Artes

FELICIANO BORDALO PINHEIRO EM MACAU

P.e Manuel Teixeira

O benemérito Instituto Cultural de Macau, em colaboração com o Museu Rafael Bordalo Pinheiro de Lisboa e com a Fábrica de Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro das Caldas da Rainha, organizou na Biblioteca Nacional (secção do Leal Senado) uma exposição sobre o tema "Rafael Bordalo Pinheiro e a República Portuguesa". Esteve aberta de 14 a 23 de Outubro de 1988, pronunciando no primeiro dia uma conferência, ilustrada com slides, a Dra. Irisalva Moita, Conservadora-Chefe dos Museus Municipais de Lisboa.

Antes da conferência, perguntei-Ihe se sabia algo sobre a estadia em Macau, em 1874, dum Bordalo Pinheiro.

Respondeu-me negativamente.

Ora se Rafael Bordalo Pinheiro pôde representar motivos chineses nas suas cerâmicas, foi porque se inspirou em peças chinesas, levadas de Macau, onde esteve em comissão de serviço, por seu irmão Feliciano.

OS IRMÃOS DE RAFAEL

A Dra. Irisalva Moita escreve: "Rafael Augusto Bordalo Pinheiro nasceu a 21 de Março de 1846, em Lisboa, na Rua da Fé, n° 47 (actual n° 33), terceiro filho de Manuel Maria Bordalo Pinheiro, funcionário público, artista enciclopédico, pintor, escultor, gravador, e de Dona Maria Augusta Prostes. Cresce num ambiente sobremaneira predestinado para as artes, mais próximo, pela idade, dos irmãos mais velhos, Manuel, Oficial de Marinha, e Feliciano, o futuro empresário da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha; liga-se, porém, pelo mesmo culto da arte, aos irmãos mais novos, Maria Augusta, a delicada criadora de maravilhosas e artísticas rendas de bilros, e o grande Columbano. ("Rafael Bordalo Pinheiro e a República Porfuguesa", ed. do Instituto Cultural de Macau, 1988).

Garrafa com lagartixa (Fábr. Bordalo Pinheiro).

Há aqui algumas confusões. Se não vejamos. Maria Augusta nasceu a 14-11-1841 e morreu a 22-10-1915; era, portanto, mais velha que Rafael, que nasceu a 21-3-1846, sendo o 2° e não o 3° filho. Feliciano nasceu a 2-8-1847, sendo ele o 3° filho e mais novo que Rafael.

Columbano nasceu em Almada em 1857 e morreu em Lisboa em 1929. Manuel Maria Bordalo Prostes Pinheiro nasceu a 23-1-1850 e morreu a 28-9-1925, sendo ele o 4°filho e mais novo que Rafael.

Diz a Dra. Irisalva Moita que Manuel era Oficial de Marinha. Ora ele era cirurgião pela Escola de Lisboa; foi para Goa como médico; pertenceu ao quadro de saúde do Estado da Índia, à respectiva Junta e ao corpo catedrático da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa. Dirigiu depois, em comissão, o Serviço de Saúde do Regimento de Infantaria do Ultramar. Passou ao quadro de saúde de Cabo Verde, onde por vezes dirigiu o Serviço de Saúde e onde seu irmão Feliciano exerceu o cargo de director das Obras Públicas. Dali regressou a Porfugal, onde continuou a sua actividade médica.

Foi ele o primeiro cirurgião português a fazer operações de hepatotomia (1886), de amputação osteoplás-ica fíbio-calcaneana (Pirogoff-Le Fost, 1886) e de amputação osteoplástica pelo processo Wladmiroff (1877), obtendo curas em todas as operações.

Como se vê, não foi marinheiro, mas distinto cirurgião em Portugal e no Ultramar.

Seu irmão Feliciano assentou praça e, quando era já Capitão de Artilharia, foi colocado em Macau. Era então director das Obras Públicas em Macau o Cor. de Eng. Francisco Jerónimo Luna, o qual fora nomeado por Dec. de 30 de Junho de 1870, mas só tomou posse a 21 de Agosto de 1871, tendo chegado a Macau dois dias antes.

Nessa altura as coisas não corriam tão depressa como hoje. Assim foi o Ten. Cor. Domingos José d'AImeida Barbosa que entregou a Luna a direcção das Obras Públicas; Barbosa, que já era director interino em Janeiro de 1870, exerceu essa comissão de serviço "com zelo e honradez".

Luna foi transferido para a Índia por Dec. de 28 de Outubro de 1874, mas demorou-se cá até Janeiro do ano seguinte.

FELICIANO, DIRECTOR DAS OBRAS PÚBLICAS E OUTROS DIRECTORES

A 20 de Janeiro de 1875, entregou a pasta ao Cap. de Artilharia Feliciano Bordalo Prostes Pinheiro, que fora nomeado interino dois dias antes.

Este foi exonerado por Port. n° 18 de 12 de Agosto de 1875, entregando nesse dia a pasta ao Cap. de Engenharia, promovido a Major, Augusto César Sulpico, que fora nomeado director por Dec. de 23 de Fevereiro de 1875.

Sulpico foi exonerado por Dec. de 27 de Setembro de 1878; a 19 de Novembro seguinte foi encarregado da direcção das Obras Públicas o Alferes Condutor António Filipe Lobo.

Por Dec. de 23 de Setembro de 1878, foi nomeado director o Major do Estado Maior do Exército, Raimundo José de Quintanilha e Mendonça; como isto está relacionado com Macau, vamos dizer algo sobre ele.

Raimundo de Quintanilha nasceu em Lisboa, na freguesia de Santos-o-Velho, a 24 de Março de 1850 e faleceu em S. Sebastião da Pedreira, na mesma cidade, a 30 de Dezembro de 1935; era filho de Raimundo José Quintanilha e Mendonça Soares e Cunha Pato Moniz Pereira Guerreiro de Aboym Botado e Toyos, senhor do Morgado do Sardoal, fidalgo da Casa Real, e de D. Júlia Henriqueta Camila de Santa Rita de Almeida.

Raimundo Quintanilha casou a 21 de Junho de 1875 com D. Matilde Sérgio de Sousa, filha do Vice-Almi-rante, Visconde António Sérgio de Sousa e de D. Maria da Silva Leite, nascida em Lisboa, a 14 de Abril de 1846, falecida na mesma cidade a 6 de Junho de 1927. Seu pai foi Governador de Macau, de 1868 a 1872.

Seu genro, Raimundo de Quintanilha, foi General do Corpo do Estado-Maior, Grã-Cruz da Ordem de Avis, Cavaleiro da Ordem de Cristo, etc. director das Obras Públicas do Estado da Índia por Dec. de 29 de Agosto de 1877 e, a seguir, de Macau.

Vasos com reptil (Din. Ming: Shek Wan).

Dois filhos de Raimundo de Quintanilha e de D. Matilde de Sousa nasceram em Macau. Um, também chamado Raimundo, nasceu nas casas da Praia Grande, a 13 de Setembro de 1879 e faleceu em Lisboa em 11 de Agosto de 1963; a outra, D. Matilde, nasceu nas mesmas casas, a 11 de Fevereiro de 1881 e morreu em Tomar a 15 de Março de 1965.

SÓCIO DO GRÉMIO MILITAR

Voltemos a Bordalo Pinheiro.

O Cap. Feliciano Bordalo Pinheiro foi sócio do Grémio (hoje Clube) de Macau e não esteve inactivo.

Em 1875, os militares promoveram um sarau em homenagem ao Cor. José Maria Lobo d'Ávila, Governador de Macau (1874-1876), o qual foi promovido a General de Brigada em 1882.

Organizou-se uma comissão, cujo presidente foi o 1° Ten. da Armada Fernando Augusto Costa Cabral, que era então comandante da canhoneira Tejo e a quem sucedeu o Com. Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, filho do Governador mártir de Macau, João Maria Ferreira do Amaral.

O jornal O Independente de 6 de Maio de 1875 dava esta breve nota sobre o sarau:

"Na noite do 1° do corrente realizou-se no Grémio Militar, em honra de S. Exa o Sr. Lobo d'Ávila, um sarau oferecido pelos sócios do mesmo Grémio.

"A sala d'entrada estava decorada com gosto, mostrando que a festa era dedicada por militares a um militar distinto.

"Fazia as honras da casa o Sr. Costa Cabral, como presidente da comissão encarregada de levar a efeito aquele sarau, o Sr. Bordalo Pinheiro, secretário, e os outros membros da comissão.

"Tocou a música do Batalhão d'lnfantaria".

De Macau Bordalo Pinheiro foi transferido para director das Obras Públicas de Cabo Verde.

Foi depois lente da Escola do Exército e ainda chefe da 4a Repartição do Ultramar.

FUNDADOR DA FÁBRICA DE FAIANÇA

Em Junho de 1884, fundou nas Caldas da Rainha uma fábrica de louça, com um capital de 400 contos, dividido em acções de cem mil réis. Chamou para director artístico seu irmão Rafael, que criou um fipo inconfundível de faianças, a que ficou ligado o seu nome.

Demos agora a palavra à Dra. Moita. "Na realidade, desde 1884, Rafael Bordalo Pinheiro aliara às outras suas actividades mais uma: a de ceramista. Estreara-se, em Abril daquele ano, na Fábrica de Gomes de Avelar, nas Caldas da Rainha, para pouco depois inaugurar oficina própria, a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, de que era empresário o irmão Feliciano, e onde iria dar largas ao seu poder criador, produzindo uma obra de grande originalidade que, além de ocupar um lugar de excepção na renovação da cerâmica artística em Portugal, não raro nos esmaga pela exuberância e novidade".

É claro que Feliciano levou para Portugal as suas chinesices, que vieram a inspirar o seu irmão Rafael. ·

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