Crónica Macaense

TRÊS NORTE-AMERICANOS EM MACAU

Manuel Teixeira*

James Perkins Sturgis, capitão do "Atahualpa". HUNTER, William C., An American in Canton (1825-44), Hong Kong, Derwent Communications, 1994. Hong KongBank Collection.

ATAQUE A UM NAVIO NORTE-AMERICANO NO PORTO DE MACA U

O Comandante do Navio

O navio chamava-se "Atahualpa" e o seu comandante Willíam Sturgis.

Falamos primeiro do comandante e, a seguir, do seu navio.

William Sturgis nasceu em Londres a 25 de Fevereiro de 1782 e faleceu em Bóston em 21 de Outubro de 1863 com a bela idade de 81 anos.

Era o único filho de William Sturgis e de Hannah Mills; foi com seus pais para Bóston em 1796, quando tinha 14 anos. Trabalhou primeiro na firma de seu tio, Russel Sturgis; oito meses depois, associou-se a James e Thomas Handasyd, que faziam comércio entre a costa ocidental da América e a China.

Com a morte de seu pai, em 1797, viu-se em sérias dificuldades e decidiu fazer-se ao mar.

Aos 19 anos, tomou o comando do navio "Cardine", após a morte do capitão do mesmo.

Em 1809, fez uma viagem directa de Bóston a Cantão como comandante do "Atahualpa". Ao chegar a Macau, deu-se o ataque dos piratas, que relataremos abaixo.

Em Abril de 1810, regressou a Bóston, abandonou a vida do mar e juntou-se a John Bryant, fundando ambos a firma "Bryant and Sturgis". A firma prosperou por mais de 50 anos e só se dissolveu com a morte de Sturgis. De 1810 a 1850, esta firma teve a seu cargo mais de metade de todo o comércio dos Estados Unidos com o Pacífico e a China.

Em 1810, Sturgis casou com Elizabeth Davis de quem teve vários filhos, e que era filha de John Davis, juiz do Tribunal Distrital ("District Court") dos Estados Unidos.

De 1814 a 1845, Sturgis foi vários anos membro da Casa do Senado de Massachusetts.

Note-se que ainda vive em Massachusetts um descendente do Cap. William Sturgis; chama-se Francis Bacon Lothrop e é director honorário do "Peabody Museum" desse estado norte-americano.

Descende também de Daniel C. Bacon, que veio no "Atahualpa" em 1809 com os seus parentes William Sturgis e James Perkins Sturgis.

Vejamos a relação de Francis Lothrop com esses dois indivíduos.

O Cap. William Sturgis teve de Elizabeth Davis uma filha, Anne, que casou com Samuel Hooper; estes tiveram Anna Maria, que casou com Thornton Lothrop. O filho destes, William Hooper Lothrop, casou com Alice Bacon, cujo filho é o director do "Peabody Museum".

Pelo lado materno, Francis Bacon Lothrop é filho de Alice Bacon, neto de Francis E. Bacon e bisneto de Daniel C. Bacon, que veio no "Atahualpa" com os seus parentes.

O Atahualpa em Macau

H. B. Morse, no seu livro The East India Company Trading to China, vol. 3, p. 108, conta:

"O navio norte-americano 'Atahualpa', de 200 toneladas, sob o comando do Cap. Sturgis de Bóston, ancorou no porto de Macau, a 23 de Agosto de 1809, e mandou à terra um barco para petir um piloto; os homens à bordo ficaram reduzidos a onze; então o navio foi atacado por uma considerável esquadra de barcos de Ladron (piratas), que foram repelidos, vindo o navio abrigar-se sob os canhões de Macau."

Este incidente é relatado com todos os pormenores por Forbes, que o ouviu dos lábios do próprio Sturgis. Aparece no livro Personal Reminiscences, by Robert B. Forbes, 2nd edition, revised, to which is added Rambling Recollections Connected with China, Boston, Little, Brown, 1882, pág. 300... ss:

"Entre a monotonia deste insípido relato comercial, não virá fora de propósito introduzir a história da famosa escapadela do 'Atahualpa', ainda que tristemente despojada daquele interesse, de que se revestiu, quando ouvida dos lábios do Cap. William Sturgis, seu herói.

No princípio deste século (dezanove), Mt. Theodore Lyman, avô do actual Cor. Lyman, então grande proprietário de navios, equipou para a viagem da China o pequeno navio 'Atahualpa', confiando o seu comando ao jovem Capitão William Sturgis.

O navio havia servido na costa Noroeste no comércio com os índios e tinha os tombadilhos da meia popa e os galantes castelos da proa com buracos para os mosquetes, além de possuir quatro peças de calibre seis.

Como nesse época não havia serviço mais pacífico do que o comércio da China, Mr. Lyman decidiu deixar os canhões na praia como trastes inúteis, mas o seu jovem capitão, ambicioso por ter sob as suas ordens um navio armado, conseguiu, felizmente, levá-los.

Diz-se, mas dificilmente se acredita, que o seu severo e antiquado proprietário o censurou depois, apesar do bom sucesso, por ter quebrado as suas ordens, fazendo-lhe pagar o frete dos canhões. Se ele o fez, aqueles que conhecem as genuínas qualidades do proprietário ficarão certos de que ele fez isto a fim de dar uma lição ao jovem capitão para ele obedecer às ordens, não quebrando as dos proprietários, e que multa foi amplamente compensada de qualquer outra forma.

A Tripulação

O jovem James Perkins Sturgis, muito conhecido por nós, os homens daquela geração, pelo nome de 'Uncle Jim' [Tio Jim], era um passageiro, e também Mr. Bumstead, que haviã perdido um irmão às mãos dos índios ou piratas, e cujo nervosismo natural, como se verá, foi uma das causas de se salvar o navio. O imediato era Daniel C. Bacon, então jovem, que veio a ser um hábil negociante e proprietário de navios, ficando a sua imagem gravada na memória dos homens, sobretudo como exemplo de tudo o que é viril, bravo e firme.

Nesse tempo, sem vapor nem telégrafo, as novas da China eram já antiquadas quatro ou seis meses, quando o navio largava o porto, e naturalmente o dobro deste tempo quando chegava ao seu destino.

Um Brigue Inglês em Apuros

No intervalo, entre a partida do Cap. Sturgis e a sua chegada ao porto de Macau, uma poderosa esquadra de piratas chineses havia tomado inteira posse das proximidades de Cantão, de tal sorte que nenhum navio ousaria entrar sem estar armado; deu-se o caso de um brigue britânico armado ter perdido os mastros num tufão e, parecendo inteiramente inerme, ser atacado por eles.

Conta-se que, ao ver aproximar-se as corta-gargantas durante a noite, o Capitão, como o 'Brer Rabbit' da fábula, 'se agachou', fechou as escotilhas, apagou as lanternas de guerra, pôs os seus homens a postos e os canhões com uma carga dobrada, enquanto um par de grandes juncos de piratas deslizavam sobre ele com a maré, ligados por um cabo; pretendiam apanhá-lo pela proa e levá-lo com a sua horda de vespas. Executaram o seu programa; mas quando se achavam ao alcance dos canhões, deu o sinal, abriram as escotilhas e lanternas e os canalhas foram ao fundo sem piedade.

O Ataque ao Navio Norte-Americano

O desprevenido 'Atahualpa' esteve quase a cair sem um tiro nas mãos desta espécie de inimigos. Ancorou na calma, longe de Macau, e enviou o imediato a terra com quatro da sua pequena tripulação para buscar um piloto.

A calma foi depressa interrompida por Mr. Bumstead que chamou a atenção do Capitão para uma frota de juncos, em linha de batalha, flutuando na direcção deles dum modo ameaçador.

O Cap. Sturgis riu-se do medo que ele tinha de pacatos pescadores, mas, para o satisfazer, mandou carregar um canhão e atirar por cima da proa do junco da frente 'só para lhes mostrar como depressa os haviam de tratar no caso de aquilo ser a sério'.

O tiro bateu sob a proa, mas eles continuaram a avançar e então foi uma corrida para salvar a vida. Foi largado o cabo e todas as mãos, incluindo os passageiros, se empregaram em largar o velacho e pôr o navio a vogar para a praia, pois se levantara uma ligeira brisa do Oriente.

Não havia um momento a perder, pois o junco da frente, enxameado de piratas selvagens, aproximava-se do navio e procurava, com paus compridos e o bem lembrado gancho do piloto, apanhar a extremidade da retranca e, apesar do fogo cerrado dos mosquetes, pouco faltou que o conseguisse.

Com os quatro canhões carregados, o navio impediu o inimigo de acostar, mas eles perseguiam-no com berros tremendos, atirando balas sobre balas para o convés; nem os demovia a matança que lhes fazia o arrojado Capitão e a tripulação, que faziam fogo contínuo sobre os seus conveses cheios de gente, sem eles titubearem um só momento.

A crueldade dos piratas chineses era muito conhecida e o Cap. Sturgis tinha pronto um barril de pólvora; avisou a tripulação que os faria ir todos pelos ares se os piratas se apoderassem do navio. No entanto, ele fazia todos os preparativos para os manter fora e tinha resolvido defender-se nas cabinas e no castelo da proa por meio das seteiras, no caso dos piratas tomarem o convés.

Enquanto se combatia, Daniel Bacon chegara à praia e, quando pediu o piloto, contaram-lhe que o seu navio já não tinha possibilidades de escapar. Sem esperar um momento e quase à força, desprendeu-se do guarda que, considerando o seu caso perdido, procurava detê-lo e, puxando os seus homens para o barco, correu para o navio no meio do combate e tomou parte na defesa.

Uma fragata britânica estava fundeada na Taipa, mas por falta de vento não podia ir salvá-lo. Os seus barcos estavam armados e com gente; os fortes de Macau começaram também a fazer fogo contra os piratas; finalmente, o 'Atahualpa' entrou no porto, mas, não tendo ancoras, encalhou sob a protecção dos canhões dos fortes.

Conta-se que 'Uncle Jim' Sturgis [o Tio Jim Sturgis] sofreu de iterícia, provocada pelo enjoo, durante toda a viagem, e esteve sempre amarelo como um girassol, mas a excitação do combate curou-o completamente.

Os chineses, pela segunda vez, apanharam um tártaro, sendo enorme a destruição nos seus conveses, pois os homens desesperados manejavam constantemente as suas pequenas armas a uma pequena distância dum tiro de pistola.

Todos os que serecordam das sobrancelhas peludas do Cap. Sturgis e da sua cara rígida não podem duvidar de que ele não atirou em vão nem uma só onça de chumbo e que era muitíssimo capaz de executar a sua promessa de fazer ir o navio pelos ares como último recurso contra a bem sabida crueldade dos piratas no caso de captura."

SAMUEL SHAW: PRIMEIRO CÔNSUL DOS ESTADOS UNIDOS NA CHINA

O Major Shaw combatera durante 8 anos na Guerra da Independência dos E. U. A., terminando em 1783 o seu serviço militar.

Shaw gastara os seus anos juvenis a combater pelo seu país. Se não fosse isso, poderia ter enriquecido. No entanto, estava satisfeito, como confessou a um amigo: "O tempo que eu poderia ter empregado em fazer uma fortuna gastei-o no exército ao serviço do meu país; e ainda que o resultado de tudo isto seja a pobreza, contudo esse pensamento é para mim uma fonte de verdadeira satisfação."1

Samuel Shaw merecera os elogios de George Washington e do seu Ajudante de Campo, General Know, durante a Guerra: o seu tacto e a sua inteligência eram as qualidades que deviam ganhar a amizade dos comerciantes de Cantão para si e para o seu país. A realidade correspondeu à expectativa: Shaw conseguiu abrir o comércio chinês aos norte-americanos; foi ele também que conseguira que o Presidente e o Secretário do Congresso norte-americano pusessem a sua assinatura na carta que o Cap. Green trazia para os potentados orientais.

Viagem à China

Em Dezembro de 1783, a Shaw foi oferecido o lugar de sobrecarga no "Empress of China". Viria como seu assistente o seu íntimo amigo e camarada de armas, o oficial Thomas Randall, e ambos receberam um décimo dos lucros.

O navio, de 360 toneladas, sob o comando do Cap. John Green, zarpou de Nova Iorque a 22 de Fevereiro de 1784, aniversário de George Washington.

Nos estreitos de Sunda encontraram dois navios franceses: um era o "Triton", cujo Cap., Ordelin, fora agraciado com a Ordem da Sociedade Norte-Americana de Cincinnati. Ora Shaw fora secretário duma reunião dessa organização de Cincinnati.

Os franceses receberam bem o "Empress" e guiaram-no pelos estreitos de Sunda, cheios de rochedos, e pelos mares da China, fazendo-lhe sinais dia e noite.2

O navio chegou a Macau a 24 de Agosto, partindo para Cantão a 27. Shaw tratou de vender a carga do seu navio, toda em conjunto, comprando por seu turno seda, porcelana e chá.

Deu-se um incidente entre os ingleses e os chineses: quando o navio inglês dava as salvas, matou incidentalmente um chinês. As autoridades chinesas exigiram a entrega daquele que descarregara a peça. Como os ingleses recusassem, os chineses prenderam o sobrecarga, retiraram todos os criados chineses das firmas e navios estrangeiros e ordenaram a paralização de todo o comércio. Shaw colocou-se ao lado dos ingleses e sugeriu que todos os estrangeiros se unissem; mas os franceses, dinamarqueses e holandeses recusaram; e os ingleses tiveram de entregar o artilheiro, que foi estrangulado.

Os chineses rejubilaram, dizendo com verdade que todos os estrangeiros tinham perdido a face neste negócio.

Antes de sair de Cantão, Shaw, de sociedade com Thomas Randall, fretou o navio "Pallas" e enviou-o com chá no valor de 50 mil dólares para Baltimore; para servir de lastro; comprou grande quantidade de porcelana azul e branca, alguma decorada com as armas de Cincinnati; o próprio George Washington adquiriu 302 peças.

Em 23 de Dezembro de 1784 Shaw partiu de Cantão.

Shaw escreveu um relato completo da sua visita à China, que enviou ao secretário dos Negócios Estrangeiros, John Jay, dizendo "que se havia felizmente aberto uma comunicação entre nós e a extremidade oriental do globo", enviando-lhe ao mesmo tempo duas peças de seda.

Jay respondeu que "os membros do Congresso sentiam especial satisfação pelo feliz sucesso do primeiro esforço dos cidadãos dos E. U. A. em estabelecer comércio directo com a China, o que honra muito os seus iniciadores e realizadores".3

Shaw tornou-se o grande propagandista do comércio com a China; forneceu a um jornal de Nova Iorque o relato da recepção do "Empress of China", elogiando os bons ofícios dos franceses e informando os norte-americanos de que os chineses haviam sido muito indulgentes e felizes por ver um novo povo, que iria abrir novas vias de comércio com o seu vasto império.

No entanto, faleceu o seu pai e o seu irmão mais velho, o que o impediu de voltar à China nessa estação, como era seu desejo, tendo até sido contratado para isso por Robert Morris, proprietário do "Empress of China".

Despachados os seus negócios familiares, contactou Robert Morris e depois Isaac Sears e outros comerciantes de Nova Iorque e ficou assente que ele iria no "Hope", capitaneado por James Magee.

O "Hope" Vem à China

Em Fevereiro de 1786, antes de embarcar, Shaw foi nomeado primeiro cônsul norte-americano na China com anuência do Congresso por sugestão do secretário de Estado, John Jay, o qual disse ao seu amigo: "Se bem que nem salário nem condições prévias estejam anexas a este cargo, contudo esta distinta prova de confiança e de estima dos Estados Unidos há-de dar-vos naturalmente um grau de peso e respeitabilidade, que nem o mais elevado mérito pessoal poderia adquirir para um estrangeiro numa terra estrangeira."4

A 4 de Fevereiro, o "Hope" largou de Nova Iorque e, depois de tocar em Macau, chegou a Wampoa a 15 de Agosto de 1786 e ali encontrou 4 navios norte-americanos: a corveta "Experiment", Cap. Steward Dean;"Empress of China", Cap. John Green, de N. Iorque; "Canton", Cap. Thomas Truxtun, de Filadélfia; e "Grand Turk", Cap. Ebenezer West, de Salém.

Em carta a Henry Knox, secretário da Guerra, Shaw confidenciava-lhe que a recepção por parte dos europeus não fora tão cordial como da primeira vez. "Não é difícil achar a razão desta diferença: nós éramos então um só navio; chegámos de surpresa; e como não tinham instruções a nosso respeito, eles, como gente sensível, receberam-nos bem. Mas agora nós temos cinco navios... Esta competição alarma-os e criou ressentimentos que não é fácil esconder; e apesar da civilidade pessoal de cada um para connosco e alguns exemplos de real amizade individual, contudo, nacionalmente, julgo que todos eles desejam que vamos para o diabo."5.

Em Cantão, Shaw antagonizou-se com John Green pelas calúnias que este lhe levantou e cortou relações com ele, defendendo-se dos seus ataques num longo relato, que entregou a cada europeu em Cantão. Ao seu amigo John Jay ele descreve assim a situação da Cantão:"Ainda que pouco podem saber da China as pessoas aqui confinadas a limites tão apertados como os estrangeiros que aqui negociam, contudo nós vemos o suficiente para formar ideias muito desfavoráveis do governo. As leis podem ser boas, mas a organização é extremamente defeituosa. Poderia chocar a sua sensibilidade se lhe fosse dar uma amostra da miséria que por aqui vai; e o que excita a indignação de todo o estrangeiro é que, sendo tão grande o número destes miseráveis objectos,está evidentemente no poder dos magistrados o providenciar amplamente por eles. Não é este o único exemplo que contradiz a ideia geralmente aceita da excelência do governo chinês.

Há hoje grandes distúrbios em muitas partes do império."6

Decidiu regressar aos E. U. A. no fim da estação comercial seguinte, mesmo antes de obter permissão do seu governo, que levaria muito tempo a chegar.

Em 18 de Janeiro de 1788, deu uma saltadela a Bengala para conhecer ali as condições comerciais, mas regressou a Cantão em Setembro do mesmo ano.

Em Janeiro de 1789, regressou aos E. U. A., chegando a Newport Harbour em 5 de Julho.

"Massachusetts"

Nos E. U. A. Shaw mandou construir um grande navio de 820 toneladas, chamado "Massachusetts", augurando grandes lucros no comércio; mas os comerciantes norte-americanos retraíram-se e ele não pôde arranjar sócios nem dinheiro de ninguém para a carga. Foi ele e Randall que tiveram de pagar todas as despesas; esse navio deveria ter custando mais de 70000 dólares.

Shaw queixa-se a um amigo: "Vou para a China pela terceira vez sem ter recebido um só dólar pelos meus serviços da primeira vez."7

E resolveu vender o seu navio em Batávia ou na China.

Antes de embarcar, pediu a Washington que renovasse a sua comissão como cônsul em Cantão; e ao seu amigo Knox que fizesse que esse consulado abarcasse a China e todos os países a este do Cabo da Boa Esperança ou coisa semelhante. De facto, foi nomeado cônsul em l O de Fevereiro de 1790; mas ficou desapontado quando soube que a nova comissão não diferia essencialmente da primeira.8 Ele embarcou a 28 de Março de 1790 no seu próprio navio "Massachusetts" (comandado pelo Cap. Job Prince), que vendeu em Wampoa a uma companhia dinamarquesa por 65000 dólares.9 "Perdi 10000 dólares, confessou ele, mas salvei o meu crédito."

Investiu esse dinheiro em mercadorias chinesas, que remeteu noutros navios para os mercados europeus.

Regressou aos E. U. A. em 1792 e em 21 de Agosto casou com Hanna Phillips.

Quarta Viagem

Shaw embarcou para a China em Fevereiro de 1793. Ao chegar a Bombaim, sentiu-se mal do fígado e, ao chegar a Cantão, estava inválido e incapaz de sair de casa.

Como a doença resistia a todos os medicamentos, embarcou em 17 de Março de 1794 para os E. U. A., mas nunca lá chegou, pois faleceu perto do Cabo da Boa Esperança em 30 de Maio desse ano. Tinha apenas 40 anos de idade(l 754-1794).

VIVEU EM MACAU UM ANTEPASSADO DE DOIS PRESIDENTES DOS ESTADOS UNIDOS

Trata-se de Warren Delano Jr., antepassado dos Presidentes Ulysses Simpson Grant (1869-1877) e Franklin Delano Roosevelt (1933-1944).

Warren Delano era comerciante e vivia em Macau, na Rua do Padre António, que vai de S. Lourenço a Barra, numa casa espaçosa e ajardinada, fornecida por mobília preciosa. A 13 de Abril de 1845, pegou-lhe o fogo e lá se foi tudo em fumo.

A Casa Incendiada

"O Macaista Imparcial", 2 (7) 17 Abr. 1845, noticiava: "Na madrugada do dia 13 do corrente incendiou-se toda a propriedade de casas, vulgarmente denominadas do Padre António, onde assistia o negociante norte-americano Warren Delano Junior com sua família, salvando apenas os livros e os papéis do escritório. O fogo começou na chaminé do fogão de um dos quartos e passando dali para o forro do tecto rapidamente comunicou-se por toda a casa e com tanto impacto que em menos de 3 horas reduziu a cinzas todo aquele vasto edifício, com todos os ricos e custosos móveis de que, segundo ouvimos, estava guarnecido."

Quem Era Warren Delano Junior?

Warren nasceu em Fairhaven, Massachussetts, em 1809, sendo filho do Cap. Warren Delano (1779-1866) e de Deborah Church. Warren Jr. fez a primeira viagem a China no clipper "Commerce". Gostou do Oriente e juntou-se à "Russell e Sturgis and Co.", influentes comerciantes nestas partes, tornando-se em breve sócio desta firma.

Warren, apesar de rude marinheiro, tinha um coração de oiro e era a delicadeza em pessoa. Serviu de vice-cônsul norte-americano em Cantão.

Em 1843 regressou aos E. U. A., onde se casou com Catherine Robbins Lyman, de 18 anos de idade, cujos antepassados foram os fundadores de Hartford, Connecticut.

Após a cerimónia, os recém-casados embarcaram no clipper, de regresso a Macau, demorando a viagem 104 dias. Já cá se encontravam em 1845.

Tendo enriquecido no negócio do chá, regressou aos E. U. A. três anos depois. Mas sentindo-se atraído pelo fascínio do Oriente e da riqueza em 1859 deixou de novo o lar, onde ficou a mulher grávida e seis crianças, e fez-se ao mar a caminho de Macau.

Sua mulher, depois de dar à luz o seu bebé, fez o mesmo, embarcando com todos os filhos no "Surprise"; chegou a Hong Kong após quatro meses e seis dias de viagem, vindo juntar-se ao marido em Macau.

A sua casa era espaçosa e tinha um jardim com palmeiras e plantas exóticas.

A fama do dinamismo de Warren atravessou oceanos e chegou aos ouvidos do Presidente Abraham Lincoln ( 1861-64), o qual o encarregou de delinear um projecto dum tratado comercial com a China.

Warren enviou três filhos para os E. U. A. via Egipto, França e Oceano Atlântico; em 1866 reuniu-se toda a família para visitar a Exposição de Paris. Os pais voltaram aos E. U. A. com alguns filhos; mas sua filha Sarah, que tinha o nome familiar de Sallie (futura mãe do Presidente Roosevelt), e outros dois filhos foram para a Alemanha estudar alemão.

Sallie regressou também em 1870 aos E. U. A., com 16 anos de idade, havendo passado a sua infância em Macau, para onde veio em 1862 com 8 anos, juntamente com a sua mãe e outros irmãos.

Agora Sallie falava perfeitamente francês e alemão e aprendeu a desenhar e a cantar. O irmão de seu pai, Franklin Delano, construtor de navios, casou com Laura Astor, senhora riquíssima, tia de Mrs. Rosy Roosevelt, mas não tiveram filhos.

Aos 18 anos, Sallie era de uma rara beleza, alta, magra, aristocrática, encantadora. A sua irmã mais velha casara e vivia em Macau.

Genealogia de Warren Delano Junior

Os antepassados de Delano eram normandos e flamengos. O antepassado comum foi Jehan de la Noya, Cavaleiro do Tosão de Oiro. Cerca de 1600 ele e sua esposa Maria deixaram a França e estabeleceram-se em Leida, na Holanda. Acolheram ali os puritanos ingleses que em 1620 navegaram para os E. U. A. no "Mayflower".

A bem conhecida Priscila Mullin enamorou-se de Jacques de la Noya, filho mais velho de Jehan e Maria; mas Jacques casou com uma holandesa logo que o "Mayflower" se perdeu de vista.

No entanto, Philip de la Noya, seu irmão mais novo, enamorou-se de Priscila, mas ele partiupara os E. U. A. no navio seguinte e não teve tempo de se casar com ela. Mais tarde Philip veio a casar com Hester Dewsburry.

O nome de la Noya sofreu as seguintes metamorfoses: Dellannoy, Dellanouv, Dellanov, Delaneaux, De Lano e, finalmente, Delano.

Philip de la Noya teve um neto chamado Ephraim, que era filho de Jonathan Delano e de Mercy Warren.

Ephraim Delano casou com Elizabeth Cushman, de quem teve Warren Delano; este casou com Deborah Church, de quem teve Warren Delano Jr., que viveu na Rua do Padre António em Macau.

Delano Jr. casou com Catherine Robbins Lyman, de quem teve Sarah Delano, que casou com James Roosevelt, de quem teve Franklin Roosevelt, Presidente dos E. U. A.

A 7 de Outubro de 1880 chegou a vez de Sallie, que casou com James Roosevelt, de quem teve um filho nascido a 30 de Janeiro de 1830. Este foi eleito em 1932 trigésimo segundo Presidente dos E. U. A. Devia ter ouvido de sua mãe muitas histórias sobre Macau.

Vejamos agora a relação de Warren Delano Jr. com Ulysses Grant, 18° Presidente dos E. U. A.

O Ten. Jonathan Delano (1647-1720) casou com Mercy Warren, neta de Richard Warren, que embarcou para os E. U. A. no "Mayflower", sendo um dos pioneiros ou pilgrim fathers, como foram chamados esses homens que foram colonizar os Estados Unidos.

Delano teve de Mercy um filho, Jonathan Delano II (1680-1752); este casou com Aney Hatch, de quem teve Susan Delano, nascida em 1724, a qual casou com Noah Grant; estes tiveram Noah Grant (1748-1819), o qual casou com Rachel Kelly, de quem teve Jesse Root Grant (1794-1873); este casou com Hannah Simpson, de quem teve Ulysses Simpson Grant, 18° Presidente dos E. U. A., que nasceu a 27 de Abril de 1822 em Point Pleasant, Oaio, e morreu a 23 de Julho de 1885 em Mt. Gregor, perto de Saratoga.

Conclusão

Warren Delano Jr. viveu em Macau vários anos com sua querida filha Sallie, mãe do Presidente Roosevelt.

O Presidente Grant (1868-1877), depois de deixar o seu posto, andou a viajar pela Europa e o Oriente durante dois anos, visitando Macau em Maio de 1879 e hospedando-se em casa de Lourenço Marques.

NOTAS

1. Cf. CHRISTMAN, Margaret C. C., Adventurous Pursuits, p. 59.

2. Idem, ibidem.

3. Idem, p. 61.

4. Idem, p. 64.

5. Idem, 64-5.

6. Idem, p. 65.

7. Idem, p. 66.

8. J. M. Braga engana-se ao afirmar que ele foi nomeado cônsul geral dos E. U. A. na Índia e na China. Carlos Estorninho engana-se ao dizer que o Cônsul se estabeleceu em Macau: "Estabelecido o seu agente consular para os negócios com a China em Macau, os norte-americanos lançaram-se decidadamente no comércio, com aquele entusiasmo e dinamismo que tanto e tão bem os caracterizavam." Note-se que só mais tarde é que o consulado se estabeleceu em Macau.

9. Braga afirma erradamente que ele vendeu o seu navio ao governo de Macau.

* Historiador de Macau, da presença portuguesa e da Igreja no Oriente, com mais de uma centena de títulos publicados. Membro de várias instituições internacionais, v. g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia. Grande Colar e Sócio da Academia Portuguesa de História.

desde a p. 162
até a p.