Ethnos

Arte, Lenda e Ritual
Elementos da identidade dos pescadores chineses do Sul da China

Rui Brito Peixoto*

Num estudo sobre a indústria das pescas na ilha de Cheng Chau (Hong Kong) é observado que a actividade piscatória ocupa apenas 120 a 150 dias por ano, enquanto que o resto do tempo é distribuído por iniciativas que se prendem com a organização de festividades cíclicas, cerimónias e outros acontecimentos de carácter ritual e religioso (So 1964: 144-5). Em Kau Sai, uma aldeia piscatória com umas centenas de habitantes, situada numa ilha ao largo dos Novos Territórios de Hong Kong, só a festividade anual da divindade protectora do templo local importou, em 1982, num montante de 120 000 H. K. D. que foi angariado através de uma subscrição e de donativos entre os participantes (Ward 1982: 33).

Embora não disponhamos de dados quantitativos, em Macau há também fortes indicadores da importância da religião na comunidade chinesa, em sentido global. Desde logo, o número elevado de templos é muito significativo (1): não há canto do Território em que não tenham proliferado edifícios, altares, nichos e outros lugares de culto que são, obviamente, emblemáticos de uma realidade social. Outra indicação visível, é o facto dos exemplos mais representativos da arquitectura tradicional chinesa serem edifícios com funções de índole religiosa. O fardo económico que representa a manutenção e preservação deste património, num contexto social em que as necessidades básicas de higiene, saúde e educação nem sempre foram atendidas, nunca teria sido suportado por uma comunidade desmotivada para questões de âmbito religioso. Reciprocamente, os entraves postos pela população às iniciativas de expansão urbana da Administração tiveram subjacentes, regra geral, imperativos de ordem simbólica e não tanto interesses de natureza funcional. Os exemplos em que a remoção de construções, rochas, árvores e outros acidentes no solo colidiram com os princípios da geomancia (2) são numerosos, mas o mais famoso é o que custou a vida a um governador (3).

Porém, os templos e os outros lugares públicos de culto são apenas uma das muitas formas de expressão religiosa. Numerosas actividades desenrolam-se num contexto privado. A habitação contém representações simbólicas dos antepassados e de muitas divindades, que são objecto de atenções diárias. Na esfera privada, verifica-se uma míriade de preceitos de ordem ritual e religiosa que dizem respeito ao nascimento, ao casamento, à morte, etc.. Tudo isto se exprime na consulta contínua do "almanaque" (tung siu 通勝), que dispensa orientação para um sem número de acções do quotidiano: viajar, mudar de casa, etc..

Se a importância da dimensão religiosa na sociedade chinesa não pode ser subestimada, então parece assumir particular acuidade no domínio mais restrito da comunidade piscatória, que é vulgarmente apontada como o seu sector mais "supersticioso". Dito de outro modo, tem sido considerado que a sua visão do mundo é, essencialmente, de natureza "religiosa" (Ward 1955). Com isto, pretende-se significar que, tradicionalmente, o pescador do Sul da China tem um sistema cosmológico único, cujo pensamento totalizante não estabelece a demarcação entre os nossos conceitos de "natural" e " sobrenatural", e que se ajusta continuamente em função de uma realidade invisível, mas omnipresente, que ele pode contactar, através de certos tipos de comportamento, a que chamaremos ritual. Assim, o pescador organiza as suas actividades e, num sentido lato, regula a sua existência, em harmonia com um mundo povoado pelas forças dos espíritos - uns benéficos (san), outros nefastos (kuâi鬼) - pelos poderes dos antepassados (chou sin 祖先), e pelas influências da geomancia (fong sôi 風水), a que se vem juntar um conjunto de interdições - compreendendo, nomeadamente, determinadas ideias de poluição e certos tipos de "peixes sagrados" (san yu 神魚). Este mundo invisível é supostamente influenciado pelo pescador através do respeito pelas interdições e por certos preceitos - que incluem atitudes para com o familiar ou para com o próximo - da reverência dos antepassados, da veneração das divindades, e da prática de certos exorcismos e outros rituais que, por vezes, assumem expressão pública e colectiva por ocasião das festividades cíclicas anuais.

As considerações que acabamos de tecer parecem justificar, por si mesmas, a necessidade de levarmos em boa conta o domínio do ritual e da religião no processo de caracterização sociológica da comunidade piscatória de Macau, de que nos temos vindo a ocupar (cf. Brito Peixoto 1987, 1988a,. 1988b). As nossas reflexões neste âmbito prendem-se, contudo, a aspectos que gravitam em torno de uma questão que temos vindo a abordar - o facto de os pescadores do Sul da China permanecerem uma categoria socialmente distinta, e que é, no fundo, a razão de ser da existência da própria comunidade enquanto tal.

O foco religioso da comunidade piscatória é o Templo da Barra (Má Kok Miu 媽閣廟), que é, em terra, o ponto de referência mais significativo para a população flutuante, ficando situado à entrada do Porto Interior, que serve de abrigo à esmagadora maioria dos pescadores do Território. Consagrado à deusa A Má, a divindade protectora dos marítimos, o templo é anterior à chegada dos portugueses que o teriam tomado também como referência nesta área, e daí teria derivado o nome de Macau (Batalha 1987). O próprio facto da "parte" ser tomada pelo "todo" sugere que, já na altura, o templo ocupava um lugar de destaque que ainda mantém - não obstante serem volvidos quase quinhentos anos de história que afectaram o semblante da região. Hoje, o Templo da Barra continua a deter uma posição de proeminência no complexo religioso de Macau, sendo o local privilegiado de certos rituais que envolvem a comunidade chinesa, em sentido global.

No Sul da China, os pescadores formam um estrato social de baixo estatuto, geralmente referido pelo termo depreciativo Tán-ká (疍家), que é visto como um grupo étnico pelos restantes cantonenses, os quais o definem em termos negativos que o desvalorizam, desqualificam e marginalizam (cf. Brito Peixoto op. cit.). Ora, é justamente aqui que o fenómeno religioso assume - aparentemente, sob a forma de um paradoxo - a maior importância para o nosso estudo. A estreita relação que se verifica, a vários níveis, entre os Tán-ká e o Templo da Barra, parece afirmar ritualmente algo que lhes é negado ideologicamente - isto é, a sua participação na sociedade global e a sua contribuição para a definir.

O presente artigo consiste num trabalho preliminar de análise de materiais empíricos da esfera do ritual, da lenda e da arte do templo, que sugerem que a dimensão simbólica que lhes está subjacente pode desempenhar importantes funções latentes, que têm sido subestimadas, na identidade sócio-cultural do pescador.

Templo da Barra: Gravações na rocha. A proa cortada e os olhos desenhados nas amuras são pormenores característicos das embarcações de Fuquien. Os caracteres 利涉大川 significam literalmente "atravessou com proveito o grande rio". Segundo a lenda, esta embarcação trouxe a Deusa A Má para Macau.

"Em Macau, a não ser os templos (...) quási nada mais há que, sob o ponto de vista de arquitectura chinesa, seja digno de nota", escreve Luís Gonzaga Gomes, e "(...) De todos os templos ainda existentes nesta cidade, é irretorquivelmente o da Barra o mais interessante, quer do ponto de vista artístico, quer pela poesia das ingénuas lendas que a ele se ligam" (Gonzaga Gomes 1945: 13). De facto, já foi mesmo defendido que "Seria difícil encontrar outro local em que as rochas tivessem formas mais grotescas, ou onde a arte tivesse revelado mais gosto nos toques de mestre com que embelezou o cenário" (Chinese Repository 1840: 402, nossa tradução). Por conseguinte, o entusiasmo eventualmente excessivo destas apreciações poderá beneficiar da parcimónia de Ana Maria Amaro que se refere implicitamente ao Templo da Barra como "um dos dois únicos templos chineses, considerados de valor, e incluídos no cartaz turístico da. Província" (Amaro 1967: 355). O outro a que a autora se refere é o Templo de Kun Iâm (Kun Iâm Tóng 觀音堂 ), ), em que foi assinado o histórico tratado sino-americano de 1864, e isto a propósito de um estudo sobre o Antigo Templo de Kun Iâm (Kun Iâm Ku Miu 觀音古廟 ) que se situa na sua vizinhança mas com o qual não deve ser confundido. De facto, este último é um predecessor embrionário do actual Templo de Kun Iâm, que o viria a ofuscar em dimensão e renome, mas, apesar da "sua tão grande modéstia, e até, do desequilíbrio estético do seu conjunto, fruto de amputações que tem sofrido por exigências da urbanização" (Amaro, 1967: 356), poderá, como tentaremos demonstrar, não obstante este seu carácter obscuro, lançar luz sobre a posição do Templo da Barra no complexo sócio-religioso de Macau. Para já, a nossa proposta é, pois, "chegar" ao Templo de Á Má (Ma Kok Miu 媽閣廟), na Barra, a partir do Templo de Kun Iâm, em Móng Há (望厦), através de um precurso que nos fará recuar no tempo.

O núcleo populacional a que pertencia o templo de Kun Iâm, diz-nos a autora, seria um dos mais antigos de Macau, podendo ter sido estabelecido por gente da província de Fuquien nos primeiros anos da dinastia Ming (1368-1644), cuja implantação originara tumultos que teriam provocado movimentos migratórios para sul. Móng Há Tchun (望厦村) literalmente, a Aldeia que contempla Há Mun (厦門) - a principal cidade de Fuquien - era, ainda no princípio do século, uma região pantanosa onde se cultivara arroz e vegetais e florescera uma próspera população de agricultores e artífices. De um letrado, supostamente descendente em linha directa dos fundadores da que teria sido a primeira aldeia de Macau, a autora recolheu a lenda que passamos a transcrever.

Lenda da Fundação do Templo de Kun Iâm

(Fonte: Amaro 1967)

"Entregues aos trabalhos dos campos, sem lhes ser possível produção lucrativa, para além do seu próprio sustento, os habitantes de Móng Há (望厦 ) viviam em paz e, portanto, contentes, quando, um dia, dois pastorinhos que se encontravam guardando algumas cabras que pastavam as magras ervas dos fraguedos à beira-rio, viram, a boiar nas águas que então vinham tocar o sopé da Colina do Cume de Ouro, uma pequena estatueta esculpida em madeira, representando a compassiva Kun Iâm (觀音), a Deusa da Misericórdia. Devotamente a recolheram e a levaram para o povoado.

Prenúncio de ventura!

Em terra firme, próximo do local onde aparecera, a pequena estátua foi entronizada e venerada com pivetes, velas e orações. Em seu redor foi armado, com três pedras aparelhadas, um pequeno e simples santuário, em forma de nicho, que lembrava as ombreiras de uma pequena porta, como se dum verdadeiro templo se tratasse. Nasceu, assim, o primeiro templo de Macau, dedicado à misericordiosa Kun Iâm (觀音).

Pouco depois deste acontecimento, no reinado de Tcheung Tac Wong (正德皇), no ano de Teng Mei (丁未), teve lugar um facto notável que viria a modificar, radicalmente, todo o curso da vida dos aldeãos de Móng Há (望厦).

Após um pavoroso tufão, dos que, frequentemente, assolam Macau, fugidos à tempestade, três barcos estrangeiros buscaram, sucessivamente, abrigo na Porta da Baía. O primeiro era holandês, o segundo indiano, e o terceiro, português. Depressa, os dois primeiros levantaram âncora, ao passo que o terceiro, o português, ficou.

Os navegadores portugueses aparentavam ser comerciantes. Desmantelado o barco e molhadas as fazendas, desceram a terra e contactaram com os descendentes dos Kái (雞) fixados na Barra. Ao chefe do clã pediram autorização para levantarem pequenas barracas onde se abrigassem, e, também, para permanecerem até secarem as suas mercadorias que se destinavam ao comércio. A licença foi-lhes concedida, e, daí, advieram todos aqueles factos do conhecimento geral, que precederam a fixação pacífica dos portugueses, em Macau (...).

Com o desenvolvimento da Cidade, progrediram as hortas [que]... encontravam bom mercado.

Pântanos foram aterrados com entulho e suor. Novos agricultores vieram e pequenos liu tchai (寮仔) [casebres] e graciosas casas de tijolo invadiram o sopé da colina e alguns campos das várzeas (...). O velho templo de Kun Iâm (觀音) com o progresso da aldeia, não foi esquecido (...).

Fugidos às perseguições levadas a cabo pelos tártaro - manchús, no reinado de Mán-Lek (萬曆) muitos letrados, fiéis ao seu imperador derrotado, abrigaram-se em Macau, no intuito de se recolherem a uma bonzaria, já que, na antiga China, por maior que fosse o crime praticado, o seu autor, tornando-se bonzo, deixava de ficar sob a alçada da justiça. Foi então que se fundou ou acabou de construir-se, segundo é tradição, o humilde mosteiro de P'ou Tchai Sin Un (普濟禪院) vizinho da primitiva capela de Kun Iâm (觀音) onde continuava a ser venerada a velha imagem trazida pelas águas.

Ampliado e valorizado pelos bonzos, o primitivo pavilhão da bonzaria, com a sua capela dedicada à Ouvidora das Preces, a misericordiosa Kun Iâm (觀音), veio a transformar-se num dos mais belos templos chineses de Macau, o actual Kun Iâm Tóng (觀音堂). Foi este que, pouco a pouco, com os seus lavores graciosos e primores decorativos, veio a ofuscar e, até, a apagar, na maioria dos habitantes da aldeia, a devoção do primitivo santuário que, hoje, é o mais ou menos desconhecido Kun Iâm Ku Miu (觀音古廟) O Antigo Templo de Kun Iâm."

(Amaro 1967: 359-361)

Antes de mais, parece valer a pena beneficiarmos de esclarecimentos complementares sobre o clã Kái (雞) que, pela sua posição na Barra, assume o papel de mediador com os mercadores portugueses:

"Quanto aos apelidos dos primeiros habitantes chineses, fundadores da aldeia de Móng Há (望厦), parece terem sido os Hó (何) e os Sam (沈), seguidos pelos Hói (許), Tcheong (張), Lam (林) e Tchan (陳).

Segundo os manuscritos da Família Ho (何), estes primeiros habitantes, na sua fuga, teriam sido precedidos por elementos doutras Famílias, de apelido Tin (田), Pou (布), Lou (老) e Kái (雞). Aliás, teria sido este último, possivelmente, o primeiro clã que povoou Macau. Não sendo constituída por agricultores, a Família Kái ( 雞 ) ter-se-ia fixado em Á Van Kai (下環街) (Praia do Manduco), à entrada do Porto Interior, no sopé da Colina da Barra, dedicando-se à pesca e ao tráfego marítimo".

(Amaro 1967: 359)

Macau - gravura extraída de "Ou-Mun Kei-Leok" (1751) - Monografia de Macau, Tcheong-Ü-Lâm e lan-Kuong-lâm (tradução do chinês de Luís Gonzaga Gomes, Ed. Quinzena de Macau).

Temos assim que os clãs fundadores de Macau seriam os seguintes, por ordem de chegada: Kái, Lou, Pou, Tin, Hó Sam, Hoi, Tcheong, Lam e Tchan. Desde logo é estabelecida uma distinção para com os primeiros a chegar - os Kái - que, não sendo agricultores, se fixaram no sopé da Colina da Barra, dedicando-se à pesca e ao tráfego marítimo. Os restantes clãs de agricultores fixaram-se em Móng Há.

Poderíamos representar, esquematicamente, esta situação da seguinte maneira:

Clãs fundadores de Macau

                    

                    

                    

                    

      Kái         

                    

                    

                    

 Aldeia da Barra    

   (Pescadores      

   e mareantes)     

  

  

  

  

  

  

  

  

  

  

  

        Lou             

        Pou             

        Tin             

        Hó/Sam        

        Hoi             

        Tcheong         

        Lam             

        Tchan           

                        

 Aldeia de Móng Há  

     (Agricultores)     

Os clãs de agricultores não constituiram problema, e não voltaremos a referi-los. Contudo, o clã de pescadores e mareantes requer informação adicional:

"A este respeito, porém, a Família Sam (沈) admite outra versão, registada por um dos seus antepassados. Afirma, esta, que a Família Kái (雞), apelido que, hoje, não existe em Macau, pouco precedeu os Sam 沈), na fuga, e veio estabelecer-se no local onde, anos antes, tivera lugar a milagrosa ascensão ao Céu, da venerada Deusa A Má (阿媽), assinalada na pedra, pelos devotos mareantes (...)

Segundo a opinião dos actuais descendentes dos Hó (何), baseada na tradição oral de que são depositários, a Família Kái (雞) já se encontrava há alguns anos fixada em Macau, onde a trouxera, provavelmente, uma tempestade, com ela se ligando, talvez, a conhecida lenda do nome de Macau".

(Amaro 1967: 359)

Se já tinhamos deparado com uma disjunção entre a Barra e Móng Há, em termos das especializações profissionais dos seus habitantes, vamos, agora, encontrá-la duplicada, a nível divino, pela contraposição de duas manifestações da Deusa Á Má e da Deusa Kun Iâm. Por comodidade de exposição, isto poderia ser sumariado da seguinte forma:

(leiam-se os sinais "_____" e "=" deste modo: "está para" e "assim como"). Por outro lado, como é explicitamente referido, a lenda do templo de Kun Yâm reenvia à lenda do nome de Macau, através do recurso ao clã Kái, de pescadores e mareantes. Passemos de imediato a esta última. Lenda do Nome de Macau (Fonte: Amaro 1967) "Segundo esta lenda, uma nativa de Fôk Kin (福建), transportada, por caridade, num velho tou sun (渡船) dum compassivo mareante, evitou, rezando, que o barco naufragasse, durante um tufão, como sucedeu a outros que o acompanhavam e cujos comandantes haviam negado lugar à pobre passageira. Chegados a salvo, a Macau, na altura pequena ilha ou península deserta, a jovem passageira subiu ao cume da Colina do Vento e do Fogo (Barra) e, aí, desapareceu envolta em luz, deixando, apenas, um sapato. Tratava-se de Néong Má (娘媽), a caridosa Deusa Á Má (阿媽), protectora dos mareantes. Daí teria vindo o nome de Macau: Á Má Au (阿媽拗) - Ancoradouro de A Má (阿媽)". (Amaro 1967: 350) Antes de retirarmos daqui algumas ilações, convém referir desde já que a lenda do nome de Macau é uma versão decalcada de uma das variantes da lenda do templo da Barra, como se detecta de modo flagrante. Lenda da Fundação do Templo da Barra Variante n°1 (Fonte: Teixeira 1979) "Um dia, uma donzela de Fukien quis embarcar num dos juncos que estavam de abalada para o sul. Mas todos lhe recusaram a passagem, visto ela não ter dinheiro. Todos? Não. O mais pobre junco compadeceu-se da donzela e ofereceu-se a transportá-la gratuitamente para Cantão. No caminho, rebentou uma tempestade e todos os barcos se afundaram, excepto um. É que a donzela tomou o leme e guiou esse barco a um porto de refúgio. Ao desembarcar, ela subiu a um rochedo e não mais foi vista. Os barqueiros ficaram convencidos de que era a deusa Neang Má, que os havia salvo da tormenta e os conduzira a esse porto. Erigiram ali um templo em honra de Neang Má, o qual se chamou Má-Kok- Miu (Templo do Promontório de Má), ou Má-Chu- Kok, sendo Má abreviatura de Neang-Má". (Teixeira 1979:19) Por conseguinte, a lenda do templo de Kun Iâm reenvia à lenda do templo da Barra, através da lenda do nome de Macau, que aparece como elemento de charneira entre as duas. Ou seja, Lenda do Templo de Kun Iâm → Lenda do Nome de Macau → Lenda do Templo da Barra. A hipótese por que enveredaremos será a de proceder à leitura paralela das duas lendas, confrontando as suas perspectivas, a fim de daí tentar aceder a uma lógica global. Note-se que a lenda do templo da Barra conhece várias versões. Metodologicamente, partiremos do princípio de que a lenda é o conjunto das suas variantes (cf. Lévi-Strauss 1958), que numeraremos por conveniência de exposição. Lenda da Fundação do Templo da Barra Variante n°2 (Fonte: Gonzaga Gomes 1945) "A "Soberana do Céu", antes da sua deificação, foi simples mortal, como qualquer um de nós, e vivia em T'in Pou 田莆, na província de Fôk-kin 福建, donde era natural. Nos prístinos tempos da fundação desta colónia, o comércio exterior da província de Fôk-kin era quási exclusivamente feito por intermédio de Macau. Pequenos tóu, após cêrca de meio mês de viagem, vinham de vez em vez, completamente abarrotados de preciosas folhas de chá, que eram, em seguida, re-exportadas para o Ocidente. Um dia a "Soberana do Céu", quando ainda mortal, caprichara em vir visitar Macau. Os passageiros que se encontravam num barco prestes a partir, viram chegar, tardiamente, uma donzela donairosa, envolta em alvo manto, cujos minúsculos pés, pululando dificultosamente no terreno alagadiço, pareciam que nunca mais chegavam até ao barco. lei-sip tái-tch'un 利涉大川 (atravessou com felicidade o grande mar) para tornar conhecido o extraordinário poder desta santa.

A outra rocha, a Hói-K'ok-Sèak 海角石 (Rocha da Percepção do Mar) encontra-se na ponta de Nèong-Má e surge erecta do lado esquerdo com uns 10 tch'âm (28 m ), tendo nelas as duas letras hói-k'ók 海角 (em chinês, Macau chama-se também Hói-K'ók), cada uma das quais ultrapassa uma braça de comprimento.

Templo da Barra - "Ou-Mun Kei-Leok"(1751) - Monografia de Macau, Tcheong-Ü-Lâm e Ian-Kuong-Iâm. Em primeiro plano, o barco gravado na rocha.

A outra, a Há-Má-Sèak (Rocha da Rã), é arredondada e de cor verde-macia. Sempre que venta e chove e, pela tarde, quando a maré principia a subir, ouve-se produzir nela o som kók-kók".

(Tcheong-Ü-Lâm e Ian-Kuong-Iâm, op. cit.: 50)

                                            

                                            

dois pastorinhos                            

                                            

                                            

                                            

                                            

um mareante(V.1)                          

……………………………………………………  

um comerciante de chá(V.2)                

……………………………………………………  

um marinheiro(V.3)                        

……………………………………………………  

um barco de comércio(V.4)                 

                                            

                                            

viram uma estatueta de madeira a boiar nas  

águas que vinham tocar o sopé da colina de 

Móng Há                                     

                                            

                                            

                                            

encontraram uma donzela que subiu a um    

rochedo e não mais foi vista(V.1)         

……………………………………………………  

encontrou um manipanso de madeira na      

encosta da colina da Barra(V.2)           

……………………………………………………  

viram uma santa,de pé,na vertente de uma  

colina(V.4)                               

                                            

                                            

a estatueta representava a Deusa Kun Iâm    

                                            

                                            

                                            

o manipanso de madeira representava a     

Deusa Á Má(V.2)                           

……………………………………………………  

a imagem era da Deusa Matsoo(V.3)         

……………………………………………………  

era a Deusa Neang Má(V.1);(V.4)          

recolheram a imagem e levaram-na para o     

povoado                                     

o marinheiro levou a imagem para a colina 

da Barra(V.3)                             

a estatueta foi entronizada,venerada com    

pivetes,velas e orações,e rodeada por três  

pedras                                      

o marinheiro colocou a imagem na base de  

uma grande rocha(V.3)                     

                                          

as três pedras estavam aparelhadas e lem-   

bravam as ombreiras de uma porta            

na Barra há três estranhos blocos de pedra

e um deles lembra a forma de uma rã(V.4)  

Se já antes tínhamos deparado com uma disjunção entre "agricultores" e "pescadores e mareantes", vamos agora retomá-la sob a forma da oposição entre "pastorinhos" e "mercador, mareante, marinheiro, etc.", ou seja, verificamos uma oposição entre "gente de terra" e "gente do mar". Daqui, parece decorrer uma inversão: se, por um lado, a "gente de terra" encontra uma manifestação da Deusa Kun Iâm, na água, junto do sopé da colina de Móng Há, reciprocamente, a "gente do mar" encontra uma manifestação da Deusa Á Má (sob os seus diversos nomes - Matsoo, Neang Má, etc.), em terra, no cimo da colina da Barra, etc..

Do mesmo modo, se entre a gente de terra a imagem é levada para o povoado - neste caso, um espaço cultivado e habitado - em contrapartida, entre a gente do mar, a imagem é levada para uma colina - isto é, para um espaço não-cultivado e desabitado. Depois, no povoado, a estatueta é venerada com pivetes, velas e orações - quer dizer o sagrado inscreve-se segundo normas, regras e preceitos, no espaço cultivado, ou seja, na ordem da cultura; reciprocamente, entre a gente do mar, a imagem é colocada junto de um grande rochedo - isto é, enquadrada em função de um acidente no solo, de tal modo que o sagrado se inscreve directamente no mundo da natureza. Esta distinção é reforçada pela indicação de que, entre a gente de terra a estatueta é rodeada por pedras aparelhadas (isto é, "domesticadas"), que lembram a ombreira de uma porta - isto é, que tem a marca de cultura, enquanto que, entre a gente do mar, o ponto de referência é dado por rochas de formas "estranhas" - isto é, não redutíveis a formas reconhecíveis, ou, quando o são, lembram figuras de animais, o que, de uma maneira ou de outra, sugere um estado de natureza. Voltaremos a esta questão. De momento poderíamos sumariar as oposições encontradas do seguinte modo:

Contudo, estas oposições ocultam um elemento de manifesta unanimidade. Os dois conjuntos de lendas concordam que o elemento mar é essencial na constituição do culto, ou na manifestação da presença divina. Porque se a lenda da fundação do Templo de Kun Iâm se reporta à origem aquática da estátua de madeira, as lendas da fundação do Templo da Barra começam por reconhecer nas águas o impulso que exige a manifestação de Á Má. Nas duas séries de textos, o movimento desenha-se sempre da água para a terra e, de certo modo, do caos natural para a ordem cultural.

Templo de Kum Iâm (pormenor) - desenho de Guilherme Ung Wai Meng.

Entretanto, tínhamos visto que, quer na lenda do Templo da Barra, quer na lenda do Templo de Kun Iâm, a manifestação do sagrado, através do episódio do encontro da estátua, tem um carácter propiciatório, que prenuncia prosperidade - evidenciada pela chegada da embarcação dos mercadores portugueses, no primeiro caso, e pela descoberta de um tesouro, no último. Recorde-se que, por um lado, o tesouro é encontrado num lago, e, por outro lado, é constituído por pérolas - o que sugere a preocupação de enfatizar a sua ligação à água. De resto, o significado das pérolas pode ser melhor apreciado contra um pano de fundo de informação etnográfica. Das nossas observações no terreno, registamos a explicação de um pescador segundo o qual "as escamas do esturjão são pérolas", e, de facto, no pensamento tradicional chinês, supõe-se que as pérolas têm a génese nas escamas de peixe. Recorde-se que, por sua vez, o termo chinês para "peixe", yu (魚) é homófono da palavra yu (裕), que significa "riqueza", "abundância", e é neste sentido metafórico que, segundo a tradição chinesa, se deve comer peixe no jantar da passagem do Ano Novo Lunar, a fim de assegurar o desejo de continuada renovação da riqueza, ano após ano. Por conseguinte, as pérolas possuem múltiplas associações que sugerem a ideia de prosperidade que parece derivar dos produtos do mar. A variante n°4 parece evidenciar a mesma questão, através da referência à gravação na rocha, no Templo da Barra, do desenho de um barco com os quatro caracteres lei-sip tai-tch'un (利涉大川), que Gonzaga Gomes verte para português "atravessou com felicidade o grande mar", embora seja de notar que o caracter lei (利) traduzido por "felicidade", reenvia literalmente à ideia de "proveito" e está associado às ideias de "lucro" e de "juro" (Dicionário de Chinês-Português 1962: 185; Huang 1970: 131, 217, 416), e, por conseguinte, poderia ser traduzido por "prosperidade". Ora, a lenda do Templo de Kun Iâm deixa bem claro que, à partida, os habitantes de Móng Há - isto é, os agricultores - "viviam em paz... entregues aos trabalhos dos campos, sem lhes ser possível uma produção lucrativa, para além do seu próprio sustento". Quer dizer, se, por um lado, o texto começa por estabelecer uma disjunção entre as comunidades de agricultores e de pescadores, então, por outro lado, não deixa dúvidas que a prosperidade só é possível através de relações de troca em que o mar, e a gente que lhe está associada, desempenham um papel crucial.

Diríamos então que a lenda do Templo de Kun Iâm e as lendas do Templo da Barra "se pensam entre elas" tal como, segundo Lévi-Strauss, "se pensam entre si" os mitos que participam de um mesmo sistema de transformações. Começámos por ver como essas transformações se operam através de um sistema de oposições: desde logo, é estabelecida uma disjunção entre a comunidade de pescadores e mareantes, e a comunidade de agricultores; é criada uma analogia que a duplica, através de uma inversão, cuja polaridade associa os primeiros ao mar e às águas revoltas sob o efeito de uma tempestade - e, em suma, à natureza. Finalmente, simboliza o caos - o caos das origens, visto que é dito que os pescadores são os "primeiros" habitantes da região. Contudo, como também vimos, a manifestação do divino, e da prosperidade que lhe é associada, reconhece nas águas, e no caos natural, a génese da ordem cultural que é reivindicada pelos agricultores.

Tendo vindo a referir-nos à deusa Kun Iâm e à deusa Á Má, valeria a pena abrir um parêntese para nos debruçarmos um pouco sobre cada uma delas. Recorde-se que Kun Iâm (觀音 em Mandarim, Kuan Yin) - a deusa da misericórdia que escuta o pranto do mundo - era, originariamente, uma divindade budista, o Boddhisatva (菩薩 pou sat) "Avalôkitês vara", o padroeiro do Budismo Tibetano de que o Dalai Lama é uma reincarnação. O. termo "Avalôkitês vara" foi traduzido em chinês por "aquele que escuta (o mundo)" - 觀音 (Kun Iâm). Na arte indiana e tibetana, "Avalôkitês vara" era representado segundo conceitos femininos de beleza, o que terá levado a ser tomado por uma deusa, tal como é atestado na iconografia a partir do Século IX. Na China, Kun Iâm é popularmente representada numa postura de madona, com um longo vestido branco e uma criança ao colo. Extremamente popular, é contudo mais venerada no Sul da China, onde está associada a cultos de fertilidade (Bredon, 1927, Eberhard 1986, Williams 1932, Yang 1961).

A deusa Á Má (阿媽) literalmente "Mãe", tal como é referida por muitos dos seus devotos, é também conhecida por Ma Chou (媽祖) e por outros títulos dos quais sobressai o de "Imperatriz do Céu" (Tin Hau 天后 ) no panteão tauísta. Segundo a versão da lenda referida por Bredon (1927) e Williams (1932) nasceu numa família de pescadores de apelido Lin, numa pequena ilha ao largo de Foochow, na província de Fuquien. O seu nascimento foi anunciado pelo aparecimento de uma luz vermelha que desceu sobre a casa dos pais. Cedo se revelou uma criança excepcional, dando mostras de santidade e da maior devoção filial. Um dia sonhou que os pais e os irmãos se encontravam no mar, em dois juncos, debaixo de uma terrível tempestade. Imediatamente começou a puxar os barcos por dois cabos, para terra. Porém, nesse preciso instante, a mãe sacudiu-a por um braço, para a acordar, fazendo com que um dos barcos se soltasse. Mais tarde, os irmãos contaram que tinham visto uma rapariga muito bela, que caminhava sobre as águas e os conduzira para segurança, mas que fora incapaz de salvar a outra embarcação, em que se encontrava o pai. Depois da sua morte, ainda solteira, com apenas 28 anos, começaram a circular histórias de mareantes que descreviam como ela lhes tinha aparecido e os havia salvo da tormenta. A luz que fora vista no dia do seu nascimento, aparecia frequentemente no cimo dos mastros (o fogo-de-santelmo dos nossos marinheiros) sendo considerada um sinal da sua protecção - "o fogo da nossa mãe" (Ward 1982:40). Os juncos começaram a trazer a sua imagem a bordo, e ao longo da costa de Fuquien e Cantão foram erigidos templos à sua memória. A data tradicional do seu nascimento é o 23° dia da Terceira Lua do ano de 901. Após dois séculos de veneração popular, foi oficialmente canonizada, ao que se sucederam vários títulos honoríficos, até que, após ter assistido a Esquadra Imperial Chinesa na reconquista da Formosa, foi promovida a "Imperatriz do Céu" (Tin Hau 天后 ). É acompanhada de dois ajudantes: "Olhos de Mil Léguas" (千里眼) e "Ouvidos de Vento de Feição" (順風耳), que possuem invulgares dons sensoriais e que a assistem na protecção dos mareantes. No firmamento, ocupa um lugar de destaque na constelação da Ursa Maior - a mais importante na concepção tauísta - que é, também, a "mansão celestial" da divindade budista Maritchi, a "Mãe da Medida" que regista os actos dos seres humanos e determina a duração da sua existência (Williams 1932: 338). Tal como Kun Iâm, Tin Hau está ainda associada a cultos de fertilidade, sendo protectora das mulheres e das crianças (Bredon 1927, Eberhard 1986, Ward 1982, Williams 1932, Yang 1961).

Templo de Á Má (1850) - por R. V. Decker, litografia de W. Korn & Co., cromolitografia 31,5x46,5 cm.

A existência de transformações a diversos níveis da religião chinesa tem sido abordada na literatura da especialidade (Chan 1953, Freedman 1974, Yang 1961, e outros), e, neste caso concreto, já foi apontada a mútua identificação de Kun Iâm e Tin Hau, no Sul da China (Williams 1932, Eberhard 1983). As nossas próprias observações, no terreno, confirmam amplamente estas suposições, não obstante, tanto quanto nos é dado perceber, apenas a população flutuante esteja consciente deste facto. Assim, por exemplo, um dos nossos informadores Tán-ká a quem havíamos perguntado quem era Tin Hau, respondeu-nos peremptoriamente: "Tin Hau é Kun Iâm". A afirmação, que para o pescador tinha o carácter de uma evidência, desencadeou, de imediato, uma viva refutação da parte da gente de terra que se encontrava presente e que, mais tarde, nos aconselhou a não dar ouvidos "ao que dizem estes pobres pescadores ignorantes".

Por conseguinte, mais do que sugerir que a divindade "tauísta" seja uma assimilação da sua equivalente "budista", ou vice-versa, é-nos dado verificar que, ao nível dos factos, estas distinções não são pertinentes. Se na visão dos pescadores "Tin Hau é Kun Iâm", então, não estamos perante entidades diferentes, mas antes versões diferentes da mesma entidade - ou, se quisermos, no modo como o mesmo fenómeno é definido pela Gente do Mar e pela Gente de Terra.

Tínhamos começado por ver que a oposição entre Gente de Terra e Gente do Mar, que surpreendemos em Macau, teria tido na origem uma relação entre comunidades de agricultores e de pescadores e mareantes, respectivamente. As circunstâncias sociais e económicas destas comunidades parecem ter correlações com situações estruturalmente idênticas, no presente, em que se cristaliza a oposição já encontrada. Assim, na vizinhança imediata de Macau, "Há exemplos de muitas aldeias piscatórias (...) Todas estas aldeias são constituídas por comunidades dualistas, com uma secção de madeira a flutuar ao largo de uma secção de pedra construída em terra. Geralmente, a secção flutuante está ali há mais tempo do que a secção terrestre, que, de certo modo, é parasitária da primeira (...) a gente de terra dedica-se à agricultura (...) Estas aldeias dualistas são geralmente pequenas, de tal modo que as populações de terra e do mar totalizam umas centenas ou, quanto muito, uns milhares de habitantes" (Ward 1955: 1967, nossa tradução). Como já tivemos oportunidade de dizer, a relação de oposição entre as secções destas comunidades dualistas tem, inevitavelmente, como reverso, uma relação de troca (cf. Brito Peixoto 1987: 16-20; 1988: 20;1988b).

Desde as suas origens que a realidade social de Macau estaria, assim, longe de ser homogénea. É-nos dito que a organização social primordial comportaria uma comunidade dualista, do tipo referido, em que a religião desempenhava um papel importante. A diferenciação social poderia originar o culto de divindades especializadas nos interesses de cada secção da comunidade. Escrevendo sobre a China rural do século XIX, Artur Smith observava que "se a aldeia é grande, dividida em várias secções, organizadas independentemente umas das outras, pode haver vários templos à mesma divindade. Há um ditado, ilustrativo das noções chinesas a este respeito, segundo o qual o deus de uma ponta da aldeia não tem nada a ver com os assuntos da outra" (Smith 1899: 138, nossa tradução). Neste sentido, as diferenças sociais estariam reflectidas na organização dos templos, que eram uma fonte de coesão para cada um dos grupos. Contudo, o facto dos deuses - ou melhor, dos templos - não terem nada a ver uns com os outros, não significava, necessariamente, que tivessem de competir entre si. Pelo contrário, muitas das ideias religiosas da China tradicional eram encaradas como sendo mutuamente complementares (Yang 1961) e, em determinadas circunstâncias, poderiam contribuir para a integração da totalidade da comunidade. Tal poderia ocorrer, por exemplo, quando uma divindade adquiria particular significado ou quando havia interesses comuns - nomeadamente, relações de troca. O complexo sócio-religoso de Macau satisfaria estas condições. Uma comunidade dualista, organizada nestes termos, teria necessidade de, por um lado, exprimir solidariedade, e, por outro lado, de expirmir diferenças; finalmente, seria previsível que este sistema desse lugar a formas de culto mutuamente complementares ou, dito de outro modo, que consentisse que as semelhanças religiosas se exprimissem como se fossem diferenças.

Vimos que os pescadores identificam as duas divindades. Porém, Á Má parece constituir, mais do que Kun Iâm, um símbolo de totalidade. De facto, não só está associada à água, como protectora dos mareantes, mas também à terra, ao solo, onde se imprime a marca da sua presença - recordem-se os episódios da perda do sapato da deusa, que parecem definir a sua ligação à terra e que podem constituir um símbolo de autoctonia, ideia que se aplica também aos pescadores - o "primeiro clã" a chegar, os "primeiros habitantes" da região, etc.; este episódio está relacionado com outro que surpreendemos na lenda sobre a origem do nome de Macau (nova referência à autoctonia) - onde é dito que Á Má deixa um sapato sobre a rocha. Ela é também associada ao Céu, onde ascende, e, por diversas vezes, ao Fogo Celeste - o seu nascimento é assinalado por uma luz, inscreve-se na Ursa Maior, é fogo sobre o mastro dos navios, etc.. Talvez, por estas várias razões, ela desempenhe um papel fundamental na lenda sobre a origem de Macau, e uma função abrangente e totalizante na perspectiva dos Tán-Ká. Neste sentido, reforçar-se-ia ainda o valor referencial destes, de Á Má e do Templo da Barra, na definição da sociedade global.

A proeminência do templo da Barra no complexo sócio-religioso de Macau emerge de forma flagrante durante o período de festividades do Ano Novo Lunar. Estas foram já bem descritas nas obras clássicas de Bredon e Mitrophanow (1927) e de Eberhard (1952), pelo que estamos dispensados de entrar em pormenores. Contudo, nunca é demais insistir no profundo significado social, moral, pessoal e cósmico do Ano Novo Chinês, sobretudo porque as ideias e os sentimentos que lhe estão associados são difíceis de integrar- e, por conseguinte, tendem a ser subestimados - pelo Ocidental.

Há um ano que finda e outro que começa, e a tónica dominante é a ideia de renovação: moralmente, é a oportunidade de recomeçar, deixando para trás o ressentimento e os erros do passado; socialmente, representa a reunião, a reconciliação e o restabelecer da harmonia; pessoalmente, é a esperança de pagar dívidas, rematar empreendimentos e encetar um novo percurso de redobrados sucessos. No pensamento tradicional chinês tudo isto está associado ao começo da Primavera - quando se dá o retorno do Yang (陽) (em cantonense pronunciado Yeung) já prenunciado pelo solstício de Inverno. Há um movimento cósmico em curso, e o Homem e a sociedade fazem parte dele.

No sétimo dia do Ano Novo todos devem juntar mais um ano à sua idade - é o aniversário de toda a gente, que integra este período de celebração universal. É a festividade mais longa, mais ruidosa, mais colorida, mais alegre - e, sem dúvida, a mais importante, sem que, contudo, haja cerimónias públicas. As comemorações centram-se sobre o lar e constituem o principal momento de congregação familiar e comunitária. Na noite da Passagem do Ano, há um jantar de família a que ninguém pode faltar - nem mesmo os que já faleceram e que estão presentes em espírito - cada um assinalado por uma tigela com pauzinhos, diante de um lugar vazio. De facto, o Ano Novo é um período em que os seres humanos estão em contacto com o mundo dos espíritos benéficos (san 神) através de Chou Kuan ( 灶君 ) - o deus do fogão, ou da cozinha - que, no dia 24 da Décima Segunda Lua, parte para o Céu (Tin 天 ), onde vai informar o Imperador de Jade (玉皇) do que observou nos últimos 12 meses. É uma época vulnerável à influência dos espíritos maléficos (Kwai 鬼) que andam à solta durante a Passagem do Ano (Kwoh Nin 過年), e que devem ser repelidos por vários exorcismos, o mais elementar dos quais é o rebentar de panchões (pau cheong 爆仗) (4). É, também, uma ocasião especial para venerar os espíritos dos Antepassados (祖先), do Céu (天) e da Terra (地) - ou das Águas, no caso da população flutuante. É, finalmente, um momento particularmente propício para visitar o templo e adivinhar o futuro do ano que vem.

Em Macau, o Ano Novo é anunciado com antecedência pela chegada dos juncos de pesca que começam a concentrar-se nos ancoradouros do Porto Interior, cuja entrada é assinalada pelo templo da Barra. Nesta altura, o cariz religioso da comunidade piscatória emerge de forma dramática: todas as actividades de pesca são interrompidas e a frota permanece no porto. Do último dia da Décima Segunda Lua, até um determinado dia no Ano Novo, a definir por divinação, as embarcações não se podem mover do local onde estão fundeadas. No dia seleccionado - em 1988, calhou ser o quarto - todas fazem um movimento ritual (tché sun 車船), literalmente "motor-barco", que é precedido da veneração dos espíritos dos Antepassados, do Céu e das Águas; o silêncio é quebrado pelo rebentar de panchões, a que se sucede o ruído dos motores que são postos a trabalhar. De seguida, todos se dirigem à entrada do Porto Interior. Aqui, aproximam-se da margem, aproam ao templo da Barra - que, por sua vez, fica voltado para o mar - e procedem a novo ritual (han cheong 行張) literalmente "mover - abrir") em que é reverenciada a deusa Á Má (pai Á Má 拜阿媽). Então, a proibição é levantada. Uns regressam aos seus ancoradouros habituais onde permanecerão ainda mais alguns dias; outros, retomam as suas actividades, ou regressam aos seus locais de origem.

De facto, o templo da Barra não é apenas o ponto de referência em terra mais significativo para a população flutuante de Macau, mas também um pólo de atracção para os pescadores de Hong Kong e de outros portos da região. Os marítimos vêm aqui reunir-se com os seus familiares, desfrutar o período de lazer depois de um ano de trabalho árduo, e cumprir os deveres religiosos que os vinculam ao templo, que tem reputação de excelente fong sôi (風水). Com isto entende-se, por um lado, a propiciatória configuração geomântica da colina, das rochas, da água e de outros acidentes no solo, e, por outro lado, a influência benéfica que exerce a divindade que nele reside, dispensando prosperidade e sucesso na pesca, boa saúde e descendência numerosa - benesses que, de uma maneira ou de outra, têm reflexos directos na vida do pescador (cf. Brito Peixoto 1988 b). Em contrapartida, este regressa aqui impreterivelmente, por ocasião do Ano Novo, e de outras festividades cíclicas, cuja acção de graças à deusa Á Má é considerada obrigatória para todos.

O poder carismático do templo da Barra extravasa, contudo, o círculo restrito da população flutuante. Na última noite do ano ninguém parece deitar-se: as ruas de Macau enchem-se de uma multidão que se desloca sem outro destino aparente que não seja o de "dar uma volta a fim de mudar a sorte" (hang van 行運). Uma observação mais atenta revela, porém, pólos de concentração. Há uma multidão que se acotovela em torno do templo da Barra: da entrada apinhada parte uma fila de milhares de pessoas, que se estende por centenas de metros. Os actos de culto prolongam-se até altas horas da madrugada e continuarão nos dias que se vão seguir. O templo fica submerso numa nuvem de incenso, enquadrado ao largo pela frota de juncos de pesca que se divisa da colina. Porém, a população flutuante, que é facilmente detectável no contexto urbano, constitui apenas uma escassa minoria que se dilui neste mar de devotos. A observação imediata revela que não estamos apenas perante "um templo de pescadores". Os visitantes provêm dos mais diversos grupos e estratos sociais, de tal modo que se encontra ali representada a globalidade da comunidade chinesa.

Recorde-se que os templos chineses são construídos e mantidos por donativos da comunidade, de forma que cada um deles é independente dos restantes, sem que exista qualquer organização central que controle e coordene as suas acções. Os deuses - e os templos que lhes são dedicados - podem ter diversas funções e ser considerados mais influentes do que outros pelos participantes, que acham que as suas preces são melhor atendidas num determinado local do que noutro.

Este facto, condicionado por vários factores, eles próprios sujeitos a alteração ao longo do tempo, origina que um templo possa ascender a grande po-pularidade, ou vir a cair na obscuridade do esquecimento. Nos últimos cinco séculos o Templo da Barra soube manter uma vitalidade que lhe confere um lugar de primazia no complexo sócio-religioso de Macau. Ao longo deste texto tentámos isolar alguns dos motivos simbólicos deste carisma, cuja harmonia no passado se prolonga no presente. Daqui sobressai a íntima ligação do Templo da Barra aos Tán-Ká, à população flutuante.

A análise da tradição mítica, do ritual e da arte do templo, revela-nos aspectos ideológicos da oposição sociológica entre os pescadores e a comunidade de terra, e contribui para a apreensão da construção social da identidade Tán-Ká.

Em Macau, os pescadores chineses formam um estrato social de baixo estatuto, geralmente referido pelo termo depreciativo Tán-ká, que é visto como uma minoria étnica pelos restantes cantonenses, os quais o definem em termos negativos que o desvalorizam, desqualificam e marginalizam. As especificidades da morfologia social dos Tán-ká são correntemente explicadas através das "teorias" sobre a sua origem étnica, que os aparentam com populações tribais, autóctones, não-Han (não-"chinesas"). Os autores chineses que lhes apontam uma origem racial nos Tan - uma população aborígene do Sul da China - e os autores ocidentais que enfatizam o seu isolamento cultural, não são isentos destes preconceitos. A vulnerabilidade destas posições é claramente exposta pela sua incapacidade de dar conta das razões que teriam entravado o processo de aculturação desta minoria no seio da cultura Han, sobretudo quando se verifica que têm vivido lado a lado, ao longo de milhares de anos, no Sul da China.

Invertendo a abordagem tradicional, a tese original defendida ao longo dos artigos em que abordamos este tema (cf. Brito Peixoto 1987,1988a, 1988b) é a seguinte:

· existe uma oposição sociológica entre os Tán-ká e a Comunidade de Terra;

· a Comunidade da Gente do Mar e a Comunidade da Gente de Terra têm estado estreitamente relacionadas ao longo dos tempos, nomeadamente no plano económico e no plano ritual;

· a identidade da Gente do Mar não é fruto do seu ISOLAMENTO, mas sim, do seu RELACIONAMENTO com a Gente de Terra.

Esta tentativa de explicação sociológica orienta toda a exposição, e é segundo esta perspectiva relacional que são conceptualizadas as especificidades Tán-ká. O primeiro artigo - Gente do Mar, Gente de Terra - caracteriza uma oposição genérica entre as duas comunidades, enquadrando-a na informação etnográfica mais vasta da região, que é dito reger-se por uma lógica global de organização social das diferenças culturais dos grupos em presença. O segundo artigo - Habitat, Tecnologia e Sociedade - estabelece uma plataforma empírica, com base na análise das condições ecológicas e tecnológicas, que passa por objectivos específicos de carácter relativamente técnico, mas em que a sociologia da Comunidade Piscatória é sempre considerada a partir da sua confrontação com os modelos tradicionais de organização social do Sul da China. O terceiro artigo - Tán-ká, Ü-Lán - retém um aspecto particular da polaridade Gente do Mar/Gente de Terra em termos da especificidade da colaboração do pescador com o revendedor-financiador, cujas modalidades de relacionamento económico-financeiro se inscrevem num complexo sistema de trocas que perpetua uma relação simbiótica que revela que a contínua interacção, e a preservação das diferenças entre as duas comunidades, constituem afinal o directo e o inverso do mesmo processo. Finalmente, o presente texto, Arte, Lenda e Ritual, transpõe a antinomia entre os Tán-ká e a Comunidade de Terra para o nível sócio-religioso. A análise das lendas da fundação do Templo de Á Má (associado à Gente do Mar) e do Templo de Kun Iâm (associado à Gente de Terra) demonstra que estas estão entre si como os termos da mesma estrutura mítica, a qual revela aspectos ideológicos da oposição sociológica já encontrada. A análise de materiais empíricos provenientes da arte, da lenda e do ritual, confirma ainda a íntima ligação dos Tán-ká à origem mítica de Macau, à deusa Á Má e ao Templo da Barra, que assume uma posição de proeminência no complexo sócio-religioso de Macau. Tudo isto confirma o valor referencial dos pescadores, a sua participação na sociedade global e a sua contribuição para a definir, não obstante o facto de os Tán-ká formarem uma casta de baixo estatuto, de limites claramente demarcados pela prática da endogamia, explicitamente associada à natureza e ao mar, que, historicamente, tem sido vítima de opróbrio.

Praça fronteira ao Templo de Á Má (1838) - desenho de Auguste Borget (1809-1877), do livro "La Chine et les Chinois"; litografia de Eug. Cicéri.

Apesar do seu carácter demarcado, e dos seus objectivos específicos, os vários artigos representam aproximações sucessivas em torno do mesmo objecto e exprimem uma problemática unitária, que ilumina o processo de construção social da identidade da comunidade piscatória e que convida a uma reflexão de natureza propriamente etnológica, em termos mais gerais, sobre a natureza dos estatutos hierárquicos.

NOTA DO AUTOR

A pesquisa subjacente a este texto foi realizada com apoio de uma bolsa do Instituto Cultural de Macau, ao qual estamos muito gratos. O nosso trabalho beneficiou dos comentários críticos, questões e sugestões de carácter metodológico do Professor Doutor José Carlos Gomes da Silva, a quem é extensivo o nosso reconhecimento.

As considerações que aqui se tecem são apresentadas com grandes reservas: o presente artigo, elaborado a fim de satisfazer uma contrapartida acordada com o ICM, corresponde à fase iniciai de um projecto de investigação em Antropologia Social e Cultural sobre a comunidade piscatória de Macau. Assim, o curto período da sua redacção surgiu apenas como uma pausa de reflexão no decorrer do trabalho de campo presentemente em curso. De momento, limitar-nos-emos a esboçar o problema em análise, recorrendo-nos de observações de carácter provisório. Para os presentes fins, foi adoptado um estilo de comunicação dirigido a um público informado, mas não necessariamente especializado em Antropologia, ou familiarizado com a área etnográfica que o texto versa.

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NOTAS

(1) (1) Segundo informação do Departamento do Património do I.C.M., o número de templos em Macau é estimado em 80. Este número não inclui os altares e nichos que é frequente encontrar à entrada dos bairros e das ruas. A área da cidade é de 5,4 km2, parte da qual foi conquistada ao mar, por aterros recentes.

(2) Geomancia - fong sôi (風水) literalmente "vento-água" - é, na definição de Marjorie Topley, "o efeito que a organização espacial dos edifícios, das árvores, dos túmulos e de outros acidentes no solo, se acredita ter no destino e na fortuna dos indivíduos e dos grupos" (Topley 1964:171, nossa tradução).

(3) O assassinato do Governador Ferreira do Amaral, em 1849, está associado a instigações que o responsabilizavam pela violação de sepulturas, por ocasião da urbanização da antiga aldeia de Móng Há (Amaro 1967: 362).

Panchão - "Foguete chinês, pequeno pacotinho de pólvora que rebenta sem subir no ar". (Batalha 1977:240)

*Antropólogo. Dipl. Psicologia Clínica (ISPA); Lic. Ciências Etnológicas e Antropológicas (ISCSP); Mestrado em Antropologia Social (King's College, Cambridge). Consultor, Museu Marítimo de Macau.

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