13.

20. Ana Vong, Macau, 15.03.1996, comunicação pessoal.

21. SLEESWYK, André Wegener; MEIJER, Fik, Lauching Philopator's 'Forty', "International Journal of Nautical Archaeology", 23 (2) 1994, pp. 115-8. Sleeswyk desenvolveu este tema noutro texto publicado: "Large Wooden Ships in the West and in China". Cf. SLEESWYK, André Wegener, "Some Hidden Problems of Chinese Nautical Technology", pp. 26-9.

22. O sinólogo J. V. G. Mills abordou este tema em Ma Huan Ying Yai Sheng Lan = The Overall Survey of the Ocean Shores, trans, and notes by J. V. G. Mills, Cambridge, University Press for the Hakluyt Society, 1970. Joseph Needham, talvez mais do que qualquer outro autor, contribuiu para colocar no plano internacional o debate relativo ao tamanho dos navios de Zheng He ao publicar o seu volume relativo à náutica chinesa, em 1971, em co-autoria. Dezasseis anos mais tarde, o silónogo Hans Lothar Scheuring (Die Drachenflus-Weft von Nanking: Das Lung-chiang Ch'uan-ch'ang Chih, eine Ming-zeitliche Quelle zur Geschichte des Chinesischen Schiffbaus, Frankfurt, Heidelberger Schriften zur Ostasienkunde, 1987, pp. 120-1) assinala a posição crítica de alguns arquitectos navais chineses acerca do granfle comprimento discutido para os navios de Zheng He. Dois anos mais tarde, o tema foi de novo discutido pelo engenheiro britânico Richard Barker (The Size ofthe 'Treasure Ships' and Other Chinese Vessels, "Mariner's Mirror", 75 (3) Aug. 1989, pp. 273-5) e foi retomado por diversos participantes da conferência de Xangai de 1991, organizada pela C. S. N. A. M. E. daquela cidade (INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, Proceedings, 340 p.). Naquela ocasião, a maioria dos investigadores chineses inclinava-se no sentido dos valores elevados propostos por investigadores anteriores como Needham e os seus colaboradores, para os Navios do Tesouro. O artigo de Sleeswyk de Fevereiro de 1996, publicado no "Mariner's Mirror", constitui o ponto mais recente desta discussão por parte de investigadores ocidentais, sinólogos ou não. Investigadores recentemente contactados na China, entre os quais o historiador de náutica Ming, Zheng Yijun, em Qingdao, e o professor Xi Longfei, engenheiro naval da "Wuhan Transportation University", têm expressado sua confiança na versão tradicional herdada da tradução aritmética literal das fontes antigas, a mesma apresentada por J. Needham na sua edição de 1971, ao citar o Ming Shi, antiga crónica da dinastia Ming (440 chi, ou seja, cerca de 137 metros de comprimento).

23. CHEN Xiyu, "Investigation on the Unit 'Liao' for Junks in Song Dynasty", in INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, op. cit., pp. 270-4. Segundo este autor, o "liao is not a unit of weight which has been accepted generally, but is a unit of volume... The number in liao is closely related to that of storage capacity of vessel." CHEN Xiyu, op. cit., p. 270.

24. SLEESWYK, André Wegener, The 'Liao' and the Displacement of Ships in the Ming Navy. Sleeswyk formula a sua nova análise do liao na base de um quadro comparativo existente num texto chinês do século XVI (1553), descrevendo o pormenor de um estaleiro naval de Nanjing. Este texto, tornado acessível aos leitores não sinólogos pela publicação de um livro em alemão sobre o tema em 1987 (SCHEURING, Hans Lothar, op. cit., 417 p.), fornece o quadro descritivo de várias embarcações para as quais é dado o tamanho em liao, assim como o comprimento, a largura e um outro dado linear não devidamente identificado. Embora as embarcações assim descritas sejam nitidamente mais pequenas (400 liao) do que os "Navios do Tesouro" de Zheng He (2000 e 1500 liao para os dois tipos maiores da frota do princípio do século XV), Sleeswyk utiliza os dados para uma análise comparativa sofisticada cuja única fraqueza reside no axioma lançado à partida sobre a "impossibilidade" da existência de navios de madeira com mais de 120 metros de comprimento.

25. JEZEGOU, Marie Pierre, "Eléments de Construction sur Couples Observés sur une Épave du Haut Moyen-Age Découverte à Fos-sur-Mer (Bouches-du-Rhône)", in CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUEOLOGIA SUBMARINA, 6, Cartagena, 1982, [Actas...], Madrid, 1985, pp. 351-6.

26. FILGUEIRAS, Octávio Lixa, Arquitectura do Rabelo: Apresentação do Filme Documentário Homónimo, Lisboa, Academia de Marinha, 1993, 10 p. Em mais de um aspecto, a construção do rabelo nortenho lembra a de um junco fluvial ou de uma embarcação tradicional da Coreia: fundo chato constituído por diversas tábuas, cavernas espaçadas instaladas após a construção do casco formado pelo conjunto do tabuado...

27. O período pós-II Guerra Mundial, no qual Worcester e Needham desenvolveram a maior parte da sua obra relacionada com náutica chinesa, foi marcado por uma série de experiências de arqueologia naval experimental em torno de reconstituições de viagens transpacíficas em grandes jangadas, inspiradas nas antigas jangadas da costa ocidental da América do Sul. Essas viagens e experiências vieram enriquecer e divulgar um vasto debate relativo a este tipo de embarcações ao qual, já na primeira metade do século XX, o arqueólogo naval japonês Shinji Nishimura tinha dedicado alguns trabalhos essenciais (Ancient Rafts of Japan, Tokyo, Society of Naval Architects, 1925). Meio século mais tarde, a reflexão arqueológica sobre este tipo de embarcação atingia a maturidade com os trabalhos de Edwin Doran, que abordava a questão da jangada oceânica numa perspectiva ampla que abrangia o junco chinês (DORAN JR., Edwin, "The Sailing Raft as a Great Tradition", in RILEY, C., et al., ed., Man Across the Sea: Problems of Pre-Columbian Contacts, Austin, London, University of Texas, 1971, pp. 115-38). É provável que tal ênfase dada naqueles anos a essa parte da arqueologia naval tenha influenciado autores como Worcester e Needham que desenvolveram a parte essencial da sua análise precisamente durante aquele período.

28. No Japão destacam-se "os trabalhos de Shinji Nishimura, publicados pela "Society of Naval Architects", de Tóquio, nas décadas de 20 e 30. Investigadores modernos têm aprofundado esta questão (por exemplo: DEGUCHI, Akiko, "Dugouts of Japan: Hull Structure, Construction and Propulsion", in INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, op. cit., pp. 197-214). Na Coreia, o tema das pirogas monóxilas e das origens da construção naval coreano tem sido objecto de uma extensa monografia frequentemente citada como obra de referência, da autoria de H. H. Underwood: Korean Boats and Ships, "Journal of the Royal Asiatic Society: Korean Branch", (23) 1934, pp. 1-100. A investigação moderna tem aprofundado as linhas de investigação anteriores (o arqueólogo australiano Jeremy Green tem divulgado alguns trabalhos mais recentes realizados na Coreia, nomeadamente no seu artigo: The Shinan Excavation, Korea: An Interim Report on the Hull Structure, "International Journal of Nautical Archaeology", 12 (4) 1983, pp. 293-301). O arqueólogo coreano Kim Zae-Geun é autor do relatório original (de 1980, publicado em Seul, em coreano) sobre o achado de um barco do século XIV (cerca de 1352 ou ligeiramente posterior, na dinastia Yuan) realizado em 1976 perto de Shinan, no Sudoeste da Coreia. Kim Zae-Geun publicou mais tarde um resumo em inglês:"The Wreck Excavated for the Wando Island", in INTERNATIONAL SAILING SHIPS HISTORY CONFERENCE, op. cit., pp. 56-8.

29. DAI Kaiyuan, Notes on the Origination of Ancient Chinese Junks Based upon Study of Unearthed Dugout Canoes, "Marine History Research", Xangai, (1) 1985, pp. 4-17. XU Yulin, On the Emergence and Operation of Ancient Canoes Judging from the Discovery of Canoe-shaped Earthwares Along the Coast of East Liaoning Peninsula, "Marine History Research", Xangai, (2) 1986, pp. 1-10.

30. Numa recente visita à China meridional, o arqueólogo Jobst Broelmann admitiu só ter podido ver dois juncos tradicionais, ao largo de Shantou (Jobst Broelmann, Deutsche Museum, Munique, 29.02.1996). Um jovem arqueólogo naval chinês, actualmente nos E. U. A., admitiu só ter visto um junco autêntico no decurso das suas viagens à China (Ben An Liu, comunicação pessoal, 22.01.1996). No entanto, o navegador Wayne Moran, capitão de uma réplica de junco da dinastia Ming, no decurso de um cruzeiro na costa chinesa, a partir de Hong Kong, em 1990, testemunhou ter cruzado no mar com três frotas de juncos de pesca a vela, cada um com algumas dezenas de velas e com tamanho até 12 metros (40 pés).

31. Martin Leung, superintendente de docas em Aberdeen, ilha de Hong Kong, estima que os últimos juncos autênticos desaparecerem de Hong Kong por volta de 1964-1965 (Martin Leung, "Aberdeen Marine Club", comunicação pessoal, 18.03.1996). Outro técnico localestima que os "juncos" construídos em Hong Kong desde algum momento nos anos 60 não passam na realidade de embarcações fabricadas segundo os moldes do Ocidente, para serem utilizadas como barcos de recreio (Francis Law, arquitecto naval, Central, Hong Kong, 10.02.1996). Por sua vez, o navegador e capitão de junco Wayne Moran adianta que os últimos juncos autênticos a aparecer em Hong Kong no período mais recente vinham da República Popular da China e não eram construídos no território tutelado pelo Reino Unido (Wayne Moran, "Shing Ge Fat Shipyards", Aberdeen, 01.03.1996, comunicação pessoal).

32. Juncos de 80 e 90 pés de comprimento ainda eram visíveis na ilha de Ainão, na costa meridional da China, por volta de 1992-1993 (Martin Leung, "Aberdeen Marine Club", comunicação pessoal, 18.03.1996).

33. Sr. Tang, Chongqing, 21.03.96.

34. Este piloto, hoje reformado, tinha navegado durante 40 anos nos rios dessa região do alto Iansequião (rio Jialing, 23.03.1996).

35. Xu Dexian, antigo constructor naval, Qingdao, 26.03.1996. Tradutora: Jing Lu, "Institute of Oceanology", Qingdao. Segundo outro observador mais jovem encontrado no local, a frota dos barcos do sal em Qingdao conta com 36 embarcações com um deslocamento até 120 toneladas. Comprimento máximo provavelmente pouco inferior a 20 metros. A frota fundeada no porto era constituída por duas classes de embarcações, os barcos da classe mais pequena tendo um comprimento aproximado na ordem de 13/14 m (observação realizada à distância, Qingdao, 26.03.1996).

36. Um breve resumo das observações de embarcações nas cercanias de Wuhan (rio Ha, Hankou, 29.03.1996) leva-nos a concluir que:

— embarcações de formas tradicionais em madeira mantêm-se apesar da motorização e mesmo em tamanhos superiores a 10/12 metros;

— deversas embarcações de propulsão manual mantêm-se inalteradas;

— num mesmo tipo de embarcação (junco de carga em madeira) observam-se variações pontuais que não afectam o conjunto da embarcação nem a sua finalidade (forma da popa, por exemplo);

— o sistema das anteparas estanques e da construção em torno delas, na ausência de qualquer estrutura transversal inicial do tipo "balizas", mantém-se para construções em aço visíveis nas encostas arenosas das margens do rio Ha (Hankou, Wuhan);

— a construção moderna chinesa demonstra ainda hoje, com materiais modernos (aço), um princípio válido anteriormente para toda a construção em madeira: as formas das embarcações variam profundamente dentro de um mesmo tipo (formas da proa das balsas fluviais actuais, por exemplo).

37. Engenheiro Li Bang Yan, Xangai, 06.03.1996, comunicação pessoal. Este período corresponde a uma profunda reestruturação de toda a pesca costeira chinesa, abalada no princípio dos anos 50 pela emigração clandestina e em curso de reorganização segundo o modelo colectivista. Na Primavera de 1958, foi posto em acção o "Grande Salto para Frente", de Mao Zedong e, em 1959, a China tinha conseguido, segundo a expressão do historiador naval Bruce Swanson, "uma completa metamorfose", alcançando naquele ano o segundo lugar entre as nações piscatórias. A frota pesqueira chinesa passou a ter durante algum tempo, na década de 60, um papel na defesa nacional, com as milícias de pesca e o envolvimento de alguns de seus juncos em operações militares pontuais (SWANSON, Bruce, op. cit., p. 221).

38. Décadas de 50 e 60. Eng° Li Bang Yan, comunicação pessoal, Xangai, 06.03.1996.

39. BROELMANN, Jobst, Die 'Sieben-Facher-Dschunke' und Andere Boote des Taihu-Sees in Sudchina, "Das LogBuch", 30 Jg., H. l, 1994, pp. 17-26.

40."There is reason to think that the Ming naval architects may have been able to calculate 2/3 powers, because cube root extraction was applied in China since later Han times (907-1124)... That the naval architects took the trouble to give the block volume (Ixbxh) may have been for the convenience of those shipwrights whose mathematical skill enabled them to multiply numbers and to extract square roots, but not cube roots..." (SLEESWYK, André Wegener, The 'Liao' and the Displacement of Ships in the Ming Navy, p. 7).

41. No final da década de 80 do século passado, na Inglaterra, um navio salva-vidas, com 15 metros de comprimento e 26 t. de deslocamento, construído em aço rebitado, tinha quinze desses compartimentos (JEFFERY, B., The Steam Lifeboat 'City of Adelaide': Its Past and Future, "Bulletin of the Australian Institute for Maritime Archaeology", 13 (2), p. 43).

42. Mestre Valente, Macau, Museu Marítimo, comunicação pessoal, 15.03 e 19.04.1996.

43. Madeiras utilizadas nas "antigas" embarcações observadas desde 1955 pelo mestre Valente na Capitania de Macau: antena para os mastros; teca para as superstruturas, convés e anteparas; cânfora para as balizas; tchau para a roda da proa, quilha e cadaste; sam tchong para o tabuado do forro. Nas embarcações actuais, o mestre Valente enumera o sam tchong para as superstruturas (assim como alguma teca) e para as anteparas; o sam tchong de novo para o convés e para as obras vivas; o polo cap, madeira muito densa, para as obras mortas e o tchau para a quilha e as balizas. Mestre Valente, Macau, 01.03.1996, comunicação pessoal.

44. Um relatório do Governo de Macau, intitulado Inquérito às Embarcações de Pesca: Fevereiro de 1987: Relatório Final (Macau, Direcção de Serviços de Estatística e Censos, 1987, 26 p.), mostra (quadro 2, p. 16: "Distribuição das Embarcações por Tipo e Modelo") que num total de 488 embarcações de pesca recenseadas em Macau, 482 pertenciam ao "modelo moderno" definido pelos realizadores do inquérito como "embarcação de tipo ocidental", enquanto só seis seguiam o "modelo antigo", definido como "embarcação construída segundo métodos e modelos tradicionais chineses". Agradecemos aos funcionários dos Serviços de Estatística e Censos que nos comunicaram o texto deste relatório, mencionado por Rui Peixoto na bibliografia do seu livro: Dragões no Mar: Os Pescadores Chineses de Macau, Macau, 1989 (2a ed.: 1991).

45. PEIXOTO, Rui Brito; OLEIRO, Manuel Bairrão, Museu Marítimo de Macau, Macau, M. M., 1992, pp. 86-8. A legenda da vitrina de construção naval tradicional chinesa do Museu Marítimo de Macau tem um conteúdo idêntico: "Em Cantão, Hong Kong e Macau, regiões de intenso relacionamento com o exterior, desde há muito que se praticam métodos de construção naval que denunciam a influência ocidental — detectável no tipo de proa, no aparecimento de pequena quilha, na popa ainda elevada mas de forma arredondada, nas balizas agora mais numerosas... Muito genericamente, trata-se de cópia superficial e não de adopção de princípios de ordem estrutural..."

46. A observação de alguns estaleiros navais das margens do rio Iansequião, tanto em Chongqing, no alto Iansequião, como no Iansequião médio, perto da cidade de Wuhan (rio Ha), traz-nos outra ilustração deste tema, ao mostrar-nos barcos em chapa de aço, em construção num estaleiro "improvisado" na encosta arenosa de um rio, barcos desprovidos de qualquer tipo de esrutura transversal inicial do tipo "cavername", e onde a forma da querena e a sua rigidez inicial são inteiramente determinadas por uma série de anteparas verticais (de chapa de aço), cujo papel assemelha-se ao das anteparas das construções navais tradicionais chinesas em madeira.

desde a p. 328
até a p.