Antologia Documental

ITINERÁRIO DAS MISSÕES DA ÍNDIA ORIENTAL*

Fr. Sebastião Manrique

Sebastião Manrique, que nasceu no Porto em finais do século XVI, partiu para o Oriente antes de 1604, pois nesse mesmo ano professava em Goa no convento da ordem de Santo Agostinho. Em 1628 foi destacado para a missão que essa ordem mantinha na cidade de Ugulim, no reino de Bengala. Inicia então uma larga peregrinação por terras orientais, que o conduzirá nomeadamente a Bengala, ao Arracão, ao Japão, às Filipinas, à Cochinchina, a Macau, às Celebes e a Orissa. Da costa oriental do Industão, onde estanceia em 1640, resolve seguir por via terrestre para a Europa, continuando uma incan-sável vida de aventuras, aparentemente tão imprópria de um religioso. Em 1643, no término de um longo périplo, chega a Roma, onde permanecerá durante vários anos, como representante da sua Ordem, inici-ando então a redacção do relato das suas extensas viagens asiáticas.

O volumoso Itinerário de las Missiones de l'India Oriental foi pela primeira vez publicado em Roma, em 1649, em versão castelhana, com o propósito de atingir uma maior audiência. Apesar do seu estilo formal e pesado, a obra caracteriza-se pelo rigor das suas digressões geográficas, históricas e etnográficas, já que se baseia essencialmente nas vivências do autor, que era um observador atento e interessado das realidades exóticas com que durante tantos anos conviveu. Contudo, é provável que o missionário agostinho tivesse utilizado uma ou outra fonte escrita para amplificar as suas memórias, já que é possível detectar no Itinerário algumas analogias com outras obras coevas, e nomeadamente com a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (l.a edição: Lisboa, 1614), que inspirou parte do trecho aqui transcrito, relativo à fundação de Macau. Fr. Sebastião Manrique viria a falecer em 1669, na cidade de Londres, assassinado por um seu criado. O texto que aqui se transcreve, sobre Macau e o império chinês, é muito pouco conhecido e citado, talvez por vir incluído numa obra que aparentemente nada tem a ver com a China. A esta particu-laridade, já de si relevante, junta-se o facto de Fr. Sebastião citar explicitamente obras chinesas de histó-ria e de geografia que ouviu ler em Macau.

Fonte utilizada: MANRIQUE, Sebastião, Frei, Itinerário de Sebastião Manrique, edição de Luís Silveira, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1946, vol. 2, pp. 143-149. O texto foi traduzido do original castelhano. Acrescentam-se entre parênteses rectos algumas palavras que clarificam trechos mais obscuros.

Frontispício do Itinerario de las Missiones del lndia Oriental, de Fr. Sebastião Manrique, Roma, 1653.

CAPÍTULO 46

RELAÇÃO BREVE DO IMPÉRIO

DA CHINA E DAS PRIMEIRAS

FUNDAÇÕES QUE NELE TIVERAM

OS PORTUGUESES

Por mais pressa que os portugueses tivessem em largar para Macau, não conseguimos sair [de Faissó] antes de 29 de Maio do mesmo ano de 1639,1 num junco de um português de Macau, chamado Diogo Cardoso, que de tão carregado que ia tocou fundo à saída do porto, pelo que estivemos mais de seis horas martelando sobre umas restingas de caram, 2 que é uma pedra pouco mais dura que a pedra-pomes. Aqui permanecemos até que arrombaram toda a água que os particulares traziam em cima do convés nas costumadas barcas,3 com o que se con-seguiu pôr o junco a flutuar, e ao apontar da maré saímos, fazendo embora pouco caminho, por causa das calmarias. Esta circunstância impôs-nos algum temor, pois já nos ia faltando a água potável, por se haver derramado toda a dos particulares, como dis-se, e a água comum dos tanques não ser suficiente para suprir todas as necessidades. A falta de água não era o que me dava menos cuidado, pois tam-bém me preocupava o pouco caminho feito, já que por havermos saído tão tarde receava não encon-trar embarcação [de Macau para as partes do sul] naquela monção, por terem já todas partido.

Entre estes cuidados, foi Deus Nosso Senhor ser-vido que chegássemos a Macau a 12 de Junho, dia em que naquele ano caiu a Páscoa de Pentecostes. Chegado, pois, e sabendo que todas as embarca-ções já haviam partido, não perdi com isso o âni-mo, conformando-me, pois a tal era forçado pelas circunstâncias, e desembarquei em companhia de dois religiosos que me tinham vindo esperar, se-guindo depois para o nosso convento.4 Ao outro dia fui encontrar-me com o capitão-geral Dom Se-bastião Lobo da Silveira,5 para lhe dar os despa-chos que trazia do governador das Filipinas,6 o qual, depois de várias práticas, me disse que, uma vez que eu teria de ali invernar, haveria tempo para es-colher o caminho mais conveniente para prosseguir viagem. Com esta resposta, depois de ter tratado largamente de outros assuntos, voltei ao convento.

E já que neste tempo se interrompe a jornada, creio que não será grande desvio, por estarrnos em Ma-cau, sair da China sem antes tratar desta cidade e da respectiva fundação e princípio, assim como de algumas outras cidades que os primeiros portugue-ses fundaram neste enorme e vastíssimo império, do qual também tratarei de passagem. E não obstante alguns autores terem dele tratado,7 dizem contudo tão pouco para o muito que há a dizer, que julgo que o leitor não me acusará de supérfluo se também eu sobre esse império disser alguma coisa, já que nele entrei e naveguei pelas suas costas, ten-do igualmente tratado em Macau, nas Filipinas e na Cochinchina com muitos homens práticos chi-neses, alguns bem instruídos em suas letras e anti-guidades.

A primeiro povoação, pois, que os portugueses fundaram na China foi a cidade de Liampó, duzen-tas léguas avante de Macau, rumo ao norte.8 Esta, pelo seu grande trato e comércio, chegou a compe-tir com as principais cidades da Índia; mas por uma certa desordem foi destruída no ano de 1542, sendo vice-rei da Índia Martim Afonso de Sousa,9 e capi-tão de Malaca Rodrigo Vaz Pereira Marramaque.10 Os portugueses que escaparam das ruínas da arra-sada Liampó passaram-se para o porto de Chincheu, que se situava cem léguas mais abaixo, onde come-çaram a edificar uma povoação e a fazer os seus tratos e contratos.11 Aqui se mantiveram até ao ano de 1555, altura em que a contratação se passou para a ilha de Sanchoão, situada a seis léguas da cidade de Cantão.12 Daqui, a mesma contratação transfe-riu-se para a ilha de Lampacau, seis léguas adiante de Sanchoão, rumo ao norte, onde se manteve até ao ano de 1557. Nesse ano, os portugueses, a ins-tâncias dos queues, 13 ou mercadores do reino de Cantão, e do vice-rei ou tutão (em idioma sínico)14 do mesmo reino passaram-se para a ilha de Ma-cau,15 onde foram aos poucos fundando uma for-mosa cidade, tanto no sítio como na sumptuosidade dos templos e na nobreza do casario.16

Há nesta cidade uma igreja catedral, com o seu bispo e dignidades, e outras igrejas paroquiais, fora quatro conventos de religiosos mendicantes, a sa-ber, de Santo Agostinho, de São Domingos, de São Francisco e da Companhia de Jesus; há também um convento de monjas da Ordem Seráfica. Quanto ao governo temporal e secular, assistem nesta cidade, por ordem de Sua majestade sereníssima El-Rei de Portugal, um capitão-geral, um ouvidor e outros oficiais, do cível, do crime e da Fazenda real. E todos vivem tão seguros como se estivessem no meio de Portugal.

Esta cidade, nos seus princípios, esteve alguns anos sem muralhas nem fortificações, por respeito de se temerem os naturais dos portugueses, que poderiam fazer naquela ilha uma praça de armas, daí partindo para a entrada e conquista da China.17 [Os chineses], contudo, viram que os holandeses e os ingleses pretendiam assenhorear-se da ilha de Macau,18 tendo para o efeito ali aportado em 1622 com uma poderosa armada de grande e poderosas naus. Os portugueses, apesar de serem poucos, com a ajuda dos seus escravos e servidores, e também das suas mulheres, resistiram valorosamente a vá-rios assaltos, tendo, com a morte de poucos escra-vos, aniquilado mais de oitocentos holandeses. Es-tes tinham a presa por tão segura que, por excesso de sofreguidão e de cobiça, se desentenderam dos ingleses a propósito da repartição dessa presa, ten-do posteriormente, durante a fuga, recebido gran-des vaias e zombarias pela sua imprudente confi-ança.19

Considerando, pois, os governadores chineses da província de Cantão todas estas coisas, deram con-ta a seu rei do sucedido, e de como os portugueses de Macau eram boa gente, que não cuidavam mais que de seus tratos e contratos, o que não faziam os holandeses, que como ladrões e piratas infestavam os mares e o mundo, os quais, se se assenhoreassem daquela ilha, poderiam perturbar e roubar todas aquelas costas, causando danos irreparáveis. Com esta informação, logo o Grão-Chim20 concedeu li-vremente licença aos portugueses para que muras-sem e fortificassem a cidade, como achassem ne-cessário.

As terras desta grandíssima monarquia são tão férteis e copiosas em tudo o que se possa desejar, assim para regalo e prazer, como para conservação da saúde corporal, que parece que a natureza as dotou especialmente, vertendo nestas vastíssimas províncias o tesouro das suas prodigiosas maravi-lhas, na afabilidade do clima e no temperamento saudável, na limpeza e na suavidade dos ares, na polícia e na riqueza, no gosto e no aparato, na gran-deza das disposições e na enorme observância da justiça. E principalmente no governo tão igual, tão justo e tão cuidadoso, que nestas partes possui co-nhecidas vantagens sobre todas as outras nações, já que, por muito que outras a tentem igualar e imitar, todo aquele que tiver bastante conhecimento des-tas terras ficará sem fala ao considerar com quanta liberdade e largueza repartiu o divino e universal Criador com aquelas gentes os bens, dotes e abun-dâncias da terra.

Esta consideração causou-me amiúde uma grandíssima dor e um terrível sentimento, por sa-ber quão ingratos são aqueles bárbaros em relação a tantas mercês recebidas da liberal e poderosa mão do Senhor, pois continuamente o ofendem com grande imensidade de pecados, originados tanto nas suas irracionais e diabólicas idolatrias, como tam-bém nas suas sensualidades e torpezas, pois a abo-minação do pecado nefando não só a permitem publicamente na China, mas os próprios ministros infernais de seus ídolos e falsos sacerdotes de suas seitas a ensinam por grande virtude e obra meritó-ria, persuadindo [os homens] a dedicar-se a ela, com particularidades tais e com circunstâncias tão de-testáveis que não são para orelhas cristãs e católi-cas.21

Este regalo e delícia de terra, este melhor pedaço de todo o descoberto -- ou seja, a China-- está situ-ado debaixo do Trópico de Câncer, tendo uma costa marítima que se estende, de acordo com o cômputo dos cosmógrafos sínicos, por 570 léguas, desde o merídio ao ocaso. Pela parte do primeiro confina com o reino da Cochinchina, ou Tonquim, e pela parte do segundo confina com a grande Tartária, que circun-da a maior parte da China. Pela parte do poente con-fina com os reinos do Botente, ou Cataio, como al-guns querem que se chame.22 Pela quarta parte é a China circundada de uma estupenda e fortíssima muralha natural e artificial,23 que, segundo ouvi ler quando estava na China, numa crónica particular dos edifícios grandiosos daquele reino, no livro quinto, que trata desta muralha, foi edificada por um rei an- tigo, cujo nome me escapa, pois perdi alguns apon-tamentos que trazia de coisas curiosas,24 que, com outros bens, me foram confiscados pelos turcos em Damasco, a pedido dos judeus das alfândegas de Alepo, que nessa ocasião ali foram colocados pelo demónio.

Este rei, pois, incomodado pelas contínuas entra-das dos tártaros, pretendeu fechar com uma muralha toda a fronteira que dividia ambos os impérios;25 e convocando para o efeito cortes gerais na cidade de Nanquim, a elas acudiram procuradores de ambos os estados,26 oriundos de todas as cidades e povoa-ções ou vilas; e propondo-lhes a sua determinação, sublinhando a utilidade e a segurança que a respecti-va execução traria ao reino, esse ajuntamento consi-derou a obra de extrema importância, logo disponibilizando para tal dez mil picos de prata,27 que na nossa moeda são quinze contos de ouro, para além de fornecer duzentos e trinta mil homens para que de ordinário trabalhassem na obra, até esta estar concluída. Desta multidão de operários, trinta mil eram oficiais e mestres examinados. Reunidos os materais para esta máquina, logo se começou a obra, com tanta pressa e cuidado que em vinte e sete anos se fechou com uma muralha alta e elevada toda a fronteira entre os impérios sínico e tártaro, de uma ponta à outra, que, segundo referia o citado livro, tem 322 léguas de comprimento.28 Desta distância e número de léguas, 80 são artificiais, suprindo o arti-fício onde a natureza faltou, como no caso de alguns vales e aberturas, que foram nivelados com as ser-ras, até à mais alta e empinada de todas elas.29 E para a muralha ficar alinhada e agradável de con-templar, foram nivelando as serras e igualando-as, desde as suas fraldas, por meio de cordel e esquadria, cobrindo-as com o mesmo betume e a mesma arga-massa utilizados na muralha artificial, de maneira que à vista desarmada parecia toda uma.

Nesta obra, segundo a opinião do autor sínico que estou a seguir, no capítulo 11 do citado livro de his-tória, trabalharam continuamente setecentos e cin-quenta mil homens, sendo uma parte deles fornecida pelas povoações daquele estado, outra parte fornecida pelo estado eclesiástico e pelas ilhas de Ainão, e ou-tras duas partes fornecidas pelo imperador e pelos príncipes e senhores, a saber, chaéns, tutões, aitãos e mais juízes e governadores.30 Com o que fizeram esta muralha tão forte que, por excelência, lhe cha-mam os chineses Chamfau, que quer dizer "coisa forte e inexpugnável".31

Em todas estas 322 léguas de muralha não há mais que cinco entradas, pelas quais desaguam e passam os caudalosos rios que vêm da Tartária. Estes, com impetuosas e rápidas correntes, lançam-se daquelas serras e montanhas, e, correndo uma distância de 100 léguas, desaguam nos mares da China e da Cochinchina, pagando o respectivo tributo.32 Um des-tes rios, o maior e mais caudaloso, a que os naturais chamam Batampina, vai desaguar no império de Sornau, a que vulgarmente chamam de Sião, pela barra de Cui.33 Estas cinco entradas, que para passa-gem destes cinco rios foram abertas naquela dilata-da muralha, têm cada uma dois castelos, um do Grão-Chim e outro do Grão-Kan34 da Tartária. Cada um possui o seu castelo nos últimos confins dos respec-tivos domínios.

A crónica [chinesa] citada assinala que em cada um destes castelos estão aquartelados sete mil homens de guarda, além de seis mil infantes e mil cavalos, sendo a maior parte deles estrangeiros de várias nacionalidades orientais, como mogores, coraçones,35 persas, champas36 e gente de outras províncias mais vizinhas e que confinam com a China.37 Os chineses servem-se de nações estrangeiras por serem gente fraca e tímida, mais inclinada à libertinagem e à lascívia do que ao exercício marcial.38 Por toda a extensão desta tão gran-de muralha estão repartidas trezentas e vinte guarni-ções de quinhentos soldados cada uma, que totalizam 160 mil homens, sem incluir contadores, pagadores, co-missários e outros oficiais de justiça, como acompa-nhantes, guardas e servidores dos anchalis39 e chaéns, que governam tanto o povo como a demais multidão de gente que é necessária para tal serviço.

Poderia dar notícia de muitas outras coisas desta grande monarquia, baseado no que pude observar e também no que ouvi ler; mas são tão admiráveis, que não me atrevo a relatá-las. Contudo, pelas coi-sas que antecedem poderá o curioso e entendido leitor deduzir que, onde Deus distribuiu tão liberal-mente os bens deste mundo, não poderá deixar de haver coisas grandíssimas e incríveis, face à misé-ria da nossa Europa.

Frontispício dos Tratados Historicos, Politicos, Ethicos, y Religiosos de la Monarchia de China, de Fr. Domingo Fernández Navarrete, Madrid, 1676.

NOTAS

* l.a edição: Roma, 1649.

1 Fr. Sebastião, depois de uma visita a Manila, nas Filipinas, embarcara para a Cochinchina, onde residiu durante algum tempo na cidade de Faissó, que poderá ser identificada com Haifeng, no litoral do golfo de Tonquim.

2 Carão: ostra perlífera.

3 Sic. Tratar-se-ia provavelmente de pipas onde se conservava a provisão de água doce para a jornada.

4 O convento agostiniano de Macau foi fundado em 1589.

5 D. Sebastião foi capitão-geral de Macau entre 1638 e 1643.

6 Estava-se então na época da União Ibérica, o que explica que o governador das Filipinas, que então era D. Sebastián Hurtado de Corcuera (g. 1635-1644), enviasse despachos para Macau.

7 Fr. Sebastião poderia estar a referir-se ao Tratado das Cousas da China do dominicano Fr. Gaspar da Cruz (cf. supra, pp. 75 - 87) ou mais provavelmente à Historia de las Cosas Notables do seu correligionário agostinho Fr. Juan González de Mendoza (cf. supra, pp. 108 - 113).

8 Ainda hoje se discute a historicidade do célebre estabeleci-mento português de Liampó. Na realidade, parece estar pro-vado que os portugueses, entre cerca de 1540 e 1548, teriam participado na fundação de uma povoação desse nome, situ-ada na ilha de Shuangyu, no arquipélago de Zhoushan, fronteiro à cidade de Nimpó. A destruição deste entreposto, onde invernavam e comerciavam mercadores oriundos de variadas regiões extremo-orientais, foi levada a cabo em 1548, por ocasião de uma violenta campanha conduzida pelo vice-rei Zhu Wuan.

9 Martim Afonso de Sousa (1500-c. 1570), para além de ter explorado o litoral brasileiro na célebre expedição de 1530-1531, serviu a coroa portuguesa no Oriente durante longos anos, desempenhando as funções de governador do Estado da Índia entre 1542 e 1545.

10 Rui Vaz Pereira Marramaque foi efectivamente capitão de Malaca entre 1542 e 1544.

11 Os portugueses frequentaram assiduamente a região de Chincheu -- identificada a várias regiões do litoral da pro-víncia de Fuquiém -- desde cerca de 1530; mas nunca ali possuíram uma povoação estável, limitando-se antes a mon-tar acampamentos provisórios em ilhas desertas do litoral, durante a época dos contratos. A transferência de actividades para a região de Cantão datará antes de 1549.

12 De facto, cerca de trinta léguas separam Sanchoão de Can-tão.

13 Queves: palavra de etimologia controversa, que talvez deri-ve do chinês Guanghang, e que designa nas fontes portugue-sas do século xvII os grandes mercadores chineses de Can-tão.

14 Tutão (chinês dutang): vice-rei ou governador geral de uma província.

15 Muitos textos quinhentistas e seiscentistas referem-se erro-neamente à "ilha" de Macau.

16 A descrição de Fr. Sebastião Manrique coincide perfeita-mente com a versão dos factos apresentada por Fernão Men-des Pinto no capítulo 221 da sua Peregrinação (cf. supra, pp.143- 151).

17 As primeiras fortificações de Macau parecem ter sido construídas por Tristão Vaz da Veiga (cf. supra, pp. 128 -132 e 152-158).

18 As primeiras tentativas holandesas de assédio a Macau da-tam de 1601, altura em que duas embarcações comandadas por J. Van Neck rondaram o entreposto português.

19 Sobre este episódio, cf. supra, pp. 152 - 158.

20 O Autor utiliza a expressão "gran chino", certamente por analogia com a designação "Grão-Mogor", aplicada ao sobe-rano dos mogores.

21 As referências críticas às religiões e crenças chinesas são vulgares na pena dos escritores portugueses da época, pois as demonstrações de relativismo europeu sempre terminam na fronteira dos fenómenos religiosos. É difícil julgar a sinceri-dade de tais juízos, uma vez que todas estas obras, antes de chegarem ao público leitor, teriam de ser submetidas a uma severa censura eclesiástica, que zelava pela ortodoxia das ideias publicitadas. Entre tantas outras acusações, os missio-nários deram especial ênfase ao "pecado nefando", a sodomia, que, alegadamente, estaria muito difundido no Celeste Impé-rio. De acordo com a moderna historiografia, as práticas ho-mossexuais masculinas, na realidade, embora não fossem especialmente cultivadas, eram toleradas pelos chineses.

22 Isto é, o Tibete.

23 A célebre Muralha da China.

24 Repare-se que, durante as suas jornadas orientais, Fr. Sebas-tião foi redigindo algumas notas sobre "coisas curiosas". E que, durante a estada em Macau, ouviu ler livros de história chineses.

25 A Muralha foi primeiro consolidada pelo imperador Qin Shi Huang Di, que reinou entre 221 e 206 a. C.

26 "Estados" tem aqui o sentido de "agrupamentos sociais", referindo-se decerto ao povo e aos mandarins. Fr. Sebastião, desconhecendo os mecanismos específicos do governo chi-nês, introduz uma curiosa analogia com a situação em Portu gal, onde o monarca convocava mais ou menos regularmente cortes gerais, onde tinham assento representantes dos três "estados", o povo, o clero e a nobreza.

27 Pico: medida de peso oriental, equivalente a 61 kg.

28 A Muralha da China tem cerca de 6000 km de extensão.

29 Durante a dinastia Ming, a Muralha da China, que era cons-tituída por uma série de fortificações mais ou menos sequenciais, estendia-se desde o golfo de Zhili, a oriente, até às proximidades da cidade de Jiayu, a ocidente.

30 Chaém (chinês chayuan): o mesmo que "ceui", censor in-vestido em funções de comissário itinerante; aitão (chinês haidao): comandante da guarda costeira, com jurisdição so-bre os estrangeiros.

31 A Muralha é designada em chinês Wanli Changcheng.

32 Os conhecimentos hidrográficos de Fr. Sebastião de Manrique, assaz fantasiosos, terão sido alimentados sobretu-do pela leitura da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.

33 Fr. Sebastião segue novamente a lição de Fernão Mendes Pinto, o único dos nossos tratadistas de Quinhentos a referir-se ao rio de "Batampina", que tem sido identificado pela crítica histórica com o Grande Canal, designação atribuída a um conjunto de canais que cobrem vastas regiões da China cen-tral e oriental.

34 O vocábulo "cã" ou "cão", que na literatura europeia medi-eval designava os príncipes mongóis, continuou durante muito tempo a ser atribuído aos soberanos tártaros.

35 Os coraçones eram oriundos de Coração, uma antiga pro-víncia persa.

36 Os champas vinham do Champa, designação atribuída a um antigo reino indochinês que ocupava parte do território do actual Vietname.

37 O exército chinês, de facto, recorria amiúde aos serviços de mercenários ou de prisioneiros estrangeiros, sobretudo nas regiões fronteiriças. Outros autores portugueses, como Fr. Gaspar da Cruz e Fernão Mendes Pinto, documentam igual-mente este facto.

38 Este juízo negativo, que encontramos em outros textos da época, parece entrar em contradição com o facto de variadas artes marciais serem de incontestada origem chinesa.

39 Anchali ou anchaci (chinês anchashi): juiz provincial.

desde a p. 189
até a p.