Centenário

PICASSO EM MACAU

Acontecimento de relevo em Macau, no Verão de 1989, foi uma exposição de linogravuras e tapeçarias de Pablo Picasso que integrou mais de cem obras pertencentes ao Museu de Antibes, de França.

A exposição, organizada pela Fundação Oriente na sede da sua delegação de Macau, esteve patente ao público durante cerca de um mês, tendo merecido elogios unânimes não só no Território mas também no meio artístico de Hong Kong.

"Quando nenhuma exposição de Picasso foi até agora apresentada em Portugal, assume especial significado para o Território a exibição de cerca de uma centena de trabalhos do artista ecuménico que ele foi, integrados numa exposição que, pelo seu universa-lismo, consubstancia a originalidade, a dimensão cultural, a imaginação criadora e a concepção universal que Macau encerra"-sublinhou o presidente da Fundação do Conselho de Administração Oriente, Carlos Monjardino, no texto de apresentação do catálogo.

Para além da dimensão estética própria de uma mostra desta envergadura artística, esta exposição teve ainda considerável importância no capítulo informativo e pedagógico ao revelar ao público, através dos trabalhos feitos em linóleo, a forma como Picas-so utilizava objectos de metal, como canivetes, alfinetes, pinças e até escovas de limpar cavalos.

Isso mesmo poder verificar-se, por exemplo, em Portraits de Fem-mes ou em La Pique, obra concebida em 1959, com base nas cores da bandeira nacional espanhola.

Por outro lado, os métodos de emprego da cor, verdadeiramente invulgares em Picasso, ficaram bem patentes, nesta exposição, em trabalhos como Faunes et Chèvres (1959), Dé-jeuner Sur L'Herbe (1962) e Chapeau à Fleurs (1963).

"A grande maioria das gravuras são talhadas directamente pela sua mão ágil, embora octogenária, que inventava o desenho e as soluções gráficas à medida que a goiva sulcava o bloco"- refere o pintor Nuno Barreto, director da Academia de Artes Visuais de Macau, em comentário à exposição publicado no jornal local Tribuna.

Picasso começou a interessar-se pela linogravura em 1954, altura em que se instalou definitivamente em Vallauris, no sul de França. O seu encontro com Hidalgo Arnera, um tipógrafo que aprendera a técnica em Salzburgo, vai permitir-lhe imprimir directamente à máquina as grandes manchas de cor dos cartazes das exposições de ceramistas ou das corridas de touros que a pequena vila organiza em sua honra.

"O dia de trabalho de Picasso é muito simples. Enquanto Picasso dorme de manhã, o seu tipógrafo executa as provas de base que lhe mostra durante a tarde em sessões de trabalho que se prolongam noite dentro. É esta colaboração de todos os dias que seduz Picasso (o seu motorista faz constantes idas e voltas entre o atelier e a tipografia) e que o envolve totalmente na nova técnica "- escreve Danièle Gi-raudy, conservadora do Museu Picasso, no catálogo desta exposição.

Lançado, em 1954, nesta experiência com materiais que nunca até aí utilizara, Picasso prolongará por uma década esta sua "aventura amorosa com a litografia", na expressão da crítica francesa Brigitte Baer.

"Será que ele conhecia as experiências que Gauguin tinha feito em 1899 para Te Atua, Changement de Résidence e Soyez Amoureuses? Não com linóleo mas, evidentemente, com madeira. Sem dúvida terá visto o resultado, pelo menos através de Vol-lard. Gauguin, com efeito tinha conseguido imprimir, em sobreposição, dois estados sucessivos destes três blocos, o que dava um "fundo", trabalhado, duma cor, com o estado final numa tonalidade mais escura, ímpresso por cima e deixando ver os pormenores do fundo na primeira cor, uma vez que uma parte da superfície da madeira havia sido retirada na preparação do segundo estado. Na realidade, Gauguin não tinha procedido como Picasso fará mais tarde: sendo o primeiro estado impresso sobre folhas de papel japão, tinha tornado a trabalhar os blocos, tirado provas sobre japão transparente - tipo papel cebola -que tinha colado cuidadosamente sobre o primeiro estado. De qualquer modo a ideia já lá estava, tinha sido encontrada, e Gauguin tinha disso consciência e orgulho")... recorda Brigitte Baer num dos textos do catálogo.

Picasso foi, como salienta Da-niele Giraudy, "o gravador mais importante do Século XX, tanto em número, como em qualidade, em riqueza de invenção e de criação durante 68anos ".

Entre as mais de duas mil estampas que legou à posteridade, as du-zentas linogravuras figuram, por mérito próprio, em lugar de destaque. Como demonstrou esta exposição que o público de Macau teve o privilégio de apreciar.

"La Pique"-liogravura com as cores da bandeira espanhola (14 de Abril de 1959).

"Femme aux Chapeaux" -linogravura a seis cores (Janeiro 1962).

desde a p. 116
até a p.