Artes e Letras

Poemas traduzidos por Jin Guo Ping com Revião literária de António Manuel Couto Viana
O Corneteiro

Ouvi dizer que o destino destes solddos é triste.

Quando tocam com energia, dir-se-ia que o seu sangue se mistura com o som do instrumento.

As caras dos corneteiros são, por vezes, amarelas.

Naquela multidão de seres cansados, enrodilhados no chão atapetado de palha de arroz,

No meio de gente imunda, de roupa cinzenta de algodão,

Ele é o primeiro a acordar...

E desperta tão bruscamente

Como se cada dia fosse para ele uma surpresa...

Sim, ele assusta-se sempre

Com o ruído do carro da aurora

Que roda pelo horizonte.

Abre os olhos:

À luz fraca de uma lâmpada de vigília

Olha a corneta ao seu lado; Contempla-a, confuso,

Com a alegria do homem

Que, ao despertar,

Encontra a amada junto de si.

Oh! Ele há-de amar a vida inteira

A sua corneta.

Ela é um belo instrumento,

Com todo o corpo

A reflectir uma excelente cor saudável,

E com o pescoço

Adornado com borlas vermelhas.

O corneteiro levanta-se do chão atapetado de palha de arroz,

Sem se queixar de ter dormido, uma noite inteira, no chão húmido.

Habilmente, ata as polainas, bem atadas,

E lava-se com água fria.

Depois, lança um olhar

Aos companheiros que ainda ressonam fatigados,

E estende a mão para a corneta.

Lá fora, é ainda noite cerrada.

A alva ainda não chegou.

O que o acorda, de facto,

É o prazer

De ver despontar o dia.

Sobe a ladeira;

Demora-se ali algum tempo.

Por fim, assiste a este diário espectáculo de magia:

A noite afasta a sua cortina de mistério;

Fatigadas, as estrelas somem-se, umas após outras...

E a alva, noiva do dia,

Sentada num carro de rodas de ouro

Surge do outro lado do céu...

Para recebê-la,

O nosso mundo eleva a Oriente um cortinado auroral de dez mil pés altura...

Vejam!

Um cerimonial majestoso vai realizar-se entre o

Céu e a Terra...

Então, ele começa:

De pé, sob a abóbada celeste dum azul transparente

Põe-se a tocar corneta,

Com todo o sopro fresco que aspira do campo

—E talvez com o sangue das veias?-

Agradecida,

A corneta recompensa o campo com toques claros

—Com admiração pela alva lindíssima-

Toca a alvorada

E as suas notas voam para longe...

Cheia de alegria,

Toda a criação

Responde ao apelo da corneta.

As florestas despertam

Com a chilreada dos pássaros,

Os rios acordam

A chamar os cavalos a beber,

A aldeia e o campo abrem os olhos,

As camponesas apressam-se junto aos diques,

A parada movimenta-se:

Homens de uniformes cinzentos

Saem de casas pobres, banhadas pela manhã,

E formam fileiras, aos encontrões...

Então, o corneteiro desce a ladeira

Para se integrar

Na formatura daqueles homens vestidos de cinzento.

Mais tarde, depois de ter tocado para a refeição matinal,

E tocado o reunir;

Mais tarde, quando os raios radiantes

Iluminam completamente a abóbada celeste,

Com todo o entusiasmo,

Ele toca a marchar.

Ocaminho

Estende-se pelo horizonte sem fim;

O caminho

Calcetado de lama transportada por milhares e milharesde pés;

Sulcado pelas rodas de milhares e milhares de viaturas;

O caminho

Que faz comunicar uma aldeia com outra aldeia;

O caminho

Que sobe e desce rampas.

Está, agora, dourado pelo Sol!

E o nosso corneteiro

Avança à frente da longa coluna.

Toca a marchar,

Marca os batimentos

Num belo compasso...

Oshomens vestidos de uniformes cinzentos

Espalham-se pelo vasto campo aberto;

Este campo

Com plantas e ervas dum verde escuro

Transformado num altar solene:

Oiçam o barulho ensurdecedor

A troar pelo horizonte,

E aspirem o aroma da terra e das ervas

E também o cheiro a pólvora dos tiros vindos de longe...

Recolhemo-nos nas trincheiras,

Silenciosos, severos, à espera da ordem de ataque.

Como uma parturiente

Que aguarda, com dores, o nascimento dum filho,

Com o coração

Transbordando de amor.

Nestes nossos últimos dias de vida,

Condenados pela nossa época

-E também por nós próprios Cada um de nós se prepara, com um desejo sagrado,

para a glória de morrer no campo da honra!

Abatalha sangrenta começou:

milhares e milhares de combatentes

Saltam das trincheiras, entre o tiroteio,

Precipitam-se, em massa,

Para a frente, ameaçando o inimigo..

Aos gritos de guerra que estremecem céu e terra,

Na corrente humana que avança firme,

Na corrente humana impetuosa,

E nas explosões intensas e contínuas,

O nosso cornetiro,

Correndo, com toda a força da vida,

Toca ao assalto

Com notas curtas, rápidas e exaltadoras

Que ressoam sem cessar

Até à morte.

Esta voz é a mais sonora de todas,

E a mais sublime...

Mas quando, animado por uma força irresistível,

Sopra os toques anunciadores da vitória,

É atingido por uma bala no coração!

Cai em silêncio,

Sem que ninguém se aperceba.

Fica estendido na terra

Que tanto amou atéao último suspiro.

E as suas mãos

Agarram com força a corneta.

O corneteiro resplandece,

A reflectir o sangue da testa,

A palidez do rosto

E a tropa imensa

Que abre fogo cerrado,

Os cavalos que relincham

E os veículos atroadores...

Enquanto o sol,

Com os seus raios fulgurantes, faz brilhar a corneta.

Escutem!

O toque continua a soar, a ecoar... Março de 1939

Desenho de Yuan Zhi Qing © Copyright

desde a p. 57
até a p.