O Comércio

NOVAS INSTALAÇÕES DO ARQUIVO HISTÓRICO DE MACAU

Isaú Santos*

DESDE aqueles recuados anos do primeiro quartel do Século XVI, altura em que os Portugueses começaram a frequentar os mares, costas, portos e ilhas do Sul da China, até princípios da segunda metade desse mesmo Século, ocasião em que se fixaram em Macau e, daí, até aos nossos dias, muitos factos aconteceram. Uns que se conhecem, outros, muitos, que se ignoram.

Quanto não daríamos, hoje, para saber, por exemplo:

- Qual teria sido a recepção dispensada pelos Chineses de Tamão a Jorge Álvares e companheiros?

- Por que vicissitudes teria passado Tomé Pires durante a sua longa permanência na corte de Pequim?

- Qual foi a data exacta da fixação dos Portugueses em Macau?

- Como é que este pequeno território, logo nascido, se estruturou política e administrativamente?

- Que fundamentos jurídicos legitimaram o estabelecimento dos Portugueses em Macau?

Todas estas perguntas, que têm vindo a ser formuladas, continuam sem resposta adequada. É responsável por esta situação o vazio documental que tem sido uma constante no panorama histórico macaense.

A grande história deste pequeno território teria, com certeza, muito que contar, não fora a irreparável perda documental sofrida.

A ignorância e a incúria dos homens, a voragem do clima e do fogo foram os responsáveis por esta verdadeira catástrofe documental.

Precisamente, para evitar que mais documentos, partes integrantes do património arquivístico de Macau, desapareçam, é que nos encontramos, neste momento, aqui a celebrar este histórico acontecimento.

O Diploma Legislativo Ministerial N° 5, de 28 de Junho de 1952, foi uma tentativa falhada de criação de um organismo que velasse pela guarda e conservação dos documentos, porque não passou de letra morta.

Foi preciso aguardar pelo Decreto-Lei N° 27 F/79/M, que reorganizou a Direcção dos Serviços de Educação, para que o Arquivo Histórico de Macau se tornasse uma realidade.

Tinha como incumbência a histórica tarefa de, sem perda de tempo, recuperar a documentação que ainda fosse possível.

Com a sua passagem para a tutela do Instituto Cultural de Macau, em 1986, aguardavam-no ventos de profun-da mudança. A prová-lo está o facto de se encontrar instalado neste imóvel, ora inaugurado, que corresponde aos mais modernos e avançados requisitos técnicos de conservação, segurança e funcionalidade.

Com esta instalação definitiva e com a organização do sistema arquivís-tico do Território de Macau, criam-se as condições essenciais para a salvaguarda, conservação e segurança de fontes para a História de Macau, de Portugal, da China e de muitos povos desta região, cujos passados se cruzaram.

O Arquivo Histórico passa, a partir de agora e em termos de instalação e de tratamento arquivístico da sua documentação, a figurar entre os melhores, não só desta área do globo, como ainda de outras.

Para se chegar a este momento e poder contemplar esta bela obra, foi necessário trilhar, durante três anos, um longo caminho, pejado de espinhos e abrolhos. Mas a determinação de a levar ao fim custasse o que custasse, superou ventos e marés contrárias.

Ocampo de acção do Arquivo Histórico de Macau ganha nova dimensão e expressão. Além daquelas tarefas que lhe são específicas, como sejam as de classificação, ordenação, inventariação, indexação e divulgação de seus núcleos ou fundos, encontra-se, igualmente, empenhado em enriquecer o seu acervo documental, promovendo o levantamento de fontes bibliográficas e documentais, em língua chinesa e línguas europeias, nos Arquivos e Bibliotecas de Portugal; no Arquivo Secreto do Vaticano; no Arquivo Histórico da Sagrada Congregação "De Propaganda Fi-de"; no Arquivo Romano da Companhia de Jesus, em Roma; no Museu Britânico, em Londres; no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional, na Biblioteca da Academia de História e na Biblioteca da Academia da Cultura, em Madrid: no Arquivo de Simancas; no Arquivo de Índia; no Arquivo Histórico de Goa; na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; nos Arquivos e Bibliotecas da China, etc., etc..

A documentação identificada tem vindo a ser microfilmada e incorporada na filmoteca do Arquivo Histórico de Macau, que neste momento possui cerca de seiscentos rolos de filmes de 35 mm..

As óptimas relações pessoais entre a direcção do Arquivo Histórico de Macau e as direcções dessas instituições, portuguesas e estrangeiras, têm facilitado ao máximo este projecto. O crescimento acelerado desta filmoteca é disso testemunho.

Além desta documentação em suporte micrográfico, possui o Arquivo. Histórico núcleos ou fundos documentais originais dos seguintes serviços e instituições do território:

-Administração Civil (1734-1980)-2867 UA;

- Administração do Conselho (1871-1929)-69UA;

- Serviços de Educação (1915--1982)-1397UA;

- Serviços de Finanças (1777-1954) -857UA;

- Gabinete do Governador (1919--1948) 26 UA;

- Leal Senado (1672-1975) - 987 UA;

- Marinha (1849-1965) - 450 UA; -RotaryClub(1947-1965).37UA;

- Santa Casa da Misericórdia de Macau (1592-1931)-358;

- Serviços de Economia.

Existe, neste momento, nos diversos serviços públicos, uma enorme massa documental, em vias de desaparecimento e de deterioração, devido às condições precárias de conservação e de segurança em que se encontra.

Urge, pois, desencadear os mecanismos que permitam recuperar esses documentos, se não se deseja que o vazio documental acontecido no passado continue, no futuro, por incúria do presente.

Como coroa de todo este esforço que vem sendo desenvolvido e para não perdermos o comboio das novas tecnologias postas ao serviço da informação, o Arquivo Histórico tem já estruturada uma base de dados para o estudo da História da Presença Portuguesa no Índico e no Pacífico, de acordo com os principais níveis de descrição arquivís-tica da documentação.

Neste momento encontram-se memorizados no computador os inventários e índices do arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Macau, com as datas compreendidas entre 1592 e 1931, e os do arquivo do Leal Senado, abrangendo os anos de 1672 a 1975, estes em via de conclusão. São ao todo 1345 unidades arquivísticas cuja busca de informação se tornou extremamente rápida.

Para a prossecução dos objectivos, encontra-se, também, na fase de arranque, a informatização de 8350 livros da Biblioteca de apoio à Sala de Leitura do Arquivo Histórico, obras indispensáveis para o estudo da História da presença portuguesa nesta área.

Com o eclodir das novas tecnolo-gias aplicadas à informação, o conceito de arquivo tem vindo a sofrer profundas alterações. Já não são os documentos textuais os únicos objectos das suas preocupações; microformas, fotografias, diapositivos, disco óptico, etc., entraram, também, no âmbito das suas actividades.

Os cerca de 600 rolos de microfilmes de 35 mm, recheio da filmoteca do Arquivo Histórico, foram também objectos de um tratamento informático, em que se descrevem o seu conteúdo, as datas extremas, a quantidade de documentos e de fotogramas, o formato, a procedência e a data da entrada no Arquivo Histórico.

A importante colecção de diapositivos sobre Macau, com cerca de 50 mil unidades, oriunda do Gabinete de Projectos Especiais do Instituto Cultural de Macau que foi, na origem, sujeita a uma relação informatizada, ficará, ao lado de milhares de fotografias existentes no Arquivo Histórico, a constituir uma base de dados de imagens, depois de submetidos a tratamento técnico, de acordo com as normas preconizadas na Descrição Bibliográfica Internacional Normalizada para "materiais/não livro" (I. S. B. D.) (N. B. M.).

O acesso a um conjunto tão diversificado de documentos exige resposta adequada, que tem vindo a ser conseguida através do recurso sistemático à informatização.

MERECEM os arquivos que se lhes dê tanta atenção? Que se gaste com eles tanto dinheiro? São, realmente, essenciais à vida da sociedade?

A resposta é sim. O Estato precisa de se reportar aos arquivos para fundamentar as decisões a tomar, para se recordar dos compromissos assumidos, interna e externamente.

Se estes documentos não se encontram classificados e ordenados, ó acesso a eles torna-se difícil. Se se extraviaram ou foram arbitrariamente destruídos, é evidente que inúmeras decisões serão necessariamente inadequadas, porque infundadas.

Pelo contrário, se os documentos foram convenientemente incorporados nos arquivos centrais, correctamente preservados, classificados, catalogados e indexados, a sua localização será fácil e então terão contribuído, eficazmente, para a tomada de decisões acertadas.

É nos arquivos que um povo, nas horas difíceis da sua existência, encontra energia para superar as dificuldades mais adversas.

O desenvolvimento económico e social, definido como uma série de esforços empreendidos pelo Estado com vista a incrementar as infraestruturas materiais e sociais que criarão riquezas para melhorar as condições de vida das populações, encontra nos arquivos dados sobre o funcionamento da agricultura, da indústria, do comércio e também informações sobre as medidas tomadas no passado e sobre métodos utilizados para, assim, poder avaliar as razões pelas quais essas medidas se saldaram por um fracasso ou foram coroadas de êxitos.

São, ainda, os arquivos, fontes de provas de direitos, de privilégios e de obrigações. É importante que o cidadão consiga um certificado de nascimento, de casamento, de divórcio, de nacionalidade, de carreira militar ou civil para fazer valer os seus direitos a um benefício ou a uma indemnização frente ao Estado ou a particulares.

É, igualmente, importante que o Estado tenha provas da mesma natureza para compelir os cidadãos e as instituições a cumprirem as suas obrigações.

Como testemunhos do conjunto das acções dos poderes públicos, os arquivos revestem-se de enorme interesse para a investigação histórica nos diversos domínios da actividade social, porque são, fundamentalmente, a memória colectiva do Estado e das instituições. Neste sentido, são um instrumento de eficácia e de economia administrativas, por permitirem conhecer a história dos actos da administração, seus êxitos e fracassos e, assim, possibilitar corrigir, no presente, erros porventura cometidos no passado. A Comissão do Direito Internacional da Assembleia Geral das Nações Unidas declarava, em Abril de 1976, que é possível conceber-se um Estado sem exército, mas nunca sem arquivo, sem moeda e sem finanças.

Os povos cuja história o Arquivo Histórico de Macau guarda a memória, terão de dirigir-se a ele na convicção de encontrar uma resposta que satisfaça os seus anseios. Ao fazê-lo, descobrirão que aquilo que os une é mais forte do que aquilo que os separa, facto que os levará a aprofundar ainda mais o estudo sobre o seu relacionamento no passado, com vista a uma maior compreensão no presente, porque os povos quanto mais se conhecem, mais se estimam.

Extracto do discurso do Dr. lsaú Santos, Director do Arquivo Histórico de Macau, na cerimónia inaugurativa das novas instalações, em 21 de Julho de 1989.

* Lic. Ciências Sociais e Políticas; Dip. Filosofia e Teologia; Dip. Ciências Documentais. Director do Arquivo Histórico Ultramarino. Actual Director do Arquivo Histórico de Macau.

desde a p. 123
até a p.