O Comércio

ACADEMIA DE ARTES VISUAIS

Nuno Barreto*

Aberta desde Setembro de 1989, por iniciativa do Instituto Cultural de Macau, a Academia está instalada no edifício renovado do antigo Liceu e Escola Comercial, na Calçada do Gamboa, ao Largo de Santo Agostinho. Tem vários cursos já em funcionamento em turmas leccionadas em Português, Cantonense e, por vezes, em Mandarim. Estúdios bem equipados permitem o ensino e a prática da Pintura, Desenho, Escultura em pedra, Serigrafia, Gravura em metal e Xilogravura. Brevemente, também a Fotografia e o Vídeo.

Paralelamente, decorrem Ciclos de História da Arte em Português e Mandarim. Prepara-se, igualmente, um pequeno Centro de Documentação sobre Artes Visuais. Além dos cursos leccionados pelos professores permanentes e contratados, a Academia tem organizado 'workshops', orientados por artistas ilustres e professores, para o efeito convidados em Portugal, R. P. da China e Hong Kong. Os três primeiros foram dirigidos pelo Fotógrafo Ho Sang Wong, pelo Gravador Bartolomeu Cid dos Santos e pelo Escultor João Cutileiro. Nesta data a Academia de Artes Visuais de Macau é frequentada por mais de180 alunos.

É admitida por quase toda a gente a grande importância da Arte na vida da sociedade, tão vital para o fortalecimento da sua própria identidade, da sua auto-estima, bem como para a libertação das energias criadoras dos seus membros, outras tantas janelas abertas sobre o seu devir colectivo.

Alguns povos e comunidades, porém, sendo embora capazes de engendrar a riqueza material e a hegemonia política, desinteressam--se desse "um pouco de alma" que é a criação artística. Desenvolveram em extremo a produção de bens de consumo e as relações utilitárias e meca-nicistas e descuram, quase de todo, a actividade dos seus músicos, pintores, poetas e escritores, que são quem dá forma aos ritmos e pulsões profundas difusas no seio do seu povo. E quem faz a festa do corpo e do espírito.

A existência de condições favo-ráve is ao aparecimento das artes não tem a ver directamente com a riqueza material acumulada, embora esta possa, depois, ajudar ao seu desenvolvimento. O apreço pelas artes tem mais a ver com um misterioso equilíbrio que certas sociedades têm em se organizarem. Tem a ver com um tempo para viver a vida, tem a ver com a tolerância, com o desejo de viver em harmonia com o meio envolvente. Sobretudo, tem muito a ver com a vontade de auto-conhecer-se, com o questionar o seu passado e futuro.

A Macau, esta terra antiga de encontro de culturas e de pessoas, e vivendo nos últimos anos uma fase de grande desenvolvimento e pujança económica, faltarão instituições queacolham e favoreçam o aprofundamento da criação na área das Artes Visuais. É conhecido que o Governo do Território prepara, para breve, uma resposta bastante interessante e ambiciosa para algumas destas carências e que, no seu conjunto, integrará uma escola superior de Artes Visuais. Mas uma escola profissional de arte não esgota todas as necessidades que uma comunidade possa sentir no campo da formação artística. Um diplomado em Arte pode não ser, necessariamente, um artista criador, e este, por muito excelente que o seja, pode não estar, de todo, integrado no sistema industrial e produtivo. O mais vulgar é que não esteja. E ambos têm funções importantes na sociedade em que operam.

A formação de um artista criador tem pouco a ver com programas curriculares, com certificados e diplomas. Faz-se de outro modo. Necessita de estudo, evidentemente, de confronto, de cotejo, de diálogo. Sendo possível, o artista criador prefere planear ele próprio a sua formação. Tem muito que aprender, mas muito pouca gente lhe poderá ensinar alguma coisa. É um auto-didacta que vai estabelecendo o itinerário a percorrer, à medida dos seus interesses, e suporta com rebeldia, ou não suporta de todo, que a sociedade lhe imponha um menú pré-es-tabelecido.

Há ainda outros aspectos a considerar, como é o caso das pessoas que só tardiamente descobrem a sua vocação, assim como todos aqueles que estão inibidos de desenvolver a sua pesquisa por falta de espaço, de equipamento ou até de algum encorajamento. É ao encontro de todos estes que a Academia de Artes Visuais se dirige, em primeiro lugar.

E assim, para lá dos aspectos mais práticos da aprendizagem das tecnologias da Artes Visuais, pretende também a Academia ser um lugar de encontro e reflexão sobre as raízes da criação artística nesta parte do mundo, assim como de diálogo de ambas as tradições culturais presentes.

* Professor Agregado da Escola de Belas Artes do Porto. Actualmente Director da Academia de Artes Vi- suais de Macau. Pintor.

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