Literatura

MULHERES NOS RELATOS DE VIAGENS DAS DESCOBERTAS A ESPECIFICIDADE DAS VOZES FEMININAS NA PEREGRINAÇÃO DE FERNÃO MENDES PINTO

Ana Paula Laborinho*

1."Nós cá tudo passamos, experimentamos e ve-mos"

(Tomé Pires)

O ciclo das descobertas deu origem a um conjun-to heterogéneo de textos que relatam a aventura da ex-pansão: não apenas o deslumbramento perante novas ter-ras e gentes, mas também as dificuldades e incertezas da viagem.

Estes relatos recortam-se em tonalidades várias; da euforia da descoberta ao temor da perda aparecendo Deus como sujeito omnipresente, aquele que protege e decide e cuja vontade estes homens aceitam.

De forma muito genérica, é este o quadro de referência destes textos que, embora de valor e interesse desigual, constituem uma importante infracção ao modo de escrita canónico: apresentando-se como relatos de experiências vividas, colocam-se sob o signo da autenti-cidade e da verosimilhança, além de que a narrativa do novo não encontra modelo que possa imitar. Contem-porânea de uma literatura que afirmava a pujança dos modelos e que se construía na sua imitação e superação, esta outra forma de escrita não podia ser considerada literária, não só pelo seu imediato valor documental, mas por essa ausência de modelo que dela fazia uma "tosca e rude escritura" como diz Fernão Mendes Pinto.

Os relatos de viagens apresentam-se, pois, como importante inovação relativamente aos seus antecedentes: ao contrário das grandes viagens míticas que fundamen-tam a tradição ocidental (do êxodo bíblico às longas deambulações de Gilgamesh e de Ulisses), e também ao contrário das viagens maravilhosas da Idade Média (da navegação de São Brandão ao itinerário de Mande-ville),1 as viagens da expansão confrontam-se com um mundo empírico que a escrita procura recortar conduzi-da pelo movimento do olhar. Mas se o domínio do vi-sual é um tópico essencial em todo o Renascimento, no caso destes relatos, apresenta-se como um princípio que subverte o conceito de imitação visto que, em vez de co-piar os antigos, a escrita constrói-se em torno da in-tenção de textualizar o mundo, quer dizer, simular o real.

Houve em Portugal, à semelhança da Europa, um movimento humanista de reabilitação dos autores clássi-cos e que resultou em grande parte dos contactos dos nossos artistas, pensadores, escritores e até cientistas pri-meiro com a Itália e depois com a França; mas, a par dessa vertente humanista e clássica que produziu aquilo que é mais conhecido como "literatura do Renascimen-to", os descobrimentos levaram a uma radical modelação da mente nacional que alterou de forma significativa a relação com a herança clássica.

João de Barros, cronista da época, escreveu numa das suas obras (Ropicapnefma, 1532) que se Ptolomeu, Estrabão, Plínio e Galeno pudessem voltar à vida, os descobrimentos dos portugueses os envergonhariam e confundiriam quando vissem que as partes do mundo que eles conheciam eram maiores do que as três em que os antigos as haviam dividido. E termina o seu comen-tário com o seguinte reparo jocoso sobre os erros dos geógrafos da Antiguidade:

"E o mais confuso seria Ptolomeu, em a gradu-ação das suas tavoas: porque como passa de Alexandria, pinta-as com aquela licença que Horácio dá aos pintores e poetas."2

Esta e outras reflexões incluídas nas obras da época revelam que os autores contemporâneos dos descobrimentos têm a consciência da oposição entre o saber livresco, a lição dos antigos, e a experiência dos modernos, embora tal não tenha implicado um imediato repúdio da ciência tradicional que até aí era apenas apreendida através do que os livros diziam. Deste modo, assiste-se a uma tentativa para combinar o argumento da autoridade e o argumento da experiência, ainda que esta se apresente como prova irrefutável e meio de aquisição da verdade. É esse ponto de vista que está presente nas célebres palavras do marinheiro-sábio Duarte Pacheco Pereira que no Esmeraldo, obra do princípio do século XVI (1505-1508), nos diz que "a experiência é a madre de todas as coisas" 3

A constatação de Pacheco Pereira tornou-se uma divisa do experimentalismo português caracterizado pela falta de um método científico que comprovasse os dados experimentados. Apesar dos erros que resultaram desta euforia do "ver claramente visto", o contributo do expe-rimentalismo português permitiu um assombroso alarga-mento de informação, além da correcção de muitas das concepções geográficas (e sobretudo míticas) que circu-lavam desde a Antiguidade, o que levou Pedro Nunes, um dos mais importantes físicos e matemáticos da épo-ca, a concluir que "os portugueses tiraram-nos muitas ignorâncias".

Poderíamos continuar a citar autores e documen-tos reveladores do conflito entre antigos e modernos e, em particular, o imenso espanto que resultou da verifi-cação de que a terra era diferente das descrições antigas que haviam constituído autoridade no período medieval.

Os descobrimentos permitiram a abertura do mundo, o que revoluciou a concepção do espaço e do tempo. Não se tratou apenas de um alargamento da geo-grafia da terra e uma maior precisão dos seus contornos. Aquilo que se alterou foi a posição do homem no mundo: a circularidade mostrava que o universo era só um e o género humano embora diverso participava desta mesma unidade. Deste modo, a visão mágica e fabulosa que vinha da Antiguidade é substituída por uma outra onde predomina a representação espectacular (no seu sentido de maravilhamento do olhar) e que nos é dada através de um conjunto de textos que têm em comum o deslumbramento diante das descobertas.

A par de uma literatura que podemos designar como científica pela preocupação de registo objectivo, surgem outros relatos de viagens em que, além dos inci-dentes do percurso, o viajante deixa correr os olhos ao longo das costas e descreve o contorno das novas terras e gentes, num renovado espanto perante a sua estranheza mas também a sua semelhança. Afinal, os lugares encon-trados não são o fim do mundo abissal e os seres que os povoam não são os monstros anunciados, mas humanos como os descobridores — longo pasmo e motivo de reflexão sobre a unidade e diversidade do homem.

Além disso, existindo uma grande preocupação informativa, estes relatos constroem-se em função de um leitor, pelo que a minúcia descritiva está quase sempre dependente da novidade do lugar. Quer isto dizer que estas narrativas se caracterizam pela sua complementari-dade: à medida que as viagens exploratórias avançam, os relatos reduzem ou omitem o percurso conhecido para se dedicar ao que ainda não foi explorado. E, após o reco-nhecimento das rotas e margens, é a exploração das ter—ras que importa, pelo que a descrição — a grande pin-tura — se sobrepõe à narração, como é o caso limite do Tratado das coisas da China, de Frei Gaspar da Cruz, onde a viagem está elidida. Deste modo, os relatos pos-teriores servem-se dos anteriores para descrever paisa-gens e caminhos conhecidos, assim se estabelecendo uma forte relação intertextual.

Note-se ainda que a heterogeneidade destes rela-tos (crónicas, roteiros, diários de bordo, cartas, descri- ções de terras) é unificada pelo seu forte articulado deíc-tico: a descrição é determinada por um percurso/viagem pelo que a narrativa temporaliza o espaço estabelecendo-se uma intensa correlação entre descrição e narração.

Deste modo, os relatos de viagens constituem, como sublinhamos, uma imensa aventura poética pela procura de palavras que digam aquilo que o olhar desco-bre e, nesse sentido, se apresentam como invenção de linguagem que não tem modelos para copiar. Contudo, privados de modelo, estes relatos apropriaram-se de mo-delos vários e, por isso, neles vemos confluir uma mul-tiplicidade de géneros, alguns deles que transitaram da Idade Média.

Esse também um dos aspectos mais curiosos destes relatos: é que a intenção realista confronta-se com uma mundividência ainda dominada pela lenda e pela ideia de fabulosos mundos e, por isso, os navegantes des-crevem o que julgam ver na limitação que o seu mundo interior lhes propõe. Assim, mais do que a descoberta e informação sobre paisagens e gentes, aquilo que perpas-sa nestes textos é uma ilusão do real assim lida também pelos leitores da época para quem estes novos mundos, ainda que verdadeiros, se apresentavam como fabulosos.

2. "Suas mulheres andam muito bem atavi-adas..."

(Tomé Pires)

Serviu este intróito para circunscrever algumas questões que configuram estes relatos — sobretudo o peculiar trânsito entre realidade e imaginário — enquan-to resultado dessa obsessão do olhar e modo como a es-crita o procura devolver. Ora, também as imagens de mulheres se recortam nesta duplicidade que oscila entre o claramente visto e um olhar condicionado por um tem-po e pelas limitações que a escrita lhe impõe. Tal acon-tece com as figuras femininas das novas terras encon-tradas que aparecem como um dos traços recorrentes de caracterização da paisagem.

Álvaro Velho, na Relação da primeira viagem à Índia pela armada chefiada por Vasco da Gama, um dos primeiros relatos da época, escrito entre 1497 e 1499, à medida que conta os incidentes do percurso, passeia o olhar espantado pela costa descrevendo paisagem e gentes. O narrador recorre várias vezes à comparação para tornar mais próxima a novidade da terra como acontece na descrição do rio de Santiago:

"Nesta terra há homens baços, que não comem senão lobos marinhos e baleias, e carne de gazelas, e raí-zes de ervas; e andam cobertos com peles e trazem umas bainhas em suas naturas. E as suas armas são uns cornos tostados, metidos em umas varas de zambujo; e têm mui-tos cães, como os de Portugal, e assim mesmo ladram. As aves desta terra são assim mesmo como as de Portu-gal: corvos marinhos, gaivotas, rolas e cotovias e outras muitas aves."4

O mesmo acontece na descrição da angra de São Brás:

"Os bois desta terra são muito grandes, como os do Alentejo, e muito gordos, à maravilha, e muito man-sos; e são capados e, deles, não têm cornos. E os negros, àqueles que são mais gordos, trazem-lhes umas albardas de tábua, assim como as de Castela, e uns paus, assim como andas, em cima da albarda, e andam em cima deles."5

Inserida na paisagem, também Álvaro Velho apresenta retratos femininos das terras por onde passa a armada. É o caso de Calecute, cidade largamente descri-ta e apreciada, embora seja deceptivo o olhar sobre as mulheres:

"As mulheres desta terra, em geral, são feias e de pequenos corpos. E trazem ao pescoço muitas jóias de ouro, e pelos braços muitas manilhas, e nos dedos dos pés trazem anéis com pedras ricas."6

Ao contrário deste retrato desencantado e breve das mulheres de Calecute, Pêro Vaz de Caminha, na Car-ta do achamento do Brasil (1500), expõe o seu deslum-bramento diante dos corpos das "boas selvagens",7 ressaltando dessas descrições, não tanto a imagem fide-digna das indígenas, mas o seu olhar de europeu pasma-do diante da nudez exuberante destas mulheres. É decer-to o documento português da época em que se revela uma maior admiração pelo corpo, em particular os cor-pos femininos.

Nesta carta, organizada em forma de diário, o cro-nista apresenta ao longo dos nove dias de estadia diversas descrições dos corpos dos indígenas que se tornam mais detalhadas à medida que é possível uma progressiva aproximação dos portugueses. Mas se os "bons corpos" dos índios impressionam Caminha, são as mulheres que detêm o seu olhar, em particular o sexo desnudo:

"Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espátuas; e suas vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergo-nha."8

Mais adiante aparece a comparação com as eu-ropeias:

"E uma daquelas moças era toda tinta, de fundo a cima, daquela tintura, a qual, certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela."9

Aquilo que observamos ao longo da Carta é a importância da visão que se sobrepõe a todos os outros sentidos e conduz a percepção do novo mundo. Aliás, este texto é bem exemplo de um novo quadro mental que obriga o homem a desestruturar a cosmovisão medieval e socorrer-se de um novo referente para a compreensão do mundo. É claro que deparamos com um desfasamen-to entre a realidade e a sua representação, o que decorre das limitações de utensilagem mental do homem de Quinhentos, sendo de destacar a falta de ductilidade das línguas e a falta de vocabulário que reduz a descrição a um conjunto limitado de traços caracterizadores.

De qualquer maneira, a Carta de Caminha cons-titui um texto marginal que, na época, não teve divul-gação e apenas foi publicado em 1817, tendo ficado na sombra este olhar desassombrado sobre a alteridade.10

Os retratos de mulheres que aparecem na obra de Tomé Pires e Duarte Barbosa não possuem a expressivi-dade de contornos de Vaz de Caminha, mas as figuras fe-mininas constituem um tópico fundamental da caracteri-zação das novas terras e gentes.

A Suma oriental de Tomé Pires, obra escrita pro-vavelmente entre 1512 e 1515, constitui, nas palavras de Armando Cortesão, "a mais importante e completa des-crição do Oriente produzida na primeira metade do sécu lo XVI".11 Contudo, na época, este relato apenas foi pu-blicado parcialmente, em versão italiana e sem indicação de autor, inserida na colectânea organizada por Ramusio (Delle navigationi et viaggi, Veneza, 1563) e só em 1945, após a descoberta de um códice na Biblioteca de Paris, Armando Cortesão por convite da Hakluyt Society publicou a versão completa da obra mas em tradução in-glesa. A edição em português apenas apareceu em 1978.12

A obra, que se divide em seis livros de acordo com critérios geográficos — do Mar Vermelho a Malaca incluindo a descrição do Sião, China, Léquios, Japão e Filipinas —, constitui um relatório enviado ao rei D. Manuel sendo privilegiados os assuntos económicos. Contudo, apesar da aridez que decorre do ponto de vista comercial, são de salientar as descrições de terras e gen-tes, em particular os países mais desconhecidos como a China e o Japão.

Tendo desaparecido toda a documentação que Tomé Pires terá escrito durante os longos anos que per-maneceu na China, aquando da frustrada embaixada en-viada de Malaca ao Imperador, na sequência da qual ele e outros companheiros foram presos acabando por mor--rer em circunstâncias pouco esclarecidas,13 a Suma ori-ental constitui o mais extenso documento que se co-nhece do autor.

A informação sobre terras orientais inclui, à semelhança dos outros autores, retratos de mulheres de que se descrevem os corpos, as roupas e costumes. Te-mos o exemplo do Pegu:

"As mulheres são mais brancas que eles são assim mesmo dos corpos deles. São fremosas mais de-senvoltas, trazem o cabelo à guisa da China como se dirá na descrição da China. As nossas malaias folgam muito com a vinda dos pegus. E são mui afeiçoados a eles e a causa disto será sua doce harmonia. Certo delas são muito estimados."14

Processo recorrente nos relatos de viagens que descrevem as terras encontradas, a comparação entre o desconhecido e o conhecido serve como meio para apro-ximar a nova realidade. Assim acontece também em To-mé Pires a propósito das distantes mulheres chinas:

"As mulheres parecem castelhanas. Têm saias de refegos e cozes e sainhos mais compridos que em nossa terra. Os cabelos compridos enrodilhados por gentil ma-neira em cima da cabeça e lançam neles muitos pregos de ouro para os suster e arredor pedraria quem a tem. E sobre a moleira jóias de ouro e nas orelhas e pescoço. Põem muito alvaiade nas faces e arrebique sobre ele e são alcoforadas que Sevilha lhe não leva vantagem e bebem como mulheres de terra fria. Trazem sapatos de pontilha de seda e brocados, trazem todas abanos nas mãos. São da nossa alvura e delas têm os olhos pequenos e outras grandes. E narizes como hão de ser."15

Duarte Barbosa fez longas viagens pelo Oriente, o que lhe permitiu ver e ouvir "várias coisas" que "jul-gara maravilhosas e estupendas" tendo decidido registá-las no livro que ficou inédito em Portugal até 1813, mas que de acordo com a nota introdutória do Autor se en-contrava concluído em 1516 tendo sido publicado em versão italiana, à semelhança de Tomé Pires, na citada colectânea de Ramusio.

Enquanto tratado para o conhecimento das terras orientais, em particular aquelas que se integravam na es-tratégia comercial dos portugueses, desde o Cabo da Boa Esperança à China, incluindo o Mar Vermelho e o Golfo de Ormuz, Duarte Barbosa apresenta um conjunto de tópicos de caracterização da especificidade de cada povo, sendo recorrente, como referimos, a descrição das mulheres: não apenas o parecer e forma de vestir ("Têm muito alvas e muito formosas mulheres, muito bem vestidas de muito ricos panos"),16 mas também os cos-tumes ("Nesta terra [Arábia Feliz] cosem as naturas a suas filhas, quando são meninas, quando nascem. De maneira que assim as trazem cosidas até que as casam e as entregam a seus maridos. Então lhes tornam a cortar aquela carne que está soldada como que assim nas-cera"),17 e ainda o estatuto social ("As mulheres naires são também muito isentas a fazerem de si o que quise-rem com brâmanes e com naires. Estas mulheres não dormem com outra gente mais baixa sob pena de morte". E mais adiante: "Daí por diante a mãe da moça anda ca-tando e rogando a alguns mancebos naires que lhe hajam aquela filha de virgindade, porque eles têm entre si por coisa suja e vil haverem uma mulher de virgindade").18

Poderíamos continuar a citar os retratos de mu lheres que os viajantes apresentam à medida que co-nhecem as paisagens. Trata-se de descrições que, de forma breve, dizem a côr da pele, o modo de vestir e pen-tear e, algumas vezes, os comportamentos sociais. Em todos os casos, as mulheres, como aliás toda a paisagem física ou humana, são representadas como objectos con-templados, ao contrário da Peregrinação, onde estes sujeitos exóticos têm um lugar privilegiado porque o narrador lhes concede a palavra.

Fernão Mendes Pinto apresenta poucos retratos físicos dirigindo o seu interesse descritivo sobretudo pa-ra a paisagem, quer se trate das maravilhas da natureza, quer da deslumbrante obra do homem: palácios, muros, hospedarias, campos lavrados, embarcações, etc. As vozes femininas, porém, possuem uma tonalidade pró-pria que acentua uma espécie de contracanto que parece opor-se ao sentido dominante da narrativa.

3. Peregrinação: a voz dissonante das mulheres

No conjunto dos relatos de viagens, a Peregri-nação ocupa um lugar particular pela complexidade da sua estrutura e pelo seu sentido reflexivo. Não se trata apenas de contar um longo e acidentado périplo, mas também mostrar a transformação do sujeito em conse-quência desse percurso. Por isso, é de uma autobiografia que se trata, ainda que muitas vezes — e sublinha-se o quantitativo — o sujeito se dilua e deixe emergir outras personagens que ocupam o grande écran do texto fican-do ele como mero narrador, companheiro de aventuras, vítima, espectador ou simples relator de histórias alheias, lidas ou ouvidas, mas que se inserem nessa lógi-ca aparentemente descosida e solta que é a arquitectura da Peregrinação.

Ora, aquilo que dá coerência à narrativa é a cons-ciência do narrador que selecciona e confecciona a tessi-tura das aventuras que dá a ler em função de uma inten-cionalidade que se pode perder no emaranhado dos 226 capítulos mas está presente na subtil articulação dos epi-sódios e é relevante no primeiro e último capítulos. É nesses dois capítulos de abertura e fecho da narrativa que ressalta o sentido religioso e reflexivo desta peregrina-ção onde, além da revisitação dos lugares, o sujeito per- corre a sua consciência, percurso atribulado que o fará partir em busca de riqueza para depois regressar alterado e outro percebendo os perigos da cupidez que não se cansará de denunciar ao longo do relato.

Assim, esta narrativa não consiste apenas na exposição dos sofrimentos: a par da exibição das feridas e das dores (espécie de memento à maneira medieval) o texto, na sua vertente de escrita, constitui um louvor à incomesurável sabedoria divina que tantos trabalhos dis-põe no caminho dos homens para a sua salvação.

Porém, se este sentido reflexivo se depreende da compreensão global do texto, aquilo que emerge na superfície da narração é um conjunto de aventuras, a maior parte delas de grande violência. Ora, as figuras fe-mininas inserem-se numa lógica narrativa subliminar que sublinha o sentido reflexivo: elas são o reverso da violência masculina, não só porque são frágeis e, por isso, vítimas impotentes da guerra, como porque são fi-guras de compaixão, dispostas a interceder pelos fracos e oprimidos. É desta forma que as suas vozes e acção contribuem para a polifonia deste texto, complexifican-do os pontos de vista em presença, embora reforçando a perspectiva do narrador no que se refere aos excessos de cupidez dos aventureiros portugueses e ao esquecimento da missão divina que lhes foi confiada.

Mendes Pinto nunca criticará os intuitos comer-ciais dos portugueses, nem as suas estratégias colo-nizadoras (de que é exemplo a célebre descrição da ilha dos Léquios que o narrador inclui para o caso do rei por-tuguês pretender conquistar aquela terra), mas insiste na necessidade de reforçar o espírito de cruzada, visão que afinal também encontramos n'Os lusíadas e de que o Portugal renascentista ainda não se libertara.

As mulheres constituem, pois, vozes dissonantes na Peregrinação sendo sublinhada a sua fragilidade e condição de vítimas. A rainha de Aaru é uma dessas fi-guras que servirá para criticar as faltas dos portugueses.

Após a morte do rei, por mando do Sultão Alaradim, a rainha decide vingar a morte do marido e enfrenta os inimigos mas, vendo que não é suficiente-mente poderosa, pede ajuda a Malaca onde permanece vários meses sem que o capitão Pêro de Faria se decida a cumprir o que havia prometido.

O narrador transcreve o diálogo que a rainha mantém com o capitão de que ressaltam os argumentos religiosos ("ponde piedosamente os olhos de homem cristão em meu desamparo"),19 o que serve para criticar a falta de solidariedade dos portugueses para com os seus aliados. Esgotados todos os argumentos para con-seguir ajuda, ainda que Pêro de Faria lhe reitere as pro-messas em que a rainha já não acredita, o narrador des-creve-a com as mãos levantadas para o Céu e os olhos postos na igreja dizendo:

"Fonte limpa é o Deus que naquela casa se adora, de cuja boca procede toda a verdade, mas os homens da terra são charcos de água turva em que por natureza con-tinuamente moram desvarios e faltas, pelo que se deve haver como maldito o que confia no bocejo dos seus beiços".20

Várias vezes Mendes Pinto utiliza o processo de colocar as personagens orientais a discorrer sobre esse-Deus que os portugueses dizem venerar e que pela sua acção desrespeitam. Assim acontece com o discurso da criança chinesa a quem António de Faria ataca o pai (capítulo 55), e o discurso do venerável monge da ilha de Calemplui que também ele se interroga sobre a religião de homens que matam e roubam em nome de Deus (capítulos 76-78). Além do sentido crítico (mulheres, velhos e crianças enquanto vozes privilegiadas dessa crítica), emerge dos discursos orientais transcritos pelo narrador a figura de um Deus único e universal que salva e condena de acordo com os seus superiores desígnios.

No episódio da ilha dos Léquios onde chegam após um naufrágio cujo relato recorda as histórias trági-co-marítimas, é a piedade das mulheres que salva o grupo de portugueses, aparecendo elas como instrumen-tos da vontade divina. As mulheres "mostrando nas palavras que diziam e nas lágrimas que derramaram, condoerem-se muito da nossa triste miséria",21 vão pela cidade pedir esmola para os cativos. Note-se o sentido religioso do seu pregão:

"O gentes que professais a lei do Senhor cuja condição é (se se pode dizer) ser pródigo para connosco, em nos comunicar seus bens, saí do encerramento de vossas paredes a verdes carne da nossa carne tocada por ira da mão do Senhor poderoso, e socorrê-la com vossas esmolas para que a misericórdia da sua grandeza vos não desampare como a eles."22

Mais tarde, são elas que vão interceder para que os portugueses sejam salvos da morte a que estavam condenados pela notícia dos assaltos e desvarios que haviam praticado. Assim, a condenação começa por se apresentar como um acto de justiça, sendo o discurso do juiz um libelo acusatório contra os portugueses ("Nega-reis que quem conquista não rouba? Quem força não ma-ta? Quem senhoreia não escandaliza?").23 Eles próprios aceitam a sua culpa colectiva ainda que peçam miseri-córdia ("Nós respondemos que tinha muita razão, por-que claro estava que os pecados dos homens eram a prin-cipal causa dos seus trabalhos").24

Serão, porém, as mulheres que, com a sua inter-venção, conseguem libertar os portugueses, gesto que é entendido como graça divina. O discurso do broquêm em que os exorta a que agradeçam a Deus insere-se pois na linha de reflexão sobre as misérias mundanas "em que não há descanso senão trabalhos, dores e aflições grandíssimas",25 por ocasião ao "descanso alegre para sempre sem fim" dos caminhos de Deus.

Este sentido da insondabilidade dos desígnios de Deus é diversas vezes anunciado pelas vozes femininas, como é o caso da mulher que ajuda Mendes Pinto e os companheiros após o combate com os mouros na baia de Lugor (capítulo 37). Tratando-se de um episódio do per-curso inicial do sujeito, adquire particular importância o discurso da personagem que incita os portugueses a aceitar os seus infortúnios:

"Bom é sempre em vossas adversidades justifi-cardes os toques da mão do Senhor, porque nessa ver-dade confessada de boca e crida de coração, com cons-tância firme e limpa, está muitas vezes o prémio de nos-sos trabalhos."26

É também por meio do seu relato que os por-tugueses tomam conhecimento do motivo por que o cor-sário Coja Acém tanto mal lhes deseja: é que foram os portugueses que lhe mataram o pai e dois irmãos, expli-cação que relativiza a ferocidade e carnificina dos ata-ques que o mouro lhes move.

Outra voz feminina que assume este sentido da religiosidade é Inês de Leiria, filha de Tomé Pires. Além da piedade que demonstra em relação ao estado miserá-vel em que se encontram os portugueses, o narrador prepara com algum cuidado o reconhecimento mútuo da condição de cristãos: primeiro, a referência a Deus ("nos recomendou muito que não curássemos de fazer viagens compridas onde Deus permitia fazer as vidas tão cur-tas"),27 depois o sinal da cruz, como no tempo dos antigos cristãos, em seguida o Padre Nosso, únicas palavras que a mulher sabe em português, e finalmente o convite para visitar o seu oratório ("Vinde, cristãos do cabo do mundo com esta vossa verdadeira irmã cristã na fé de Cristo").28

Trata-se de um episódio essencial, não só porque permite a articulação da ficção com o relato histórico (Inês de Leiria conta a malograda expedição de seu pai, Tomé Pires, e a sorte dos cativos presos em Cantão), mas também porque o reconhecimento desta mulher cristã no meio do império chinês é um sinal da missão evangélica por cumprir, objectivo essencial que é apresentado para a expansão portuguesa.

Outro episódio envolvendo uma figura feminina se insere neste sentido dos objectivos religiosos da ex-pansão: a visita à mãe do Preste João. Conhecemos o fascínio que esta figura, entre o mítico e o histórico, exerceu na cristandade e as diversas expedições que fo-ram enviadas em sua demanda. Este rei enigmático e poderoso, senhor de um reino cristão no Oriente, era uma peça fundamental na estratégia expansionista por-tuguesa em direcção à Índia. Verdade ou ficção, o episó-dio do porto de Arquico relatado por Mendes Pinto retoma um mito de grande divulgação na época. O nar--rador conta em pormenor o encontro com a princesa, mãe do Preste João, e transcreve o seu discurso de acon-tecimento:

"A vinda de vós outros, verdadeiros cristãos, é para mim agora tão agradável, e foi sempre tão desejada, e o é todas as horas por estes meus olhos que tenho no rosto, como o fresco jardim deseja o borrifo da noite."29

No final da visita, a princesa interroga os por-tugueses sobre a cristandade e a razão porque se descui-davam os príncipes cristãos em combater o inimigo tur-co. Colocado este episódio no início da Peregrinação (capítulo 4), constitui um índice do sentido religioso que a narrativa incrementa, servindo além disso como figura emblemática de outros lugares onde o reino cristão se poderá cumprir como será o caso da China e sobretudo do Japão.

As vozes femininas apresentam-se assim com uma funcionalidade comum e recorrente na economia narrativa: enquanto vozes dissonantes da dominante de violência, introduzem uma dimensão reflexiva que afinal é um sentido essencial proposto pelo texto.

Reforçando esse sentido, aparece a sua condição de vítimas impotentes como ressalta no episódio do mas—sacre da rainha de Matarvão (capítulos 151-152). O nar-rador descreve a procissão macabra das mulheres que o tirano rei de Bramá condenara à forca, "todas estas pade-centes, ou a maior parte delas, eram da idade de dezas-sete até vinte e cinco anos, e todas muito alvas e muito formosas, com os cabelos como madeixas de ouro",30 de-tendo-se no crudelíssimo espectáculo da rainha que será morta juntamente com os filhos:

"Pediu que lhe dessem um pouco de água, a qual lhe trouxeram logo, e tomando-a na boca a repartiu com os quatro filhinhos que então tinha nos braços."31

Por meio do visualismo descritivo, decerto o lei-tor partilha as reacções do povo que se levanta em "tama-nho tumulto de gritos e vozes que a terra tremia debaixo dos pés".32

Duas outras figuras femininas são finalmente de referir pela sua função dissonante: a princesinha que no reino do Bungo representa a farsa em que troça dos por-tugueses, e a noiva raptada por António de Faria. No primeiro caso, sublinhe-se a função subversiva do riso (tão raro num texto inundado de lágrimas) por meio do qual se zomba do miserabilismo português sempre dis-posto a expor necessidades para conseguir os objectivos comerciais. Após a apresentação da farsa, o narrador expõe o embaraço despeitado dos portugueses, mas tudo termina em bem para os europeus com o pedido de con-versão da princesinha.

Finalmente, refira-se o episódio da noiva raptada por António de Faria, personagem que representa o me-lhor e o pior da acção dos portugueses: a valentia destemida perante todos os perigos, o gosto pela aventu-ra que impulsiona para a descoberta do novo, o ódio incondicional aos inimigos da fé, mas também a cupidez desenfreada, a falta de temor a Deus e ao seu castigo, sendo por isso uma personagem condenada e que desa-parece misteriosamente no meio das águas. A sua morte encerra um ciclo da narrativa em que o principal objec-tivo de Mendes Pinto era enriquecer. É nestes primeiros oitenta capítulos que encontramos o maior número de batalhas e pilhagens empreendidas por portugueses, enquanto em seguida teremos o grande percurso expi-atório pela China que levará o narrador a diversas con-siderações sobre a miséria humana e a justiça.

O episódio da noiva insere-se no ciclo das pilha-gens e iniquidades despudoradamente cometidas por António de Faria e seus companheiros. Vendo uma embarcação suspeita, o capitão apodera-se dela sob o pretexto de que poderia ser um barco inimigo. De modo subreptício, porém, o narrador indicia que se trata de um agravo o que aliás é reforçado pelo facto de António de Faria mandar pôr em terra as mulheres velhas e sem préstimo e guardar a noiva cujo destino é elidido.

Mas aquilo que constitui um contraste abrupto e de efeito inesperado é a transcrição da carta que a noiva envia ao noivo confundindo a embarcação de António de Faria. Trata-se de um discurso amoroso, o único que per-passa na Peregrinação, e que colide com a situação em presença: esta carta da noiva em que a mulher solicita ao amante que a venha visitar é um objecto insólito neste cenário de violência. Assim começa:

"Se a fraca e mulheril natureza me dera licença para daqui onde fico, ir ver a tua face, sem isso ser nódoa no meu honesto viver, crê que assim voaria meu corpo a ir beijar esses teus vagarosos pés, como o esfaimado açor no primeiro ímpeto da sua soltura."33

A mulher que se declara ao amante e se coloca a seus pés, pouco tem a ver com a figura feminina, distante e altiva, dos romances de cavalaria que servem de mode-lo de escrita a Mendes Pinto. Mas, por meio da repre-sentação deste amor exacerbado e de total submissão ao homem, assim como pelas imagens utilizadas, o discur-so oriental institui-se como diferença, o que perpassa noutras vozes de mulheres orientais que lembram o esti-lo de Gôngora. Assim começa, por exemplo, a carta das mulheres léquias à mãe do rei:

"Pérola santa congelada na ostra maior do mais fundo das águas, estrela esmaltada de raios de fogo, madeixa de cabelos doirados entretecida em capela de rosas, cujos pés de tua grandeza se aposentam no princi-pal de nossas cabeças como rubi de jóia sem preço (...)."34

Transcrição ou invenção, por meio destas vozes e figuras subversivas se constrói o tal sentido subterrâneo para o qual o narrador nos conduz, perplexos leitores deste estranho mundo. E com que mestria Fernão Men-des Pinto nos devolve à nossa peregrinação interior, fazendo notar que o mundo de estranhos é afinal o euro-peu, onde a lei de Deus está a ferro e fogo.

Não pretendemos esgotar as figuras femininas representadas nos relatos de viagens do tempo das descobertas, mas apenas mostrar como as mulheres indí-genas faziam parte da novidade da paisagem e, por isso, eram um traço recorrente da caracterização das novas terras. No caso da Peregrinação, porém, em vez do retra-to, Fernão Mendes Pinto integra a sua voz que possui uma funcionalidade específica na lógica da construção narrativa: por seu meio (assim como por meio dos ve-lhos e das crianças) o texto abre-se ao dialogismo e ao especular — extensa superfície onde a consciência do narrador só revê, mas também a consciência colectiva dos portugueses conquistadores pode pensar sobre o pecado da cobiça e o esquecimento da fé.

ELAS NO SEU MELHOR - Perfídia

Anabela Canas

Aguarela

NOTAS

1 Para uma perspectiva histórica da relação entre viagem e escrita, ver: ARTIGAS, Menant, Des voyages et des livres, Paris, Hachette, 1973.

2 BARROS, João de, Rópica pnefma, Lisboa, I. S. Révah, 1955, vol. 2, p. 42.

3 Para o estudo da obra de Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de situ orbis, na perspectiva do experimentalismo português, ver os importantes estudos de Joaquim Barradas de Carvalho, O Renascimento português: em busca da sua especi-ficidade, Lisboa, INCM, 1980, e A la recherche de la spécificité de la Renaissance portugaise, Paris, Fundação Gulbenkian, 1983, 2 vol. Ver também o capítulo que lhe dedica Luís Filipe Barreto, Duarte Pacheco Pereira e a ordem do discurso empíri- co, in Descobrimentos e Renascimento, Lisboa, INCM, 1983.

4 VELHO, Álvaro, Relação da primeira viagem à Índia pela armada chefiada por Vasco da Gama, in GARCIA, José Manuel, ed. lit., Viagens dos descobrimentos, Lisboa, Presença, 1983, p. 161.

5 Id., p. 165.

6 Id., p. 184.

7 Ver o artigo de Isabel Alegro de Magalhães A "boa sel-vagem" n'A carta de Pêro Vaz de Caminha: um olhar europeu masculino, de Quinhentos, "Oceanos", Mulheres no mar salga-do, (25) Jan.-Mar. 1995, pp. 26-31.

8 CAMINHA, Pêro Vaz de, Carta, in GARCIA, José Manuel, ed. lit., Viagens dos descobrimentos, Lisboa, Presença, 1983, p. 250.

9 Id., p.251.

10 A propósito das razões por que não foi publicada a Carta, ver: PINTO, João Rocha, A viagem: memória e espaço, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1989.

11 CORTESÃO, Armando, Introdução, in A "Suma ori-ental" de Tomé Pires e o "Livro" de Francisco Rodrigues, Coimbra, Universidade, 1978, p. 3.

12 Ibd., ibid.

13 Sobre as vicissitudes desta embaixada, ver: PIRES, Benjamim Videira, A embaixada mártir, Macau, ICM, 1987.

14 CORTESÃO, op. cit., p. 236, com actualização de grafia e sintaxe.

15 Id., p. 253.

16 BARBOSA, Duarte, Livro do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa, Lisboa, Alfa, 1989 (Biblioteca da Expansão Portuguesa; Luís de Albuquerque), p. 39.

17 Id., p. ll.

18 Id., p.93.

19 PINTO, Fernão Mendes, Peregrinação, transcrição em 1952 de Adolfo Casais Monteiro, Lisboa, INCM, 1983, cap. 29, p. 91.

20 Id., cap. 30, pp. 92-3.

21 ld., cap. 139, p. 516.

22 Ibd., ibid.

23 Id., cap. 140, p. 521.

24 Id., cap. 140, p. 523.

25 Id., cap. 142, p. 534.

26 Id., cap. 37, p. 118.

27 Id., cap. 91, p. 316.

28 Id., cap. 91, p. 317.

29 Id., cap. 4, p. 13.

30 Id., cap. 151, p. 595.

31 Id., cap. 152, p. 598.

32 Ibd., ibid.

33 Id., cap. 47, p. 153.

34 Id., cap. 141, p. 527.

*Professora assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

desde a p. 101
até a p.