Ethnos

Arte milenar chinesa

Yue Zhi Cheng*

Selo Imperial

O entalhe de carimbos, vulgarmente designado Zhuan Ke (sendo Zhuan o estilo do carácter usado em carimbos), é uma arte exclusivamente chinesa.

A origem desta arte remonta há três mil anos quando, durante a dinastia Yin (Séc. 1066-16 A. C.), se começaram a gravar caracteres, com facas, em carapaças de tartarugas e ossos de animais. Durante as épocas Chunqiu (770-476 A. C.) e Zhan-guo (475-221 A. C.), apareceram os primeiros carimbos, que eram na época selos imperiais conhecidos por Yin Xi, executados em jade ou bronze. Alguns destes selos tinham a forma de um tigre jazente, compostos de duas metades geminadas, constituindo a posse de uma das metades a credencial dos generais, sempre que estes tinham que decretar a mobilização das tropas. Esta credencial chama-se Hufu. No ano 257 A. C., Xin Ling Jun, depois de ter roubado o Hufu a seu pai, o Rei do Reino Wei, reuniu um exército de 100 mil soldados com que derrotou as tropas do Reino Yin salvando, assim, o reino Zhao. Por isso, Xushen (58-147 DC.) dizia no seu livro "Interpretação de Textos e Caracteres" (Sho Wen Jie Zi): "Nos selos reside o poder dos grandes senhores".

Após a unificação da China, o Imperador Qin Shi Huang decretou que só o imperador tinha direito a usar o Xi (chancela), feito de jade e em cuja base estavam gravados com suavidade, rigor e delicadeza, caracteres de estilo Zhuan.

Na dinastia Han generalizou-se o uso dos carimbos, que passaram a ser feitos não só de jade mas também de ouro, prata e cobre. Durante este período passaram a chamar-se Xi os sinetes usados pelo imperador, pela imperatriz, pelos duques e pelos príncipes. Os carimbos dos altos dignitários eram chamados Yin e Zhang era o nome dado às chancelas dos generais. A distinção das hierarquias fazia-se pela qualidade dos materias utilizados no fabrico da base do carimbo, pela forma da sua pega e pela cor da sua fita; a base podia ser de jade, ouro ou cobre; a pega podia ter a forma de um tigre, de uma tartaruga, ou de um nariz; a fita podia ser violeta, azul-esverdeada, preta, amarela, etc..

1 Hufu - credencial dos generais. Era a chancela que autorizava as grandes decisões militares, A responsabilidade política explica a geminação do carimbo em duas metades: só a adjunção da metade retida nas mãos do rei conteria funcionalidade real à chancela.

2 Pega de carimbo em forma de tigre

3 Pega em forma de tartaruga

4 Pega em forma de nariz

5 Carimbos de urgência

Durante a dinastia Han a maior parte dos carimbos era fundida, salvo no caso de uma emergência militar em que, para poupar tempo, os carimbos eram cinzelados, pelo que se lhes deu a designação de "carimbos de urgência".

Nessa mesma dinastia, o estilo Zhuan dos caracteres do carimbo era diferente do Zhuan usado na dinastia Qin. A forma dos caracteres, rectilínea e vigorosa de acordo com o estilo Miao Zhuan, foi tomada como modelo pelos gravadores posteriores. Chen Hongshou, gravador da dinastia Qing, afirmou: "Ao aprender a arte de gravar carimbos, os entalhadores tomaram os artistas Han como mestres e seguiram a máxima de que o espírito e a mão devem andar lado a lado em busca da perfeição. Só desse modo é possível transformar um sinete numa obra de arte".

Nos carimbos oficiais da dinastia Tang não se usava o Miao Zhuan mas sim Jiu Die Zhuan. Os radicais de cada caracter do estilo Jiu Die Zhuan são caracterizados por muitas curvas e traços sinuosos, pouco expressivos e difíceis de decifrar.

Na dinastia Yuan usava-se, entre outros, o dialecto mongol nas chancelas oficiais para dar relevo à sinuosidade e curvatura do carácter. Durante a dinastia Ming continuou a usar-se o Jiu Die Zhuan, mas com um estilo mais aperfeiçoado, enquanto na Dinastia Qing os sinetes oficiais usados ao longo das fronteiras eram, na sua maioria, bilingues: gravados em chinês e em manchú.

Os carimbos oficiais usados em todas as dinastias revelavam o nível hierárquico do utente, estando excluídos desta categoria os carimbos não-oficiais que podiam ser entalhados ao gosto de cada um, embora neles não fosse autorizado o uso do carácter Xi (chancela imperial). Esta liberdade artística fez com que a gravação dos carimbos não oficiais conhecesse um progresso ímpar, tanto no conteúdo como na forma do carácter inscrito, tornando-se numa das artes predilectas dos chineses.

Além do mais, alargou-se o seu campo de utilização. Havia sinetes com o nome da pessoa, com a sua assinatura; sinetes para serem usados na correspondência, para assinar Caligrafia e Pintura; sinetes com caracteres de bom augúrio, com pseudónimos, com frases literárias; sinetes para marcar colecções, etc..

Os temas destes "carimbos literários" eram extremamente ricos e abrangiam provérbios, máximas, poemas e ditos que exprimiam, muitas vezes, os sentimentos, pensamentos e atitudes dos seus autores ou proprietários face à sociedade.

Da enorme variedade de selos antigos ainda existentes, destacamos uma verdeira preciosidade: os sinetes com figurinhas - Xiao Xing Yin.

Em geral, estes sinetes não eram usados para autenticar documentos, pois não tinham valor de chancela. Dividiam-se em dois tipos: uns representavam figuras humanas e de animais, em cenas de caça, de dança ou outras actividades sociais; noutros insculpiam-se caracteres com os nomes das famílias, enquadrados por dragões, tigres ou quatro espíritos.

O estilo Xiao Xing Yin, tanto recorria ao exagero como à simplicidade para dar vida às figuras, e abriu novos horizontes à arte da gravação de carimbos.

Após a dinastia Tang, tornou-se moda coleccionar pinturas e caligrafias; daí o aparecimento de carimbos especiais de coleccionadores e de avaliadores, que alteraram o uso habitual do sinete, nas dinastias Qin e Han. A partir de então surgem duas escolas distintas: uma que continuava a insistir no uso prático dos carimbos e outra que passou a ter, como objectivo, a arte da gravação.

Na dinastia Song, o imperador Song Huizong compilou um livro de carimbos intitulado "História das Chancelas de Xuanhe", fazendo assim com que os carimbos passassem a ser considerados peças artísticas, ao mesmo nível da Pintura e da Caligrafia.

6 Estilo Zhuan 7 Estilo Jiu Die Zhuan 8 Xiao Xing Yin (sinetes com lavração de figuras) 9 Gravado por Wen Peng 10 Gravado por He Zhen

Wang Mian, pintor dos finais da dinastia Yuan, começou a gravar carimbos na pedra Hua Ru (2), dando assim aos letrados a possibilidade de fazerem eles mesmos as suas gravações, por este material ser mais acessível.

Nas dinastias Ming e Ying, dada a generalização dos carimbos em pedra, surgiram várias escolas de gravação.

Weng Peng (1498-1573), gravador e pintor da dinastia Ming, considerado o pai das escolas de gravação, trabalhava no início em marfim e mais tarde em pedra-sabão. Versado em liushu (3), que, no seu entender, devia ser o modelo de todos os gravadores, Weng Peng possuía ainda largos conhecimentos sobre a escrita de caracteres. Gravava em zhuwen (4), estilo vigoroso, limpo e curvilíneo, e também em baiwen (5), estilo claro e nítido.

O mérito principal deste entalhador foi o de ter absorvido os vários estilos, esforçando-se por expressar sentimentos como a ternura, a delicadeza e a elegância, e depurando simultaneamente o excesso de curvas e sinuosidades das dinastias Song e Yuan.

He Zhen, discípulo de Weng Peng, assimilou as características mais relevantes dos carimbos hane, num estilo simples e conciso, caracterizado pela limpidez dos traços talhados a golpes de buril, deu nova vida à arte da gravação.

Cheng Sui, Ba Weizu e Wang Zhaolong não foram meros sucessores de He Zhen. O seu enorme poder criativo, levou-os a recriar o que lhes tinha sido legado. Depois de terem estudado os carimbos das dinastias Qing e Han, desenvolveram novas formas, sendo hoje considerados os fundadores da escola Wan.

A esta escola seguiu-se outra grande escola, Zhe, cujo fundador foi Ding Jing (1695-1765). O nome desta escola deve-se ao facto da província de origem do seu fundador ser Zhe Jiang. Depois de ter estudado as características dos carimbos posteriores às dinastias Qing e Han, Din Jing, mestre na utilização do buril, evoluiu para um estilo solene, elegante e tranquilo. Ao gravar baiwen, Din Jing criou um novo método de gravação através de pequenos golpes de buril. O seu estilo foi moda durante um certo período, tendo sido muito imitado pelo seus contemporâneos, dos quais destacamos Jiang Ren, Huang Yi, Xu Gang, Chen Yuzhong, Chen Hongshou, Zhao Zishen e Qian Song, que ficaram conhecidos como os "oito gravadores de Xileng".

Depois de Din Jing e da escola Zhe, surge Deng Shiru (1743-1805) com um estilo muito peculiar: associou o shiguwen (6) ao hanbeizhuan (7) e a outras formas de escrita zhuanda dinastia Han, criando uma unidade de estilo caracterizado pelo vigor, graciosidade e variedade e originando a escola Deng.

Nos finais da dinastia Qing são inúmeros os mestres gravadores, dos quais destacamos Wu Rangzi, Shao Ziqian, Wu Changshuo e Huang Shiling.

Wu Rangzi (1799-1870), discípulo de Deng Shiru, era especialista a entalhar utilizando apenas o gume da faca, de modo ligeiro e superficial, recorrendo à força dos dedos, em vez de usar a força do pulso. Durante a sua vida gravou mais de dez mil carimbos e a sua obra exerceu grande influência nos seus sucessores.

Zhao Ziqian (1829-1884) foi aluno de Dinjing antes de Deng Shiru e Wu Rangzi. Este gravador inspirou-se em achados arqueológicos e recriou estilos. Embelezou os seus carimbos, esculpindo-lhes figuras, paisagens, etc., na superfície das pegas.

Wu Changshuo (1844-1927), inspirou-se em inscrições encontradas nos fengni(8) e nos wadang (9). Os seus trabalhos, parecendo simples e despretensiosos, revelavam imediatamente uma técnica apurada e uma uniformidade de sentido. Este gravador conseguiu superar os seus antecessores dando à arte da gravação uma nova dimensão.

Huang Shiling (1849-1908) foi discípulo de Deng Shiru. Influenciado posteriormente por Zhao Ziqian, este gravador executava os seus trabalhos inspirado nas inscrições em tijolos e telhas da dinastia Han ou nos objectos de bronze das dinastias Xia, Shang e Zhou. Não se limitou a seguir as escolas da dinastia Ming; assimilou o que estas tinham de melhor e criou o seu próprio estilo, fundando mais tarde a escola Yishan.

Na História Moderna, a figura mais importante na área da gravação de carimbos foi Qi Baishi (1863-1957). Desenvolveu uma técnica de golpes rápidos e profundos; para executar o baiwen, bastava-lhe um golpe destro e rápido, que na maior parte das vezes deixava sem retocar. O seu estilo, liberto das influências dos seus predecessores, caracterizava-se por golpes decididos, espontâneos e inovadores.

Todos estes grandes mestres enriqueceram muito a técnica da gravação, cujos elementos essenciais eram a caligrafia, a disposição e o corte; nesta arte, a caligrafia é fundamental pois é a sua qualidade que confere valor aos carimbos. Por isso, o trabalho de entalhe exige profundos conhecimentos da estrutura e da evolução dos caracteres chineses, estando excluída a invenção desregrada do artista.

No que diz respeito à disposição dos caracteres é preciso manter os espaços adequados entre eles, bem como o equilíbrio entre as suas simplicidade e complexidade.

Gravações de Zhao Ziqian

Gravações de Wu Cangshuo

Gravações de Qi Baishi

Gravação de Wu Rang Zhi

Gravado por Huang Yi

Quanto ao corte, existem duas técnicas: uma que utiliza golpes grandes e outra que utiliza golpes pequenos; no entanto, ambas requerem uma combinação de velocidade com destreza e de leveza com força, para se obter a harmonia entre o conteúdo e a forma.

A face, os lados e a pega do carimbo são parte integrante desta arte: é da conjugação perfeita destes três elementos que pode resultar uma pequena obra de arte.

Os lados dos carimbos assemelham-se às legendas das pinturas; o seu conteúdo é variado, referindo a assinatura do autor, a data e o local de criação, notas explicativas do conteúdo do carimbo, opiniões do autor e, por vezes, versos, provérbios, etc.. Os caracteres gravados lateralmente abrangem todos os estilos oficiais.

A pega do carimbo era furada: inicialmente enfiava-se uma fita ou um fio para se transportar com mais facilidade.

Após a aparição dos selos em pedra, as pegas sofreram várias evoluções apresentando formas novas que poderemos reduzir a cinco tipos: biniu ou pega em forma de nariz, waniu ou pega em forma de telha semi-cilíndrica, zhuxinniu ou pega sobre o comprido, renwuniu ou pega em forma de figura e dongwuxinniu ou pega em forma de animal.

E para finalizar, falarei dos materiais cuja escolha era de primordial importância para uma boa gravação. De entre eles citamos a pedra de Qingtian, a pedra de Shoushan, a pedra de Changhua, a pedra de Baling, etc.. As pedras Tianhuang e Jiuxe são as mais valiosas e só existem na China, sendo a primeira considerada o "rei" das pedras, por reunir seis qualidades: finura, transparência, suavidade, limpidez, solidez e macieza. Estas pedras são caras não só pelas referidas caracerísticas mas também pela sua raridade.

O carimbo colocado nas pinturas e caligrafias deve harmonizar-se com o colorido a fim de acrescentar, ao todo, perfeição e beleza.

A arte de entalhe de carimbos é uma pérola rara no tesouro das artes mundiais.

Tradução do chinês: Wan Yi

Revisão literária: Constança Bartilotti, Lúcia

Pombeiro, Wang Wei.

11 Gravado por Deng Shi Ru

12 Gravado por Dinjing

NOTAS

(1) -Dentro do estilo Zhuan, existem algumas variantes.

(2) -Pertence à família da pedra Qing Tian; a sua composição química é: A12, Si4, O10, OH20.

(3) -Conjunto de seis elementos geradores dos caracteres chineses.

(4) -Também designado por yangwen- carimbo com os caracteres em relevo.

(5) -Também designado por yingwen- carimbo com os contornos dos caracteres em relevo.

(6) -Estilo muito antigo de caracteres gravados em tambores de pedras.

(7) -Estilo caligráfico usado nas lápides tumulares da dinastia Han.

(8) -Pedaço de terra argilosa usado para selar documentos e correspondência oficial e particular. Este selo garantia a inviolabilidade do documento ou carta.

(9) -Antigas telhas semi-cilíndricas usadas como ornamento.

*Professor de pintura Chinesa na Univ de Belas Artes de Pequim; Sócio da Associação de Belas Artes de Pequim e da Associação de Caligrafia Chinesa; "Designer" da Televisão Central da Rep. Pop. China.

desde a p. 81
até a p.