Artes e Letras

A minha vida e a minha obra

Nesta colagem, foto de Ai Qing em Paris, 1929. Ilustração de Carlos Matreiros © Copyright

Nasci a 27 de Março de 1910. Um ano mais tarde, desencadeou-se a Revolução Burguesa de 1911 que acabou com a Dinastia Qing (1616-1911).

Quando andava na escola primária, eclodiu o Movimento do 4 de Maio de 1919; movimento patriótico que visava reivindicar a ciência e a de-mocracia para a China. Foi naquela altura que o marxismo começou a ser difundido pela China.

Apaixonei-me pela pintura, na minha adoles-cência. Quando andava na escola secundária, levado pela ideologia democrática, promovia manifestações pelas ruas, junto com os meus colegas, gritávamos xpalavras de ordem, devastávamos as mercadorias importadas de países hostis, assim como a Inspecção para a Interdição do Ópio onde, de facto, vendiam abertamente a droga.

Em 1928, quando terminei os meus estudos secundários, tropas da Revolução Nacional passaram por Jin Hua, minha terra natal. Fomos recebê-las nos arredores e organizámos um comício entre militares e civis no campo de desportos da escola. Mais tarde, a Revolução foi traída e havia dirigentes dos movimen-tos de massas reprimidos num mar de sangue.

No Verão de 1928, após exames, fui admitido pelo Instituto Nacional de Belas Artes "Lago do Oeste". Matriculei-me na Faculdade de Pintura. Quase no fim do primeiro semestre, o director deu-me um conselho depois de ter examinado os meus esboços; um conselho decisivo para mim: "Dificilmente con-seguirás aprender grandes coisas aqui. Porque é que não vais para o estrangeiro?"

Na Primavera do ano seguinte, eu e vários colegas tão idealistas como eu, partimos para Paris como se fugíssemos à família.

No começo, a família mandava-me dinheiro, mas isso durou pouco tempo e vi-me obrigado a empregar--me numa oficina de laca chinesa. Às vezes, trabalhava lá, em part-time, para poder aprender desenho num atelier de Montparnasse. Apaixonei-me desde muito cedo pelos impressionistas franceses e não olhava com bons olhos o academismo.

Disse algumas vezes: "Passei três anos em Paris, pobre mas livre". Apesar disso nunca conheci o que era fome. Li muitas obras realistas de intervenção so-cial e filosóficas. Da literatura, o que me atraía era a poesia. Vagueava como uma gota de água que flutuasse à mercê da corrente...

No dia 18 de Setembro de 1931, as tropas in-vasoras japonesas ocuparam sem grande dificuldade as três províncias do Nordeste da China. A crise na-cional agravava-se dia a dia. Em Paris, assisti a uma reunião da União Anti-Imperialista. O meu primeiro poema, intitulado "O Grande Encontro", relata esse acontecimento.

Certo dia, quando estava a desenhar nos arre-dores de Paris, um francês embriagado aproximou-se de mim e bradou-me: "Ó chinezinho! Com a tua pátria em perigo, ainda tens ânimo de fazer pintura, aqui!?" Isto doeu-me como uma bofetada.

Nos inícios de 1932, preparava-me já para voltar à China, completamente privado de apoio financeiro da parte da minha família. Naquela altura, as tropas invasoras japonesas atacavam Xangai. As nossas forças armadas e o nosso povo ofereciam resistência. Aos 28 de Janeiro, dia da Resistência de Xangai, em-barquei em Marselha. Após uma viagem de um mês e quatro dias, cheguei a Xangai. Mas o conflito já acabara. O Kuo-Min-Tang, que se retirava perante a agressão japonesa, assinou o Tratado de Armistício de Xangai. Ao ver as ruínas na Zona Zhabei de Xangai quase desatei a chorar.

Voltei triste à terra natal. Não fiquei lá nem sequer um mês. Em Hangzhou encontrei um antigo colega. Informou-me que em Xangai existia um Liga de Artistas da Ala Esquerda. Em Maio, ao chegar a Xangai, aderi àquela organização. Eu e vários pintores jovens, fundámos o Instituto de Pesquisas "Terra Primaveril". Em Junho, promovemos uma exposição em Baxianqiao. Em 12 de Julho, à noite, quando es-távamos a aprender o esperanto, num quarto do segundo andar, vários agentes secretos da Polícia da Concessão Francesa interromperam-nos e levaram--nos a todos. Dos treze detidos, onze foram postos em liberdade após um interrogatório. Mas eu e outro colega ficámos presos. A partir daquele momento, disse adeus à pintura e comecei a escrever poesia em plena prisão.

No poema "Gaita de cana" citei G. Apollinaire:

"Tinha uma gaita de cana

Que não daria por nada do Mundo

Nem pelo bastão de Marechal de França..."

Para mim, a gaita de cana simbolizava a arte e o bastão de Marechal, a injustiça. No poema vilipendiei Aristides Briand e Otto Bismarck e declarei que levantaria o meu punho, como em 1789, contra a Bastilha; Bastilha esta que não era a de Paris. Não sei se a administração da prisão sabia alguma coisa de poesia ou se até a leria, mas consegui mandar o poema para fora da cadeia, mais tarde publicado na revista "Época".

Ao longo das noites de insónia torturante, à luz da fraca claridade projectada através da janela resguar-dada com grades de ferro, rabiscava versos num bloco de notas. Cheguei a escrever duas frases na mesma linha! De dia separava-as. Estes poemas, assinados com o pseudónimo de "Wojia", foram levados às es-condidas pelos meus visitantes para fora da prisão e publicados.

Nos começos de 1933, num dia de neve, ao ver os flocos através da janela, cuja abertura tinha o tamanho duma tigela, lembrei-me da minha ama de leite e compus "Rio Dayen, minha ama de leite". Para escapar à vigilância da cadeia, mudei de nome literário. Foi o meu advogado que levou os manus-critos a um amigo meu. Este entregou-os mais tarde na redacção da revista "Chungguan" (Luz Primaveril).

Foi o meu primeiro trabalho publicado sob o pseudónimo de Ai Qing.

Após três anos e três meses de cativeiro, fui posto em liberdade. Regressei à terra natal.

Um dia, a caminho da feira, o meu pai pergun-tou-me: "Aqueles rabiscos que garatujas para aí, têm algo de poesia? Ouvi dizer que tens tido muito êxito com esses versos; é verdade?" Ele não considerava poesia aquilo que eu compunha. Para ele, poesia tinha de ser toda rimada, com cinco ou sete caracteres numa linha, mas bem sabia que nada podia fazer contra a minha carreira poética.

Na primeira metade do 1936, ensinei durante meio ano lectivo na Escola de Magistério Feminino de Hangzhou. Depois fiquei desempregado.

Continuava a fazer versos num caramanchão de Xangai.

O poema "A Primavera" foi dedicado à memória de cinco escritores revolucionários, fuzilados pelo Kuo-Min-Tang. Eis aqui os dois últimos versos: "Nós perguntamos: Donde vem a Primavera? E ela responde: Vem das sepulturas dos arre-dores da cidade de Xangai". E "O Diálogo com o carvão" termina com a seguinte pergunta: "Morreste no profundo rancor e na imensa in-dignação? Morto? Não, não, eu ainda estou vivo: Por favor, pega-me fogo, pega-me fogo!" Escolhi nove dos meus trabalhos compostos de 1932 a 1936 e organizei-os numa colectânea que mais tarde foi publicada por minha conta sob o título de "Rio Dayen, minha ama de leite". Este lançamento chamou a atenção dos críticos. O livro conheceu uma reedição da Editora Vida e Cultura, dirigida por Ba Jin. A 7 de Julho de 1937, estalou a Guerra da Re-sistência contra o Japão. Na véspera, isto é, no dia 6, num comboio que seguia pela linha Xangai-Hangzhou, compus "A Terra Ressuscitada". A sua quinta estrofe desenvolve-se nos seguintes versos: "Neste instante, Tu, poeta tristonho, Precisas libertar-te da antiga tristeza Para que a esperança se regenere No teu coração há muito magoado." A guerra anti-japonesa, veementemente desejada, de-sencadeou-se então. Em Outubro, deixei Hangzhou para Jinhua e de lá, cheio de entusiasmo, parti para Wuhan. A 28 de Dezembro, à noite, compus "A neve cai sobre a Terra da China". Escrevi-o com o coração aflito, porque enquanto a guerra anti-japonesa se encontrava num momento crítico, os partidários da capitulação no seio do Kuo-Min-Tang recomendavam outra vez a negociação da paz. Neste poema falei de mim mesmo nos seguintes termos: "Sobre o leito da corrente do tempo, As vagas portadoras de desgraças Mais de uma vez me devoraram e me vomitaram. A vagabundagem e a prisão Expropriaram-me Dos verdores da mocidade." Dos 19 aos 25 anos, perdi os mais belos seis anos da vida dum homem na vagabundagem e na prisão. No fim do mesmo poema lê-se o seguinte: "Ó minha China, Acaso ganharás um pouco de ânimo Com estes versos improvisados, líricos, que componho Nesta noite sem luz?" O dia amanhecera com neve copiosa. Disse a um amigo: "Esta neve cai para mim". Ele observou: "És demasiado egocêntrico. Pensas que até a neve obedece à tua inspiração." Ele ignorava que o ser humano é possuidor da capacidade de pressentir.

Ai Qing e um poema seu manuscrito

Fui nomeado vice-director do Instituto de Litera-tura e Arte das Universidades Unidas do Norte da China. Estive ocupado com muito trabalho adminis-trativo, por um longo tempo. Durante aquele período, dediquei-me pouco à criação poética. O único trabalho foi a série "O cuco". Daí, a minha conclusão: O trabalho administrativo é incompatível com a ins-piração.

Em Janeiro de 1949, Pequim foi liberta. Durante algum tempo retomei a pintura. Aconteceu que fora nomeado delegado militar na administração do In-stituto Central de Belas Artes. Mas, pouco tempo de-pois, voltei ao mundo literário.

No Outono de 1950, fiz uma visita à União Soviética. Lá, durante quatro meses, compus a série intitulada "Estrelas vermelhas de rubi". A maioria dos poemas são apologéticos e superficiais.

No mesmo ano, a Editora Kaiming (Civilização) lançou a minha primeira antologia poética: "Poesia escolhida de Ai Qing".

Em 1953, visitei a minha terra natal, após uma ausência de 16 anos. Por lá fiquei uma semana. A casa da nossa família fora incendiada pelos invasores japoneses. A nova casa é de construção recente. Durante a estada, escrevi a poesia "Montanha de Dois Cumes" e o poema narrativo "Armas Escondidas". Este último, dedicado à guerra de guerrilha de cam-poneses no leste de Zhejiang, composto num estilo folclórico que mal conhecia. Um redondo fracasso.

Em Julho de 1954, a convite da Câmara dos Deputados do Chile, parti para a América do Sul, via Europa. De passagem pelo Brasil, compus "Uma rapariga negra a cantar". No Chile, escrevi, entre outros, "Rochedo", "Sobre um maço de cigarros HECHO EN CHILE", "O Atlântico" e "Sobre um Promontório do Chile".

Após a viagem pela América do Sul, visitei o arquipélago Zhoushange, compus o grande poema narrativo "Enguia preta", baseado num conto popular.

Em Abril de 1957, recolhi em Xangai ricos materiais para proceder a um trabalho sobre a agressão económica dos imperialistas contra a China. Em Maio, deixei o trabalho meio acabado, para retornar a Pequim. Depois, fui a Kunming para receber Pablo Neruda e Jorge Amado, e acompanhei-os numa via-gem através da China. Viajámos de avião de Kunming para Chongquing. De lá, descemos o Rio Yangtsé. Dessa viagem fluvial nasceu "Pelo Rio Yangtsé abaixo".

Mais tarde, iniciou-se um movimento político de grande envergadura.

Fui tachado de "direitista" em circunstâncias hoje bem conhecidas. Fizeram de mim "escarradeira" e todos os insultos que me atiraram à cara conver-teram-se em sentenças.

Tinha de ser reeducado em novas condições. Graças à ajuda dum general das Forças Armadas, trabalhei, primeiramente, durante ano e meio, numa granja estatal do grande deserto do Nordeste. Mais tarde fui transferido para Xinjiang e colocado na sede duma divisão do Corpo de Arma da Produção e Construção.

Durante 21 anos, fui reduzido ao silêncio. No princípio, a vida correu-me tranquila. Mas, em 1967, no curso da chamada "Revolução Cultural Proletária", a minha família foi objecto de perseguições. A casa foi revistada e passada a pente fino. Muitos manus-critos, entre outros "Pelo Rio Yangtsé abaixo", "Praia exterior", "Pelo imenso deserto nevado", "Madrugada sobre o Rio de Sapos", assim como uma grande quanti-dade de versos compostos durante a permanência em Xinjiang, desapareceram. Perderam-se, também, muita correspondência e materiais importantes. Fui obrigado a reconhecer-me culpado, de cabeça baixa. Fui objecto de mil e uma reuniões de crítica e fui exposto ao desprezo público... Isto perdurou até Setembro de 1971. Foi após a morte ignominiosa de Lin Biao que sofri menos perseguição.

Fui autorizado a ir ao Hospital da Divisão. Após a consulta, fiquei sabendo que o meu olho direito estava completamente cego.

Com a mulher, Gao Ying, em Xinjiang, 1960

Em 1973, deram-me licença para eu consultar um oftalmologista em Pequim.

Em 1975, tornei a Pequim para o tratamento dos olhos. O Outono de 1976 assistiu à queda do Bando dos Quatro, autor de inúmeros crimes abomináveis, o que motivou a alegria geral da nação chinesa.

Dois anos mais tarde, encorajado por amigos, retomei a carreira poética abandonada. Enfim, o "Wenhuibao" de Xangai publicou o meu primeiro poema "Bandeira Vermelha" e depois "Peixe Fos -silizado". Foi por estes versos que os meus leitores souberam que eu ainda era vivo.

Em Novembro de 1978 escrevi a grande com- posição "Sobre a crista das vagas".

Em Dezembro do mesmo ano, dei à estampa o extenso poema "Hino à Luz".

Entre Fevereiro e Março de 1979, fazendo parte duma delegação, percorri a Ilha Hainan, Zhanjing, Cantão e Xangai.

Fui reabilitado e recuperei a qualidade de membro do Partido Comunista da China. Fazendo parte duma delegação da Associação da Amizade do Povo Chinês com o Estrangeiro, visitei três países europeus.

Na Alemanha Ocidental estive em Francoforte, Hamburgo, Treveros, Getsenkirchen, Munique, Bona... Em Berlim-Oeste escrevi "Muro", inspirado no Muro de Berlim.

Passei por Viena em 1954, com destino à América do Sul. Na altura, permaneci vários dias nesta cidade a que chamei "Rapariga atacada de gota". Mas hoje em dia ela mostra-se tão alegre como uma jovem resplandecente de beleza.

Visitei ainda Linz, Salzburgo e Baden.

Durante a estada na Itália, percorri Turim, Génova, Milão, Veneza e Roma. Nesta última cidade compus "As arenas da Antiga Roma".

Aquando da minha vida rural em Xinjiang, li um pouco da História, de modo que conheço, mais ou menos, a Antiga Roma. No poema lê-se uma es-trofe relativa aos gladiadores com olhos vendados, o que constitui uma alusão à "Revolução Cultural Pro-letária", na qual os fanáticos lutavam às cegas. Vence-dores ou vencidos, todos na escuridão.

Em Junho de 1980, a convite da Fundação Po- lignac e da Sorbonne III, participei numa conferência internacional sobre a "Literatura Chinesa na Época da Guerra Anti-Japonesa". Escrevi o ensaio "60 anos da Nova Poesia Chinesa".

Ao fim de 48 anos, revi Paris. Não encontrei a antiga residência onde morara. Após a Segunda Guerra Mundial, tudo mudou, inclusive as ruas, agora ladeadas de construções novas. Fui à procura do meu antigo hotel, o Hotel Lisbonne, no 5éme. Ainda está de pé, mas recém restaurado, com se fosse novo.

Quando me perguntaram quais as minhas im-pressões sobre Paris, respondi: "Arco do Triunfo, Nossa Senhora de Paris, e Torre Eiffel estão na mesma, mas, no 13éme, erguem-se muitos prédios de grande altura. O Aeroporto Charles De Gaulle, o Cen-tro Pompidou, e autoestradas ainda não existiam. Há viaturas; jovens em maior número de calças à boca de sino, de óculos escuros, que andam de moto. Enfim, Paris está muito mudada para mim."

Mais tarde, visitei Nice, Cannes, Monte Carlo e compus um grupo de poemas sob o título de "Paris e outros poemas."

Viajei de avião de Nice a Roma, numa segunda visita à Itália.

Em Setembro do mesmo ano, a convite de Nie Hualing, coordenadora do Centro Internacional de Escritores de Iowa, parti para os Estados Unidos da América e lá vivi durante quatro meses, em que tive a oportunidade de visitar Deming, Chicago, Filadélfia, Nova Iorque, Washington, Bóston, Indiana, São Francisco, Los Angeles... Durante esta permanência escrevi vários poemas. Na viagem de volta, quando passei por Hong Kong, escrevi o poema "Hong Kong".

No Chile, em 1954

Em 1981, escrevi a grande composição "Em frente do mar" e outra intitulada "Chuva no dia de finados", em homenagem ao ex-primeiro-ministro Zhou Enlai.

Jovem jornalista

Em Abril de 1982, convidaram-me para tomar parte no Asian Writers Forum, patrocinado pela UNESCO, que se realizou no Japão. Enquadrado no tema "Cultura nacional e a nacionalidade" fiz uso do palavra, dizendo mais ou menos o seguinte: "É viável a coexistência de chá e café; ópio e haxixe devem ser proibidos. É preciso distinguir-se a ciência da superstição."

A conferência teve lugar sucessivamente em Tóquio e Quioto. Mais tarde aproveitei e visitei Nara.

Em Maio, em Hangzhou, realizou-se uma con-ferência em homenagem aos meus 50 anos de criação poética.

Após o acontecimento, visitei a minha terra natal, onde me encontrei com Jian Zhenying, o segundo filho da minha ama de leite, único sobrevi-vente dos cinco irmãos. É cesteiro e tem uns cinco anos mais do que eu.

Em Junho de 1983, fui convidado para tomar parte no Forum Internacional da Literatura e da Arte Chinesas, realizado em Singapura.

A Revista "Outubro" publicou, no seu número de Janeiro de 1983, a minha longa composição "Todos nós somos irmãos".

Para dizer a verdade, após tantas vicissitudes ao longo dos anos, sinto-me calmo e tranquilo. Uma serenidade igual à descrita no poema "Caurim":

"Se não fossem as ondas do acaso, a lançar-me na praia,

Nunca veria a beleza do Sol.

Sou optimista e faço cara alegre à pouca sorte.

Ao longo da vida tombei não sei quantas vezes.

Ergo-me a cada queda pelo meu próprio esforço.

Sacudo o pó e continuo em frente.

O meu sorriso nunca se apagou mesmo quando a ferida ainda sangra ".

Em 24 de Julho de 1954, no Chile, contemplando as rochas, escrevi:

"Uma após outra, as vagas

Vêm num assalto implacável,

Sucessivamente, despedaçar-se em espumas E logo recuam.

Com a face e o corpo

Cheios de cicatrizes de golpes,

O rochedo ergue-se, tranquilo e firme,

Desafiando o mar..."

Quantos, mais jovens do que eu, morreram já. Eu, ainda ando por este mundo dos vivos! Se eu tivesse morrido uns 7 ou 8 anos atrás morreria despercebido como um cão abandonado.

Desde que publiquei "O Grande Encontro", em 1932, já passaram mais de 50 anos. Meio século de vida, meio século de criação poética. Houve tempo em que tive a impressão de que estava a atravessar um túnel longo, escuro e húmido, sem ter a certeza de poder chegar à outra extremidade...

Hoje sei que consegui sair de lá e ainda navego no mar desta vida!

Ai Qing

Começos do Verão de 1983

No regresso à terra natal, 1982

desde a p. 50
até a p.