Este artigo ocupa-se de um crioulo português - o "Maquista" ou "Patois", usado em Macau. Nele tentaremos responder a algumas questões levantadas pela literatura críticadisponível e pelos dados recolhidos: a origem do crioulo; extinção ou descrioulização; a sobrevivência do crioulo numa função restrita.
O contexto histórico
A ocupação portuguesa da península de Macau, no delta do rio das Pérolas, foi sancionada pelos chineses em 1557, obrigados a esta concessão por motivos práticos:
- A incursão de piratas no seu litoral:
"The Chinese, who had twice expelled the Portugueses, thinking them a more tolerable Evil than those Outlaws, offered them the Island if they could root out that Generation of Thieves". (Faria y Sousa, 1695; Book III, 311).
"Os Chineses, que tinham por duas vezes expulsado os Portugueses, considerando-os um mal mais tolerável do que esses fora-da-lei, ofereceram-lhes a Ilha se eles conseguissem erradicar essa Geração de Ladrões".
- A necessidade de um entreposto comercial para o seu comércio com o Ocidente, já que a política de isolacionismo chinesa mantinha todos os seus portos fechados a estrangeiros, situação que prevaleceu até à guerra com os ingleses no séc. XIX.
Os portugueses eram pois considerados um mal necessário. A forte política de isolacionismo, contudo, reemergiria de tempos a tempos, numa tentativa de afastar os portugueses. Em 1573 os chineses insistiram na construção de uma muralha ao longo do istmo da península, sob o pretexto de que os escravos portugueses se dedicavam ao saque das povoações do continente. A muralha tinha apenas uma porta - a Porta do Cerco.
"Construída a Porta do Cerco, foi acordado com os mandarins de Hian-Can que ela se pudesse abrir dois dias em cada lua, que nesses dias os chinas fizessem aí mercado para os portugueses irem fornecer-se dos géneros que precisassem, que aos chinas fosse proibido entrar no estabelecimento e aos portugueses e mais estrangeiros sair ao território chinês, e que a dita porta fosse guardada por soldados e um oficial china. Passados anos, e já depois de existir o Senado, estabeleceu-se o mercado semanal, e o procurador recebia dos mandarins uma lista que designava os chinas a quem era permitido vir à cidade, continuando porém a ser proibido a todos habitar nela (...). Afinal a Porta do Cerco passou a abrir-se todos os dias, o mercado internou-se e fixou-se: pouco a pouco o zelo dos procuradores enfraqueceu, a brilhante e industriosa actividade chinesa insinuou-se, fez-se bem vista, e foi construindo e multiplicando casas, lojas e oficinas" (1).
"Esta porta abria-se todos os dias antes da proibição do comércio, e os aldeões dos lugares circunvizinhos, vindo a Macau com toda a liberdade de vender as suas mercadorias faziam com que não lhes faltasse nada; mas os tártaros, querendo obrigar os portugueses a abandonar este porto e entrar na China porque não podem suportar que os estrangeiros habitem nas fronteiras do seu reino e possuam aí fortalezas e artilharia, iniciaram uma guarnição para guardar esta muralha com ordem de não abrirem a porta senão em certos dias determinados. Uma vez por mês e depois que a nossa perseguição começou, este rigor passou a um tal excesso que às vezes decorriam meses sem que a porta se abrisse..." (2).
Temos assim uma situação de contacto específica, em que uma das comunidades é não só meramente tolerada, mas cuidadosamente segregada da outra.
Os dados demográficos disponíveis indicam que os portugueses foram desde o início uma mino-ria:
1563 - Portugueses................................. 900
"vários milhares de malaios, indianos e africanos, a maioria escravos domésticos" (3).
1622 - Portugueses............................... 1000
"(...) all Rich and of the best in India, because The Portions being there very considerable, many Persons of Quality resort thither for Wives" (4).
"(...) todos Ricos e dos melhores da Índia, porque sendo aí os Dotes muito consideráveis, muitas Pessoas de qualidade iam aí buscar Esposas".
"(...) a considerable number of Christian Chineses, who are cloathed and live after the manner of Portugal" (4).
"(...) um número considerável de Chineses Cristãos, que se vestem e vivem à maneira de Portugal".
Chineses (cerca de).................... 6.000
"(...) heathens, being Artificers, Shopkeepers and Merchants" (4).
"(...) pagãos, que são Artesãos, Lojistas e Mercadores".
1878 - Portugueses.............................. 4.476
Estrangeiros................................122
Chineses..............................63.532 (5)
1896 - Portugueses:
nascidos em Macau........................ 3.106
outros......................................792
Estrangeiros................................161
Chineses..............................71.021 (6)
1910 - Portugueses:
nascidos em Macau........................ 2.171
metropolitanos............................. 996
outras colónias portuguesas.............. 131
Estrangeiros................................244
Chineses..............................74.860 (7)
Do que foi dito até agora, podemos inferir as seguintes características para a fase inicial de contacto (fase em que um crioulo poderia ter-se desenvolvido):
a - A comunidade de língua portuguesa é uma minoria tolerada, segregada pela lei chinesa, e por interdições culturais (vide e-, abaixo).
b - Não é permitido aos chineses viver no território durante o período inicial de estabelecimento. O contacto é restrito ao mercado. Mesmo quando mais tarde (1622) encontramos referências a uma população chinesa estabelecida no território, trata-se de "artesãos, lojistas e mercadores" que vivem numa parte separada da cidade (8).
c - O reduzido número de chineses cristianizados foi assimilado na língua e na cultura portuguesas - "Chineses Cristãos que se vestem e vivem à maneira de Portugal" (9).
d - As actividades terciárias não incluídas no comércio (servos, amas, etc.) são preenchidas por escravos (malaios, indianos e africanos) (10).
e - Não existia casamento entre as duas comunidades. Nenhuma mulher chinesa consentiria em casar com portugueses, que eram considerados "diabos estrangeiros" (11).
Curiosamente, os portugueses interpretaram esta recusa como castidade:
"What chiefly they admired after this Journey was the Chastity of the Chinese Women; for tho' they are beautiful, and Beauty be inclined to be Wantonesss, and though our Men were long among them and familiarly entertained, yet they could never by any means prevail with any of them to yield to their Desires". (Faria y Sousa, 1695, Book III, 195).
"O que eles mais admiraram depois desta viagem foi a castidade das mulheres chinesas; pois embora fossem belas e a beleza tenda a ser licenciosa, e embora os nossos homens estivessem por muito tempo entre eles e fossem familiarmente recebidos, nunca conseguiram contudo levar nenhuma delas a ceder aos seus desejos".
Os portugueses são assim forçados a ir procurar as suas mulheres a outras paragens: Índia (12) e Malaca (13).
Estes factos apontam para a impossibilidade de um substrato chinês para o crioulo de Macau. Dadas as circunstâncias (situação de comércio), um pidgin poderia ter aparecido e provavelmente assim aconteceu, embora não tivéssemos encontrado referências a ele. Referências ao uso do Chinês pelos Jesuítas no seu esforço missionário (14), e ao uso dos portugueses como intérpretes favoritos dos ingleses e dos chineses (15), parecem apontar para o uso do chinês pelos portugueses nos seus contactos com os chineses. Mesmo quando mais tarde, com o enfraquecimento da interdição de permanência no território de Macau, os chineses tomam conta do sector terciário, vemos a emergência, entre a população portuguesa, de uma forma de cantonês, o "cantonês das amas", aprendido durante a infância com os criados (16).
Poderemos pois afirmar que o superstrato populacional residente (macaístas) aprende chinês, de preferência a usar um pidgin.
Os factos apontados acima em d - e e -, e a íntima relação com a cidade de Malaca (ocupada pelos portugueses 50 anos antes do estabelecimento de Macau, e a possessão portuguesa mais próxima) apontam para a ideia (Batalha, 1974, 29: Thompson, 1961, 238) de um crioulo português importado de Malaca, uma forma primitiva de Papiá Kristang, trazida, nos anos iniciais do estabelecimento, pelas esposas e servos, e reforçada pela radicação em Macau de numerosas famílias, fugidas de Malaca aquando da ocupação holandesa (1641).
Esta forma antiga de Papiá Kristangterá então sido sujeita a empréstimos do Chinês (abundantes em época mais recente) e à influência lexical de crioulos indo-portugueses, dada a presença de esposas e criados indo-portugueses.
As óbvias similaridades estruturais do patois com o Papiá Kristang e o facto de a maioria dos termos nas áreas semânticas relacionadas com o lar e com as actividades femininas - culinária, utensílios de cozinha, vestuário feminino, etc. - virem do malaio (Batalha, 1973: 1974, 29) e se encontrarem presentes nos documentos mais antigos (17), mais ainda reforçam a teoria de um crioulo importado de Malaca. A percepção popular confirma esta perspectiva - o crioulo é estigmatizado como "malaqueiro" (vide Apêndice I).
Temos assim a coexistência histórica de três sistemas linguísticos:
1 — Chinês - falado pela população chinesa e utilizado como língua de contacto (comércio) com os outros dois grupos;
2 — Português continental - falado pela minoria metropolitana, pessoal administrativo e militar, residente temporariamente em Macau. Dada a estrutura de poder no território, essa deve ter sido a forma de prestígio, usada pelas classes governantes e pela Igreja (vide Apêndice I).
3 — Patois ou Maquista - falado pela população portuguesa nativa - os nascidos em Macau - os "filo Macau" ou "filo da tera".
A coexistência de 2 - e 3 -, o prestígio associado com 2 - e a estratificação social dos falantes de 3 -, devem ter dado origem a um continuum post-crioulo (De Camp, 1971).
"The Macaists speak a Portuguese patois, very unlike real Portuguese. There are three forms of this dialect: (1) as spoken by the lower classes, (2) a form that approximates more to pure Portuguese, (3) as spoken by the Chinese. There are several "Portuguese" papers in the colony, said to be written in better Portuguese than those of Goa". (Peace Handbooks, 1920, vol. XIII, 81, p. 4).
"Os Macaístas falam um patois português, muito pouco parecido com o português verdadeiro. Existem três formas deste dialecto: (1) o falado pelas classes mais baixas, (2) uma forma que se aproxima mais do português puro, (3) o falado pelos chineses. Há vários jornais "portugueses" na colónia, que se diz serem escritos em melhor português que os de Goa".
Não temos, de momento, dados que confir-mem esta afirmação. Contudo, podemos ver evidência deste continuum na presente fase de descrioulização.
Este trabalho assume a descrioulização do patois, recusando a teoria, amplamente divulgada, da extinção do crioulo. O processo de extinção, referido na literatura disponível e também citado pelo meu informante, Dr. Danilo Barreiros, deverá ser visto como descrioulização em processo, uma convergência gradual com a norma linguística, o português metropolitano. A "mistura de línguas", o "jargon" referido por Batalha (1974,18) (que no mesmo livro cita dados convincentes para o processo de descrioulização - p. 45-53), e o "português corrupto" referido por Barreiros, não são mais do que evidência de uma fase tardia no processo de descrioulização.
Esta questão merece uma tratamento mais profundo, mas os limites temporais deste trabalho impedem-nos de o fazer por agora.
Um forte argumento a favor do processo de descrioulização contra a morte definitiva do crioulo encontra-se no uso actual do crioulo em funções comunicativas especiais. Analisaremos este uso selectivo do crioulo na secção seguinte.
Patois e Jogo
A par da forma descrioulizante do patois, encontramos múltiplas provas do ressurgimento esporádico da forma arcaica do patois na vida desta comunidade linguística:
1- O folclore - canções tradicionais, adivinhas, lengalengas, canções e jogos infantis, provérbios (18), etc.. Mesmo os macaístas transplantados em Lisboa (19) e nos E. U. A. (20) recordam as velhas canções e adivinhas, algumas das quais idênticas às preservadas no crioulo de Malaca (21).
2 - Letras em patois têm sido adaptadas a melodias contemporâneas: "Hello, Dolly", "Kiss me Goodbye", "You belong to my heart", "Spring time in the Rockies", etc. (22).
3 - Convites para festas e ementas são por vezes escritos no velho crioulo (Vide Apêndice II).
4 - Durante o Carnaval, os mascarados dirigem-se por vezes aos passantes em crioulo, troçando das suas fraquezas ou traços particulares (23).
5- O patois é também usado em operetas e peças de teatro, representadas por amadores durante a época carnavalesca (24).
6 - Recentemente, foram publicados alguns livros em crioulo, num esforço intencional de reviver o patois (25).
7 - Encontramos abundantemente documentada uma forma tradicional de sátira social, com raízes na Idade Média (26) - o pasquim. Dirigida a indivíduos particulares, sob a forma de cartas anónimas, diálogos ou poemas metidos debaixo das portas dos macaístas, dela encontramos numerosos exemplos no fim do século XIX (27) e mesmo alguns em datas mais recentes (vide Apêndice III).
A sobrevivência da forma arcaica de um crioulo em áreas sócio-culturais tão restritas, numa altura em que o seu uso como língua materna terá cessado, é um caso pouco usual, diríamos mesmo inédito.
Casos de línguas extintas, preservadas em cerimónias rituais (das quais o caso mais conhecido é provavelmente o do latim na liturgia católica), ou mantidas como códigos privados de sociedades secretas, têm sido documentados em estudos antropológicos. Mas, neste caso específico, temos uma língua de outro modo não funcional, partilhada por todos os membros da comunidade, utilizada numa função comunicativa específica, atestando uma competência latente num sistema linguístico presumivelmente extinto.
Um traço relevante é o domínio sócio-cultural em que o crioulo é preservado - uma gama de actividades culturais e linguísticas todas elas fortemente ligadas ao "ludus" - ao conceito do prazer e do jogo, tanto linguístico como social: canções, adivinhas, teatro, sátira, as numerosas referências ao "chiste" ou "graça" como motivação do seu uso no presente. O enquadramento temporal da maior parte das ocorrências, situa-as também na área do jogo social, no domínio da Festa colectiva - Carnaval, festas, representações, música.
Temos assim um crioulo no último estádio de descrioulização, cuja forma arcaica persiste não só no domínio do jogo linguístico, mas também, e este é talvez o seu traço mais relevante e revelador, restrita à área do jogo social.
Esta sobrevivência insólita terá que ser atribuída à necessidade de coesão social, de construção de um sentido de identidade social, numa comunidade que se entende a si própria como uma minoria (em termos da população chinesa que a rodeia), isolada pela distância, não só geográfica mas também psicológica (dada a estrutura de poder entre a população portuguesa) que a separa da fonte possível de coesão nacional e cultural - Portugal.
O velho crioulo - patois ou maquista - sobrevive assim como um eixo de solidariedade e de identidade partilhada numa área exemplarmente comunitária - o jogo.
O Pasquim
Nesta secção analisaremos mais detalhadamente uma das formas em que o crioulo sobreviveu - o pasquim.
A comunidade linguística
Se considerarmos os dados demográficos disponíveis para o período de maior circulação dos pasquins - séculos XIX e XX - verificaremos que a população portuguesa, uma minoria em termos de população total, é composta por dois grupos:
Os nascidos em Macau - os "maquistas", "macuenhos", ou "filo da tera" - e os portugueses metropolitanos - "português di Portugal" (30).
As duas comunidades, embora partilhando a mesma identidade nacional, encontram-se de facto separadas por dois factores principais:
1) - A relação de poder - os portugueses metropolitanos preenchem os escalões superiores administrativos e militares do Governo do território. As outras instituições socialmente dominantes - a Igreja e a Escola - são também controladas por eles.
A comunidade macaense, embora na sua maioria pertencente à classe média e média alta, situa-se, em termos das relações de poder, num estrato inferior.
2) - A identidade cultural - A comunidade maca-ense herdou uma cultura verdadeiramente crioula, entretecendo o tecido da interacção social e do quotidiano — culinária, tradições populares (canções, adivinhas, canções e jogos infantis, medicina popular, etc.); organização dos acontecimentos sociais (casamentos, festas, cerimónias e festividades religiosas). Simultaneamente, a comunidade herdou a memória do crioulo. Não mais uma língua materna, o crioulo é usado pela comunidade na esfera do jogo sociolinguístico, como sinal de identidade, modo de identificar os de "dentro" em relação aos de "fora", os "outros".
Devido à pressão do português metropolitano, a variante de prestígio e a língua do grupo dominante, o processo de descrioulização do patois foi lentamente aproximando o crioulo da norma metropolitana. Os estratos da classe média e alta da comunidade macaense, bilingues até há pouco, usam agora o português metropolitano em todos os contextos e situações (excepto um - o do jogo linguístico). A comunidade recorre à sua competência latente do crioulo para esta área significativa do seu comportamento sociolinguístico.
"Variation in language is one of the principal sources of material for the sociolinguistic game. To imitate the pronunciation or grammar of another group at the same time as taking on particular roles and attitudes that are thought to be associated with that group is a powerful mean of creating sterotypes and of upholding those that already exist. At the same time there is an important defensive aspect to developing the sociolinguistic play potential of one's own variety of the language. A social group under pressure, aware that its own linguistic norms are dis valued by other groups, will often elaborate complex forms of verbal play in which its own speech is uniquely highly valued". (M. A. K. Halliday - 1978, p.160).
"A variação na língua é uma das principais fontes de material para o jogo sociolinguístico. Imitar a pronúncia ou a gramática de outro grupo, ao mesmo tempo que se assumem determinados papéis e atitudes que se pensa estarem associadas a esse grupo, é um meio poderoso para criar estereotipos e para reforçar aqueles que já existem. Ao mesmo tempo, há um importante aspecto defensivo no desenvolver do potencial de jogo sociolinguístico na nossa variedade linguística. Um grupo social sob pressão, consciente de que a sua norma linguística é desvalorizada por outros grupos, produzirá frequentemente complexas formas de jogo linguístico em que a sua própria língua é especialmente valorizada".
As observações de Halliday são de especial interesse no caso do crioulo macaense. O crioulo é a variedade escolhida para os pasquins - a divertida roupagem da sátira social, forma altamente valorizada na comunidade. O género escolhido - cartas de mulheres para mulheres - utiliza os estereotipos presentes na comunidade - as mulheres como a fonte, as dispenseiras da má-língua. A sátira social é assim disfarçada em má-língua, suavizada e desculpada pela irrelevância que a cultura masculina dominante tradicionalmente lhe atribui.
Vos nomestê repará minha trela
Paciencia, vela vela são assim.
Afinal fala qui fala são mesmo,
Dale qui dale nugha cusa sem fim! (31)
O corpus
Os pasquins (coligidos e publicados por Barreiros, 1943-1944, na revista Renascimento de Macau e identificados neste trabalho pela data em que circularam) estão escritos sob a forma de uma carta de uma mulher (idosa, na maioria dos casos) endereçada a uma parente. O distanciamento geográfico que justificaria a escrita de uma carta é conseguido facilmente - a parente fictícia vive em Hong Kong, onde ainda hoje há uma numerosa comunidade de macaenses e onde o crioulo se encontra ainda vivo.
As convenções do género (carta íntima) são cuidadosamente observadas na maioria dos pasquins a que pudemos ter acesso:
I - Fórmula inicial - "Querida Chencha"
II - Saudação inicial obrigatória - que pode ser seguida (opcionalmente) por: a) uma desculpa para o atraso na resposta ou/e; b) a razão para a carta.
III - Corpo da carta
A - Notícias pessoais
B - Notícias da família
C - Notícias locais - má-língua
A ordem de A, B, e C é livremente permutável. A crítica social e a sátira são sempre relatadas do ponto de vista de um participante e/ou testemunha e encontram-se entretecidos em A, B, ou C.
IV - Saudação Final - opcionalmente precedida de uma declaração causal - o pretexto para terminar a carta.
V - Fórmula de fecho -" A tua querida Chencha"
VI - Assinatura
Num corpus de 22 pasquins, 19 obedecem a este formato. O pasquim mais recente (1944) diverge dele em pormenores significativos: embora ainda assinado por uma mulher, é endereçado directamente ao indivíduo alvo da sátira. II, III e IV estão ausentes e a crítica é tratada directamente - o autor reprova as acções do visado e ridiculariza alguns dos seus traços físicos; IV é substituído por um aviso sobre o absurdo e o perigo de represálias.
Este desvio do que parece ter sido um canon estabelecido dentro do género, aponta para o declínio desta forma de sátira e crítica social. A inexistência de outras amostras do género para lá de 1944 (em si mesmo um indicador provável do declínio do género), impede-nos de chegar a uma conclusão definitiva sobre o futuro do pasquim.
As Máscaras
Quando identificamos as características situacionais (para usar a terminologia de Halliday) destes acontecimentos linguísticos, verificamos que o pasquim, como género, usa como veículo para a sátira social e, concomitantemente, para o humor, um artifício estilístico, que se encontra frequentemente em textos literários - a Máscara.
O teor do discurso, e reporto-me novamente à análise que Halliday faz dos acontecimentos linguísticos e das suas características: ("Tenor... refers to the relationship between participants... not merely variation in formality... but... such questions as the permanence or otherwise of the relationship and degree of emotional charge in it".
John Pearce (em Doughtyetal. - 1972; 185-6).
"O teor... refere-se à relação entre participantes... não somente a variação na formalidade... mas... questões como a permanência, ou outros factores, da relação e o grau de carga emocional que nela se encontra"), é neste caso transmitido através de uma complexa partilha social de fingimentos: - O facto de que o verdadeiro autor do pasquim é um falante do sexo masculino, é do conhecimento de toda a comunidade (tal facto possibilitou a identificação de vários autores, na antologia publicada pelo Dr. Danilo Barreiros). Contudo, o autor aparente do pasquim é uma mulher. Este fingimento encontra-se ainda presente nos pasquins mais recentes (1944), embora outros artifícios estilísticos tenham desaparecido;
- O destinatário aparente é uma mulher, embora na realidade se pretenda que o seja a comunidade na sua totalidade.
Este fingimento ou máscara encontra-se ligado à segunda máscara evidente nos textos:
- O aviso frequente feito à destinatária acerca do carácter privado da carta e dos perigos de a tornar pública:
"Vôs minha Chencha, já fazê muto mal de deçá gente copiá minha carta, fazê imprimi, espalá pra tudo caza-caza, pra invergonhá pra eu, pra vôsso tio, tia tia tudo... Agora amestê tomá mas cuidado; nomestê assim dizmazelada, pinchá carta pra aqui, pinchá pra ali, qui vái cái na mao de gazetêro pra fazê chacota, como já soçodê cô otro carta".
12/10/1869
"Vós num sabí, nhy Chencha, minha Tone
Qui láia peste já panhá minha carta.
Sem eu sabí, já mandá imprensá:
Cavá já reparti para tudo gente
E eu tamém já recebê dôs copia.
Qui maldade, são certo pra inquisilhá.
E em cima tudo este gente
Chamá minha carta di pasquim".
O uso da máscara feminina na sátira social não só aproveita o estereotipo da mulher como fonte da má-língua, como foi dito acima, mas também explora a permissividade oferecida pela máscara (análoga à permissividade dada ao mascarado durante o Carnaval, mascarado frequentemente em travesti).
Encontramos no pasquim a partilha de um fingimento ou ficção, a construção de uma mentira socialmente aceitável (a mentira é aceite unicamente no contexto do acontecimento linguístico) pelos membros da comunidade (vidé a análise de Bauman (1984) sobre as histórias "tall tales" e as dimensões do "mentir"). O que torna o pasquim exemplarmente interessante são os complexos enquadramentos de consistência, os rigorosos encenamentos da mentira, desenvolvidos no pasquim com o objectivo de reforçar a veracidade da máscara.
Enquadramentos de consistência
Por enquadramentos de consistência entendemos os vários enquadramentos ou artifícios utilizados para conseguir a consistência ou coerência da máscara.
No caso da segunda máscara - o pretenso carácter privado da carta, apesar do intento real de publicidade - a coerência é conseguida através da lista detalhada dos problemas que a publicação de cartas anteriores causou - zangas familiares; vergonha sobre a família e finalmente o ostracismo social (12/10/ 1869; 25/10/1869; 8/11/1899; 7/4/1870; 27/4/1870).
A coerência na máscara feminina é conseguida através de um enquadramento mais elaborado, com o recurso aos estereotipos de comportamento feminino prevalecentes na comunidade:
1. - Áreas de interesses especificamente femininos:
1.1. - Conflitos familiares e má-língua
(1) "Vôsso tio nunca cazá na dia de anno de rê. Na ultima hora então que vem falá, que amestê botá pregam, medo que tem impedimento. Quim podê impedí já dá licença, inda pôde tem medo de más impedimento?"
11/8/1869
(2) "Unga polícia já vem pedi Tereza pra cazá. Eu que tempo ja falá com titi Rita, que tomá assilai gente criá são pra ramatá dá disgosto. Inda nunca sabi dá dôs ponto de costura bem fêto, já sái com cazamento!"
10/12/1869
1.2.- Notícias da família
(1) "Pobre de vôsso fia, anôte de dia metido mão na agu frio, a muí farinha de pau, que já panhá unga forte constipação... agora tá tomá misinha mêstre; cada dia tá más um pôco aliviado de toce".
8/4/1870
(2) "Vôsso tio tá muto triste. Este anno ja perdê mil pataca... Jogo este anno já nompôde tirá muto. Dispeza cada vez más grande. Familia augmenta. Divida nompôde cobrá. Maior parte são gente grande - grande que lá devê".
10/5/1869
(3) "Já mandá chomá nhum Chico, pra vem anôte tocá piano, dançá na caza, pra tirá tristeza de nôs tudo."
8/11/1869
(4) "Vôsso tio, agora já achá licença pra cazá".
25/10/1869
1.3.- Notícias locais
"Nhum Quimquim já vái viazá, imbarcá di piloto na navio que levá chichâi".
3/1/1865
1.4.- Queixas contra o marido ou os familiares
(1) "Pobre de vôsso Tia, que tem tamêm que matá morê na costura de vestido de noiva, eu então que só de lavá limpá este um pôco de criança criança já basta pra tira tudo tempo de minha otro serviço. Medí arroz são eu: pezá lenha são eu; lidá cô gasto são eu".
3/6/1870
(2) "Aquele sumitico, pra mesquinhá quanto "ten cens" tem fazido sempre ovidos di mercador".
21/10/1869
1.5.- Doenças e mezinhas populares
(1) "Eu já prepará quanto papel de mesinha vento, murdicim, suador fresco, pra manda pra vos aminhao pra fatião. Logo mandá tamêm ung-a botli de sucri de carambola pra vosso Ado fazê gargalezio quando repeti sua dor de garganta". 19/1/1870
(2) "... nomestê esquecê de tudo aquela recêta, que eu já mandá quando apanhá savan. Nomestê lembrá sam brinco, eu fala cô experiencia: tudo gente ri, qui fui eu pilá costa a nôte intero, mas eu inda tá vivo, elotro tudu qui fazê cusa demoda tá morê más asinha".
3/1/1865
(3) "Otro dia acunha mofina de ama abri janela, eu erguí cedo, sái fora, apanhá vento, ficá constipado. Primêro toma sincap, misinha vento, raspa mordicim... Dotôr falá sam doença d'idade e mandá tomá ninho dipastro".
3/1/1865
(4) "Eu já recebeu muto carta de minha adorada Tia, mas nao respondeu pelo motivo de está padecendo de molestia de proveito".
3/4/1870
(5) "Adeus, minha querida Chencha; eu já nom-pôde continuá escrevê mas hoze, minha cabeça tá muto dói".
12/10/1869
1.6. - Ocupações domésticas - serviço - como pretexto para terminar a carta
(1) "Como já são hora de vem tudo parecêro de jôgo, eu ja nom pôde escrevê más novidade. Amestê olá fazê chá, tirá sucre, mandá fazê torada, compá manteguilha na botica de barbero".
5/10/1869
(2) "Eu tem ung-a cumpridão de historia inda pra contá com vôs, mas está muto cupado com serviço".
11/11/1869
(3) "Eu se nunca escrevê pra vôs antes, são por cozu de minha cupação com serviço deste ung-a cazamento de vôsso tio grande".
3/6/1870
(4) "... são tamêm cupada cô prepará ropa pra vôsso prima assisti na fonção na caza de comédia, que eu já deçá de escrevê pra vos".
19/4/1870
2. - Áreas lexicais de especialização feminina:
Em todos os pasquins (exceptuando 1944) encontramos referência a alimentos, termos culinários e termos relacionados com o vestuário e a moda, evidência do estereotipo sobre aquilo de que as mulheres falam. O estereotipo reflecte possivelmente o facto de que quando os sexos têm esferas de actividade diferentes, reflectindo uma divisão social do trabalho, encontramos inevitavelmente áreas de elaboração lexical típicas de cada sexo (Lakoff -1975; Conklin - 1974): cor, costura, tecidos, métodos e utensílios de cozinha, cuidados infantis.
Essas áreas lexicais encontram-se abundantemente documentadas nos pasquins:
2. 1.-Alimentos
amchôm di achar di gamên
amchôm di achar di gamên
style="mso-spacerun: yes">
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
balsa di sucri pedra
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
jara di jagra
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
3/1/1865
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
achar láia láia
style="mso-spacerun: yes">
style="mso-spacerun: yes">
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
bolo batê pau torados
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
12/10/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
bicho bicho
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US>
|
21/10/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
bottli de achar láia láia
style="mso-spacerun: yes">
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
flandi di bolo batê pau torado
style="mso-spacerun: yes">
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
perna di presunto
style="mso-spacerun:
yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
pece fino
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
chilimeço de casa
style="mso-spacerun: yes">
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
lamci di Cantão
style="mso-spacerun:
yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
5/10/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
bletle vestido de casamento
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
papu di anju
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
ôvo de aranha
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
bolo supião
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
26/10/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
queizio do Califórnia
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
corno bifi
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
21/10/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
doce pinhão
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
rabo de porco
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
apôrona
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
11/11/1869
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
amchông de sambal de viva
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
amchông de limão achar de Sião
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
7/4/1870
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
manga de Manila
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
3/5/1870
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
catupá
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
lichia
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
laranja
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
apôrona cô rabo de porco
style="mso-spacerun: yes">
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
doce de padrinho
style="mso-spacerun:
yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
marmiquela
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
pece cabuz
|
style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:
"Times New Roman"'>
|
|
3/6/1870
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
pece
|
style="mso-spacerun: yes">
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
cambrão
cambrão
porco
vaca
frango
adé
tafu-muí
bredo chachau
aroz
1888
ginebra
pão
mão de porco
cangi
7/4/1870
2.2.-Vestuário e moda
dó de seda de França
style='mso-fareast-font-family:黑体;mso-bidi-font-family:"Courier New"'> d
style='font-family:黑体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-bidi-font-family:
"Courier New"'>ó
de seda de França
chapêu
3/5/1870
Picó
vestido de caçopo branco
3/11/1869
vestido americano de saia curto
21/10/1869
moda di balam
3/1/1865
cambraia com listan vermelho
vestido de unga pataca dez jarda
1886
seda pra fazê
style='mso-fareast-font-family:黑体;mso-bidi-font-family:"Courier New"'> quimão
lang=EN-US style='mso-fareast-font-family:黑体;mso-bidi-font-family:"Courier New"'> casaca
chap
êo alto
chapêo de pala
sobre-casaca
chapêo baço
calção tabla-tabla
pano dó
vistido cor de alicrim
27/4/1870
chapê
lang=EN-US style='mso-fareast-font-family:黑体;mso-bidi-font-family:"Courier New"'>u
de pruma
sapato de Eropa com fivela lustro
vestido de anca
1888
3.- Ponto de Vista: participante/testemunha
A sátira ou crítica social é sempre transmitida do ponto de vista de um participante (quer ele se trate da signatária da carta ou de um dos seus parentes chegados) ou a partir da perspectiva da signatária, como testemunha de um determinado acontecimento. A signatária, ou se encontrava presente ou foi informada do evento em questão por alguém em quem ela confia. O enquadramento envolve a descrição de detalhes coloridos, observações jocosas e comentários pessoais (sentimentos, atitudes) pela signatária.
No pasquim encontramos, não apenas o uso de um crioulo "obsoleto" e socialmente marcado, mas também o enquadramento elaborado de uma máscara como fonte de jogo ou manipulação verbal, suavizando uma forma de sátira e crítica social, que de outro modo seria vista como controversa e ameaçadora.
O enquadramento envolve o uso de estereotipos culturais e linguísticos, o que nos dá uma compreensão única dos sistemas sócio-culturais desta comunidade linguística, e da forma como a variação é, por essa mesma comunidade, usada para transmitir sentidos sociais.
"Social man is, inevitably, his own ethnographer" (M. A. K. Halliday 1978:234). "O homem social é, inevitavelmente, o seu próprio etnógrafo" e revela-nos a sua etnografia através da sua linguagem.
Apêndice I
DIÁLOGO
Entre Augusta de 15 annos de edade e o seu primo João Fernandes de 18 annos.
A
A.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Olé Senhor João Fernandes
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Tão cedo hoje por aqui?!
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Mana falá que onte anôte
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
tem unga bicha pra serví.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Parabéns-gozam saúde.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A mana e a menina?
|
J.F.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Mana tá um poco mai-ái
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Na cura de mêstre china
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-O tal mestre é perito?
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Nunca são, são mestre A Fui
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
que nenê falá são bom
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Chegado novo de Amuy;
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-E a criança como está?
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Nenê falá sái agrong
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Ja ruçá suzo-barata
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Agora já está mas bom
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Vamos primo para dentro
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Tomar um pouco de chá;
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Joanna traz pão, manteiga,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Chá e açucar já já.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
O meu primo lá em Hongkong
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nao apprende o portuguez?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Ah... portuguez eu já sabe,
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Agora tá prendê ingrez
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Antes de eu vae pra Hongkong
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
De onze anno pra doze
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Eu já estudá garmática
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Na escola de Padre Jorje.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Tem de cor os rudimentos?
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Padre Jorje que são rudo
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quere que nôs criança, criança
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Num dia prendê tudo.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Num são poco bolacho
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que nôs tudo levá d'elle,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
E cada cute Santana
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que rancá cabello com pele.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Pergunto se o primo ainda
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Sabe as regras de grammática?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Eu nom pode lembrá tudo,
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Ja perdê bastante pratica.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Primo falla erradamente
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Falla apenas um "patois".
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Masqui patuá, tudo gente
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Entendê cusa eu fallá.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Sendo algum portuguez novo
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Não o pod'ra entender,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Com minha zápi catápe,
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Logo fazê comprendê.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Mesmo entre as mulheres
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
É feio o falar assim,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quanto mais entre os homens!
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nao há coisa mais ruim.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Primo é rico, tem dinheiro,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Pode aprender portuguez,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Ao menos meia hora à noite,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quando gastará por mez?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Portuguez oze em dia
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Só serve pra pobretão
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quem mas pôde prendê inglez
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Pra podê ganha sua pão.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Primo não sabe avaliar
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
O que é lingua portugueza.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Só serve pra ovi missa
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Com livro dentro d'igreza.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Primo não tem em Hongkong
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nenhum livro portuguez?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Tem Carlos Magno, Bertoldo
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Não sê se mas dôs ô trez.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Estes livros são inuteis,
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nao tem nenhum diccionario
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Orthografia, Grammática,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Ou algum vocabulário?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Papá falá são asnera
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Querê prendê portuguez,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que unga lingo tão inutil
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Devê esquecê de unga vez.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Papá está muito enganado
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Em dizer que é asneira
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quem não sabe a propria lingua
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nao aprende nem a estrangeira.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-N'Hongkong tudo prendê inglez
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nos, china, como estranzero
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Primo se assim continua
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Fica sendo malaqueiro.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Justo ceo, que grande lástima
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que vergonha para nós
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Ver assim vilipendiada
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Lingua dos nossos avós!
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Gente falá papá buro
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Mas elle com sua dinheiro
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tem Luiz que capaz Latim
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tá ficá nosso portero.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Luiz sacristão de São Lazaro
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Baixo, bexigozo e gordo?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-São... elle que esplicá pra mim
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tudo historia de Bertoldo
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Sabê até tirá feticio...
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que instruido prima olá!
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Sabe também tirá sorte
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Com dez carta de jugá.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Inda prima nunca olá
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Drento de armario de Luiz
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tem unga cazote inchido
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
De tanto raiz, raiz.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Que cegueira! Só meu primo
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Chama ao Luiz poço de Sciência,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Basta! Já me causa nojo,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Faz-me perder a paciencia.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Prima olá que bonito
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
minha cartão de visita,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tudo letra d'oro;
|
A.
|
-Faz uma bonita vista.
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Primo porque usa oculos
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Com vista tão perspicaz?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Oze na Hongkong são mode
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
De tudo, rapaz, rapaz.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Moda!? Só a velhos e miopes
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Servem oculos, e luneta,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Assim como só a coxos
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Servem de arrimo a muleta.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Seria p'ra bem da moda
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Que todos usassem muleta
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Nos theatros, nos passeios
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Como nas salas de festa.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Prima também que galante
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Tudo ancuza criticá
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Mas bom são mandá vem unga fogo
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Porque eu amestê fuma
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Primo sómente em charutos
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quanto gasta a semana?
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
J.F.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
-Tres patacas, porque eu
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Fuma charuto de Habana.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Bom prima, adeus eu tá váe
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Dá lembrança pra mamá,
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
A.
|
-Foi ella a Sé ouvir missa
lang=EN-US style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Brevemente voltará.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Adeus, lembranças à mana
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
Quando voltar outra vez
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
De-me o prazer ao menos
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
|
De fallar-me portuguez.
style='font-size:12.0pt;font-family:宋体'>
|
Apêndice II
CONVITE
Na quarta-fera, dia 3 de Feverero, na Teatro D. Pedro V tem comedia de bobo. Logo representá opera "Lolita". Porta logo abri justo 9 hora. Se vôs querê ri que torcê, pôde vem olá, mas nebom trazê criança-criança como ano passado. Vôs-ça onsongça gente pôde vem nuncassá convite. Quim querê bom logar vem cedo, podê sentá bacho, pode sentar riva, vontade. Muimui, Merita, Géni, Léla, Lolita, Bento, Janeca e Ambrosio logo entretê vôsotro tudo. Nunca bom pensão, nôs nádi cobra sapeca.
Carnaval de 1937
Apêndice III
10/10/1944
Só
XXXXXX XXXXXXX
Só onti pôde rametê lê tudo aquele rabugenga que ja sai na gaseta de Macau pâ vôs.
Eu cavá lê tudo aquele lenga lenga, senti que vôs deveras são tolo.
Vôs nunca são mau rapaz mas são chulido. Sentá sentá lembrá de vai metê com cusa que nunca são de vôs sa capacidade.
Vos pensá que tudu que vôs querê fazê logo sae bem fêto mas ja sae tudo erado e peor são non querê dá braço tocê pa tudo aquele que são mas capaz que vôs. Vôs assim novato querê batê como olotro tudo? Todo gente mas batido na cusa de vida?
Naquela festa grande de 50° anu de liceu, eu na vôs sa lugar logo senti qui nôn tem chiste. Quando nadi ri (eu ja ouvi que algum ja ri que cai calção) aquele vôs sa companheiro companheiro de escola, velo e novato, aquele um pouco que vôs logo que topá sô olotro na rua virá cara pa non tem que visitá.
Que fui vôs fazê assim? Vôs despresa olotro porque vôs senti que vôs mas superior que olotro? O! senti vergonha porque olotro são pobre e vôs sa pai agora são rico? O! são ja senti que vôs são deveras tolo, são deveras buro mas non quero falá cô olotro pa pedi conselho, pa pará co mangação? Mas certo são pa estunga motivo. Vôs ja senti que nunca são assim capaz como olotro, que são diveras buro mas non quero dá braço torcê.
Agoro otro ancusa: Vôs assim querê mostrá bom Christão como pode esquecê mandamento de nôs Santa Madre Igreja?
Como vôs senti que são bom Christão e entrá naquele irmandade de JUVENTUDE CATOLICA que condená tudo baile baile, falá que são imoral, quando vôs tá vai quaisi tudo anoite dançá na cabaré co refugiada refugiada?
Não só vôs perdê vôs alma como fazê perdê alma, corpo e nome de olotro naquele porquise de cabaré, assim misturado com dançarina, china china que nada tem que perde?
Eu ja ovi falá mas ancusa: que naquele sabado que "MELCO CLUB" dá chá com dança até 3 aoras de manhão, que vôs tamem ja vai, mas logo que chegá meia noite vôs ja fugi cõ vôs sa refugiada pa vai cabaré de hotel Kuoc Chai.
Vôss nunca pensá que masqui seja vôs non tem animo de mostrá claro claro goto de gaio dodo como tudo olotro, nadi falta olo profano, olo que sabe tosca tudo, cabeça suzo, boca desbocado que aquela hora mesmo principiá passá palavra? "Nunca ta fazê bom cusa". Vôs nunca senti ardê cara, ardê orelha, na cabaré?
Eu não pode capacitá como vôs pode tem animo de vai cabaré com refugiada nunca medo senhor BISPO, que tudo lôgo sabe; de padre XXXXXXXXX, vôs sa dretor esperitual e de aquele otro dotor que tudo gente falá são quasi padre, XXXX XXXXXXX, que são quim dirigi na Mocidade Portuguesa, que vôs tamem são unga filhado!
Vôs nunca são parvo, nunca são tolo, nunca são non tem sizo? Vôs pensá que gente non tem olo pa olá ó pensá que são vôs gente já não tem animo pa murmurá?
De tudo aquele lenga lenga que ja sae na gaseta unga ou senti que vôs tem razão de ficá réva: são aquele um pouco de rapaz rapaz chamá vôs dotor dentista. Eu primêro non sabe qui foi dá estungo suposto pa vôs mas preguntá cô unga pregunta cô outro ja vem sabe estungâ historia: que vôs ungaa dia que ta jogá jogo de bola vai bola bola vem, que bate cô unga avano de rede (eu lembrá que já ovi falá que chamá Tenis) vôs ja cae e non pode levantá nem pode mexê-Aquele otro, vôs sapar olá vôs assim apanhá susto, pensá que vôs apanhá vento suzo, corê chamá gente socoro mas ninguem tem capaz de levantá pa vôs. Tudo espantado olá bem fêto são qui cusa assim estranho. Intão descobri que são vôs já ficá cô tudo dente enterado na chao. Assim tudo disisti, falá são más bom chamá unga china de cavá mato, traz a sua fero de cavá pa disinterá vôs, sa dentuça.
São assim que ja salvá pa vos?!
São divera que já acontecê estunga historia?
Se nunca vôs são divera tem rasão de ficá reva, de pegá odio pa olotro tudo com pôco de boatêro.
Vôs nunca bom ficá reva cô eu; eu nunca são discompôr, nunca são querê xovalha pa vôs, são somente unga desabafo de eu sa disgosto de olá vôs assim fêto pôco, de eu sa medo de vôs sigui mau caminho, por isso assim pa porta traz eu vai avisando de tudo quanto que este gente tá falá, tá murmurá de vôs. Mas se eu sabe que vôs logo tomá conselho, dadi ficá reva eu logo disabafá falá com vos pa nunca bom ficá assim impostor, assim prisunçoso, tudo gente tá murmurá, tá olá pa vôs cô canto de olo.
Eu conhece vôs-sa pai, vôs-sa mãi, já côlo vôs quando pequenino pode dá unga checho ucho e unga abraço forte, forte, nunca sã reparado.
Ti Mariquinhas
BIBLIOGRAFIA
Barreiros, Danilo
1943-44 "Dialecto Português de Macau" in Renascimento, Macau,1943-1944.
Batalha, Graciete
1959 "Estado Actual do Dialecto Macaense", Revista Portuguesa de Filologia, vol IX, Coimbra.
1974 "Língua de Macau". Imprensa Nacional de Macau, Macau.
1977 "Glossário do Dialecto Macaense". Instituto de Estudos Românicos, Coimbra.
1986 "O Chão de Padre e seus moradores portugueses". Imprensa Oficial, Macau.
Brazão, Eduardo
1949 "Apontamentos para a história das relações diplomáticas de Portugal com a China". Agência Geral das Colónias, Lisboa.
Barbosa, Jorge
1971 "Crioulos". Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa.
Conklin, Nancy
1974 "Toward a Feminist analysis of Linguistic Behavior". The University of Michigan Papers In Women's Studies, I, N°1,57-73.
De Camp, David
1971 "Toward a generative analysis of a post-creole continuum", in Dell Hymes, ed. - Pidginization and Creolization of Languages.
Doughty, Peter S., & Pearce, J., Thornton, G.
1972 "Exploring Language". Edward Arnold, Londres.
Faria y Sousa, M.
1965 "The Portuguese Asia", traduzida para Inglês por John Stevens, reeditada por Gregg International Publishers, Westmead: 1971.
Ferreira, José Santos
1978 "Macau sã assi"
1973 "Qui-Nova Chencho"
1978 "Papiá Cristan di Macau". Edições do autor, Macau.
Halliday, M. A. K.
1978 "Language as Social Semiotic - The social interpretation oflanguage and meaning". Edward Arnold, Londres.
Lakoff, Robin
1975 "Language and Woman's Place".
Harper & Row, Nova Iorque.
Peace Handbooks
1920 Vol XIII, 81, Macao.
H. M. Stationery Office, Londres.
Thompson, Robert W.
1961 "O dialecto português de Hong Kong". Boletim de Filologia, Vol XIX. Lisboa.
NR - Chama-se a atenção do leitor interessado para o facto de as citações da "Ásia Portuguesa" de Manuel Faria e Sousa, frequentes no texto, serem a retroversão para português da tradução inglesa do original. V. Bibl. "The Portu-guese Asia", trad. John Stevens, Gregg International Publishers.
NOTAS
(1) Marques Pereira - As alfândegas chinesas de Macau, citado por Brazão, 1949.
(2) Adriano Greslon - Histoire de la Chine sous la domination de les Tartares.
(3) Batalha, 1974, 22.
(4) Faria y Sousa, 1695, Book III, 311.
(5) "Crioulos", 1967,171.
(6) Foreign Office-Peace Handbooks, vol. XIII, 81, p. 5.
(7) Ibidem, nota p. 4.
(8) Ibidem, p. 5 "It is divided into a Chinese and a non Chinese quarter, each under a special administrator".
(9) Faria y Sousa, 1695, Book III, 311.
(10) Batalha, 1974, 22.
(11) Ibidem, 29.
(12) Faria y Sousa, 1695, Book III, 311.
(13) Batalha, 1974, 27-29.
(14) Faria y Sousa, 1695, Book III, 79.
(15) Dr. Barreiros, comunicação pessoal.
(16) Batalha, 1974, 19.
(17) Ibidem, 15-17.
(18) Barreiros, 1943-44. "Crioulos", 182-186. Batalha, 1959; 1977.
(19) Barreiros 1943-44, 359-360.
(20) UMA - 1974 um folheto dos macaístas da Califórnia, publica alguns poemas e adivinhas em patois.
(21) Batalha, 1986, 60.
(22) Ferreira, 1973.
(23) Barreiros, comunicação pessoal.
(24) Barreiros 1943-44. Ferreira, 1973.
(25) Ferreira, 1973 1978
(26) Embora encontremos numerosos exemplos de sátira na literatura portuguesa ao longo dos séculos, a poesia satírica, dirigida a um indivíduo específico, como é o caso do crioulo de Macau, só se encontra até ao final do século XVI, nas Cantigas de Escárnio e Maldizer.
(27) Barreiros, 1943-44.
Barreiros 1943-44, 359-360. Ferreira, 1973, Introdução.
"Linguazi di português di portugal, comê bem pagá mal" in Barreiros 1943-44; p. 468-9.
(30) Halliday - 1978; p. 160.
(31) "Carta de nhy Roza para nhy Chencha", 1870. In Barreiros, p.241.
* Investigadora do Departamento de Linguística da Universidade de Austin (Texas); bolseira do Instituto Cultural de Macau.
desde a p. 36
até a p.