Antropologia

O mal-de-ar na concepção popular de Macau

Ana Maria Amaro*

Em Macau, entre os filhos-da-terra(1), a concepção de mal-de-ar é talvez um dos fenómenos mais ilustrativos da convergência de culturas e do poder de sobrevivência, entre o povo, de antigas tradições com raiz arcaica comum.

O mal-de-ar, entre os velhos macaenses, era explicado nos anos 70 deste Século de formas muito diversas, o que parece apontar, realmente, para concepções exóticas convergentes, em épocas mais ou menos remotas da vida do território.

Para alguns, mal-de-ar é uma doença provocada por uma corrente de ar, sendo, por isso, uma doença resultante de causa natural. Para outros, talvez reminiscência de antigas concepções malaias, ar resulta de ar maligno ou savan. O ar maligno corresponde a manifestações de índole nervosa, como agitação interior (ansiedade), delirium tremens, reumatismo, ou mesmo paralisias faciais, torcicolos ou hemiplegia resultante de acidentes vasculares cerebrais.

É curioso notar que uma terceira concepção, exactamente convergente nos resultados mas diferente em relação à causa que, aliás, se apresenta confusa é, ao que parece, de origem chinesa e conhecida por chá láp fong ou vento sujo.

O vento sujo é capaz de provocar os mesmos efeitos do savan, mas não todos. De certo modo corresponde ao vento flecha, um vento que se opõe ao fong-sôi (corrente auspiciosa) e que pode resultar de vento canalizado num beco escuso, de uma porta mal situada, de um vento estranho que faz rodopiar as folhas secas caídas nos arruamentos, principalmente nas esquinas. A concepção original deste mau vento ou mau ar perdeu-se entre os chineses, mesmo entre os mais conservadores. Temem o vento sujo e crêem nele. Mas não sabem explicá-lo a não ser pelo fong-sôi e a partir de obstáculos que se lhe opõem, como uma grande casa diante de outra mais pequena à qual rouba o sol, alguma construção com uma forma não auspiciosa em relação às vizinhas, ou a influências de maus espíritos erradios.

A confusão de ar com vento sujo e com savan que reina entre os macaenses, deve resultar da crença, ao que supomos de origem indo-ma-laia e também vulgar entre os chineses, de que o ar infecto exalado de um cano de esgoto, dum rato morto ou da decomposição de matéria orgânica em geral, pode provocar doenças de ca-rácter mais ou menos sobrenatural e de tratamento difícil. Esta doença mal-de-ar, vento sujo (2) ou savan é caracterizada por cefaleias, febre, mal-estar geral, um quebranto, sempre à mesma hora e em dias repetidos.

Os informadores são unânimes quanto à origem do mal-de-ar, savan ou vento sujo: pode resultar de golpe de ar ou vento corrupto ou, ainda, de bagate (3). É de registar, aliás, que concepções muito semelhantes se encontram difundidas pelos mais diversos pontos da Terra, não sendo exclusivas de Macau.

Nalguns grupos que se têm mantido bastante isolados, como é o caso de certos povos andinos, podemos encontrar alguns dados que lançam alguma luz acerca da forma primeva dessas actuais concepções.

Os Kallawaya da Bolívia, por exemplo, que constituem um grupo de curandeiros andinos itinerantes e detentores de conhecimentos considerados milenários, transmitidos de geração em geração, classificam as doenças em dois grandes ramos:

-as que resultam de causas naturais;

-as que resultam de causas mágicas.

Dentre estas últimas, consideram ainda:

-as que são provocadas por espíritos que roubam uma das almas, provocando o susto ou mal-de-susto;

-as que são provocadas por um espírito que penetra no corpo do indivíduo substituindo a sua própria alma, acidente que se revela por paralisias mais ou menos graves e que é conhecido por doença-de-ar (4).

Para os Kallawaya, os espíritos das doenças são muito numerosos: espíritos da terra, dos montes, das águas, das fontes, do ar, do trovão, etc.(5).

De todos os males que estes espíritos podem provocar, o mais frequente não é, porém, o mal-de-ar, mas sim o mal-de-susto. E o que é realmente curioso de notar é que entre os portugueses de Macau tanto o mal-de-ar, savan ou vento sujo e o mal-de-susto ou subissalto, são concepções absolutamente semelhantes às dos Kallawaya, até na própria nomenclatura.

Todos os indígenas dos Andes crêem, tal como muitos chineses conservadores, que cada indivíduo possui mais de uma alma, desde o seu duplo-espírito que reproduz todos os seus traços morfológicos e sobrevive depois da morte, até ao espírito mau que se transforma num fantasma depois do passamento e pode prejudicar os vivos.

Além destas duas almas, destaca-se o agayn que preside à saúde física e cujo rapto por um outro espírito, fuga ou substituição, provoca grave desequilíbrio que poderá ser fatal.

Mais inofensivo do que o rapto ou fuga da alma, pela terra ou espírito poderoso, é a simples queda desta alma provocada pelo medo. Este acidente é frequente e benigno nas crianças, mas muito mais grave nos adultos, dando origem ao mal-de-susto.

Quanto às doenças provocadas pela entrada de um espírito no corpo de alguém, aquela que os povos andinos mais temem é o chamado mal-de-ar.

Crêem, ainda, que a visão de um cadáver de pessoa ou animal durante a gravidez pode provocar doenças futuras na criança em gestação. Tal acidente, entre os malaios e também entre os macaenses, é extensivo a qualquer pessoa e é considerado a causa mais importante do savan.

A noção de mal-de-ar na Europa, tem também uma tradição antiga e constava da velha medicina clássica, através da qual passou ao povo, que a mantém ainda viva em certas re-giões mas, curiosamente, também relacionada com as práticas de magia (6).

Segundo Raphael Bluteau (7), na concepção popular do Ocidente setecentista, o mal-de-ar correspondia a parlezias. E ainda hoje em muitas aldeias portuguesas é esta, aliás, a concepção mais frequente de doenças mais ou menos graves, súbitas e de causa desconhecida. Daí o dito popular: "foi um ar que lhe deu..." quando uma coisa se deteriora ou desaparece de um momento para o outro.

No Alentejo, por exemplo, encontra-se ainda hoje muito difundida a ideia de que a congestão cerebral ou pulmonar se pode tratar por meio de uma reza eficaz para benzer d'ar apa- nhado na cabeça ou em qualquer parte do corpo.

Diz o nosso povo, de certas aldeias do Baixo Alentejo, que tal doença é devida a um ar mau que, ao passar por determinada pessoa, lhe inocula o mal (8). Daí, chamarem às congestões ar mau e doença de ar. Deu-lhe o ar é, aliás, uma expressão corrente para se dizer que alguém teve uma congestão, com hemiplegia, ou mesmo fatal. Uma ponta de ar ou um rabi-nho de ar corresponde, por seu turno, a um acidente de pouca gravidade (9).

Esta ideia reinava, também, entre as pessoas idosas de Macau, nos anos 70, especialmente relacionada com o vento sujo da concepção popular chinesa e com o mal-de-ar, de introdução nitidamente portuguesa.

Ar, savan, vento sujo e olhado são, aliás, concepções que, em Macau, muitas vezes se sobrepõem e se confundem. Esta confusão é particularmente notável sobretudo no que respeita aos processos de tratamento. Rezas e benzeduras não se usam. Rezas ou, melhor, cantilenas, usam-se, apenas, contra mal de susto para acompanhar a defumação das crianças. No entanto, as mezinhas-savan são, geralmente, usadas tanto em casos de savan propriamente dito como no caso de vento sujo, de are de olhado.

É curioso registar que é relativamente ao savan que reina, entre as antigas senhoras de Macau, uma maior confusão.

Se algumas identificam o savan com o vento sujo e explicam que vento sujo resulta de mau cheiro de cano de esgoto, de cadáver em decomposição, ou de rato morto, outras atribuem-no à presença de uma mulher grávida, ou durante o seu período mensal, o que é suficiente para agravar uma moléstia ligeira infantil como o sarampo, por exemplo, não deixar crescer um bolo, ou mesmo tornar a criança tinhosa (10).

Esta concepção é, também, comum aos portugueses. No entanto, as senhoras de Macau vão mais longe: savan é uma doença que provoca falta de apetite, dores de cabeça, um acesso febril, semple à mesma hora, mal estar e quebranto à pessoa visada. Pode, em certos casos, resultar de bafo quente e de inveja. Estes efeitos assemelham precisamente o savan com o olhado ou quebranto das terras de Portugal e no qual certos médicos portugueses de renome acreditavam, escrevendo sobre ele muitas páginas eivadas de crendices (11). Outros informadores falam de savan-tripa como de uma forma especial de savan.

Assim no-lo definiram: "Quando se vê uma coisa suja, por exemplo, ao ir vestir um cadáver (12) que exsude coisas mal cheirosas, ou quando se encontra um rato morto ou estripado, pode apanhar-se savan de tripa ou savan-tripa. Todos os dias, à mesma hora a que se viu a origem do mal, sentem-se dores de cabeça, febre, dores no corpo ou moleza e "uma grande má disposição mal definida". Afirmam, ainda, que savan-forte e savan-tripa podem matar (13).

Há ainda, como atrás se disse, quem fale em savan resultante de bagate. Nesse caso, há quem deseje mal a outrem e consulte uma man héong pó (14) que a torna bagateada. Só outra man heong pó com maior poder logrará obter a cura por meio de rezas e práticas que só elas conhecem. Raramente serão eficazes em casos de bagate os banhos de cheiro e as defumações usadas para curar savan vulgar.

Do mau ar, ao mau cheiro, ao vento sujoe ao olhado as causas vão sempre dar ao mesmo fim: savan. E o savan é que tem diferentes modalidades, tal é a força da cultura malaia entre os portugueses de Macau (15).

A palavra quebranto era raramente usada nos anos 60/70 pelas senhoras macaenses como sinónimo de olhado. Porém, savan e boca quente eram palavras muitas vezes empregadas, indistintamente, embora vento-sujo também não raro fosse identificado com savan mas nunca usado como sinónimo de olhado.

O que é curioso é que, entre os chineses de Macau, também existe uma concepção de olhado conhecida por séong ngan 雙眼 (duplo--olhar), que corresponde à influência de uma mulher grávida, tal como sucede entre os povos ameríndios, atrás citados, concepção que se encontra espalhada por vários outros pontos da Terra. Esta noção, no entanto, nada tem que ver com a concepção europeia, sinónimo de mal de inveja ou de maus desejos.

O mau olhado, na concepção ocidental,corresponde ao fascinium dos romanos e é, ao que parece, uma crença universal. Por isso, não é de surpreender que em Macau se tivessem sobreposto diferentes conceitos e também diferentes práticas rituais concernentes a tão temida má influência.

Encontramos ali, de facto, o vento sujo, de concepção chinesa, o savan de origem ma-laia, correspondente a ar maligno (ou mau ar), o mau ar do ocidente (16), e a boca quente, o conhecido calistar, a sublinhar introduções de origens muito diversas, como de Malaca, Índia, China e Portugal.

Da convergência cultural que, em Macau, é um facto evidente, resultou uma gama enorme de mezinhas contra ar, savan, olhado, boca quente e vento sujo, muito semelhantes, ou usadas indiferenciadamente para qualquer destes males.

ALGUMAS MEZINHAS DE MACAU USADAS PARA O TRATAMENTO DE OLHADO, SAVANE VENTO SUJO

Contra mal de olhado

Contra mal de olhado, que se distingue de savan porque, geralmente, não dá febre, fazem-se lavagens com a decocção de sete olhos de folha de olhado (Aster garlachii Wall.) e ministra-se, ao mesmo tempo, uma colherinha por dia desta decocção, por via oral.

As lavagens de todo o corpo, com um pano (banho em estilo chinês), devem fazer-se de manhã cedo, ou ao pôr do sol. Contudo, é de manhã a melhor altura. Para lavar um rapaz, cozem-se sete olhos (sumidades) ou sete folhas da planta atrás citada. Para lavar uma rapariga, são utilizados oito olhos (sumidades) ou oito folhas(17).

Mezinha de olhado

Usa-se folha de olhado ou folha de duas cores (18) (hong pui chou) 紅背草 e folha de jamboa (toranja) ou 7 folhas dos diferentes componentes do chá de 7 folhas(19). "Pilá as sete folhas em papa e embrulhá num ou dois pulsos. Num só já chega, se não for forte olhado. Embrulha-se com papel azeite (lap chi)". Quando os emplastros secam saem por si sós e a pessoa fica sem sujidade.

Esta prática lembra as famosas pedras. de peçonha das aldeias do norte de Portugal. É usada contra olhado mas, também, contra savan ou mau ar (provocado por mau cheiro de cano, de rato morto, etc.).

Mezinhas para mal-de-ar e olhado

Em Portugal usavam-se, pelo menos nos séculos XVI-XVII, em medicina popular, receitas contra dores de cabeça de origem indeterminada e, por vezes, identificadas com mau olhado.

Uma das mais curiosas consistia em cozer ruda, (arruda) rosmaninho, alecrim e macela galega, em panela nova e também com panos de cor, que se deixavam ferver na mesma água, aplicando-os bem molhados e espremidos o mais quentes que puder sofrer, em toda a cabeça e isto se faça duas ou três vezes(20).

Também se usava o incenso macho com pau de azinha (azinheira) deitados nas brasas, para defumação. Estas práticas eram ainda correntes em Macau, ao que consta, pelo menos na primeira metade do século XX.

Mezinhas contra savan

De acordo com um antigo caderno de receitas de culinária e de mezinhas, datado do século passado e pertencente a D. Hermínia Figueiredo (21), eram populares em Macau três tipos diferentes de mezinhas-savan: para beber, para fumar (22) e para queimar (23). (V. fac-símile).

Para beber

"Sete olhos de folhas de olhado e um olho de Magiricão".

Para fumar

"Três olhos de folhas de pecego, três fo-lhas pequenas de dois cores, 5 olhos de aruda, 5 olhos de folhas de olhado, olho de margiri-cão, 1 olho de ortalão, 3 olhinhos de savanchi-na, 4 sapecas de feijão preto, 5 ramos bentos (24), 1 pitada de sal, 3 talhadinhas de gengibre, 3 dentes de alho, pedrahume, incenso e pluma de S. Francisco (25)".

Para se queimar

"Ponha tudo o que diz acima, excepto gengibre e alho augmentando então mai (26) de assafrão, jagra e sabão. Deita água de arroz também para sahir mais vapor".

Num outro caderno antigo encontrámos registada estoutra receita contra savan:

"Casca de vilão seca (para beber). Infusão da cinza da casca de vilão na água fervida é uma das bebidas para tirar savan.

Tira-se a cinza ao fogo d'uma vela (receita de Camila Grill Gutterres de Japão)".

Esta receita, registada no século passado, utiliza a casca de banana, conhecida em Macau por figo vilão ou vilão. De facto, a banana descascada em estrela, cortada no sentido do comprimento por meio de dois golpes perpendiculares que respeitam o pedúnculo, é usada, depois de seca, para fins mais ou menos mágicos, inclusivamente para defumações com pedra-ume.

Outras mezinhas de tradição oral contra savan

1. Faz-se uma chiquia (27) com feijão preto, pedrume e as sete folhas savan (28), esmagando-se tudo em conjunto. Comprime-se a chiquia, sobre a testa, principalmente nas fontes, e entre as sobrancelhas. Esta receita é uma simplificação da anterior, o que a tradição oral justifica.

2. Moe-se pedrume, arruda e feijão preto e faz-se uma chiquia, com esta mistura, comprimindo-se no temporal, para aliviar as dores de cabeça. É também utilizada contra enxaqueca.

3. Contra dores de cabeça de ar

Pedrume reduzido a pó com alecrim, arruda e gengibre fumá na testa.

Se ficar liquefeito depois de aplicado é sinal de que as dores de cabeça resultam de savan ar, ou vento sujo.

4. Mangericão fervido em meio litro de água, serve para bafo (inalação), colocando-se uma toalha sobre a cabeça e inalando-se o vapor que sai pelo bico do gargú (29).

A toalha molhada nesta água, torcida e enrolada, sucessivamente nos pulsos, cotovelos e tornozelos é, também, um processo muito eficaz contra savan.

Ainda se pode usar esta decocção para lavagens, passando a toalha pelo rosto e pelo pescoço, sempre à mesma hora, geralmente ao pôr do sol.

5. Bafo contra savan Põe-se, numa tigela, um pouco de vinagre com água, e aí se deixam ferver as sete folhas da mezinha-savan, em banho-maria. Os doentes devem tomar este bafo três dias seguidos, o que, tal como as outras práticas contra savan, se deve realizar sempre à mesma hora e nunca com Sol alto. Às 17 horas ou às 9/10 horas é a melhor altura. "Feito noutra ocasião", segundo as informadoras, "não se obterá o mesmo efeito". Para defumar ou fomentá 1. Contra savan Torra-se arroz com sal e folhas de jamboa (toranja - Citrus grandis Osbeck), deixando o doente apanhar este fumo. Como já se disse, a defumação era uma prática comum em Macau, não só contra savan, mas também para tirar o mofo. Muita senhoras idosas aliavam o mofo a más influências e outras diziam que usavam as defumações, apenas para dar bom cheiro às casas. O fumo aromático foi um antecessor dos sprays desodorizantes dos nossos dias, aliás tão contestados. 2. Contra savan Torra-se arroz com sal e folhas de jamboa, (toranja) deixando o doente apanhar este fumo. 3. Fomentá Bisbim (30), em forma de cone preto, é um dos constituintes da pastilha aromática. A pastilha aromática usava-se nas igrejas (fumo para o Senhor) e, em casa, queimava-se o bis-bim. Este fumo é considerado em Macau bom para afastar as más disposições e atrair bom cheiro à casa (31). É costume, muitas vezes, juntar-se um pouco de alfazema ou água de Colónia (32). É de notar que as defumações com arruda, alecrim e uma pastilha macho (incenso macho de Macau) também se faziam no Brasil às 3as, 5as e sábados pela manhã, nos quatro cantos da casa, contra "maus olhos" (33). Igualmente se usavam ali o incenso, o benjoim, o alecrim, a alfazema e o breu branco (34). Em Macau também se defumavam os quatro cantos das salas com diferentes misturas aromáticas, incluindo-se, quase sempre, a pe-drume (pedra-ume) utilizada pelos chineses em defumações com carácter mágico. 4. Queimam-se sobre brasas, no fogão, alûmen, jambo (35), toranja e losna (36). Não pode mexer-se na mistura enquanto se queima. Se se pretende tratar uma criança que sofre de savan por ter sido agarrada ao colo por uma mulher grávida, ou esta lhe ter posto a mão em cima, do que resultou o incómodo, ao fazer-se esta defumação deve lançar-se nas brasas um pedaço do vestuário da pessoa causadora do "duplo olhar". É de reparar que, aqui, confunde-se o savan com o séong ngan (雙眼) chinês. Contra mal-de-ar, savan e vento sujo há ainda mezinhas para lavar- os chamados banhos de cheiro, também muito populares no Brasil, além de mezinhas para inalações. Os componentes destas mezinhas são, porém, sempre ou quase sempre os mesmos. A mezinha mais popular para o tratamento do savan, é o chá de sete folhas, que tanto se pode beber como usar em banho de cheiro, à maneira chinesa, lavando o corpo com um toa-lhete ou um pequeno pano, às vezes auspiciosamente vermelho, antes do Sol nascer ou depois do pôr do Sol. Este chá de sete folhas corresponde, segundo alguns informadores, ao Chat seng chá (chá de sete estrelas) dos chineses (37) e apresenta muitas variantes, algumas delas de nítida influência portuguesa. No século XVII, em Portugal, era popular entre as feiticeiras, nas suas práticas, oferecer ao diabo sete espécies de cheiros (38), o que provavelmente está relacionado com o famoso chá de 7 folhas do Brasil e de Macau. O número sete é, aliás, um número cuja carga mágica vem dos mais remotos tempos históricos: 7 eram as forças do Mal, os sete grupos sumérios, base da sua magia cerimonial inseparável da sua religião naturista. Sete é o número que aparece, repetidamente, na Bíblia. Sete é um número mágico só por si, o que justifica a sua escolha numa decocção destinada a curar doenças de causa sobrenatural (39). O Chá de sete folhas Esta decocção usada contra savan e também contra impingens, serve para lavar e também para beber. Composição:
2. Kat chat ip (挾蛭葉) (40) - folha de olhado (Aster garlachii Wall.) às vezes substituída por tou ip (桃葉) - folha de pessegueiro (Prunus persica Stockes).
3. Hong pui chou (紅背草) - ou chi pui chou (紫背草) - folha de duas cores (Senecio pseudochina L., ou Gynura segetum Lour., Merr.).

4. Cheng lei kat (青李吉) - savan-china (Eupatorium chinense L.).

5. Chau chou (臭草) - arruda (Ruta gra-veolens L.).

6. Má chi kan (馬子根) - mangericão (ho-mofonização do nome português). É o mesmo que Kau changáp (九棣鴉) e Ap'pin i mai (鴉片煙米)(Ocymum basilicum L.), às vezes substituído por hortelã (Mentha arvensis L. f. - hor-telã-sopa ou M. hirsuta L. - hortelã-china).

7. Hám há ip (鹹蝦葉) - folha de louro (fo-lha-balichão (41) no dizer local).

Propriedades dos simples, componentes do chá de sete folhas:

1. Lau ip - folha de salgueiro. Toda a planta é rica em salicina, de onde veio a preparar-se, no Ocidente, a célebre aspirina.

2. Tong long ip ou Kat chat ip (folhas de barata), devido ao forte aroma. As folhas são frescas e usadas em remédios para crianças e em mezinha-savan.

É a chamada folha de olhado-Aster gar-lachii Hance, que às vezes é substituída por folhas de pessegueiro.

3. Hong pui chou. Na Índia, estas folhas são muito usadas e tidas como vulnerárias.

Corresponde à folha de duas cores - Sene-cio pseudochina L. (sin. Gynura pseudochina DC., G. bicolor DC., G. sinuata DC., Cacalia bulbosa Lour.).

4. Chéang lei kat, chák lan chou (ou tou n'gau tang(42) em sua substituição), conhecida localmente por savan-china (Eupatorium chi-nense L.). Estas folhas têm propriedades diaforéticas, diuréticas e emenagogas.

5. Chau chou - Arruda (Ruta graveolens L.). Esta espécie é usada no tratamento de doenças do estômago, reumatismo, convulsões e epilepsia. É tida por uma planta de bom agoiro capaz de afastar as más influências. Nos anos 60-70 era muito frequente, em vasos, nas varandas de Macau.

6. Mangericão (Ocymum sp.). Os rebentos tenros são usados em chás considerados digestivos e usados em perturbações do tubo digestivo.

7. Folha de louro - Hám há ip (Laurus no-bilis L.) de introdução portuguesa. O loureiro é uma planta tóxica em doses elevadas, mas é usado nos países mediterrânicos como aromati-zante.

A balnoterapia (banhos de cheiro) de há muito que é usada no Ocidente como prática de carácter mágico e mais raramente no tratamento de dermatoses.

Os banhos de cheiro de Macau contra sa-van consistem em lavar-se a cara, as mãos e os pés dos doentes com um toalhete, ao pôr do sol. Maior eficácia será obtida se se mascarem folhas de betel e se se tomar chá de cat chat ip (folhas de olhado- Aster garlachii Hance.) ao mesmo tempo.

Comparemos a água do chá de sete folhas que se usa em Macau para lavagens contra sa-van e vento sujo com o "Banho para descarregar o corpo de qualquer má influência" usado no Brasil (43).

O banho do Brasil consiste na água da de-cocção de:

3 pedaços de palha benta

1 pedaço de palha de alho

1 pedaço de louro rosa

3 palmas de arruda 3 folhas de louro

3 folhas de jucá (44)

3 galhos de trevo torcidinho (45)

Primeiro toma-se o banho normal e, depois, usa-se esta água, juntando-se-lhe 3 dedos de cachaça. Há uma grande semelhança, como pode verificar-se, começando pelos 7 elementos utilizados.

É convicção nossa de que o chá de sete folhas, das senhoras de Macau, não é mais do que uma adaptação dos sete aromas usados em Portugal (por influência árabe), tal como o banho de cheiro do Brasil, tradição para ali levada pelos portugueses.

É de salientar que, com a decocção das sete folhas há, ainda, quem tome bafo, isto é, faça inalações contra savan, colocando um co- bertor à cabeça, o que corresponde a cobrir a cabeça, geralmente com uma toalha.

Contra vento sujo é também frequente usarem-se diversos amuletos. Os mais populares são os seguintes:

- Bolbo inteiro de alo macho (Allium por-rum L.) ou alo fêmea (Allium sativum L.), colocado sobre o umbigo, pendurado da cintura, ou, simplesmente, num bolso. É possível que este uso seja de origem portuguesa, uma vez que em Portugal, ainda hoje, há quem coloque raminhos de alho atrás das portas, contra mal de inveja ou mal de olhado.

- Cerdas de elefante, conhecidas em Macau por barbas de elefante, usadas em anéis e braceletes, tal como os braceletes de jade preferidos pela população chinesa que os utiliza para o mesmo fim.

Contra savan de criança, registámos também práticas específicas:

Em vez de se deitar no fogo um pedaço de roupa da mulher grávida que provocou o savan a uma criança, usava-se em Macau roubar uma pequena peça à pessoa causadora do incómodo. Deveria roubar-se um lenço, dez avos, coisas insignificantes que poderiam pedir-se. Porém, a virtude estava em ser a coisa roubada, isto é, adquirida sem a possuidora saber (46). Estas pequenas coisas penduravam-se ao pescoço das crianças, dentro de saquinhos. Para este fim, as criadas chinesas pediam umas às outras objectos deste tipo, pertencentes às respectivas patroas.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão é de referir que não só as concepções de mal-de-ar, savan e vento sujo, como as de ôlo quente e boca quente con-fundem-se em Macau, tanto quanto às causas como em relação às consequências. Domina, porém, entre os macaenses, a crença no savan, palavra malaia que como já se disse designa ar maligno.

Afirmam as senhoras de Macau que os goanos (goeses) também conhecem o savan e usam mezinhas parecidas para o tratar. Até que ponto a influência indo-malaia se perdeu, se confundiu ou mesmo influenciou a terapêutica chinesa praticada em casos de vento sujo? E em que medida a influência portuguesa se fez sentir também, no Oriente, no que respeita à concepção de mal-de-ar?

Em Macau, para o tratamento do savan, usam-se plantas orientais, principalmente folhas vermelhas ou de duas cores e plantas simbólicas chinesas. Além destas, usam-se plantas aromáticas portuguesas ou, pelo menos, de há muito tradicionalmente estimadas em Portugal para mezinhas de carácter mágico. Estas plantas, destinadas principalmente a lavagens, coincidem, como seria de esperar, com as que os portugueses levaram para o Brasil: alfavaca, hortelã, erva-cidreira (47), alfazema, arruda e alecrim.

É ainda de referir que os banhos de cheiro do Brasil constam, também, de 7 elementos (48), o que nos faz pensar numa influência exótica nas próprias concepções chinesas de Macau relativamente a mal-de-ar e a admitir a possibilidade de ser o vento sujo de Macau um fenómeno sui-generis, resultante de aculturação no sentido menos conhecido Ocidente-Oriente, por via portuguesa.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

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NOTAS

(1) "Filhos-da-terra" é a designação comummente dada aos macaenses, euro-asiáticos de ascendência portuguesa com um polihibridismo muito rico, resultante da convergência de elementos das mais diversas etnias, na cidade comercial portuária de Macau, ao longo de quatro séculos. (Cf. Ana Maria Amaro - Filhos-da-terra, Ed. do I. C. M., Macau, 1988).

(2) É de notar que, entre os chineses do Norte, o ar maligno ou o ar sujo, são concepções equivalentes. Ambos podem causar doenças ou indisposições bruscas, imprevistas e de causa indeterminada, para cura dos quais a medicina se mostra ineficaz. No primeiro caso este mau ar é concebido como um espírito; um espírito diferente dos tão temidos kwai, que existe em lugares isolados, mais ou menos desertos, ou onde domina a Natureza selvagem; no segundo caso o causador do mal é o ar viciado emanado de um lugar infecto, existente por exemplo, numa casa escura, com mofo, que esteve durante muito tempo desabitada.

(3) Bagate é um termo de origem indiana, usado em Macau para designar feitião.

(4) J. Vellard - Une éthnie de guér¡sseurs Andins, les Kallawaya de Bolivie, in "Terra Ameriga" - Revista dell'Asso- ciazione Italiana Studi America (A. I. S. A.), Génova, n° 41, Dicembre, 1980, p. 28.

(5) Embora o termo animista tenha perdido a sua conotação evolucionista, adquiriu, com Tylor, um novo conteúdo (crença em seres espirituais). Assim, este fenómeno encontra-se relacionado com um forma especial de encarar o Universo, considerando-o animado por espíritos que integram as coisas. Os espíritos dos mortos, dos seres inanimados e dos fenómenos da Natureza, são tidos como formas energéticas integradas no Mundo em que o homem se movimenta e que intervêm na sua vida quotidiana. Por vezes, estes espíritos são considerados divindades, outras vezes não. No primeiro caso constituem um verdadeiro panteão, não raramente hierarquizado.

É o que sucede nos velhos cultos pagãos chineses nos quais se fundamentam quase todas as práticas mágicas de Macau. O culto dos Antepassados desempenha especial lugar no teísmo agrário, que Caracterizou os primeiros grupos sedentários que ocuparam a Bacia do Rio Amarelo. Porém, como forma de comunicação e não como verdadeiro culto, porque os Antepassados não eram considerados divindades, a não ser no caso do primeiro antepassado coincidir com o Ser Supremo, caso inerente ao Imperador, por isso dito "Filho do Céu"

A mediação entre o grupo e os espíritos nem sempre exige um sacerdote tal como ele é hoje concebido. Às vezes o sacerdote é ocasional, como por exemplo, o caso do pai (o chefe de Família) ao prestar culto aos seus antepassados. O sacerdote profissional pressupõe outrossim alguém investido das funãões de medianeiro, como sucede em Macau no caso do Culto dos Mortos realizado nos templos e nas práti cas de exorcismos.

(6) Consta do processo de Anna Martins, condenada pelo Tribunal do Santo Ofício no séc. XVII, que todos os achaques têm ar de que procedem crenças nas artes das feiticeiras.

(7) Mons. Raphael Bluteau - Vocabulario Portuguez e Latino (...), Coimbra, MDCCXIII-MDCCXXI.

(8) Joaquim Roque - Rezas e Benzeduras Populares (Etnografia alentejana), Minerva Comercial, Beja, 1946, pp. 17-18.

(9) "Foi um ar que lhe deu", parece ser, como já se disse atrás, uma frase derivada da gravidade do mal-de-ar, muitas vezes fatal. É de referir, também, a espantosa coincidência que existe entre as expressóes "ar triste", "ar de cansado", "ar deprimido", etc., usadas vulgarmente em Portugal na acepção de aspecto e as expressÓes vulgares entre os chineses quando encontram um amigo com ar muito sério não sorridente, com aspecto de quem não está bem. Simplesmente, na antiga China, este aspecto era explicado por mau ar que a pessoa apanhara no caminho; mau ar que entrara no seu corpo, sob a forma de um espírito.

(10) Tinhosa é um termo de Macau, para designar uma criançaa que perdeu a vivacidade e se tornou birrenta ou morum (com aspecto doentio).

(11) Frei Manuel de Azevedo em 1705 afirmou que a ele próprio se lhe dera "olho ou quebranto por trez vezes, & hũa dellas sendo já de bem dura idade, ficando tal & tão quebrantado, sem frio, nem febre, que claramente conheci ser quebranto, & assim me vali de pessoa que o sabia tirar, & tirandomo, fiquey como de antes que se me désse" (Frei Manuel de Azevedo - Correcção de Abusos (...), 11 Parte - Prymeiro Tratado de Fascinaçaam, Olhado ou Quebranto (...), Lisboa, MDCCV.

(12) No caso de certa doenças, quando os cadáveres exsudam coisas mal cheirosas era costume em Macau deitar um pingo de cera de vela ou de estearina no umbigo, para evitar esse mau cheiro causador de savan.

(13) As noçães de vento e de mau cheiro causadores de doença e morte são comuns também entre os bosquímanos Kung do Calaari, estudados por Laura Marshall (1962) cit. por B. Bernardi, Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos, Ed. 70, Lisboa, 1974, pp. 153-154.

(14) Mulher de virtude chinesa que se dedica a práticas mágicas.

(15) A palavra savan é malaia. Segundo o mais antigo dicionário "Malaicum-latinum" que conhecemos, datado do Século XVII (Col. de Res. da Biblioteca Nacional de Lisboa) significa ars malignus. Os dicionários modernos, segundo Graciete Batalha, consideram o savan sinónimo de convulsões e epilepsia.

(16) Aliás, tradução literal do malaio savan (ar maligno) e do chinês ché hei (邪氣) (do Norte), corresponde ao ché fong (邪風) (do Sul). Aliás, alguns informadores esclareceu que não se trata de h'ei (氣) - sopro vital, ou ar - mas sim fán (氛) emanaçães, ar viciado.

(17) A razão destes números é de influência chinesa. os números ímpares são iéong (陽) relacionados com o princípio masculino e os pares, iâm (陰), relacionados com o princípio feminino.

(18) Gynura segetum (Lour.) Merr..

(19) V. adiante.

(20) Manuscritos da Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora, Cod. CXXI d (Miscelânea) Caderno de Mezinhas- fim doséculo XVI (?), fl. 2-24.

(21) D. Hermínia Figueiredo (Hermínia Maria Gomes de Figueiredo n. em Macau em 8.7.1863) sendo gémea de Maria Adelaide e filha de José Miguel Vitor de Figueiredo (n. em 28.3.1835), neta paterna do médico Henrique Caetano Vitor de Figueiredo n. em Goa em 21.7.1799 e que casou em Macau em 17.5.1831. (P.e Manuel Teixeira- Os médicos em Macau, Ed. do C. I. T., Macau, Imprensa Nacional, 1967, pp. 60-61).

(22) O mesmo que fomentar, técnica antiga de terapêutica ocidental que consistia em chapá quenti quenti com um saquinho de pano contendo arroz cozido (ainda quente) e uma mistura de simples medicamentosos de origem vegetal ou alúmen moído.

(23) O mesmo que defumar.

(24) Nos anos 60-70, os ramos bentos eram as palmas que se levavam à igreja no Domingo de Ramos. O número 5 faz lembrar, nesta receita, o uso de outras plantas, noutros tempos, à semelhança do que se usa ainda em muitas aldeias de Portugal, nas quais os ramos bentos são constituídos por alecrim, alfazema e oliveira ou outras plantas aromáticas, em substituição da alfazema. Em casos de trovoada, tanto em Portugal como em Macau, eram queimadas pequenas porções destes ramos ou mantidos suspensos na parede durante o ano, para o mesmo efeito.

(25) Supomos que pluma de São Francisco seja a inflorescência de Phragmites communis Trin. (sin. Arundo phragmites L.), cujo rizoma é usado em medicina tradicional chinesa e conhecido por lou kan (蘆根). As inflorescências são vistosas, em forma de pluma, e, ao que consta, esta espécie era, dantes, abundante nos terrenos mais ou menos alagados da baixa do Convento de S. Francisco. É empregada como estomáquico, anti-emético e anti-pirético. A identificação é, porém, insegura, porque não encontrámos a planta no local e os informadores, na sua maioria, afirmaram nunca terem ouvido falar em tal nome.

(26) Açafrão sobrenadante quando deitado em água a ferver, uma vez reduzido a pó, e posto, depois, a secar.

(27) Espécie de saquinho á maneira das "bonecas" de Portugal.

(28) V. adiante "chá de sete folhas".

(29) Bule de barro onde se preparam mezinhas caseiras.

(30) O mesmo que benjoim.

(31) É opinião nossa que estas defumações, de tão nítida influência portuguesa, tenham também algo de influência chinesa: a crença no mau ar que se acumula nas casas grandes, mal iluminadas, com cheiro a mofo, já atrás referida.

(32) Nome antigo dado em Macau à essência de alfazema.

(33) Luís da Câmara Cascudo - Folclore do Brasil- Ed. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1967.

(34) Ignoramos do que se trata, mas supomos tratar-se de alúmen, de acordo com a opinião de alguns informadores.

(35) Fruta-rosa (Eugenia jambos L.).

(36) Artemisia.

(37) A receita do chá de sete estrelas (七星) que recolhemos entre a população chinesa é, porém, muito diferente da do chá de 7 folhas da população macaense, pelo que supomos haver confusão nestas informações.

(38) (Sentença de Catharina Jorge - 1696 - Inquisição de Coimbra, Sent. I, 263), cit. por Adolfo coelho - Ethnografia Por-tugueza, III, in "Bol. da Soc. de Geografia de Lisboa", 2aSérie, 9 e 10, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, pág. 650.

(39) O número sete desempenha um importante papel entre os astrólogos e alquimistas. Considera-se que representa o número das plantas e dos metais correspondentes aos astros: ouro-Sol, prata-Lua; estanho-Júpiter; cobre-Vénus; chumbo-Saturno; ferro-Marte; Hermes-Mercúrio, metal e planeta. Este paralelismo mítico, estabelecido entre plantas e metais, tornou-se extensivo às 7 cores consideradas naturais, na Antiguidade, às 7 transformações, etc., nas culturas ju-daico-cristãs. Sete são as históricas maravilhas, sete as dores de Maria, sete os pecados mortais, o grupo dos Sete Santos, etc.. O valor simbólico do número sete, é aliás, muito semelhante no Oriente e no Ocidente.

(40) Também conhecida por tong long ip (螳螂葉).

(41) Balichão é um molho de camarão moído e salgado com vários temperos, seco ao Sol e aromatizado com folha de louro, por influência portuguesa, de onde o nome local macaense e o chinês hám háip- 鹹蝦葉 - (folha de camarão salgado). É de notar que o nome clássico chinês do loureiro é üt kwai(月桂).

(42) Em Macau, muitas vezes é usada a espécie nativa do Sul, conhecida por Kuong Tong tou ngau tang (廣東土牛膝) de que, aliás, se utiliza a raiz e não as folhas. Não pudemos comprovar se são espécies diferentes. Supomos, porém, que chák lan chou é a espécie Eupatorium ja-ponicum Thunb. e não E. chinense L.

(43) Luís da Câmara Cascudo - Folclore do Brasil, Fundo de Cultura, 1a ed., Rio de Janeiro, 1967, p. 231-citando tradições de Belém - Pará.

(44) Caesalpinia ferrea L.

(45) Ignoramos o nome científico desta planta.

(46) Em Portugal, no Alentejo, por exemplo há também quem considere que uma planta roubada pegará melhor do que se for dada.

(47) A erva-cidreira, em Macau, é substituída por hortelã malabar (Mentha indica Roxb.), dantes, ali, muito cultivada em vasos ou nos quintais.

(48) Alceu Maynard Araújo - Medicina Rústica, São Paulo, 1959, pp. 153-154 e Luís da Câmara Cascudo - Folclore do Brasil, ob. cit., p. 231.

*Professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Departamento de Antropologia); investigadora do Centro de Estudos Orientais da Fundação Oriente e bolseira do ICM, com vasta obra publicada, sobretudo de temas da Etnografia de Macau.

desde a p. 37
até a p.