Imagem

O COMÉRCIO MARÍTIMO CHINÊS: INTER VENIENTES E PROTAGONISTAS

Leonor Seabra*

A China fica situada no limite oriental da Ásia, tendo-se desenvolvido em torno da bacia do rio Amarelo, estendendo-se para sul até à bacia do rio Iansequião e, mais tarde, até ao rio Xijiang e ao maciço costeiro do Fuquiém.

Com a dinastia Tang (618-907), a China, país agrícola e privilegiando as relacões com o interior do continente, cresceu e consolidou-se como um espaço terrestre, controlando a rota do comércio da seda, que atravessava os planaltos da Ásia Central.

"Os impérios mongóis e as relações estabelecidas através do continente euro-asiático na epoca mongol." GERNET, Jacques, O Mundo Chinês."Uma Civilizacâo e uma História. Lisboa, Rio de Janeiro, Cosmos. 1974, vol. 1, pp. 336-7.

Após o colapso desta dinastia seguiu-se a época turbulenta das Cinco Dinastias (907-960) e, finalmente, a China foi reunificada pela dinastia Song (960-1279). Estes, contudo, não conseguiram suster o avanço das tribos nómadas e, em 1004, perderam o controle das províncias do Norte, acabando mesmo por perder o domínio da bacia do rio Amarelo —berço da civilização chinesa — em 1125. Como consequência, a capital imperial deslocou-se do interior setentrional para o litoral meridional. Perdendo, assim, o controle da rota da seda, a dinastia Song trocou o comércio terrestre pelo marítimo, passando, então, os marinheiros chineses a frequentar os portos do oceano Indico. Com o desenvolvimento do comércio naval deu-se um aumento de volume de negócios e uma maior diversificação de produtos, aparecendo também as primeiras cidades de grande comércio, como a de Quanzhou.

A China entrou, assim, nas grandes rotas do comércio marítimo.

Nos inícios do século XIII, a Ásia Central foi dominada pelos Mongóis, comandados por Gengiscão (1167-1227), que iniciou as suas campanhas em 1206, tendo atacado a China Setentrional em 1213 e, dois anos mais tarde, Pequim era conquistada (1215). Em 1239, os Mongóis iniciaram os ataques contra os Song e, de vitória em vitória, acabaram por derrotá-los completamente em 1279, iniciando-se oficialmente a dinastia mongol dos Yuan (1279-1368). Com esta dinastia regressou-se à situação da época dos Tang, com a China —de forte tradição terrestre — a dominar a rota caravaneira da seda, ganhando esta uma nova e maior dimensão. O comércio terrestre e marítimo complementavam-se abrindo-se a China às rotas do grande comércio intercontinental.

Crê-se que o período dos Song do Sul (1127-1279) e dos Yuan foi a "idade de ouro" das actividades marítimas chinesas. Este período foi marcado pela participação, no comércio marítimo, do governo chinês e dos mercadores privados. Na época dos Song, o Estado não só obtinha uma parte muito importante das suas receitas das taxas aplicadas ao artesanato e ao comércio, mas tornou-se ele próprio comerciante e produtor, criando manufacturas e empresas comerciais, que eram geridas pelos seus funcionários, e desenvolvendo sistematicamente os monopólios do Estado, de modo a prover ao abastecimento dos seus exércitos e ao rápido crescimento das despesas de guerra.

A evolução económica esteve ligada à comercialização dos produtos agrícolas, à expansão da economia monetária e a um surto generalizado dos tráficos e das correntes comerciais. Esta evolução comercial, que englobava o conjunto do Império e de que o Estado era o maior beneficiário, aumentou no tempo dos Song do Sul (séculos XII e XIII). Este surto económico, dos séculos XII e XIII, levou ao aumento considerável dos meios de pagamento e à difusão da economia monetária. Ora, como a moeda de cobre não satisfazia as necessidades do desenvolvimento económico e do aumento das despesas de guerra, deu-se um incremento do uso da prata não amoedada, que tinha começado a divulgar-se a sul do curso inferior do lansequião e no Sichuan, na época das Cinco Dinastias, estendendo-se, no século XI, à China do Norte, onde os Uigures da Ásia Central — que comercializavam com os territórios do Médio Oriente e que importavam prata contribuíram para a difusão deste novo meio de pagamento. No Sichuan, em 1204, o Estado passou a emitir notas de banco (papel-moeda), inicialmente emitido como certificados de depósito — que foram os precursores da nota de banco — pelos ricos mercadores e financeiros de Chengdu, no Sichuan, a título privado. Isto contribuiu para o desenvolvimento da economia privada e estadual, na época dos Song, e permitiu reduzir as emissões de moeda de cobre, no tempo dos Song do Sul, embora o seu uso exagerado tivesse agravado a desorganização da economia nas vésperas da invasão mongol. Simultaneamente, desenvolveu-se, nos centros comerciais, o uso de papéis de credito: o cheque, a ordem de pagamento e a letra de câmbio, que apareceram no século XI. Paralelamente, e ainda a partir do século XI, deu-se o desenvolvimento da marinha chinesa. O progresso das técnicas de navegação contribuiu para o desenvolvimento naval, assim como o progresso da cartografia — esta, desde a época dos Song. A presença de mercadores chineses na Ásia oriental, em Ceilão e nas costas do Malabar, no século XIII,poderá explicar-se precisamente pelo movimento comercial e marítimo.

A conquista do Império dos Song do Sul, pelos Mongóis (1273-1279), parece ter acelerado a colonização chinesa na Ásia do Sueste, provocando uma emigração de Chineses para o Vietname e para o Japão, assim como para o Camboja e Sião. As campanhas dos Mongóis no Sueste Asiático, por seu turno, abriram o caminho para as grandes expedições marítimas do século XV. Durante o final do domínio mongol sobre a China — e até 1368, ou seja, durante a dinastia Yuan — o comércio marítimo e costeiro esteve nas mãos de mercadores privados, operando muito próximo da elite comercial do vale do Baixo lansequião e cidades portuárias do Sul da China. Estes mercadores mantinham uma rede de relações comerciais até ao Próximo Oriente e costas da África oriental. O comércio marítimo chinês era, nesta época, livre e descentralizado. A capital estava situada no interior norte e a Corte tinha pouco interesse pelo desenvolvimento do comércio marítimo, assim como pelas regiões costeiras do Sul.

"Principais escritas da Ásia Oriental e suas origens." GERNET, Jacques, O Mundo Chinês: Uma Civilização e uma História, Lisboa, Rio de Janeiro, Cosmos, 1974, vol. 1, pp. 48-9.

Com a sucessão da dinastia nacionalista Ming (1368-1644), esta situação sofreu uma completa mudança. O novo Governo, altamente centralizado, aspirava a restaurar a paz e a ordem no interior da China, assim como a dominar as regiões costeiras. Tentou também controlar a costa e os rícos mercadores nos centros costeiros, alguns dos quais tinham apoiado abertamente as forças anti-Ming durante o período de transição, dos Yuan para os Ming. Para contrabalançar a influência destes mercadores, o primeiro imperador Ming, Hongwu (1368-1398), proibiu o comércio marítimo privado, mas, ao mesmo tempo, não desenvolveu a navegação oficial a tal ponto que pudesse substituir este comércio. Contudo, mandou expedições para o Sul e Sudeste da Ásia, o que levou muitas nações a aderirem ao sistema de tributo dos Ming. A capital foi novamente transferida para Pequim. A procura de produtos do Ocidente, Sul e Sueste Asiático, levou muitos mercadores privados, que dependiam do comércio marítimo para obter os seus proventos, a desprezar as proibições e a praticarem o comércio ilegal, cooperando com piratas ou, em alguns casos, a emigrarem para a Ásia do Sueste. Alguns dos funcionários chineses, nas províncias costeiras de Chequião, Fuquiém e Guangdong, também participavam deste comércio ilegal, minando, ainda mais, o controlo governamental central.

Quando o imperador Yongle ascendeu ao poder (1403-1424), a situação alterou-se. A Corte continuou com as proibições ao comércio maritimo privado, mas preparou-se para promover a navegação oficial. Este Imperador iniciou um programa de construção de navios, que eram conseguidos em Nanquim, Fuquiém e outros lugares. Yongle mudou a capital de Nanquim para Pequim, mais defensável dos ataques dos "bárbaros" do Norte. Mandou expedições para Vietname e Birmânia e desenvolveu uma actividade internacional no sentido da penetração marítima no Sul e Sudeste Asiático. Os Chineses enviaram navios ou frotas, normalmente comandadas por eunucos, para os países marítimos. Esses barcos largavam de Nanquim pelo rio lansequião, passavam a costa do Fuquiém e Guangdong, encaminhavam-se para a Indochina, Indonésia e oceano Índico. Por outro lado, delegados estrangeiros e comerciantes podiam vir à China, com os seus tributos, para comerciar (era o "comércio suplementar"). De 1405 a 1433, a Corte Ming mandou sete expedições de grandes frotas comandadas pelo almirante Zheng He, para o oceano Indico, via Ásia do Sueste, até à Somália. Em consequência, mais de sessenta países do Sudeste, Sul e Ocidente da Ásia, mandaram missões de tributo para a China, durante os reinados de Yongle e Xuande. Paralelamente com esta activa promoção de relações tributárias entre a China e as nações marítimas, a Corte Ming proibiu o comércio particular. Esta política, de proibições marítimas, fora formulada, em 1372, por Zhu Yuan Zhang (Hongwu — o 1ō imperador Ming), o qual continuou com esta política, assim como os seus sucessores, até ser abolida em 1567, para todos os portos, com excepção do Japão (cujo comércio só foi legalizado em 1685).

Inicialmente, Calecute parece ter sido o ponto mais ocidental alcançado pela navegação oficial chinesa. Com as sete expedições de Zheng He, os navios chineses alcançaram Ormuz, Adem e, finalmente, a África oriental. Na Ásia do Sueste, a navegação oficial chinesa estava confinada à área ocidental das ilhas Sulu e Celebes. As outras regiões deviam estar nas mãos de mercadores privados chineses, operando a partir da costa norte de Java ou de Samatra. Depois das expedições de Zheng He, Malaca e Achém tornaram-se os portos terminais das viagens comerciais chinesas. Como resultado, Malaca emergiu como o maior empório onde Chineses, Ocidentais e Asiáticos do Sueste, transaccionavam os seus produtos ao longo do século XV. Muitos outros centros comerciais apareceram, porém, onde os Chineses também se fixaram: Sião (Aiutia), Patani, Java, Samatra (Achém), Palembang, Brunei, Sulu, Champa, etc.

O poder marítimo da China baseava-se, essencialmente, nas frotas pesqueiras e juncos comerciais de Cantão (Guangdong), Amói e Quanzhou (no Fuquiém) e Nimpó (em Chequião). Com a expansão marítima, muitos portos floresceram na costa do Sudeste, sendo o mais importante, ao longo das dinastias Song,Yuan e Ming, o de Quanzhou (no Fuquiém). No início da dinastia Ming, Fucheu era o centro politico do Fuquiém e Quanzhou o seu porto oficial; mas, com a ocupação destas duas cidades pelos Ming, Yuegang tornou-se o porto mais importante, inicialmente como "quartel-general" do contrabando do Fuquiém — na época das proibições marítimas — depois, com a legalização do comércio marítimo, como centro deste comércio. Dado que o poder mercantil chinês e a sua superioridade militar era sentida nas áreas que eram frequentemente visitadas pelos barcos do governo chinês, a China podia exercer um controle eficiente, nessas zonas. Este comércio, feito pelos barcos governamentais chineses, era o comércio de longo curso, efectuado no Sudeste Asiático e oceano Índico, enquanto o tráfico costeiro estava nas mãos de marinheiros asiáticos.

A rede oficial chinesa abrangia, como já se viu, várias zonas, com as quais mantinha relações comerciais, tais como: Malaca, Calecute, Maldivas, Ceilão, Ormuz e Adem; para oriente de Malaca, os portos javaneses, Palembang e Sião. O Brunei e as ilhas Sulu também mandavam tributo para a China, participando assim no comércio tributário chinês. O comércio ilegal privado, através do arquipélago de Liuqiu expandiu-se bastante, fornecendo a China de mercadorias tropicais. Os cavalos eram muito procurados pela China, por isso estavam entre os mais frequentes items mencionados no tributo, e vários países da Ásia do Sueste e as ilhas Liuqiu participavam neste comércio. Nos inícios do período Ming, a China necessitava de grandes quantidades de pimenta e madeira sapão, o que seria usado para pagamento do tributo, pelos vários países da Ásia do Sueste, assim como pelas ilhas Liuqiu. A China exportava sedas e porcelanas e também oferecia "serviços de protecção". Aqueles que aceitavam a supremacia chinesa e prestavam tributo não só recebiam benefícios materiais em troca, mas podiam contar também com o apoio da China.

Nos inícios do século XV, pois, todos os grandes empórios da Ásia, tinham formalmente reconhecido as leis e regulamentos que lhes eram impostos através do comércio tributário chinês. O sistema de tributo era essencialmente uma política de pacificação através da troca de presentes, uma não agressiva forma de imperialismo.

"A Ásia Central nos séculos VII e, VIII." GERNET. Jacques, O Mundo Chinês: V mu Civilização e uma História. Lisboa. Rio de Janeiro, Cosmos, 1974, vol. l, pp. 240-1.

As expedições marítimas dos Ming cessaram bruscamente devido a várias razões: os elevados custos das viagens e a intensificação da pirataria japonesa. Além disso, os custos das viagens, mais os custos das expedições contra os Mongóis e a construção de edifícios grandiosos em Pequim, depauperaram os cofres do Império. Regressando, como consequência, à política isolacionista, os Imperadores proibiram os navios chineses de navegarem fora das águas costeiras, e fizeram da defesa da costa o seu primeiro objectivo; o comércio estrangeiro era estritamente limitado e, principalmente, confinado a Cantão. Embora o prestígio internacional da China declinasse, a sua política interna foi consolidada. Sempre que as autoridades chinesas tentaram fazer respeitar mais rigorosamente a proibição do comércio marítimo chinês, desenvolveu-se um comércio privado de contrabando, nas costas das províncias do Sudeste Chinês, especialmente no Fuquiém. Por meados do período Ming, esta rede de comércio ilegal alcançou proporções dramáticas, estendendo-se do Japão e da Formosa por todo o Sueste Asiático. Por isso, os Ming intensificaram os seus esforços para estender as proibições marítimas. Os mandarins proibiram a construção de barcos e, muitas vezes, proibiram a pesca, às populações costeiras. Ora, a economia da província do Fuquiém dependia do comércio marítimo e da pesca; assim, a população local refugiou-se nas zonas costeiras, dando-se um aumento da pirataria.

E, até à chegada dos Portugueses, a situação no Mar da China mantinha-se inalterável.

As nações europeias começaram a interessar-se pela China, de entre as quais os Portugueses foram os primeiros. A "ordem mundial" chinesa foi perturbada pela conquista de Malaca, pelos Portugueses. Dada a importância de Malaca e do seu comércio para a China, os Chineses toleraram os Portugueses, numa primeira fase. Por volta de 1520, após a morte do Imperador Zhengde, os Chineses modificaram a sua política em relação aos Portugueses, ordenaram a sua expulsão e publicaram um édito proibindo todos os negócios dos Chineses com aqueles. Após serem expulsos da China, os Portugueses mantiveram-se nas costas do Fuquiém e Chequião. No entanto, os esforços militares dos Ming levaram-nos mais para sul de Guangdong, estabelecendo aí feiras anuais para comerciar. Por meados de 1550, os Portugueses começaram a comerciar em zonas perto do estuário do Rio das Pérolas, primeiro em Sanchoão, depois em Lampacau e, finalmente, em Macau. Depois do estabelecimento dos Portugueses, o comércio de Macau com o Japão, Filipinas e Índia, aumentou em volume e valor, nos finais do século XVI e princípios do século XVII. O incremento do comércio português na China, foi ajudado pelas atitudes oficiais e éditos imperiais, que restringiam o comércio marítimo entre o Império do Meio e o Japão. A prata do Japão e da América espanhola chegava a Macau e, através de Cantão, ia para toda a China, sendo a base da economia Ming. Havia uma dinâmica constante nas relações entre os Portugueses de Macau e os Ming e, mais tarde, os Qing, quer funcionários quer mercadores, em Cantão.

A Espanha foi a segunda nação europeia a interessar-se pelo Oriente; mostrou, contudo, pouco interesse em comerciar ou estabelecer-se na China. Os governantes, em Manila, dirigiam os seus esforços para a exploração, colonização e conversão do Arquipélago das Filipinas.

Os Holandeses não foram felizes no estabelecimento dos seus primeiros contactos com a China. Em 1604 e 1607, pediram permissão para se estabelecerem em Cantão, para aí comerciarem, mas os Chineses recusaram essa permissão. Em retaliação, os Holandeses atacaram Macau sem sucesso e fixaram-se na Ilha dos Pescadores, continuando as suas campanhas contra os Portugueses. Depois, mudaram-se para a Formosa, onde estabeleceram um posto de comércio e um forte. Depois do pirata Koxinga os ter expulso, em 1662, os Holandeses concentraram os seus esforços comerciais no Japão e Indonésia.

"O desmembramento político da China durante as Cinco Dinastias (século X)."

GERNET, Jacques, O Mundo Chinês: Uma Civilização e uma História, Lisboa, Rio de Janeiro, Cosmos, 1974, vol. 1, p. 252.

Os Russos tentaram, sem sucesso, em 1567 e 1619, alcançar a Corte Ming, tal como o fizeram os Britânicos. Em 1635, o primeiro navio inglês alcançou Cantão; dois anos mais tarde, seguiu-se uma esquadra de navios ingleses, comandada pelo capitão John Weddell.

Os Portugueses viram o seu comércio com as Filipinas aumentado, devido à política mercantil e à actividade naval holandesa na costa do Fuquiém, assim como ao seu estabelecimento na Formosa. Simultaneamente, deu-se um recrudescimento da pirataria chinesa nas costas do Sul da China e, por outro lado, os Ming demonstraram um enfraquecimento na sua capacidade de reagir à VOC (Vereenidge Oostindische Compagnie), como resultado da sua necessidade de enfrentar o desafio manchu, no Norte. Por seu turno, os comerciantes portugueses de Macau aliaram-se aos quevees de Cantão, para desenvolverem o comércio com Manila. Quanto ao comércio externo do Japão, nos finais do século XVI, estava assente no abastecimento de seda crua e ouro da China, que eram trocados por prata em barra. Em consequência das proibições imperiais — dos Chineses comerciarem com o Japão — os Portugueses obtiveram uma posição privilegiada, como intermediários oficiais no comércio entre a China e o Japão. No entanto, os comerciantes do Fuquiém também tinham um papel importante neste comércio com o Japão, nomeadamente na comercialização do açúcar, que aqueles tinham a vantagem de obter a um preço de custo mais baixo, por se encontrarem mais próximos das zonas de abastecimento do referido produto.

A situação do império Ming, nas vésperas da invasão Manchu, explica por que razão estes não tiveram dificuldades em entrar na China e em se apoderarem do poder. Tudo lhes era favorável: anarquia geral, ruína das finanças públicas, desorganização do poder central agravada pelo suicídio do Imperador, fraqueza dos exércitos que defendiam a capital, divisões entre os Chineses e a cumplicidade que os invasores encontraram numa parte da população (entre as classes elevadas, que preferiam uma aliança, que julgavam provisória, com os inimigos do exterior, ao triunfo das rebeliões populares). A invasão da China Ming pelos Manchus intensificou a instabilidade económica e política no país. O estabelecimento da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) contribuiu para diminuir o comércio marítimo na China e Mar da China Meridional, no século XVII.

Depois que os Portugueses foram expulsos do Japão, juncos do Fuquiém, a maioria controlada directamente pelos Qing, dominou o comércio marítimo. Mas, em meados do século XVII, a política de deslocação das populações costeiras do Sul da China para o interior e a proibição do comércio marítimo, foi implementada com maior força no Fuquiém e em Guangdong. Mais a sul, nos países marítimos da Ásia do Sueste, a VOC, depois de se ter estabelecido em Java, conquistou Malaca aos Portugueses, em 1641, controlando o Arquipélago Indonésio. O risco da pirataria e a intervenção e competição da VOC influenciou os funcionários Ming e Qing, assim como os investidores Chineses, Portugueses e outros. Os mercadores e comerciantes do Sul da China, envolvidos no comércio marítimo, adoptaram novas medidas, de acordo com as mudanças verificadas, nesta transição do domínio Ming para o Qing.

Após os Qing terem estabelecido firmemente o seu controlo, no Sul da China, em 1683, deu-se um aumento do comércio marítimo: do Japão para Manila e para o Achém, os juncos chineses dominaram os mercados do Mar da China Meridional, nos finais do século XVII e durante o século XVIII. O comércio marítimo naqueles mercados, contudo, declinou em valor e importância. Este declínio parece ter sido, em parte, o resultado de uma economia mundial dominada pelas Companhias Europeias, assim como pelos países comerciantes da Europa, Índia e oceano Índico, os mercadores Chineses de Chequião, Fuquiém, e Guangdong, tal como os Portugueses de Macau, concorriam nos principais mercados no Mar do Sul da China, tais como Batávia e Manila. O domínio do Fuquiém no comércio de Batávia, foi seriamente contestado pela actividade conjunta dos queveescantonenses e os Portugueses de Macau. A prosperidade de Macau tinha diminuído, mas as relações mercantis com Cantão e as relações comerciais sino-portuguesas permitii'am esta rivalidade entre o Fuquiém e Guangdong. Por volta do século XVII, a rede marítima do Yuegang, no Fuquiém, abrangia os principais portos do Mar da China, desde o Japão, no Norte, ao Arquipélago Indonésio, no Sul. A actividade e o número de juncos chineses do Fuquiém eram, pois, dominantes no comércio marítimo em certos mercados tais como Japão, Filipinas, e outros, no Mar da China Meridional, nos séculos XVII e XVIII. Outros mercados da Ásia do Sueste, também beneficiaram desta expansão do comércio marítimo: Tonquim, Cochinchina, Sião, etc.

A perda da Formosa, em 1662, pela VOC, teve um impacto imediato no seu comércio de mercadorias chinesas para o Japão, Índia e Europa, pelo que aquela fez esforços para restaurar esse comércio, primeiro pela força, depois, através de mercadores privados Holandeses, Chineses e Portugueses. De 1690 até 1720, a Companhia (VOC) não mandou nenhum navio seu para a China. Como consequência, deu-se um renascimento do junk trade, do Fuquiém para Batávia, que decaíra após a conquista Manchu, em 1644. Simultaneamente, os Portugueses de Macau mandavam os seus navios para Batávia, com a sua carga de chá e de porcelana da China, importando a pimenta. Só em 1727 se restabeleceu o comércio directo entre Amsterdão e Cantão, que, no entanto, não teve muito sucesso. Em 1740, com a revolta dos Chineses, em Batávia, seguida do massacre dos revoltosos pelos Holandeses, há uma nova interrupção do junk trade. Em 1743, ainda se mantinha a oposição da Corte, em Pequim, contra o restabelecimento do junk trade para Batávia. As mercadorias que os Chineses e Portugueses vendiam em Batávia, nos fins do século XVII e no século XVIII, reflectiam uma mudança na estrutura do comércio marítimo na China. Com a emergência da procura do chá, este tornou-se a mercadoria mais importante comerciada pelos Chineses e Portugueses, em Batávia.

"Influências sofridas e exercidas pela China na época dos Tang."

GERNET, Jacques, O Mundo Chinês: Civilização e uma História, Lisboa, Rio de Janeiro, Cosmos, 1974, vol. 1, pp. 256-7.

A Companhia Inglesa das Índias Orientais (EIC), assim como os comerciantes independentes Ingleses, beneficiaram da inexistência de concorrência directa da VOC, na China Meridíonal, a partir de 1690. Até 1699, outras Companhias Europeias, como a Francesa, a de Ostenda e a VOC, e, ainda, os comerciantes independentes Ingleses e Portugueses, concorriam com a EIC em Cantão, na compra de mercadorias de exportacão para os mercados europeus e indianos.

Os Portugueses de Macau estabeleceram contactos com a EIC e com os comerciantes independentes Ingleses nos mercados da Índia, onde todos negociavam. Dos finais da década de 1680 até à de 1750, os comerciantes portugueses de Macau navegavam para Madrasta, todos os anos. Por meados do século XVIII, os comerciantes independentes de Macau foram contratados para fornecerem chá da China à EIC, em Madrasta, tal como acontecia com a VOC, em B atávia, à qual também forneciam o chá. Os Portugueses de Macau também tinham relações comerciais com outras Companhias Europeias e com comerciantes independentes Europeus e Asiáticos, nomeadamente Franceses e Arménios. Com os Franceses, chegados a Cantão em 1704, desenvolveram transacções comerciais na costa sudoeste da Índia, em Mahe, onde aqueles estavam estabelecidos. Nos finais do século XVII e princípios do século XVIII, vários mercadores arménios que, juntamente com uma comunidade judaica, residente em Madrasta, negociavam com Manila, entraram em contacto com os Portugueses de Macau. Principalmente a partir do século XVUII, os mercadores arménios, que negociavam com a China, transportavam as suas mercadorias em barcos portugueses a partir de Macau.

Após a expulsão dos Portugueses das Molucas, na zona extrema da Indonésia, o declínio da participação de Malaca no comércio de especiarias entre o Oriente e o Ocidente, e a chegada dos Holandeses e Ingleses, os comerciantes Portugueses expandiram-se para as Celebes e ilhas de Sunda, continuando a negociar em especiarias e sândalo, exportando têxteis indianos para Manila, e ouro em barra e maça, de Macáçar para a Índia. Nos inícios do século XVIII, os comerciantes portugueses de Macau continuavam a procurar mercados rentáveis, mesmo em zonas mais longínquas e fora do Mar da China Meridional, isto é, no oceano Indico. No que se refere ao comércio e à sua sobrevivência, os comerciantes independentes portugueses utilizaram uma grande variedade de métodos e práticas comerciais, que parecem reflectir as suas atitudes pragmáticas e não dogmáticas.

As actividades comerciais dos Portugueses na China forneceram, pois, um importante contributo ao comércio marítimo na Ásia.

GLOSSÁRIO

Cinco Dinastias — período de cerca de um século (907-960), que se seguiu ao desmembramento do império dos Tang: Liang, Tang, Jin, Han e Chou.

Quevee — orig. do cantonense, mercador chinês.

Uigures — Turcos orientais, semi-sedentarizados que, a partir de 745, fundaram um reino a norte do império Tang, na região de Hami; em 1757, expandiram-se pelo Gansu e dominaram todas as regiões situadas entre Wuwei (no centro do Gansu) e Turfan, na Ásia Central.

BIBLIOGRAFIA

EBERHARD, Wolfram, A History of China, London,1977.

GERNET, Jacques, O Mundo Chinês: Uma Civilizaçãoe uma História, Lisboa, Rio de Janeiro, Cosmos,1974,2vol.

GROUSSET, René, Histoire de l'Asie, Paris, 1966. LOMBARD, A China Imperial, Lisboa, Arcádia, 1971.

PTAK, Roderich; ROTHERMUND, Dictmar, ed., Emporia, Commodities and Entrepeneurs in Asїan Maritime Trade, Stuttgart, Franz Steiner, 1991.

SOUZA, Bryan, A Sobrevivência do Império: OsPortugueses na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991.

VIRAPHOL, Sarasin, Tribute and Profite: Sino-SiameseTrade, 1652-1853, Cambridge, Harvard University, 1977.

* Mestre em Estudos Luso-Asiáticos, variante História, pelo Instituto de Estudos Portugueses da Universidade de Macau.

desde a p. 95
até a p.