Artes

JORGE PEIXINHO EM MACAU

Por iniciativa do ICM, esteve no Território Jorge Peixinho para reger um curso intensivo de composição e dar um recital de piano com obras da geração mais recente de compositores portugueses.

Vindo de Hong Kong onde esteve presente no Festival Internacional de Música Contemporânea, pela primeira vez realizado este ano na Ásia, na última semana de Outubro passado, como delegado representante da secção portuguesa da Sociedade Internacional de Música Contemporânea (ISCM), Peixinho é um nome que dispensa apresentação. Uma das figuras mais marcantes e controversas da vanguarda musical portuguesa. Peixinho foi um lutador incansável na implantação da nova vaga junto do meio musical da sua pátria. Criador e director do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa a cuja actividade e esforço o público, e principalmente a cultura portuguesa, muito devem, conviveu e colaborou de perto com Piérre Boulez e Karlheinz Stockhausen. Tem desenvolvido dentro e fora do país uma intensa actividade como compositor, pianista, conferencista, professor, organizador de concertos e crítico. Actualmente é professor de composição na Escola Superior de Música de Lisboa.

Pelo recital que ofereceu ao público local, no dia 12 de Novembro na sala de concertos da Academia de Música S. Pio X, J. Peixinho demonstrou ser um pianista de garra, para além de ser um mestre do seu "métier".

As suas "Sucessões Simétricas", obra da juventude, nem por isso deixam de ser uma obra sólida; "Estudo I" e principalmente "Estudo III", os dois baseados num acorde de si bemol maior que se faz ouvir do princípio ao fim sobretudo na segunda sua invenção, quer como acordede quarta e sexta, quer como acorde de sétima da dominante, são peças bem estruturadas, saídas da pena dum mestre sabedor do seu ofício.

O futuro dirá da sua justiça, se estas obras valeram a pena terem sido concebidas e criadas. Acreditamos que sim. Uma palavra especial para "Aquela Tarde..." em jeito de epitáfio à memória doutro grande compositor português deste século, Joly Braga Santos, com que J. Peixinho rematou o seu recital. "Aquela Tarde..." é uma peça homónima da última peça que Joly escreveu com o mesmo título, baseada num poema do poeta andaluz António Machado. Homenageando a sua memória, J. Peixinho compôs "Aquela Tarde..." (Joly Braga Santos morreu numa tarde) inspirando-se nas mesmas notas da obra do seu companheiro e amigo, desmantelando-as e dissecando-as nota por nota, criando uma nova obra noutros moldes e noutras concepções, e dando-nos uma bela elegia carregada de sentido esotérico.

A primeira parte do recital foi preenchida com obras de jovens compositores portugueses, todos eles ainda na ascenção da sua carreira. São elas: "Jogo Projectado I" de Clotilde Rosa, "Figurações II" de Filipe Pires, "Fragmentos" de Isabel Soveral e "Meteoritos" de Cândido Lima, na versão para piano e banda magnética.

Filipe Pires nas "Figurações II" explora o mundo poucas vezes visitado dos harmónicos inferiores com resultados francamente positivos. Efeitos, sem dúvida, difícieis de serem produzidos mas que Peixinho, com uma execução primorosa e cuidada, conseguiu obter, e convercer-nos.

"Jogo Projectado I" de Clotilde Rosa é uma peça de grande fôlego, bem arquitectada, duma compositora já madura nas lides de compôr.

"Os Fragmentos" de Isabel Soveral denotam os pontos fracos duma jovem talentosa mas de estilo ainda titubeante, não tão convicente como o da sua colega Clotilde, resultante, talvez, do período de experência e de pesquisa duma linguagem própria em que a autora se encontrava quando escreveu estes ensaios.

Cândido Lima, autor prolífero, habituado a escrever numa linguagem difícil, com conotações histórico-metafísicas, ofereceu-nos com "Meteoritos" uma peça eclética, talvez discutível sob o ponto de vista estético, mas de certeza uma obra para o futuro, embora esteja um pouco ligada à época. Só temos a lamentar as más condições de gravação da banda magnética desta última peça, condições essas, julgamos nós, resultantes da falta de existência de um único estúdio electro-acústico em Portugal.

A sala de concertos da Academia esteve repleta. Sinal positivo da reacção do público diletante que começa a interessar-se e a apreciar a música do seu tempo. Uma coisa é certa: breve virá o tempo em que estas peças se tornarão "clássicas".

A vinda de Jorge Peixinho esteve inserida na Quinzena de Música Contemporânea, pela primeira vez organizada pelo ICM, na tentativa de introduzir no meio local a iniciação e gosto pela música da vanguarda. Esperamos que, com a experiência adquirida este ano, haja mais força e motivação por parte dos responsáveis do ICM para repetir nos anos subsequentes esta primeira versão, ainda à procura de firmeza e certeza.

Simão Barreto

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