Atrium

Razão de ser

Uma revista de Cultura nasce agora em Macau. Porquê em Macau? Porquê agora?

Produziram-se neste século, em Macau, algumas revistas de Cultura que constituiram, nas respectivas épocas, como que o aglutinador cultural da comunidade portuguesa vivendo no Território.

Em alguns casos, como aconteceucom a revista "MOSAICO" (1950/1957), ensaiou-se ir um pouco mais longe, procurando chegar-se a audiências de língua inglesa e de escrita chinesa, através da inserção de pequenos resumos do contéudo de cada número, em chinês e inglês.

É esse espaço maior, hoje vago, que se pretende preencher. E é também a função aglutinadora, alargada às duas comunidades que aqui vivem, que se deseja exercer. Espaço e função que assim ampliados à real dimensão das comunidades chinesa e portuguesa de Macau se abrem aos meios intelectuais da China, de Portugal, do Brasil, dos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa, às comunidades de luso--descendentes e de sino-descendentes espalhadas entre o Leste do Suez e a costa ocidental da América.

Cultores das memórias comuns do passado, dedicar-lhes-emos muita da nossa aten-ção por razões que se projectam na construção do futuro.

Três universos que parcialmente se sobrepõem, constituem as coordenadas de re-ferência da revista que agora nasce:

- Macau;

- As relações entre a China e Portugal;

- A presença cultural da China e de Portugal na zona de Ásia-Pacífico.

É chegado o momento de operar a organização cultural de Macau, rumo ao futuro. Macau constituiu uma unidade política e administrativa no ordenamento jurídico--constitucional português, até à entrada em vigôr da Constituição da República Por-tuguesa de 1976. No seu percurso histórico, porém, essa unidade político-adminis-trativa conteve sempre no seu seio duas áreas culturais bem distintas e que livremente se desenvolveram e conviveram: a chinesa e aportuguesa.

A entidade cultural que Macau é hoje - não apenas chinesa e não tão escassamente portuguesa - só sobreviverá no futuro, se o carácter substantivo da Cultura se evidenciar sobre a função adjectiva da Política; se da coexistência entre as culturas em presença se passar à interpenetração cultural; se, a partir de duas comunidades distintas e separadas linguisticamente, se evoluir, veloz mas seguramente, para uma sociedade bi-lingue; se nos diversos escalões hierárquicos, na política, na adminis-tração pública, na aplicação da justiça, na indústria e no sector terciário, intervierem, em número aceleradamente crescente, cidadãos culturalmente mestiços, indepen-dentemente de a sua origem étnica ser chinesa ou portuguesa.

Idealizar Macau, no limiar do terceiro milénio, como sociedade onde terão sido varridos todos os sinais de uma sedimentação cultural operada nos últimos quatro séculos, não é impossível. A Humanidade assistiu à destruição de entidades culturais de maior dimensão em território e população.

No caso de Macau, porém, nem a China, nem Portugal beneficiariam com a destruição da sua indentidade cultural híbrida. Pelo contrário, ambos os países ficariam culturalmente mais pobres se se deixassem amputar da floração mais mimosa de seu entrelaçamento cultural secular.

Macau é inigualável e inesgotável caudal de seiva das culturas chinesa e portuguesa que em si confluem e refluem num percurso incessante e sempre renovado em que a China e Portugal, sendo a nascente de si mesmos, são a foz do outro.

China e Portugal. Países tão distantes geográfica e culturalmente mas aos quais a História reservou para sempre o lugar inovador de primeiros interlocutores no diálogo pacífico Oriente-Ocidente que, apesar das perturbações fomentadas por outras potências europeias com poderio militar e sobranceria colonial, deixou marcos significativos de intercâmbio e entreajuda, nas artes, nas ciências, na organização hospitalar, nos hábitos alimentares, etc, etc.

Na Investigação aprofundada das relações pacíficas entre a China e Portugal do passado se hão-de encontrar os fundamentos do relacionamento harmonioso entre povos distantes, culturalmente diferenciados, economicamente desiguais, demograficamente incomparáveis, politicamente opostos, mas com o sentido pro-fundo da unidade do género humano e da indispensabilidade da cooperação para o desenvolvimento.

Guardadas as distâncias em termos quantitativos, a China e Portugal, séculos a fio, projectaram-se paraalém das suasfronteiras políticasterritoriais, um pouco portodos os Continentes.

As comunidades de sino-descendentes e de luso-descendentes na zona da Ásia--Pacífico constituem por isso o nosso terceiro universo. Ligar as pontas dessa teia imensa tornando essas comunidades conhecidas entre si e promovendo a soli-dariedade de todas com as matrizes culturais de que são originárias e com os Estados com as quais sejam afins, eis o nosso terceiro propósito.

Nesta viagem que hoje se inicia e que esperamos bem longa e frutífera, quem tem medo de nos acompanhar?

Jorge Morbey

Presidente do Conselho Directivo do Instituto Cultural de Macau

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