Antologia Documental

ALGUMAS COISAS SABIDAS DA CHINA*

Galiote Pereira

Galiote pereira era um fidalgo da Casa Real, filho do alcaide-mor de Arraiolos, e embarcara para o Oriente na armada de 1534. Cinco anos mais tarde estava em Malaca, ao serviço de Pêro de Faria, homem com grande experiência ultramarina, que fora assumir a capitania daquela praça pela segunda vez. Dadas as ligações deste capitão aos negócios da China, é provável que Galiote Pereira, nos anos seguintes, se tivesse dedicado a actividades mercantis nos mares do Extremo Oriente. Em 1548 embarcou em Malaca no navio de Diogo Pereira, um riquíssimo armador português que tencionava rumar ao litoral da China, para ali tentar vender dois juncos carregados de mercadoria. A situação que então se vivia na faixa costeira das províncias de Chequião e Fuquiém era assaz confusa, sendo o ambiente pouco favorável aos nossos mercadores, já que a armada imperial desencadeara uma violenta campanha contra a pirataria estrangeira.

Num desenlace repentino, a tripulação dos dois juncos de Diogo Pereira foi aprisionada pelas autorida-des chinesas em 1549, sendo os sobreviventes do recontro que então teve lugar conduzidos à cidade de Fuzhou, para serem submetidos a julgamento sumário. Entretanto, o governo provincial parece ter exer-cido represálias demasiado violentas sobre a navegação estrangeira e sobre os prisioneiros, originando um movimento de protesto nos meios chineses tradicionalmente ligados ao comércio externo. A curto prazo, uma comissão de inquérito oriunda de Pequim esclareceu toda a situação, castigando funcionários excessivamente zelosos e aliviando a situação de cativeiro de muitos dos portugueses envolvidos no processo.

Galiote Pereira viveu todos estes acontecimentos, pois fazia parte do grupo de cativos portugueses. Uma vez concluído o inquérito imperial, ele e mais alguns companheiros foram condenados a dester-ro interno na província de Guangxi, para onde foram oportunamente transferidos sob escolta, tendo desta forma contactado com regiões do interior da China que nunca haviam sido visitadas por portu-gueses. O nosso homem parece ter residido algum tempo na cidade de Guilin. Mas, como gozava então de uma relativa liberdade de movimentos, acabou por empreender a fuga, graças à cumplicida-de de intermediários chineses, chegando em princípios de 1553 à ilha de Sanchoão, onde então se desenvolviam todos os contactos mercantis sino-portugueses.

Alcançada a liberdade, Galiote Pereira rumou então à Índia, por onde se manteve nos anos seguintes, exercendo diversos cargos no funcionalismo régio. Entretanto, em data incerta e talvez a instâncias dos padres jesuítas, preparou um extenso relato das suas andanças chinesas, que logo seria amplamente difundido pela Companhia de Jesus, que, depois da morte do padre Francisco Xavier precisamente na ilha de Sanchoão, devotava agora uma intensa atenção à China, considerada como uma das mais urgentes metas missionárias. O tratado Algumas Coisas Sabidas da China, para além de relatar as desventuras dos prisioneiros portugueses, apresentava uma atenta e bem informada descrição de muitos aspectos da realidade chinesa. Galiote Pereira, para além de ser um observador interessado, parece ter ficado bastante bem impressionado com o Celeste Império, que se compraz em elogiar amiúde ao longo do seu relato, distinguindo positivamente os chineses de todos os outros povos orientais até então contactados pelos portugueses. A obra do fidalgo-mercador só muito recentemente foi publicada em Portugal na íntegra. O trecho aqui transcrito refere-se sobretudo ao sistema judicial chinês, que Galiote Pereira teve oportunidade de conhecer em primeira mão, durante o seu cativeiro em terras da China.

Fonte utilizada: PEREIRA, Galiote, Algumas Cousas Sabidas da China, edição de Rui Manuel Loureiro, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Ministério da Educação, 1992, pp. 29-36. Transcrição parcial. Acrescentaram-se algumas palavras entre parênteses rectos, a fim de resolver eventuais dúvidas de leitura, e modificou-se ligeiramen-te a pontuação.

Prisioneiros chineses, in CRUZ, Gaspar da, Tratado em que se Contam Muito por Extenso as Coisas da China, tradução japonesa de Hiroshi Hino, Tóquio, 1989, p. 308.

[ALGUMAS COISAS SABIDAS DA CHINA]

[...]

Agora direi a maneira e estilo que os chineses têm em o fazer de sua justiça, para que se saiba a vantagem que nos estes têm sendo gentios, e nós cristãos, tanto ou mais obrigados a fazer a verdade e direito.1

Como este rei da China está sempre na grande cidade de Pequim e o reino seja tamanho, está todo repartido em províncias, como fica dito, as quais são governadas por governadores e regedores à maneira de cônsules. E são postos uns e tirados outros tantas vezes que não têm nunca tempo para criar malícia. E ainda, para terem seus reinos mais seguros, os louteas2 que hão-de governar em uma província hão-de ser [naturais] doutra muito longe, na qual deixam mulheres e filhos e quanto têm, não levando consigo para onde vão governar mais que suas pessoas. Mas em chegando acham tudo o que lhes é necessário, assim casas e aparato delas e a gente para seu serviço, em tanta perfeição e abas-tança que não têm necessidade de nada. E assim, além d'el-rei ser bem servido, está seguro de [não haver] nenhum alevantamento.

Há em cada cidade destas que são cabeças das províncias quatro louteas principais a que vêm os negócios de todas as outras cidades a ela sufragâneas e assim de toda a província. E [existem também] muitos outros louteas, assim para as coisas de jus-tiça como para arrecadação das rendas, e vão dar conta a estes grandes; e assim para olharem a cida-de, que se não façam males, cada um aquilo que lhe cabe em sorte, que geralmente todos prendem e açoitam e dão tratos, por ser coisa entre eles muito geral, que se faz por castigo e não se tem por de-sonra.3

Têm estes louteas tamanha providência em pren-der ladrões, que de maravilha4 nas cidades, vilas e lugares pode escapar nenhum. E assim no mar ao longo da costa prendem muitos, os quais como são tomados em tal hábito depois de muito cruamente açoitados são metidos em um tronco onde à fome e ao frio em muito poucos dias todos morrem. E des-tes até este tempo de nosso cativeiro teremos visto morrer mais de sessenta.5 E se algum escapa por ter alguma maneira de comer, vêm por tempo a meterem-no na conta dos condenados a quem el-rei dá de comer, como contarei adiante.

São os açoites destes homens uns pedaços de bam-bus partidos pelo meio, afeiçoados para aquilo; não ficam agudos mas rombos, e dão-nos nas coxas, digo, nas curvas [das pernas]. Deitam um destes açoitados no chão e alevantam a cana com ambas as mãos; dão tão grandes açoites que espantam quem os vê da crueza deles. Dez açoites tiram muito san-gue, e se são vinte ou trinta ficam as curvas todas despedaçadas; e cinquenta ou sessenta há-de estar um homem muito tempo em cura; e se é [um] cento não tem nenhuma [cura], mas morre disto. Isto se são dados a quem não tem que peite a estes algozes que os dão.

Têm estes louteas, que nos pareceu bem em ex-tremo, que quando é levado perante eles algum ho-mem a quem se hajam de fazer algumas perguntas são-lhe feitas publicamente naquele grande auditó-rio que cada um tem em sua casa, ainda que o caso seja quão grave possa ser. E desta maneira se hou-veram sempre connosco. E por esta via não pode haver testemunhas falsas, como entre nós se acha cada dia; pela qual causa correm muitas vezes risco as vidas, fazenda e honra dos homens, por estar posta na mão de um escrivão de má consciência.6

Entre mouros e gentios e judeus tem cada um sua maneira de juramento, os mouros nos seus moçafos,7 os brâmanes em suas linhas,8 os judeus em sua Tora;9 e assim toda a outra gentilidade,10 cada uma naquilo que adora. Estes chineses, em caso que também jurem, [juram] pelo céu, pela lua e pelo sol e por seus ídolos. Em juízo não usam de nenhu-ma maneira de juramento, senão [que], como um homem é preso por qualquer delito, com qualquer pequeno indício é logo posto ao tormento; e assim mesmo as testemunhas que a parte apresenta, se não querem dizer a verdade ou se [se] encontram em alguma coisa,11 de maneira que se não pode escon-der em nenhum modo a verdade. E ainda que digo que atormentam as testemunhas, tiro os que acer-tam de ser homens honrados e de crédito, porque a estes dão-lho [crédito]. Mas [a]os outros, que o não são, fazem dizer a verdade a poder de tormentos e açoites. E quanto a perguntarem-se as testemunhas em público, além de não se confiarem no juramen-to de um homem a vida e honra do outro, faz-se outro bem, que, como nestes auditórios está conti-nuamente gente e ouvem o que dizem as testemu-nhas, não pode escrever-se senão a verdade, e desta maneira não há poderem-se falsear as devassas, como se faz entre nós, porque como o que as teste-munhas dizem não sabem senão o inquiridor e o escrivão, tanto pode ser o dinheiro, etc. Mas nesta terra, além de terem no tirar de suas devassas esta ordem, temem tanto o seu rei e ele donde está trá-los tão subjugados que não usam em nenhuma for-ma bulir consigo. De maneira que estes homens são únicos no fazer de suas justiças, mais do que foram os romanos nem outro nenhum género de gente.

Outra coisa têm estes homens, e é que, por gran-des que sejam, todo o feito que vai diante deles, como é grave e de importância, tendo tantos escrivães como têm, eles mesmos o são sem se que[re]rem fiar senão de si mesmos.

Têm assim outra coisa muito de louvar, que em suas audiências são em extremo sofridos,12 sendo homens tamanhos em dignidade, que sem mentira se pode dizer deles serem príncipes. E sendo estes que digo, e nós pobres estrangeiros levados diante deles muitas vezes, lhes dizíamos o que queríamos e que tudo o que escreviam eram mentiras e falsi-dades, nem nos pormos compostos diante deles se-gundo seu costume, e eles a tudo [suportavam] com tanta paciência e sofrimento que nos faziam espan-tar, pelo pouco que sabemos que sofrem qualquer ouvidor ou juiz entre nós, que, tirada a vara de cada um deles, podem muito bem servir a cada um des-tes que digo; não falando no ser[em] gentios, que claro está que não se pode pôr um cristão a servir um gentio.13 E quanto a serem gentios, não sei outra prova melhor para que louvar a sua justiça que ser-nos guardada a nossa, sendo cativos e estrangei-ros..14 Porque em qualquer terra de cristãos [em] que assim foram tomados uns homens como nós, não conhecidos, e que tiveram contra si quaisquer partes, eu não sei que feito pudera ser o dos márti-res, quanto mais nesta [terra], sendo como é de gen-tios e tendo contra nós dois homens dos grandes desta terra15 e tantos inimigos por sua causa deles, e sem língua,16 nem nós não na sabermos. E no cabo [do processo judicial] vermos prender estes grandes, depostos dos seus cargos e honras e pre-sos por amor de nós; e, segundo diz o povo, que não escaparão de lhe[s] cortarem a cabeça a cada um deles. Ora veja[-se] se fazem justiça ou não.17

As leis desta terra direi as que pude alcançar. Prin-cipalmente a ladrões e matadores não perdoam de nenhuma maneira. E assim [também] a qualquer acusado por adultério, antes assim ela como ele são presos, e provado o malefício condenam-nos à morte, mas hão-de ser acusados pelo marido dela. E a maneira que se tem com os homens e mulheres tomados neste acto é esta [que digo]. Os que são tomados em hábito de ladrões ou de matadores, como já tenho dito, são metidos em um tronco,18 aonde à fome e ao frio são em muito pouco tempo mortos. E se algum destes escapa por ter que comer e que peitar ao tronqueiro, corre o seu feito e vai à corte, donde vem julgado [e condenado] à morte. A qual sentença vinda e publicada, tomam o conde-nado em público e com um pregão que dão muitos homens juntos, muito temeroso, lançam-lhe ferros nos pés e nas mãos, e depois disto uma tábua ao pescoço. E [a tábua] é desta maneira: será de um palmo de largo e posto um homem em pé dar-lhe-á pelos joelhos; esta tábua é fendida em duas partes, em uma das pontas obra de um palmo de vão; fa-zem-lhe ali a feição do pescoço, que venha a tábua pouco mais de justa, e depois de acertado põem-lha no pescoço, e junto[s] os dois pedaços com o tron-co pregam-na, de maneira que lhe fica do pescoço para riba um palmo e para baixo que lhe dará pelo pescoço.19 Nesta tábua que cai para diante escre-vem-lhe ali a sentença em letras grandes, e por que [razão] está condenado à morte. E acabada esta cerimónia metem-no num grande tronco em com-panhia dos outros condenados, a quem el-rei dá de comer até que chega a hora de cada um. E é desta maneira esta tábua um grande tormento, porque não pode um homem dormir nem comer, porque as mãos ficam debaixo da tábua com algemas nas mãos, e não há poder viver.20

Há nestas cidades que são cabeças das províncias, como já atrás fica dito, quatro casas principais em que há troncos e um principal e maior de todos na quarta casa, que é a do tarfu. 21 E ainda que em uma cidade destas há muitos troncos, somente nas três destas há homens condenados à morte. Os quais, tanto que o são, segundo se hão devagar com eles, dizíamos que os tinham ali em viveiro; porque ainda que cada dia tantos matem à fome e ao frio, como neste nosso tron-co víamos morrer, ordinariamente por justiça não matam senão um só dia no ano, e é desta maneira.

O chaém,22 que é o regedor com alçada, em cabo de seu ano acode sempre à cidade que é a cabeça [de província], onde sem embargo destes homens já serem condenados torna [a] ouvi-los todos no-vamente, e muitas vezes alguns destes vêm por esta via a ter recurso, dizendo o chaém que lhe foi mal lançada aquela tábua. E acabada assim a correição com todos, escolhe entre todos os mais culpados sete ou oito, ou mais ou menos, segundo é bem inclinado ou mal, os quais, para terror e espanto da gente, são lançados a um grande cam-po onde são juntos todos aqueles louteas grandes. E depois de passadas grandes cerimónias e idola-trias, segundo seu costume, são-lhes cortadas as cabeças. E como isto é um só dia do ano, os que escapam daquele dia ficam aquele ano seguros naquele grande tronco, onde lhes dão de comer à custa d'el-rei. E neste nosso tronco, como era o principal, havia sempre cento e tantos, afora os que há pelos outros.

Este tronco e estoutros onde há destes condena-dos são tão fortes que não se acha que nunca fugis-sem presos na China, e é impossível. A maneira de seus troncos é um grande encerramento cercado de muro alto e forte com seu espigão por cima. Aca-bando de entrar neste encerramento, antes de se ver o tronco, fica fechado de três portas, e por fora des-ta cerca outra de madeira, também muito forte. E dentro, porque há grandes aposentamentos, assim dos louteas como dos escrivães e portoãos,23 que são os que vigiam de noite e de dia, um muito gran-de pátio muito bem lajeado. E logo de uma das ban-das deste pátio se começa um tronco que se fecha com duas portas muito fortes, de homens presos por casos cruéis. E este é tamanho que há nele ruas e praças onde se vende tudo o [que é] necessário. E há presos que em comprarem e venderem ganham sua vida, e outros que dão camas por dinheiro. E como este [tronco] é tamanho que não fazem cada dia senão prender e soltar, nunca faltam nele sete-centos ou oitocentos homens. Andam estes sem nenhuma prisão.24

Há logo os outros [encerramentos] dos condena-dos a que se entra por três portas muito baixas, todas de ferro, em revés umas das outras, e um grande pá-tio todo lajeado, feito em varandas em quadrângulo, descoberto no meio à maneira de crasta,25 em que há oito casas com as portas para estes alpendres, to-das de ferro. As quais casas são desta maneira: por cada uma dois bailéus de tabuado,26 ficando pelo meio uma coxia larga, em que se deitam todos à noi-te: e depois de deitados fecham-lhes os pés nos tron-cos que correm de longo. E assim fechados, fecham-lhes em cima umas grades de pau muito grossas; não podem nem estar assentados. Assim estão como em capoeira, dormindo quem pode até ao outro dia, que lhes vão abrir [estas prisões] para poderem sair para o pátio e a fora. [N]esta prisão que é tão forte são vigiados com gente dentro em cada casa e outros fora no pátio e outros por derredor com lanternas e cam-painhas, os quais vigiam respondendo uns aos ou-tros; e rendidos os quartos, que são cinco na noite, são rendidos [com gritos] tão altos que os ouve o loutea na cama onde jaz. E há neste tronco dos con-denados homens de quinze a vinte anos presos, e não acabam de os matar, por aderências de parentes hon-rados que lhes vão assim sustentando as vidas.27 E são geralmente sapateiros, e juntamente com o arroz que têm d'el-rei, que é ainda mais do que hão mister, negoceiam-se com o tronqueiro, o qual os deixa an-dar sem tábuas e ferros nas mãos, para poderem vi-ver e ganharem suas vidas. Mas ao tempo que são contados pelo loutea, tronqueiro e escrivão, hão-de aparecer com todas [as] suas insígnias, que são tábu-as nos pescoços [e] ferros nos pés e nas mãos. E se por acaso morre um destes, há-de ser visto pelo loutea e escrivão depois de ser tirado fora por uma porta de ferro tão pequena que não cabe mais que um homem deitado e a rasto, e como é da outra banda, toma um daqueles portoãos um pau ferra-do quanto pode alevantar e dá-lhe com ele três pan-cadas. E com esta experiência feita deixam-no por morto aos parentes, se os tem; e se não, há ho-mens que paga el-rei que os levam fora a enterrar ao campo.

NOTAS

* Ms., Goa, c. 1555.

1 Galiote Pereira elogia aqui abertamente o sistema judicial chinês, comparando-o em termos de superioridade à justiça praticada na Europa.

2 Loutea, ou loutia (chinês laodie): literalmente, "venerável pai", uma das designações atribuídas aos mandarins chine-ses.

3 Esta afirmação de Galiote Pereira é justificada pelo facto de em Portugal, na mesma época, a justiça não admitir a aplica-ção de castigos corporais a determinados estratos sociais.

4 Isto é, "dificilmente".

5 Esta passagem do tratado parece ter sido escrita por Galiote Pereira ainda durante o seu cativeiro na China. É natural que o prisioneiro português tivesse então tomado algumas notas, que mais tarde foram utilizadas na composição da sua rela-ção. Os "ladrões do mar" a que se refere o nosso autor seriam certamente wokou, bandos de piratas multinacionais, e so-bretudo japoneses, que ao longo de todo o século xvl infesta-ram o litoral chinês.

6 Nova crítica ao sistema judicial português. Galiote Pereira parece ter ficado extremamente bem impressionado com o modo como o grupo de prisioneiros portugueses foi tratado pela justiça chinesa.

7 " Moçafo": volume ou livro, termo árabe que aqui é aplicado ao Corão, livro sagrado do Islão.

8 Brâmanes são membros da casta sacerdotal hindu, que usam um cordão triplo à tiracolo — a " linha" dos autores portu-gueses do século xvl —, da esquerda para a direita, como sinal da sua iniciação.

9 "Tora" é o nome hebreu do Pentateuco, conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento, cuja autoria era tradi-cionalmente atribuída a Moisés.

10 "Gentios" eram todos os povos que não seguiam nenhuma das grandes religiões monoteístas (cristianismo, islamismo e judaísmo).

11 Isto é, "se se contradizem".

12 Isto é, "tolerantes, pacientes".

13 Galiote Pereira tem uma visão totalmente positiva da reali-dade civilizacional chinesa, apenas colocando restrições de carácter religioso à igualdade antropológica entre portugue-ses e chineses.

14 Galiote Pereira refere-se à prisão dos portugueses que viaja-vam nos juncos de Diogo Pereira, sob pretexto de se dedica-rem à pirataria no litoral da China, e ao subsequente proces-so judicial que conduziu à parcial absolvição da maior parte deles pela justiça chinesa.

15 O autor refere-se ao vice-rei Zhu Wan, responsável pela cap-tura dos portugueses, que na sequência do processo foi acu-sado de abuso de autoridade, acabando eventualmente por se suicidar.

16 Isto é, "sem intérprete".

17 Após um atribulado processo judicial, quase todos os portu-gueses foram absolvidos dos crimes de pirataria de que eram acusados. Em compensação, os funcionários chineses respon-sáveis pela prisão e ilegal condenação dos portugueses fo-ram sentenciados a pesadas penas pela comissão imperial de inquérito.

18 Isto é, "prisão".

19 Leia-se "pelos joelhos", pois trata-se de um lapso do copista.

20 Esta é uma das mais antigas descrições europeias da canga chinesa. A designação correcta deste instrumento de suplício seria "cangue". Ao contrário do que já tem sido sugerido, não há qualquer prova de que esta palavra derive da "canga de bois" portuguesa; o étimo parece an-tes ser o anamita gang.

21 Galiote Pereira refere-se provavelmente ao "taissu" (taishi), director provincial das prisões.

22 Chaém (chinês chayuan): comissário imperial itinerante, enviado anualmente de Pequim às províncias em visita de inspecção.

23 Talvez este termo derive do chinês buding, designação colo-quial dos polícias locais ou guardas prisionais.

24 Isto é, "sem ferros nos pés ou nas mãos".

25 Leia-se "claustro".

26 Bailéu: estrado móvel de madeira.

27 Os parentes dos presos mantinham-nos vivos através de su-bornos oferecidos aos guardas prisionais.

desde a p. 51
até a p.