Centenário

O Feng-Shui

Ramón Lay Mazo*

Não há palavra chinesa mais difícil de traduzir que Feng-Shui.1 Literalmente, Feng-Shui quer dizer "vento-água", ou seja, a crença de que o destino humano se encontra sob o domínio das influências destes dois elementos. Devido a isto, o Feng-Shui moldou e dominou a vida social e privada do povo Chinês desde tempos imemoriais.

Muitos traduzem Feng-Shui por Geomancia mas, para quem sabe chinês, esta palavra é escassa para abarcar todo o significado que se lhe atribui nesse idioma. Alguns sinólogos, entretanto, têm-na traduzido de modo mais ou menos acertado em certos aspectos. Entre eles está De Groot, que nos diz que: < lizar o ideal de que cada lugar habitado pelo homem, pelos seus antepassados ou pelos seus deuses, como também a sua aldeia, cidade ou lugar que o rodeia, esteja situado e construído de tal maneira que o Universo possa exercer sobre ele, da forma mais completa possível, as suas benéficas acções».

E Giles define-o assim: «Feng-Shui é um sistema geomântico mediante o qual é possível determinar a conveniência ou adequação dos lugares- sejam eles túmulos, casas ou locais soalheiros - segundo a configuração natural dos rios, árvores e colinas e prever com certeza a sorte das comunidades, famílias ou indivíduos, em relação com o sítio».

Há quem afirme que o Feng-Shui é de origem hindú; dizem que a climatologia foi conhecida desde tempos antigos na Índia, e que aí se chamava ciência do are da água; que o termo chinês Feng-Shui é uma tradução literal desta definição. Também asseguram que a noção da água como o principal dos elementos cósmicos, é igualmente de origem Industâ-nica, esquecendo-se que, na China, a associação da água com a ideia do dragão é antiquíssima, e está ligada ao mito da criação do próprio Universo.

*V. nota do final do texto de Luís Gonzaga Gomes-Mais vulgarmente ouve-se e translitera-se fong-sôi, à maneira cantonense.

Outros remontam-no a épocas pré-históricas chinesas, quando os habitantes da Grande Planície criaram, para precaver-se contra os riscos da morte e de outras desgraças causadas por invisíveis e secretos fluidos, formas especiais de superstição, as quais, aliadas às suas primitivas crenças, deram origem ao Feng-Shui.

Finalmente, o facto de o geomântico chinês usar o esquadro para assinalar no horizonte três pontos de 120ō, sugeriu a Edkins que o Feng-Shui pudesse provir dos gregos, e aventa a hipótese de esta ciência ter viajado da Grécia até à China via Ásia Menor, Pérsia e Índia, onde conseguiu infiltrar-se nas várias correntes da filosofia védica, e daí passando à China, quando o Budismo começou a propagar-se por todo o Extremo-Oriente.

É indubitável que o Budismo, com a sua filosofia sobrecarregada da valiosas contribuições culturais gregas, veio enriquecer a ciência geomântica chinesa, mas é também facto comprovado que o Chinês praticava o Feng-Shui muitos séculos antes de esta religião ter sido introduzida na China.

A prova disso é fornecida pelo Shi-King ("Livro da Poesia", poemas seleccionados e compilados por Confúcio, no século VI A. C.) ao descrever-nos o cerimonial que era praticado para localizar o sítio favorável à fundação de uma cidade:

«o fundador- diz-nos o Shi-King- revestido dos seus adereços sagrados, com todas as suas jóias, jades, pedras preciosas, e com uma magnífica espada, começa por inspeccionar os lugares em que se desenvolvem as operações adivinhatórias, para estudar a orientação e observar as sombras. Esta inspecção das vertentes soalheiras e sombreadas era o exame do 'Yin' e do 'Yang'da comarca, destinado a saber como se repartem e influem estas duas forças cósmicas. Finalmente, detecta-se a direcção das águas vivas. A isto corresponde determinar o valor religioso do lugar, ou seja, as condições do 'Yin--Yang'.

«Por fim consulta a tartaruga (carapaça) e sabe por ela se os seus cálculos estão correctos.

«Uma vez seleccionado o lugar, o fundador dá então ordem para começar a construir; para isto, espera o momento propício, que é aquele em que a constelação Ting (Pégaso) culmina, quer dizer, o décimo mês do ano (lunar), qualificado de mês 'Yang', favorável ao início de qualquer edificação. Com efeito, é conveniente que a época dos trabalhos rurais tenha acabado. Só então pode começara construção; as obras têm de estar terminadas quando chegarem os primeiros dias da primavera, dias estes considerados 'Yang', para fazer a inauguração.

Escolha de lugar para a fundação de uma cidade, vendo-se uma equipa dirigida por um geomante, que consulta a bússola de feng-shui (Dinastia Qing).
«A ordem do ritual é fixa: começa-se por levantar as muralhas, que são a parte mais sagrada da vila. Depois edifica-se o templo dos antepassados. Há que plantar ao mesmo tempo as árvores cujos frutos serão oferecidos aos antepassados e também as que sirvam para confeccionar ataúdes e caixas de ressonância, como a paulóvnia. «Na antiguidade... quando se traçava o plano da capital, nunca se deixava de seleccionar a elevação principal do reino, para a converter em templo ancestral, nem de escolher as árvores mais frondosas para delas fazer a floresta sagrada. Só depois de terminados os muros, os altares, e plantadas as árvores que sagrarão a cidade, se edificam os palácios e as casas. «A dignidade dum senhor e da sua vila vêem--se nas muralhas da cidade. Estas são de terra calcada ou adobo quando a vila não encerra o templo ancestral da ascendência principesca; então não merece o título de 'Tsong' e é chamada 'Yi', povoação. Uma verdadeira vila possui muralha de alvenaria; nesse caso pode ser chamada 'Tu', capital». Este é um dos mais antigos e fidedignos testemunhos existentes sobre as cerimónias que se realizavam na antiga China para fundar uma cidade ou vila num lugar seleccionado, com as suas muralhas, templo ancestral e bosque sagrado, marcando também o tempo propício para o início e fim das obras, e sua inauguração. Todas estas práticas e cerimónias, ditadas pelas manifestações dualistas do Yin-Yang (as duas forças cósmicas que regem o Universo), empregadas como princípio na localização religiosa dos lugares e na indicação dos tempos, servem-nos para determinar a origem da famosa arte do Feng-Shui a qual, misturada com a combinação e decifração dos hexagramas do Yi-King (Livro das Mutações), e deformada pelas crenças e prática do naturalismo primitivo e do culto dos antepassados, surgiu à luz histórica como um estranho sistema de superstição pseudo-científico na era da alquimia chinesa, isto é, nos começos da dinastia Ch'in (255-206 A. C.) quando o tauísmo mágico-astrológico alcançou a sua mais alta expressão na própria pessoa do imperador Ch'in-Shi-Huang-Ti. A partir daí, o Feng-Shui arreigou-se profundamente no espírito chinês, pois baseia-se na crença de que em qualquer lugar há forças que actuam sobre os acidentes naturais e as edificações feitas pelo homem, e que nada, por mais trivial que pareça, deixa de influir para bem ou para mal nos vivos e nos mortos. O objectivo do Feng-Shui é, portanto, descobrir os lugares onde predomine a influência benéfica e, em caso contrário, alterar por meios artificiais o ambiente, de forma a poderem conseguir-se resultados propícios. Entre os factores que o Feng-Shuitem em conta, encontram-se: o Yin e o Yang; o Ch'i (sopro sideral que invade todo o Cosmos e afecta toda a Criação, existindo duas classes de Ch'i: o T'ien-Ch'i ou "sopro do céu" e o Ti-Ch'i ou "sopro da terra"); os Quatro Seres Míticos (o dragão azul, o tigre branco, o pássaro vermelho e a tartaruga preta), relacionados com os quatro quartos do céu ou pontos cardeais; o vento que traz a água ou a seca, com as suas correntes superficiais e subterrâneas; os Cinco Elementos tradicionais (metal, terra, fogo, água e madeira, especialmente a água com o seu volume, movimento e curso, sempre em relação com as montanhas), correspondentes aos Cinco Planetas (Vénus, Saturno, Marte, Mercúrio e Júpiter); as quatro estações e as datas duma divisão do ano em quinzenas ajustadas ao calendário solar.
Montanhas de Wutang, adornadas com monumentos geo-mânticos.

Assim, o compartimento que fica a Leste encontra-se sob a protecção do Lu-Lung ou "dragão azul" e o do Oeste sob a do Pai-Hu ou "tigre branco"; o do Sul, sob a do Chu-Chiao ou pássaro vermelho" e o do Norte, sob o Huh-Kuei ou "tartaruga preta".

Como o dragão detesta a imundície, as latrinas e os depósitos do lixo e demais desperdícios não podem estar situados na ala esquerda, pois tal facto irritaria o dragão, o qual se vingaria atrofiando a direcção dos fluidos auspiciosos que passam pelo seu lado. O tigre por sua vez, detesta o calor, por isso a cozinha deve ser construída em qualquer parte, menos na ala direita, onde se presume ter sede o espírito deste felino. Além disso, a parte posterior deste compartimento, de forma alguma pode ser mais elevada do que a anterior, pois o tigre, que a proteje, ficaria com a cauda levantada, ou seja, em atitude de se lançar sobre a sua vítima, que neste caso são os moradores da residência principal.

Jamais devem deixar-se buracos ou espaços vazios por tapar, perto duma residência, pois estes desníveis do terreno podem gerar ou ser pontos de refluxo do Wa-Feng ou "vento maligno das cavernas".

Nem sempre é possível encontrar um local que satisfaça a todas as exigências do Feng-Shui, nem seguir ao pé da letra todas as prescrições dos especialistas desta ciência, principalmente quando eles exigem a destruição de construções valiosas ou a aquisição de custosos terrenos circunvizinhos. Por isso o chinês, prático como é, inventou uma série de subterfúgios para iludir ou contrabalançar as nefastas influências que afectam os sítios onde pretenda estabelecer a sua morada ou construir algum edifício.

Assim, se um lugar é pouco propício, pode melhorar-se-lhe o Feng-Shui escavando um tanque e cobrindo-o com a flor sagrada do lótus, levantando um montículo, plantando umas árvores, edificando um T'eng ou "pavilhão", ou simplesmente colocando um talismã ou a efígie dum dragão em sítio apropriado, já que este monstro é o único ser que pode vencer o Sha-Ch'i ou "espírito da morte".

De igual modo, as casas situadas em becos sem saída, batidas de frente pelos ventos malignos que chegam da rua, podem ser defendidas colocando um pequeno espelho rectangular na fachada para lhes inverter o impacto por reflexão.

Quando a porta principal de uma casa está voltada para uma direcção nefasta, os maus efeitos do azar são eliminados alterando-se o caminho de acesso de modo a torná-lo tortuoso e irregular, já que os fluidos aziagos, como a luz, se projectam em linha recta.

As casas são consideradas de mau Feng-Shui não só quando estão entaladas entre edifícios mais altos do que elas, como também quando os beirais e esquinas dos telhados das construções que as rodeiam estão voltados na direcção delas, pois essas pontas e beirais são perene ameaça de ruína e morte para os seus ocupantes. Como antídoto contra esta acção nefasta, colocam-se figuras de barro ou madeira, de guerreiros com as espadas desembainhadas ou de leões e tigres com as mandíbulas abertas, nos telhados das casas afectadas.

Muitas vezes os moradores destas casas, por hostilidade ou vingança, em lugar de colocar as figuras citadas, põem um pequeno tridente de metal, com as pontas dirigidas à casa cujos afiados beirais e pontiagudas esquinas dos telhados os afectam. Também costumam pôr um pequeno espelho côncavo dentro dum Pá-Kuá (figura octogonal que é usada na ciência da adivinhação do Yi-King) para que o mal que os ditos telhados lhes causam se reflicta na direcção contrária.

A Fortaleza do Terror (Ting-hai, Xusan) implantada em lugar de bom feng-shui, vendo-se, à direita, o octogonal Templo dos Antepassados.

Para não prejudicar os vizinhos, próximos ou afastados, e para não ser ele próprio prejudicado, pelos efeitos de reflexo dos espelhos e de outros meios defensivos colocados pelos vizinhos nos telhados ou fachadas das suas casas, o chinês, desde tempos muito antigos ideou o modo de construir os seus edifícios, especialmente se são templos, pagodes ou construções de vários andares, de maneira a não prejudicar nem afectar o Feng-Shui de ninguém. Isto levou-o a introduzir características muito especiais na sua arquitectura: o telhado fê-lo curvado, com duas águas, e aos beirais e pontas das esquinas do telhado deu-lhes uma ligeira curvatura para cima. É precisamente por esta peculiar característica que se diferencia o estilo chinês dos outros estilos arquitectónicos, embora alguns queiram ver a origem disso nas tendas pastoris usadas pelos nómadas que mais tarde formaram o povo sedentário chinês.

As portas principais das residências devem estar protegidas por um Yin-Pei, uma espécie de cortina frontal de madeira ou tijolo, para evitar que os seus ocupantes sejam alvo do Sha-Ch'i ou "vento maligno dos becos" que se infiltra através delas.

Quando existe um beco ou passagem sinuosa perto da porta principal ou em frente dela, acredita o chinês que se gera neles o An-Chin ou "flecha secreta" (um vento particularmente temido pelos seus nefastos efeitos), o qual se combate pondo de plantão, em frente à entrada, um leão ou um par de leões de pedra, mármore ou bronze.

Estas estátuas de leões que se vêem nas portadas dos templos, palácios, ricas mansões e repartições públicas, levam quase sempre no pedestal inscrições que proclamam a força mágica que o dito animal é capaz de opôr ao An-Chin.

Os pobres que não se podem dar ao luxo de colocar um leão escultural, penduram na umbreira da porta tabuletas ou simples tiras de papel vermelho com a seguinte inscrição: T'ai-Shan-Chih-Kan--Tang, que quer dizer: "inamovível como o grande T'ai-Shan (a montanha sagrada do tauísmo).

É bastante usual que o Chinês coloque, no lintel da porta principal da sua casa, a figura do Pá--Kuá, símbolo mágico octogonal que se julga ter o poder de desviar quaisquer influências nefastas. Diz-se que este símbolo foi copiado por Fu Hsi (o lō dos três imperadores míticos, que governou cerca de 2.852 A. C.) do costado dum dragão-cavalo que emergia das águas agitadas, um dia em que meditava à beira-mar.

Também é muito comum a construção dum templo pequeno para proteger um grande, pois o pequeno, devidamente situado, reforça o Feng-Shui do grande. Em certos casos recorre-se à implantação de uma flecha de pedra com a ponta dirigida na direcção de onde se supõe proceder o An-Chin, a qual, assim, neutraliza a acção nefasta deste vento.

Para proteger grandes conjuntos de templos, palácios, túmulos imperiais, cidades e ainda distritos inteiros, constrói-se um pagode ou torre de vários andares ímpares (número Yang), no local adequado, donde possa dominar os complexos arquitectónicos ou a região que se pretenda proteger. Este pagode serve de Chen-Wu ou "protector", e acredita-se que neutraliza ou contrabalança o An-Chin e outros fluidos malignos por meio da sua benéfica irradiação.

Daí que se integre harmoniosamente na paisagem, que tantas vezes acentua, complementa e coroa.

Com o mesmo objectivo se plantam árvores, "cujos frutos constituirão oferendas aos antepassados e aquelas que sirvam também para confeccionar ataúdes e caixas de ressonância", tal como prescreve o Shi-King. Por isso, quando na China se avista um bosque ou arvoredo, ali perto se acolhe uma aldeia ou lugarejo, pois essas árvores formam a "floresta sagrada" que protege os habitantes dos maus fluidos que sopram dessa direcção.

O Feng-Shui também é utilizado para determinar a orientação das inumações, já que o chinês acredita que o ser humano possui duas almas: uma, a Ming (participante do elemento cósmico Yang) que vai sendo depurada no redemoínho das reencar-nações até ser absorvida na perenidade absoluta de Tau; a outra, a Kuei (participante da natureza do elemento cósmico Yin) que regressa à terra, de onde provém.

O Pá Kuá, os oito trigramas fundamentais, tendo no centro o círculo com o Yin/Yang; símbolo da criação com os seus desenvolvimentos.

Quando a Ming está no corpo vivo denomina--se Hei (alento ou sopro vital) e transforma-se em Shen (espírito refulgente ou deus), quando o corpo deixa de viver. A Kuei, quando está vivo o corpo que a alberga, é conhecida por P'ah e, depois da morte, vive no túmulo ou vagueia pelos sítios que frequentou em vida, até "amadurecer" e refundir-se na terra.

O chinês acredita ainda que o cadáver pode ser protegido da putrefacção pelo jade e as pérolas, bem como pelas influências benéficas que sopram de Oriente para Poente. Em obediência a esta concepção, os preceitos do Feng-Shui que regulam a construção duma campa são diferentes dos adoptados na edificação de outras obras, como casas, templos, palácios, etc..

Finalmente, o chinês crê firmemente que em troca da paz que possa oferecer ao cadáver e à alma terrena dos seus mortos consegue obter, em retribuição dos seus endeusados defuntos, a felicidade e prosperidade para si e para os seus. Em consequência, não há nada neste mundo que preocupe mais o chinês do que a construção dum túmulo para os seus mortos. A selecção do local é empresa delicada, requerendo escrupuloso cuidado, em que não contam nem o gosto nem a vontade da família do morto, ficando tudo sujeito à determinação ou critério do perito em Feng-Shui. E todos acatam submissa e reverentemente a sua decisão, pois temem que interpondo as suas indicações pessoais, possam influenciar na selacção dum local desvantajoso para a prosperidade do clã, causando assim a ruína familiar, e ainda privando os descendentes dos benefícios que a sua devota piedade filial lhes tivesse dado alcançar.

Fotomontagem de Victor Hugo Marreiros copyright, Macau 1990.

É por isto que, na construção dum túmulo, que não é só o abrigo temporal do caixão, mas também o sacrário onde será depositada a urna com os ossos do defunto, depois de passado o tempo devi-do, o chinês gasta quase sempre as poupanças de toda a sua vida. Quando acontece que a família não pode suportar estas despesas, hipoteca as propriedades e, quando as não há, não é raro que uma filha cometa o sacrifício do Mai-Sin, isto é, de se vender como concubina ou servente-escrava para que, com o produto da sua venda, a família possa cumprir na íntegra este sagrado preceito da piedade filial. A História da China conta-nos, como exemplos de piedade filial, muitos casos em que os filhos, tanto varões como mulheres, se venderam para enterrar dignamente os seus progenitores.

Segundo os princípios do Feng-Shui, as terras altas são chamadas Lung (dragão) e as baixas Shui (água), pelo que o melhor local para construir uma campa é aquele que está situado a meia encosta dum monte e entre colinas, tendo uma à direita, onde se supõe que aninhe o espírito do "dragão azul" (lado Nascente) e outra à esquerda, onde reside o espírito do "tigre branco" (lado Poente).

Quanto à natureza do solo, nada melhor que o Chu-Sha-Ti (terra cinábrio ou terra encarnada), por ser bem seca, o que preserva o cadáver dos efeitos destrutivos da putrefacção, causando assim boa disposição na alma terrena do defunto.

No Han-Lung-King, o livro mais usado pelos peritos em Feng-Shui e que significa "Livro para estremecer o Dragão", especifica-se que pela direita o "dragão azul" se alimenta do fluido cósmico Yang, absorvendo-o em forma de raios solares os quais, ao passar por baixo do túmulo para a esquerda, regressam de noite convertidos em eflúvios Yin, em forma de raios lunares, transformando-se este constante vaivém num fluxo auspicioso.

Também nos diz que nos dois animais míticos - o "dragão azul" e o "tigre branco"- estão consubstanciadas todas as influências eólicas e aquáticas do Feng-Shui. Por isso, ao colocar o caixão no túmulo, deve ter-se o cuidado de que a cabeça do morto fique na direcção do Norte, sob a protecção de Un--Mou ou "guerreiro sombrio", e os pés para o Sul, sob a mágica influência do Chi-Chiao ou "pássaro vermelho", velando-lhe a direita o "tigre branco" e a esquerda o "dragão azul".

Além destes requisitos, o lugar, para ser auspicioso, deve estar bem protegido contra os ventos, especialmente contra o vento Norte, que é maligno, bem como das correntes de ventos locais, pois todo o vento é mau, até o subterrâneo.

O chinês acredita que um vento, por mais insignificante que seja, soprando durante vinte anos consecutivos sobre uma campa ou por baixo dela, pode chegar a fazer girar 180° os despojos do morto. Este facto, consequentemente, trará desgraças e ruína aos familiares do defunto. Para evitar os ventos locais não deve haver covas, buracos ou espaços ocos perto duma campa, pois eles geram o Wa-Feng ou "vento maligno das cavernas". O mais aconselhável é um sítio livre dos ventos do Norte, locais e subterrâneos, assim como dos Tang-Feng ou "ventos que sopram do interior da terra".

Além do vento, a distribuição das águas é coisa fundamentalmente necessária para determinar o local duma campa. Por isso deve-se ter em muito especial atenção a direcção da corrente da água, a situação da fonte original, os sítios onde desaguam os afluentes, os pontos onde o curso de água se bifurca ou muda de ângulo ou direcção.

Túmulo (Fuchao, c,1865)da família Kung, nome de Confúcio, com altar para os sacrifícios aos antepassdos.

Acredita-se que a água estagnada é fonte dos maiores males, pelo que a água vizinha de uma campa deve ser sempre água viva ou corrente.

Além do cuidado que se deve ter com a situação e direcção do curso das águas que, mal orientadas, podem arrastar consigo toda a felicidade existente, o local deverá conter todos os requisitos necessários para captar e conservar os fluidos cósmicos e naturais que lhe chegam dos astros e das estrelas. Para este efeito, nas imediações da campa não deve haver nenhum obstáculo topográfico que possa obstruir ou desviar esses fluidos ou fluxos auspiciosos.

O chinês acredita que, cavando a doze pés de profundidade, se chega ao limite da terra; e que, se continua a cavar ainda mais onze pés, chega ao reino das águas; e que tanto o reino da terra como o reino das águas têm os seus respectivos dragões protectores e guardiões. Por isso, o Feng-Shui, como ciência e arte, está intimamente ligado ao signo do dragão, que é o deus das águas e dos ventos.

Para o chinês, o dragão não é uma entidade puramente mitológica, antediluviana ou irreal. Para ele as montanhas e os rios são seres vivos, metamorfoses reais e concretas do espírito do dragão. Os rios, para ele, são as marcas serpenteantes de dragões em repouso e as torrentes que caem das escarpas quase verticais das altas montanhas, são dragões em atitude de trepar até aos céus.

Em quase todas as cristas das serras e montanhas vê o lombo estirado ou curvado dum dragão. E onde as montanhas descem gradualmente e se fundem nas planuras ou no mar, é a cauda, ampla e estendida do monstro sagrado, que visionam.

Embora as águas estagnadas não sejam recomendadas no Feng-Shui, uma pequena lagoa situada nas proximidades duma campa pode ser considerada propícia, se é interpretada como o olho dum dragão. Isto só se perspectiva quando o ambiente geral da campa é visto de longe e de certa altura, de modo que o pequeno lago ganhe as proporções de um ponto situado na configuração topográfica dum dragão, para representar o olho e dar vida ao quadro inteiro.

Como o Feng-Shui é inegavelmente uma superstição recheada de panteísmo, as suas concepções aguçam a sensibilidade para ver a natureza dum modo diferente. Obrigam a discriminar a situação e a estrutura da paisagem para ver nos rítmicos contornos das montanhas e na configuração topográfica dos lugares, o mesmo ritmo e formas dos seus princípios animais. A Natureza, para o chinês é animada, tem uma alma imanente. Onde quer que olhe, não vê a beleza das proporções estéticas, mas uma beleza de movimento e vida. Por isso acredita que ao situar as campas dos seus antepassados num belo ambiente, tendo por fundo essas montanhas, rios e torrentes, dragões, tigres e leões, é possível dar paz e tranquilidade ao espírito do morto, e boa sorte e prosperidade aos seus descendentes.

Assim, o sítio ideal para uma campa, é aquele cuja situação abranja um cenário único guarnecido pelo alento benéfico de 9 dragões ou quando 5 dragões e 5 tigres (montanhas com essas configurações) se unem para prestar homenagem à campa. Se o morto é enterrado num sítio com estas particularidades, é quase inevitável que um seu descendente chegue a fundar uma dinastia imperial ou pelo menos a ser primeiro-ministro.

Carta com estudo geomântico de paisagem para construção de uma aldeia com muralhas, na China (1917). Indicam-se as montanhas mais altas, os lugares para campos de cultivo, as águas do lago (à direita, a ponteado), as casas viradas ao Sul.

Quando a configuração do local é em Hai-Ti (terreno em forma de "jaiba")2, o cadáver deve ser enterrado sem caixão, para não obstruir a pequena boca do imaginário crustáceo, de onde emanam os fluidos benéficos.

Os que por razões secretas buscam obter uma descendência feminina que são raríssimos, escolhem um Fung-Ti (terreno em forma de fénix), ou em Hua-Ti (terreno em forma de flor). Antigamente seleccionam estas classes de terreno para enterrar os mortos, os que desejavam gerar filhas formosas para fornecer o harém imperial, e assim adquirir fortuna e prestígio.

Em tempos da monarquia pertenciam ao imperador todos os lugares auspiciosos para enterramento que se supunham estar localizados sob as covas, e os caminhos ou rotas que os dragões têm por baixo de terra, para se deslocarem de uma outro extremo dos domínios que Yu-Huang (o Imperador de Jade) os tenha encarregado de cuidar e de abastecer de água e vento.

Devido à correlação tão íntima e estreita que existe entre o dragão e o Feng-Shui, os indivíduos que se dedicam exclusivamente ao estudo e prática desta ciência, são chamados Lung-Kia ou "homens do dragão", vulgarmente conhecidos por Feng--Shui-Sin-Sang (mestres do Feng-Shui), os quais são muito solicitados para se pronunciar sobre a natureza dos terrenos, especialmente quando se pretende adquirir um propício para a sepultura.

Por esta razão, o morto fica geralmente em casa por tempo indefinido, aguardando que seja encontrado o lugar onde incidam todas as influências benéficas do Céu e da Terra e que retenha a harmonia dos Dez Mil Espíritos da Natureza.

Normalmente, as famílias possidentes adquirem um cerro ou montanha onde se encontram lugares propícios para o enterramento dos seus mortos. As demoras que surgem para sair o funeral, que vão de 7 a 49 dias, também podem ser devidas a esperar--se que os emissários do deus Chou-Kung caso tenham levado por descuido a alma do falecido, a devolvam à terra e a reintegrem ao descobrir o erro cometido.

Ao ser enterrado, o morto nunca deve ir acompanhado de vasilhas de terra, porque o elemento "terra" é aliado do elemento "fogo" e este perturba grandemente o dragão. Também não deve levar jóias de ouro, porque é um metal Yang (quente), capaz de gerar toda a classe de Kuei (duendes)dentro do túmulo. Só o jade é recomendado, por ser um corpo Yin (frio) que impede a putrefacção e ilumina, com o seu resplendor, o caminho das almas no seu peregrinar pelas regiões do Além. Por isso, era costume tapar os sete orifícios da cabeça do defunto com bocados de jade moldados conforme o formato dos órgãos a que eram destinados, à excepção da boca que, normalmente, tinha a figura duma cigarra, símbolo da reencarnação.

Os mestres de Feng-Shui são também consultados por ocasião de múltiplas decisões que a família deve tomar, especialmente quando se pretende melhorar o Feng-Shui tumular. Isto é arranjado por eles plantando árvores, acrescentando a altura dum montículo, ou canalizando o curso dum riacho, com o que desviam ou obstaculizam as correntes dos fluidos malignos que afectam o local, conseguindo assim reforçar o Feng-Shui já existente.

Mas assim como o Feng-Shui pode ser equilibrado e fortalecido, também é susceptível de ser debilitado e ainda de se extinguir. Qualquer coisa que modifique a configuração primitiva do local, como a construção próxima de outras campas, a abertura dum caminho próximo ou a erosão causada pelo escorrimento das águas, podem destruir os benefícios do Feng-Shui dum terreno; por este motivo, os pleitos entre aldeias são muito frequentes na China. O mesmo acontece entre os membros dum clã ou família. Por exemplo: na construção de uma campa, o lado esquerdo é considerado o lugar de primazia, reservado ao primogénito, e o direito ao segundo filho. Acontece muitas vezes que algum acidente topográfico próximo da campa, seja propício a um e nefasto ao outro, desenvolvendo-se assim complicadas disputas no seio da família, até encontrar um sítio com as características que satisfaçam ambas as partes.

Assim, quando uma aldeia ou clã está a defender o Feng-Shui da campa de algum dos seus antepassados, tem consciência de que não é só o respeito e a veneração devidos aos seus mortos que defende, conforme determina o Culto dos Antepassados, mas também a fortuna e a felicidade dela própria ou a de algum dos seus membros em particular. Por isso, não é difícil compreender o empenho passional destas disputas em que, com frequência, o indivíduo ou clã afectado, faz justiça por suas mãos.

Abundam os relatos de famílias endinheiradas e poderosas que foram à ruína porque a campa dum antepassado tinha um Feng-Shui defeituoso, e de outras, pobres e miseráveis, que prosperaram devido à favorável situação dos restos ancestrais. Também se diz que cidades inteiras melhoraram a sua es-trela com o construção duma ponte ou de um pagode, de acordo com os conselhos dum perito, e que tal ou qual localidade sofreu considerável decadência, por causa de algum edifício alto ou de mastro erigidos em lugar impróprio.

A História conta-nos que quando Chao-Ying, o fundador da dinastia Sung (960-1.280 A. D.) era ainda um jovem desconhecido, a sua pobreza obrigou-o a vender a campa do pai. Ao enterrar os restos mortais noutro sítio, quis a casualidade que fosse sobre um Lung-Mah (pulso de dragão), ou seja, o lugar mais propício no referente a Feng-Shui. Como resultado deste auspicioso facto, relata a História, o Céu sorriu-lhe dando-lhe ocasião de se sentar, pouco tempo depois, no trono do dragão.

Por este motivo, nas lutas que em tempos da monarquia se suscitavam para disputar o direito ao trono entre partidos ou facções rivais, o objectivo principal das partes contendentes era a destruição dos túmulos ancestrais do antagonista, pois julgava--se que a ruína do Feng-Shui dos seus mortos seria causa infalível da desgraça e da perda do favor do Céu.

À excepção da Ming e da Ching, as dinastias conquistadoras nada deixaram dos túmulos dos seus predecessores. E, apesar desta sanha destruidora, a China ainda conserva a série mais grandiosa de túmulos imperiais que o mundo conhece.

Também em vingança de alguma ofensa grave se recorria muitas vezes à destruição do Feng-Shui da campa da família injuriadora. E tão importante era esta crença na velha China, que os indivíduos causadores da ruína dos seus inimigos, por meio da destruição do Feng-Shui tumular, eram severamente punidos, chegando em certos casos a aplicar-se--lhes a pena capital.

O Feng-Shui tem sido, pois, causa de verdadeiros obstáculos ao progresso do país. Lembremos, como exemplo, o repúdio e a obstinada resistência que o povo opôs quando tentaram introduzir o telégrafo e construir o primeiro caminho de ferro, em que a vida dos directores e técnicos se viu seriamente ameaçada, por ter ousado despedaçar a tradição do Feng-Shui, mandando remover as campas dos antepassados de muitos dos habitantes das localidades por onde teriam que ser implantados os postes ou levantados ou terraplenos, para assentar as travessas das vias férreas. Tão grande foi o alvoroço popular, que o Governo imperial manchú, temendo que, ao ser perturbada a paz dos mortos e a boa sorte dos vivos, o povo se levantasse em armas, preferiu pagar as despesas totais do caminho de ferro recém construído, mandando em seguida remover os carris e destruir todo o material rolante.

Também o Feng-Shui desalentava, e impedia até com frequência, a exploração mineira, e outro tanto acontecia com os trabalhos de arqueologia pelo que ficaram ocultos debaixo da terra grande parte dos tesouros minerais, assim como quase todos os vestígios da sua remota e excelsa civilização.

O povo chinês é unânime em sentir antipatia não só contra os trabalhos de escavações mineiras e arqueológicas, mas contra toda a escavação, pois crê que o simples facto de cavar a terra perturba ou destrói as influências mágicas da região que se escava; e que e terra que cobre uma campa jamais deve ser ferida, por ser um acto irrespeitoso para os mortos; e que, ao romper-se o subtil e complexo equilíbrio das influências benéficas que os tem recluídos, despertaria a ira dos seus espíritos, os quais podem desencadear os germes da peste e causar a ruína ou a morte.

De facto, torna-se difícil escavar na China sem atingir uma ou mais campas, pois os chineses não sepultam em cemitérios, mas em sítios escolhidos para cada família e até para cada morto. Além disso, o lugar que é bom para uma pessoa ou para uma família, pode não sê-lo para outras. Por isso as campas são concomitantes inevitáveis da paisagem Chinesa, pois estão espalhadas pelas vertentes das serras e montanhas e por toda a extensão dos campos, subtraindo boa parte de terra cultivável aos agricultores.

Também a urbanização é um assunto muito delicado e perigoso na China. Os pleitos por motivos do Feng-Shui têm ensanguentado muitas páginas da vida citadina de pequenas e grandes urbes. Muitas vezes têm surgido verdadeiros combates entre colónias ou bairros das grandes cidades, que comoveram o país inteiro, por causa da remoção dumas campas ou dum templo ancestral que obstruíam o prolongamento duma avenida. Também a escavação duma vala, para meter os canos dos esgotos ou a canalização da água potável, podia dar origem a pleitos, quando isto "partia o pescoço" do dragão, em que algumas famílias depositavam as suas esperanças de prosperidade ou de subida ao poder, ou o simples corte duma árvore seca que reforçava o Feng-Shui da casa do vizinho da frente. E estes pleitos não cessavam enquanto a causa que os tinha motivado não tivesse sido remediada.

Embora a maior parte das cidades chinesas apresente um aspecto exótico e monótono, com as suas muralhas cinzentas e com todos os telhados ao mesmo nível dum só andar, porque o Feng-Shui não admite que um edifício mais alto seja construído em frente de outro (mais baixo), as suas construções, não obstante, sugerem ao espírito paz e serenidade, propondo-se expressar a unidade do homem com o Universo.

Para o chinês, o homem vivo ou morto não pode existir sem o seu contorno ou panorama ambiental, visto que é parte integrante da Natureza. Por esta razão, deve buscar o lugar que nela lhe corresponde e sujeitar-se às suas regras, para cooperar e contribuir para o equilíbrio harmónico das correntes locais do alento cósmico.

A concepção chinesa do Universo está baseada na suposição de que tudo o que acontece, natural e humano, é um todo contínuo, como uma cadeia de acções e reacções de efeitos recíprocos, que influem nos elementos da sua cósmica Trindade: Céu, Terra, Homem.

Com base nesta crença, desde os primeiros tempos da sua história, o chinês entende que o homem, para prosperar, não deve opor-se à Natureza nem sequer lutar para a dominar, mas tão só tentar harmonizar-se com ela. Por isso, todo o ser seria rebelde e factor de desordem se contrariasse as normas prescritas pela Natureza.

Para se ajustar à estrutura do Universo, o Feng-Shui dita-lhe uma série de regras segundo as quais toda a obra - seja ela templo, túmulo, palácio ou residência - que se insira na paisagem deve construir-se de tal modo que se harmonize com a Natureza, para que traga paz, felicidade e contentamento aos seus ocupantes (vivos ou mortos) e contribua para a ordem e o equilíbrio cósmicos. Daqui a fisionomia tão peculiar da paisagem chinesa. E embora tais regras sejam para nós como superstições abstru-sas, a verdade é que surgiram duma observação atenta e continuada da Natureza e de uma visão ampla e profunda do homem ao longo de vários milénios.

Não obstante, o Feng-Shui, como qualquer outro sistema de superstição ou representação cósmica, origina por vezes curiosos casos de fanatismo, dos quais citarei brevemente um.

Nos tempos do império, os destacamentos da artilharia imperial estacionados na cidade de Cantão, no sul da China, eram obrigados a fazer disparos de canhão, durante os quinze primeiros dias do décimo primeiro mês lunar, para o Sao-Kao-Leang ou Pico do Cão Fraco, situado fora da grande Porta de Leste. Fazia-se anualmente, porque os peritos em Feng-Shui predisseram que as exalações emanadas dessa montanha, eram propícias à gestação dum novo imperador chinês. E para impedir tão nefasto acontecimento, os vice-reis manchús ordenavam o bombardeamento do referido monte na época que se julgava mais propícia para se realizar essa predição.

De então para cá, o Feng-Shui tem sofrido muito: primeiro com os persistentes e imparáveis embates das ideias e práticas ocidentais; depois, com as reformas decretadas pela República em 1912, interessada em modernizar o país; e finalmente com as proibições e penas impostas pelo actual regime para erradicar velhas crenças, costumes e superstições. Além disso, daí para cá construiram-se caminhos de ferro e estradas; rasgaram-se e alargaram-se ruas e avenidas; removeu-se a maior parte das campas que estavam espalhadas pelos vales e ladeiras das montanhas; perfuraram-se poços artesianos e petrolíferos; exploraram-se minas; escavaram-se zonas arqueológicas; instalaram-se postes de electricidade e de telefones e erigiram-se torres de rádio e televisão; construiram-se altos edifícios e realizaram-se milhares de obras com absoluta desconsideração dos princípios e práticas do Feng-Shui.

Mas as crenças tardam a morrer, pelo que o Feng-Shui ainda representa um papel muito importante na vida do povo chinês e a sua presença faz-se sentir em toda a parte, embora os dirigentes tenham feito o impossível para erradicá-la.

Assim, os enormes e altos edifícios que o novo regime mandou construir nas grandes cidades, tanto para albergar operários e burocratas, como para instalar alguns serviços públicos, mostram um estilo híbrido, com o corpo de traços ocidentais e o telhado com os beirais e esquinas curvados para cima, ostentando, os que são destinados a dependências governamentais, pares de leões nas portas principais e ornamentados por dentro com dragões, morcegos, tartarugas, durázios, flores de lótus, fungos da imortalidade, gregas e outros símbolos associados às mitologias tauísta e budista, e ao próprio Feng-Shui.

Os comerciantes ainda hoje, geralmente, incomodam-se muito se em frente às suas lojas colocam a imagem dum tigre. Assim, quando vêem que um competitor da frente manda encimar o seu estabelecimento com uma imagem de barro da terrível fera, tratam imediatamente de instalar no alto do seu a estátua, também de barro, de Un-T'an, figura célebre na mitologia chinesa como grande caçador de tigres, para que o espírito do invisível felino não "devore" a prosperidade do seu negócio.

Também pode dar-se o caso inverso. Se a um comerciante lhe correm bem os negócios e está a prosperar, é usual que o da frente coloque na fachada um pequeno espelho rectangular que capte a imagem da porta principal do estabelecimento próspero, para que os fluidos auspiciosos e os espíritos da boa sorte, sejam por engano atraídos a entrar no seu.

Este procedimento também é válido para as casas de habitação. Se uma família mostra ser feliz e próspera, com todas as comodidades duma vida folgada, ou que seja simplesmente rica, os vizinhos da frente, mais próximos ou afastados, projectam-lhe pequenos espelhos dirigidos à fachada principal, com o fim de atraír a si algo da prosperidade ou da riqueza de que esssa família goza.

Nas margens dos grandes rios da China, especialmente nas do Rio Amarelo, há uma infinidade de aldeias e povoações que são periodicamente inundadas e até devastadas pelas impetuosas águas em épocas em que sobem mais que o normal, mas aos seus moradores jamais lhes passou pela cabeça levantar um pouco mais os diques de contenção porque, com a elevação que lhes dariam, viriam a obs-taculizar ou desviar as correntes de fluidos mágicos que beneficiam a região.

Assim é que até hoje são vítimas das periódicas inundações e, por mais que as autoridades os alertem e exortem a rejeitar as superstições e a transgredir os tabús do Feng-Shui, obrigando-os a levantar os diques, estes permanecem sempre na mesma, com o mesmo nível.

Em Outubro de 1957 cumpria-se o quarto centenário do estabelecimento dos Portugueses na pequena colónia de Macau. Para assinalar tão faustoso acontecimento, o governo de Lisboa mandou erigir sobre uma colina situada na parte Norte da cidade, um magnífico monumento de 35 metros de altura, o qual tinha a forma dum obelisco triangular. Como uma das arestas das suas faces estava dirigida para o vizinho distrito de Chung-Shang, os habitantes de toda essa região fizeram tal algazarra, pretextando que "o fio dessa enorme faca" lhes estava a cortar as correntes auspiciosas do seu Feng-Shui, que o governo de Pequim viu-se obrigado a exigir das autoridades portuguesas a sua imediata demolição. E assim se fez, embora muitos correspondentes estrangeiros, desconhecedores das crenças e costumes chineses, vissem nisso um acto hostil e intransigente da parte do regime de Mao-Tze-Tung.

Como se vê, as crenças demoram a morrer, e esta do Feng-Shui ainda subsiste na China com tal ímpeto que modifica e molda o próprio sistema, porque o chinês, mesmo que seja acérrimo seguidor de Marx e Lenine, leva imbuída no seu ser esta milenária crença, que o faz actuar mesmo subconscien-temente em todas as suas decisões.

Tirar ao chinês a sua crença no Feng-Shui, é tirar esse "algo" de estranho e exótico que o caracteriza, tanto a ele como à sua cultura, e o torna tão diferente dos restantes povos do mundo. O chinês, sem o Feng-Shui, deixaria de ser chinês.

O PÁ KUÁ

Páh-Kuá quer dizer "Oito Emblemas Adivi-nhatórios". Vulgarmente o Páh-Kuá é representado por um octógono regular, enquadrando os "Oito Místicos Trigramas" e o T'ai-Chi.

Os "Oito Trigramas" são formados por todas as combinações possíveis do Kien (linha recta, que simboliza o Yang) e do Kuei (linha quebrada, que simboliza o Yin), em grupos de três em três.

Das inumeráveis combinações que podem resultar destes "Oito Trigramas", de dois por dois, surgem os 64 hexagramas sagrados. Acredita-se que toda a ciência esotérica e exotérica está compren-dida nestes hexagramas, os quais formam a base da predição científico-filosófica exposta no Yi-King ou Livro das Mutações.

O T'ai-Chi é formado por dois semicírculos semelhantes a peixes em sentido inverso, e constitui o símbolo do Yang-Yin (princípios masculino e feminino do Universo). O semicírculo vermelho representa o Céu, a luz, o fogo, o masculino, etc., simboliza o Yang, e o preto representa a Terra, a escuridão, o frio, o feminino etc., simboliza o Yin.

A credita-se que estes dois fluidos ou forças cósmicas surgiram do caos do Nada; eles abarcaram o Universo (ou seja, todo o círculo) e regem a vida e o destino dos Dez Mil Seres da Natureza.

Hoje em dia, o Páh-Kuá, contendo o T'ai-Chi no seu interior, é empregado como amuleto e como emblema de boa sorte e felicidade. Vê-se com frequência como medalhão pendente do pescoço das mulheres, nas portas das residências, nos letreiros e galhardetes que adornam as casas comerciais das cidades chinesas.

Também se vê estampado nos brocados e nas peças de porcelana fina, assim como nos objectos que as famílias ofereçam umas às outras nas diversas festividades ou datas de feliz recordação.

Fluidos

ELEMENTOS

QUE O "FENG-SHUI" TEM EM CONTA RELACIONADOS ENTRE SI

 

Fluidos

Signos

Animais

Elementos

Cores

Pontos

Planetas

Estações

Virtudes

Notas

cósmicos

 

míticos

cósmicos

 

cardeais

 

 

 

 

Yang menor

-

Dragão

Madeira

Azul

Este

Júpiter

Primavera

Amor

Mi

Yang maior

-

Fénix

Fogo

Vermelho

Sul

Marte

Verão

Propriedade

Sol

Yin menor

-

Tigre

Metal

Branco

Oeste

Vénus

Outono

Rectidão

Yin maior

-

Tartaruga

Água

Preto

Norte

Mercúrio

Inverno

Conhecimento

Yin Yang

-

Homem<HZ3>

Terra

Amarelo

Centro

Saturno

4 estações

Fidelidade

 

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NOTA

1V. nota do final do texto de Luís Gonzaga Gomes - Mais vulgarmente ouve-se e translitera-se fong-sôi, à maneira cantonense.

2 N. R.: Refere-se a um tipo de caranguejo da América do Sul.

O homem é considerado o animal superior para todas as estações, capaz de se harmonizar tanto com o Yin como com o Yang.

*Sinólogo, com vastos conhecimentos da cultura chinesa, que aprofundou durante cerca de 30 anos vividos numa aldeia chinesa e 12 em Macau; colaborador das páginas culturais de alguns semanários mexicanos, onde tem ultimamente publicado ensaios, poemas e traduções de textos literários chineses.

desde a p. 49
até a p.