O Conde de Arnoso chegou a Macau a 23 de Junho de 1887, juntamente com Tomás de Sousa Rosa que ia a Pequim assinar o primeiro Tratado Luso-Chinês. Conta ele no seu livro Jornadas pelo Mundo, p. 113: "Embarcados na canhoneira Rio Lima, levantámos ferro do porto de Hong-Kong, pelas oito horas da manhã do dia 23 de Junho, em direcção a Macau. Navegando contra vento e corrente, cinco horas levámos a percorrer as quarenta milhas que separam as duas cidades. Pela uma hora da tarde entrávamos na rade em frente da Praia Grande. Com respeito e orgulho olhámos para essas águas, que foram sepultura dum antepassado nosso, Jorge Pinheiro de Lacerda que, pelejando ali, pelos tempos da restauração da casa de Bragança, contra os holandeses, e cedendo o esforço à multidão dos contrários, como refere o cronista, se matou deitando fogo ao paiol do navio depois de lhe arrancar os sinais do triunfo já arvorados nos mastros. Volvidos mais de dois séculos, é-nos grato a nós, que vimos de igual sangue e usamos do mesmo apelido, aportar às mesmas águas num navio da marinha portuguesa com oficiais que, em circunstâncias semelhantes, não hesitariam um só momento entre o render-se e morrer".
Alguém conhece este Jorge Pinheiro de Lacerda? A nós parece-nos que é pura fantasia do seu su-posto descendente, Conde de Arnoso.
Na Restauração não houve combate algum com os holandeses. O nome de Lacerda não figura entre aqueles que assinaram o termo da Restauração.
Não consta que nenhum capitão de navio em Macau tivesse deitado fogo ao paiol da pólvora.
O grande promotor da arborização de Macau e benemérito das suas zonas verdes foi o governador Tomás de Sousa Rosa (1883-1886). Era tão entusiasta que em vez de dar ordens do seu gabinete, ia ele próprio ensinar como isso se fazia, segundo informa o eng. Adolfo Loureiro no seu livro No Oriente, de Nápoles à China, referindo-se à visita que ele e o governador Rosa fizeram em 1883 aos viveiros da Flora: "Aqui estivemos examinando os viveiros e as sementeiras florestais, para as quais o meu bom amigo Rosa teve muitas vezes de empunhar a enxada para ensinar os chins como qualquer saloio dos arredores de Lisboa sabe fazer os alfobres, os machos e as regadeiras. A arborização daquelas encostas vai auspiciosa, e grande serviço presta o Governador ocupando-se de tão grande melhoramento. Como aqueles sítios serão bonitos, quando os terrenos esbranquiçados, cortados de sulcos abertos pelas águas das chuvas, áridos e secos, estiverem vestidos de verdura!..."
O Conde de Arnoso, que veio com Tomás Rosa a Macau em 1887, escreveu no seu livro Jornadas pelo Mundo, p. 116: "A península de Macau, cercada de ilhas, pequena como é, com a sua várzea fertilíssima e as suas seis colinas dum relevo gracioso - Guia, Penha de França, Mong-Ha, D. Maria e Gruta de Camões é tudo quanto se possa imaginar de mais pitoresco. Quando daqui a alguns anos as sessenta mil árvores, criadas e mandadas plantar por Tomás Rosa, e que parecem vingadas, cobrirem com a sua sombra aquela encostas, Macau será um verdadeiro paraíso e a concorridíssima estação de verão do Extremo Oriente. Já agora os habitantes de Hong-Kong procuram, no clima natural de Macau, um refúgio aos excessivos calores desta quadra. É com verdadeiro prazer que um português se encontra em Macau mesmo depois de ter visitado Aden, Colombo, Singapura, Saigão e Hong-Kong, onde os ingleses e franceses, a peso de ouro, têm criado estabelecimentos de primeira ordem. Nada nos envergonha".
O Conde de Arnoso descreve-o assim: "O Palácio do Governo, comprado à família Cercal, é um vasto edifício de bela aparência. Durante algum tempo estiveram nele diversas repartições; mais tarde, durante a última administração, todas se instalaram, com grande comodidade para o serviço público, no antigo Palácio do Governo, um óptimo edifício também, e onde principalmente se admira a sala do tribunal, que era a antiga sala do trono do palácio. Quantas capitais de distrito na metrópole invejariam este edifício para as suas repartições, e como todos desejaríamos que o Tribunal da Boa Hora se parecesse, de longe, com o Tribunal de Macau!"
De facto, o actual palácio do governo, ao centro da Praia Grande, foi arrendado pelo Visconde do Cercal, Alexandrino António de Melo, ao Governador José Maria Lobo d'Ávila, em 8 de Junho de 1873.
O Visconde morreu e a sua viúva, D. Carlota Botelho de Melo, vendeu-o ao governo pela módica quantia de $ 25.068.66, compra esta que foi aprovada pelo governo de Lisboa a 17-5-1881, sendo governador de Macau Joaquim José da Graça (1879-1883). Funcionou por algum tempo no novo Palácio o Departamento Judicial e a Junta de Fazenda.