Antropologia

DESCOBERTAS ARQUEOLÓGICAS NO TEMPLO DE A-MÁ

Tan Shibao〈HZ*〉

Ilustração l: esquerda
Ilustração l: direita
Ilustração 2

N os inícios deste ano, aceitei do Museu de Macau dois projectos de investigacão, sendo um deles estudar a vida religiosa da população de Macau. Depois de ter feito uma série de investigações e estudos nos três maiores templos do Território, nomeadamente o A-Má (Ma Chou Kok, Ma Kok Miu, Templo da Barra), o Lin Fong Miu e o Pou Chai Sin Un, consegui fazer algumas descobertas e obter alguns resultados, com os quais se poderão corrigir algumas afirmações erradas que têm vindo a circular em Macau e mesmo nos círculos académicos. O presente trabalho visa apresentar algumas importantes descobertas relativas ao Templo de A-Má, ilustrando-o com fotografias.

1. Foram descobertas três linhas de caracteres na parede em pedra, situada por detrás do baldaquim, por sua vez situado detrás do chamado quiosque (pavilhão) Shenshan Diyi (Primeiro da Montanha Sagrada). A primeira linha, a de cima, diz: "Construído pelo eunuco Li Feng, governador, na qualidade de enviado imperial, administrador dos assuntos dos viveiros de pérolas e dos impostos sobre os barcos estrangeiros e o sal de Cantão" (ver ilustração 1). A segunda linha é composta apenas por quatro caracteres: Hai Yue Zhong Ying (mar, montanha, reunir, herói); a terceira, por dois caracteres, que dizem: "Como se estivesse presente" (ver ilustração 2). Devido a permanecerem sem contacto com a luz e ao facto de estarem escondidas pela estátua de Tian Fei (Deusa Celestial) e pelo baldaquim, as três linhas conseguiram esconder o seu verdadeiro rosto durante centenas de anos, mesmo para os investigadores.

Foi quando fazia uma investigação in loco que, vendo um funcionário fazer limpeza ao baldaquim, aproveitei a oportunidade para pedir informações e ter acesso a todos os caracteres existentes. Destes apenas estavam visíveis alguns da primeira linha, mais precisamente os das duas extremidades da linha, nomeadamente "enviado imperial e governador de Cantão" e "construído pelo eunuco Li Feng". Embora não se conseguisse ler os restantes caracteres, já se estava a adivinhar que os mais de dez caracteres escondidos se referiam ao cargo de Li Feng, o que vinha provar que se tratava de uma inscrição em pedra de grande valor, quando estudada, pois que poderia revelar segredos de grande interesse histórico,

Face a este achado senti a necessidade urgente de torná-lo conhecido e proceder a estudos aprofundados. Graças aos apoios provenientes de várias áreas, consegui levar a cabo várias investigações, tendo feito, como prova do meu achado, fotografias claras, em que aparecia toda a inscrição.

Conforme os caracteres recentemente identificados, sobretudo os da primeira linha, acredito que estes foram esculpidos certamente por iniciativa do responsável pela construção do templo, pois correspondem aos primeiros tempos do templo. A esta descrição, acrescentam-se: a inscrição na viga de pedra do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, "c onstruído pelos comerciantes da rua de Dezi no ano Yisi do reinado de Wanli"; a descrição que Yin Guangren e Zhang Rulin, que assumiram sucessivamente o cargo de tongzhi (subprefeito) de Macau, no reinado de Qianlong da dinastia Qing, fizeram na sua obra colectiva, Monografia de Macau, sobre a construção de um templo na colina de Ma-Kok em comemoração de Tian Fei, deusa que se tinha encarnado nessa colina durante o reinado de Wanli da dinastia Ming1; e finalmente as antigas inscrições em pedra existentes na colina, datadas dos inícios da dinastia Qing, sobre as paisagens e objectivos do templo, todas estas inscrições e descrições poderão confirmar de forma explícita os dois seguintes pontos:

1.1. O baldaquim e o quiosque foram ambos construídos no trigésimo terceiro ano (1605) do reinado de Wanli, pois só o baldaquim ou só o quiosque não podiam constituir um templo: razão pela qual podemos afirmar que as duas construções foram levantadas simultaneamente, constituindo um primitivo templo. Se existisse ali um templo de A-Má (ou de Tian Fei) com dezenas e até centenas de anos de história, esse templo teria sido submetido a reparações e ampliações durante o reinado de Wanli, não se podendo explicar a inscrição no pavilhão, "c onstruído por Li Feng ", pois que seria mais correcto aparecer "r eparado por Li Feng ". Ora, a inscrição que se vê hoje na viga da porta do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, sobre a data da construção e reconstrução, não poderia ser "c onstruído pelos comerciantes da rua de Dezi, no ano Yisi do reinado de Wanli; novamente reconstruído pela segunda rua de Huaide, no ano Yisi do reinado de Chongzhen; e reconstruído no segundo mês do Verão do oitavo ano do reinado de Daoguang da dinastia Qing " (ver ilustração 3) ; devendo, portanto, acrescentar-se no início da frase: "no ano X da dinastia Ming, construído pelos comerciantes da rua Y"; devendo a frase, que é originalmente primeira, passar para: "r econstruído pelos comerciantes da rua de Dezi no ano Yisi do reinado de Wanli".

ilustração 4

A inscrição recentemente descoberta, que afirma ser Li Feng quem construiu o pavilhão em que se encontra o baldaquim, e as inscrições de diferentes datas na viga de pedra, sobre a construção e reconstruções do templo, constitui uma dupla prova. Além destas podemos considerar igualmente como provas, embora secundárias, os versos esculpidos no templo, datados do reinado de Qianlong, e a Monografia de Macau, obra escrita no mesmo período, que afirma que o Templo de Tian Fei foi construído no reinado de Wanli. Daí se pode já chegar a uma conclusão definitiva: a veracidade e autoridade destas provas são inquestionáveis, pois que se baseiam nessas provas irrefutáveis e partem duma coerência lógica organizada com muito rigor. Através delas podemos chegar directamente à conclusão de que o templo foi construído em 1605, como com a mesma certeza o que está descrito nos versos: "Dez mil búfalos viram a cabeça, olhando para as múltiplas montanhas de Qiu/ O caso é tão firme e inabalável, como se fosse a montanha."

A hipótese que apareceu há pouco mais de dez anos, de que o Templo de A-Má foi construído no reinado de Chenghua, ou seja, que já tem uma história de mais de quinhentos anos, não possui, por seu lado, nenhuma prova resultante do próprio templo em questão, tal como já aconteceu com a datação do templo de 1605, nem igualmente nenhuma prova secundária do templo que possa ser credível. Ao confirmar-se deste modo a datação de 1605, devemos e podemos abandonar a hipótese de "500 anos", pois não é fundamentada. A este respeito, o famoso especialista da história de Macau, Dai Yixuan, diz-nos: "Aos factos importam-lhes os fundamentos, pois só assim serão credíveis."4 Este é um dos princípios fundamentais daqueles que trabalham no campo da investigacão histórica e que devemos seguir quando fazemos um estudo.

1.2. Segundo os dados históricos das cronologias das dinastias Ming e Qing, nomeadamente o Guo Que (uma crónica da dinastia Ming), a História da Dinastia Ming, a Crónica de Cantão e a Crónica do Distrito de Xiangshan, do período entre Fevereiro do vigésimo sétimo ano e Outubro do quadragésimo primeiro ano do reinado de Wanli, o eunuco Li Feng era o responsável máximo pelos impostos de Cantão na qualidade de enviado imperial.5 Quanto ao desempenho de Li Feng no dito cargo em Cantão e aos seus feitos, hei de fazer uma abordagem mais pormenorizada.

Os referidos dados históricos e a inscrição junto do baldaquim do Templo de Tian Fei (Templo de A-Má) levaram-nos a crer que, quando se procedeu à construção do Templo de Tian Fei em Macau, Li Feng, para além de funcionário de quarta categoria (a mais alta hierarquia na altura para os eunucos), assumiu em Cantão a responsabilidade de controlar as seguintes áreas:

(1) os viveiros de pérolas, localizados em Lianzhou e destinados a produzir produtos para a corte;

(2) shibo, ou seja, o controle de impostos sobre os barcos estrangeiros que entravam para comerciar com a China, devendo existir, para esse fim, uma repartição do género ao lado do Templo de A-Má, em Macau;

(3) o controlo de outros e diversos impostos na própria província de Cantão;

(4) a gestão dos assuntos relativos ao sal, pois que na altura existia uma famosa salina no distrito de Xiangshan, com o mesmo nome do distrito.

A História da Dinastia Ming — "Registos sobre a Hierarquia e Funcionários", vol. 2, diz-nos que: "O xunfu (inspector especial, que passa depois a ser o chefe máximo na província encarregado dos assuntos civis e militares) de Cantão, sendo o governador no terceiro ano do reinado de Wanli, assumiu mais uma responsabilidade, que foi o controle dos assuntos de sal." Daí se pode ver que, no que diz respeito a "governar Cantão... controlar ao mesmo tempo os assuntos de sal", estas seriam as principais funções do xunfu ou governador de Cantão, funções que na altura pertenciam a Dai Zhuo, governador de Cantão e Guangxi.

Considerando que o pavilhão onde se presta homenagem à deusa Tian Fei foi construído por Li Feng, o enviado imperial encarregado de controlar os impostos da província, e que o quiosque de pedra "Primeiro da Montanha Sagrada" em frente do dito pavilhão foi construído pelos comerciantes da rua de Dezi, podemos concluir que o templo é de facto uma construção feita por iniciativa do povo, mas sob a supervisão do governo. É também de considerar, por outro lado, que os dois caracteres Ru Zai (como se estivesse presente), recentemente descobertos, têm a sua origem nos Analectos de Confúcio — Ba Yi, que diz: "Faz-se sacrifício a Deus como se estivesse presente", o que demonstra que a ideologia que conduziu à construção do templo insere-se na ortodoxia confucionista oficial. Além do mais, em duas das vigas do dito quiosque estão esculpidos os caracteres Ying Ling Xian Ying (herói, alma, aparecer, responder) e Guo Chao Si Dian (país, corte, sacrifício, cerimónia) (conforme se vê na ilustração 5), sendo estas inscrições esculpidas aquando da construção do templo, o que demonstra, por sua vez, o carácter oficial da construção do templo: uma cerimónia de sacrifício por parte da corte.

O novo templo de Tian Fei (o Lin Fong Miu), construído um pouco mais tarde do que o de A-Má e que está próximo das Portas do Cerco em Macau, é outra construção tradicional, fruto da cooperação entre o governo e os comerciantes, tendo sido também erguido junto das instituições governamentais. Ele serviu como residência provisória para os altos funcionários da corte que vinham fazer inspecção a Macau, tendo isso acontecido pelo menos até o reinado de Daoguang, quando o enviado imperial, Lin Zexu, durante a sua inspecção a Macau, se hospedou no Templo de Lin Fong, antes de ir prestar homenagem no Templo de A-Má.6 Daí se pode ver claramente a posição particular que os dois templos ocuparam ao nível da política, religião e comércio de Macau. Tal facto dá-nos força para afirmar ser errada a lenda tradicional, segundo a qual foram os barqueiros e os comerciantes de Fuquiém que construíram os templos.7 A dita lenda e a sua divulgação dever-se-ão à circunstância dos fuquienses terem vindo posteriormente em número crescente estabelecer-se em Macau, onde se dedicaram ao comércio e nesta qualidade terem participado na ampliação e administração do Templo de A-Má. Na realidade, nos finais da dinastia Ming e inícios da dinastia Qing, os comerciantes de Macau eram na sua maioria cantonenses e estrangeiros, e não provenientes de Fuquiém (Fujian), tal como o documenta a Monografia de Macau: "Os artífices, vendedores e donos de loja são geralmente cantonenses. Moram em casas alugadas a estrangeiros, agrupando-se em pequenas povoações."8

Ilustração 5

O facto de o Templo de Tian Fei ter sido construído com a participação e supervisão do governo, nomeadamente através do funcionário que era responsável quer pelos transportes e comunicações fluviais e marítimos, quer pelo comércio e impostos, não é um fenómeno que tenha acontecido por acaso, mas um caso frequente, de longa tradição. A este respeito, a Crónica do Distrito de Haining, do reinado de Jiajing, descreve, no seu vol. 3, "Templos", o seguinte: "Em Haining há dez templos de Tian Fei, localizados em diversos acampamentos dos qianhusuo e baihusuo (chefes militares que tinham sob sua jurisdição respectivamente mil e cem famílias)." A Crónica do Distrito de Haining, datada do décimo quarto ano do reinado de Kangxi, diz-nos que "... nos inícios da dinastia Ming, os suoguan (funcionários locais, incluindo qianhusuo e baihusuo) estavam encarregados da administração de diversas rotas marítimas e construíram, por isso, templos em honra da deusa Tian Fei."9 O Registo da Reparação do Palácio de Tian Fei do Youweisuo (cargo e repartição dum oficial militar) de Hangzhou, da autoria de Huang Keqian, datado do quinto ano do reinado de Wanli, diz, por sua vez, que "... os oficiais militares encarregados dos transportes fluviais construíram o palácio de Tian Fei em honra desta deusa. Trata-se de uma velha tradição, cuja origem pode remontar ao reinado de Hongwu."10

Ilustração 6

Quanto à construção de templos de Tian Fei pelos eunucos Zheng He e Wang Guitong, podemos considerá-los como os primeiros a fazê-lo ainda no reinado de Yongle.11 Junto ao portão Guide, na cidade-prefeitura de Cantão, encontrava-se um templo de Tian Fei, precisamente ao lado das direcções de shibo, referida anteriormente e de assuntos alfandegários de Cantão.12

No distrito de Xiangshan, ainda na dinastia Ming, entre os templos de Tian Fei erguidos juntos das instituições governa-mentais, nomeadamente a de impostos e assuntos alfandegários, havia um templo, construído no reinado de Hongwu pelo qianhu Chen Yu em frente da Hebosuo (repartição encarregada de assuntos de rios e lagos).13

A estátua da deusa Tian Fei podia encontrar-se mesmo em algumas repartições encarregadas da defesa marítima, nomeada-mente na do estaleiro oficial, na repartição essa que tinha que ver com o ancoradouro de barcos oficiais destinados à protecção contra os piratas japoneses, e que foi construída pelo qianhu Sheng Shaode em meados do reinado de Zhengde e reconstruída pelo comandante Tian Ni no vigésimo quarto ano do reinado de Jiajing.14

Os templos de Tian Fei, construídos com a colaboração do governo e do povo, eram também, por outro lado, em número considerável. Na Crónica Geral de Fuquiém, vol. 6, "Templos", por exemplo, a entrada de Putian da prefeitura de Xinghua leva a seguinte inscrição: "O Templo de Tian Fei... no décimo oitavo ano do reinado de Chenghua, foi reconstruído pelo povo devido às doações de Chen Dao, eunuco encarregado da defesa."15 Este templo de Tian Fei tinha sido construído por iniciativa de um outro eunuco, sendo fruto da colaboração do governo e do povo. A respeito do mesmo, a Crónica da Prefeitura de Qiongzhou de Daoguang diz-nos o seguinte: "No vigésimo quinto ano do reinado de Wanli, o funcionário Zhou Xing organizou os comerciantes para que fosse construído o Templo de Tian Hao (Tian Fei)."16

Ilustração 7

2. O pavilhão com a placa horizontal, onde se lê a inscrição "Primeiro da Montanha Sagrada" e que continha um espaço de mais de três metros, pertencia a duas construções separadas. A da frente era o quiosque de pedra a que se referem muitas inscrições esculpidas em pedra, de inícios da dinastia Qing, e que estão localizadas na colina da Barra (ver ilustração 6).

Ilustração 8

Os versos de Zhang Daoyuan, do reinado de Qianlong, "Viagem longínqua à ilha do Lótus/ só um quiosque de pedra, natural", assim como os de Ximi Yanghe, "O Pico do Lótus flutua sobre uma ilha distante/o templo parece um quiosque para contemplação das nuvens", e os de Zhao Yuanru, "Tocando à porta do templo, e entrando, vê-se o Primeiro Quiosque da Montanha Sagrada", podem confirmar que a principal construção do templo, e que era conhecida até aos finais do reinado de Qianlong, não era apenas um quiosque (ver ilustração 7). Numa pintura em que o antigo Templo de A-Má é visto lateralmente, da autoria do pintor ocidental J. Webber, a primeira construção que se vê, quando "se entra", é uma construção tipo quiosque sem paredes laterais (ver ilustração 8). Provavelmente só com a reconstrução numa maior dimensão, que teve lugar no oitavo ano do reinado de Daoguang, é que o quiosque e o pavilhão com o baldaquim, que se encontrava por detrás do quiosque, acabaram por se juntar numa só construção, a que se conhece hoje em dia. O método da reconstrução deveria ser o seguinte: construíam-se duas paredes com aberturas que sugeriam uma janela, as quais fechavam, os dois lados do quiosque, e uma parede com portas, em forma de grade, entre os dois pilares da frente. Construíam-se depois duas paredes em cada um dos dois lados do espaço que separava o quiosque do pavilhão com o baldaquim, ligando entre si as duas construções, sendo posteriormente coberto com um telhado. Lateralmente, pode notar-se hoje que a estrutura do pavilhão é algo estranha, com três telhados diferentes. Os telhados do antigo quiosque e do antigo pavilhão são de estrutura complexa, apresentando certa semelhança um com outro, enquanto o telhado do meio se apresenta em forma de pirâmide simples. É claro que as três construções não saíram do mesmo projecto. Além do mais, as paredes laterais das três construções são completamente diferentes. A parede da frente tem um grande caixilho com 21 aberturas dispostas em três linhas, e que ocupa todo o espaço delimitado pela base da parede, pelos dois pilares e pela viga, pelo que é fácil descobrir que era no início um quiosque sem parede-janela. A parede traseira é uma parede de pedra, sem janela, muito mais estreita do que as outras duas paredes (recuadas cada uma delas um metro para o interior), o que demonstra que era uma parede independente, construída com grandes pedras, pertencendo originalmente ao pavilhão com o baldaquim, pois a superfície da parede no interior da construção tem antigos baixos-relevos com deuses. A parede do meio é de pequenos tijolos, com uma janela quadrada no centro, composta por quatro aberturas em forma de "flores", cuja estrutura é idêntica à do quiosque, o que demonstra que as duas janelas são produtos da mesma obra de ampliação (ver ilustração 9).

Ilustração 9

3. Foram descobertas duas linhas de caracteres nos dois pilares do baldaquim de pedra. A linha do lado direito diz: "Dia 1 do segundo mês do Verão do ano Wuzi do reinado de Daoguang"; e a outra diz: "Por Zheng Shu De Tang, gratidão" (ver ilustração 10). Estas inscrições estão cobertas por cortinados, pelo que não foram referidas até à minha descoberta.

Como a data da construção do baldaquim de pedra é idêntica à da reconstrução escrita na placa horizontal suspensa por cima da porta do pavilhão, pode afirmar-se que a palavra "reconstrução", que se lê na dita placa, se refere a todo o templo (as inscrições da antiga grade de pedra, que se encontravam junto do portão, assim como as do pavilhão Kun Iam, o mais importante entre os pavilhões, referem-se também à mesma data de construção) e não exclusivamente à reconstrução do dito pavilhão, pois não era possível ter existido apenas o pavilhão sem o baldaquim mesmo durante algum tempo. Daí se pode afirmar que é errada a ideia de que o pagode de Wang Yan é a mais antiga construção do Templo de A-Má.

Há, por exemplo, quem afirme que "os dois caracteres Wang Yan devem ser o título que se conferiu à deusa A-Má durante a dinastia Ming... Nós sabemos que no sétimo ano do reinado de Yongle (1409), foi-lhe conferido o título: Huguo Bimin Miaoling Zhaoying Hongren (Wang Yan) Puji Tian Fei (deusa celestial, que defende o País, protege o povo, responde sempre e manifestamente ao apelo, divulga a benevolência e dá apoio a todas as criaturas). Ora, a atribuição deste título deveu-se a um pedido que Zheng He apresentou à corte depois de ter voltado da sua primeira viagem através do Mar do Oeste. Simultaneamente à atribuição do título, construiu-se um templo de A-Má de grande envergadura sobre o rio Longjiang à porta de Yifeng, em Nanquim, e foi-lhe também colocada uma placa horizontal onde se lê: Hongren Puji Tian Fei Zhi Gong (palácio da deusa celestial, que divulga a benevolência e dá apoio a todas as criaturas)... Destes dados podemos concluir que o sétimo ano do reinado de Yongle (1409) será possivelmente a data mais antiga da construção do pagode de Wang Yan.

Entre a atribuição do título por parte da corte, a colocação da respectiva placa e a construção do templo por iniciativa do povo teria de decorrer algum tempo. Entre a construção do templo e a atribuição do título e respectiva placa ter-se-á erguido em Macau, cinquenta a oitenta anos depois, durante o reinado de Chenghua ou de Hongzhi, um pagode de Wang Yan, por iniciativa popular. Embora Macau esteja bastante distante de Nanquim, tal facto poderia não ser impossível."

Para reforçar a sua opinião, o autor desta hipótese continua: "Quanto à data da construção do Wang Yan Kok (pagode de Wang Yan), os especialistas de Macau, baseando-se nas lendas populares, chegaram a opinar que ele foi construído no reinado de Chenghua, do imperador Xianzong (1465 a 1487), ou no primeiro ano do reinado de Hongzhi, do imperador Xiaozong (1488). Estas duas datações, embora lhes falte exactidão, estão próximas da data verdadeira da construção do Wang Yan Kok. Esta é a conclusão a que cheguei depois de ter analisado os dois caracteres Hong Ren (Wang Yan), escritos na placa horizontal do Wang Yan Kok."17 Ora, este tipo de pressuposto, baseado exclusivamente na data, que se supõe ser mais antiga, sem que nunca se tenha posto a hipótese de uma data posterior, com a qual se chegou a definir uma data possível para a construção do pavilhão em questão, não pode deixar de ser um acto arriscado, indo contra o raciocínio lógico. De acordo com a mesma pressuposição, poderíamos chegar à conclusão de que o Templo Pou Chai Sin Un poderia ter sido construído no reinado de Chenghua ou no primeiro ano do reinado de Hongzhi, pois o título e a placa que foram conferidos no sétimo ano do reinado de Yongle, contêm não só Wang Yan mas também Puji (Pou Chai). Ora, se pudermos basear-nos em tal pressuposto para chegar a tal conclusão, poderemos ainda afirmar que a data da construção do Pou Chai Sin Un está também próxima da do Wang Yan Kok.

Ilustração,10

Poderíamos consequentemente concluir que a datação de todos os templos de Macau ou de outras regiões, sempre que levem os dois caracteres Tian Fei como título, está próxima da data da construção do Wang Yan Kok e do Pou Chai Sin Un, pois Tian Fei são os dois últimos caracteres do título e da placa horizontal que foram atribuídos no sétimo ano do reinado de Yongle, devendo possuir, por isso, o mesmo efeito que a atribuição contida nos caracteres Wang Yan. Mais arriscado será, se prosseguirmos na mesma lógica e basear-nos num facto histórico — o título de Tian Fei já existia aquando da dinastia Yuan,18 para concluir que todos os templos que se considerem de Tian Fei datam da dinastia Yuan. Poderíamos ir mais longe: o facto de Tian Fei ser conhecida no início como Ma e Ma Chou poderia ser aproveitado para afirmar que todos os portões ou arcadas de um templo que tenham esses caracteres na sua placa horizontal são as construções mais antigas do templo, sendo a datação de pelo menos 500 anos mais cedo do que a do Wang Yan Kok. Raciocínios feitos deste modo não têm cabimento lógico.

Não podemos, por exemplo, afirmar que quem tenha por nome os caracteres Yao, Shun ou Yu seja certamente mais velho do que quem os não tenha, alegando que são os mais antigos nomes chineses. Quando faltam dados precisos para definir a data do nascimento de uma pessoa, o mais importante é determinar a posterior data possível, só assim se pode julgar que pelo menos nasceu antes de determinado ano. Relativamente a nomes de pessoas e de templos, é em termos gerais difícil definir as possíveis datas anterior e posterior pelo que não podemos basear exclusivamente na possível data anterior ao aparecimento do nome do templo para datar a construção dele. Tomemos como exemplo o título Huguo Bimin Miaoling Zhaoying Wang Yan Puji Tian Fei. Este título, embora conferido no sétimo ano do reinado de Yongle, da dinastia Ming, foi posteriormente conferido à Tian Fei, nomeadamente no décimo nono ano do reinado de Kangxi, da dinastia Qing.19 Podemos daqui concluir que, só quando houver testemunhos para confirmar que o uso de certo título foi proibido em determinado ano pela corte, é que se pode tomar essa data como a possível data posterior para o uso do título; caso contrário, seremos obrigados a reconhecer que o templo, qualquer que ele seja, sempre que tenha sido construído após o sétimo ano do reinado de Yongle, da dinastia Ming, ou após o décimo nono ano do reinado de Kangxi, da dinastia Qing, possui o direito de usar os dois caracteres do referido título, para si próprio ou para os seus pavilhões.

As ideias acima mencionadas fazem, por outro lado, apenas pressupor a data anterior possível para a construção do pavilhão: "data posterior ao sétimo ano do reinado de Yongle (1409)". Então, por que é que os defensores dessa doutrina não querem definir essa data posterior? Porque não puderam fazê-lo, pois, segundo os dados tirados da própria construção que estão ao nosso alcance, o pavilhão foi construído no oitavo ano do reinado de Daoguang (1828). E se eles conseguissem confirmar que o Wang Yan Tin (pavilhão de Wang Yan) foi reconstruído na base do Wang Yan Kok (pagode de Wang Yan), teriam podido dizer que a provável data posterior para a construção do Wang Yan Kok é anterior ao ano de 1828. Não há, no entanto, nenhum testemunho que possa confirmar que tenha existido, antes de 1828, uma construção conhecida como Wang Yan Kok. A hipótese conhecida hoje de o Wang Yan Tin ter sido reconstruído na base do Wang Yan Kok poderá não chegar nunca a ser confirmada e a possível data posterior acima pressuposta não poderá manter-se.

A ocorrência depois de 1828, de uma placa horizontal, datada do primeiro ano do reinado de Honghuang, com a inscrição Wang Yan Kok no Templo de A-Má, foi descrita no primeiro ano de Minguo (1911) pela primeira vez, mas de uma forma errada, por Wang Zhaoyong. A análise e discussão deste facto constituirá o quarto ponto do presente trabalho. Indo directo às nossas conclusões, podemos afirmar que, na história do Templo de A-Má, nunca existiu um tal pavilhão conhecido como Wang Yan Kok, pelo que não se pode partir da sua falsa existência para se determinar uma data anterior para a construção do Templo de A-Má; esta metodologia incorrecta não pode pôr em causa o nosso trabalho. É neste ponto que reside o erro de autores como este. E evidente que, quanto à datação da construção do pavilhão de Wang Yan, é preciso abandonar completamente as ideias de Wang Zhaoyong, e poder confirmar, através de testemunhos, que o pavilhão de Wang Yan é mais antigo que o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada e que o pavilhão do baldaquim, sendo este o único caminho que possa conduzir-nos a chegar a uma conclusão correcta. Tal como afirmámos atrás, podemos confirmar, através dos testemunhos tirados das próprias construções em questão e das que se fizeram posteriormente, que o pavilhão e o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada foram construídos no ano Yisi, do reinado de Wanli, da dinastia Ming (1605), enquanto a construção do pavilhão de Wang Yan pode ser datada do ano Wuzi do reinado de Daoguang, da dinastia Qing (1828), data esta que se baseia também nos testemunhos tirados da própria construção e de outras adicionais. Podemos dizer, deste modo, que as duas construções são as primeiras, as principais e as de base do Templo de A-Má e que a restante construção só surgiu nas obras de reconstrução e de ampliação do templo.

Ilustração 11

4. Através de minuciosas investigações e análises, descobri que a placa horizontal com uma inscrição datada do primeiro ano do reinado de Hongguang, que Wang Zhaoyong afirmou ter visto em 1911, é com certeza um engano ou até mesmo uma invenção sua, que infelizmente exerceu grande influência nos especialistas posteriores. Mesmo hoje em dia, não poucos deles continuam a aproveitar a incorrecta afirmação de Wang Zhaoyong para apresentar pontos de vista errados, tendo entrado numa discussão sem fim, provocada pela excessiva confiança depositada nos famosos predecessores.

Depois de analisar os objectos in loco, podemos afirmar o seguinte: com a placa horizontal com a inscrição do nome do pavilhão Wang Yan Tin, datado do ano Wuzi, do reinado de Daoguang (1828), não pode ocupar o lugar de uma placa horizontal com a inscrição Wang Yan Kok, datado do primeiro ano do reinado de Hongguang. É impossível que Wang tivesse visto em 1911 a placa datada do primeiro ano do reinado de Hongguang no lugar onde se coloca a actual placa horizontal do pavilhão de Wang Yan (Wang Yan Tin). O que Wang teria podido ver seria a placa que hoje conhecemos, datada do ano Wuzi, do reinado de Daoguang (ver ilustração 11). Tal como outro erro que Wang cometeu ao datar a inscrição em pedra Haijing do ano Renzi em vez do ano Guimao (engano cujos pormenores serão expostos e analisados no próximo ponto), o Wang Yan Tin foi erradamente considerado como o Wang Yan Kok, e a placa do oitavo ano do reinado de Daoguang da dinastia Qing como o do primeiro ano do reinado de Hongguang da dinastia Ming.

Uma coisa é certa: mesmo com uma análise não profunda, poderemos reconhecer que o templo em questão não pôde ter uma placa do primeiro ano do reinado de Hongguang, e, mesmo que o pudesse ter tido, não poderia ter conseguido manter-se ao longo de toda a dinastia Qing, porque Hongguang era o reinado do imperador Fuwang, duma pequena corte da dinastia Ming do Sul, que se estabeleceu em Nanquim na tentativa de resistir à invasão dos Qing, tendo existido apenas durante cinco meses (de Fevereiro a Junho de 1645), aproxi-madamente.

O dito reinado pôde alargar-se tão rapidamente para Macau e a ponto de ser referido na placa horizontal de um templo? É muito duvidoso. Mesmo que se tivesse usado o dito reinado na placa, isso seria impossível no ambiente de repressão contra a restauração dos Ming ou contra as actividades e a ideologia da resistência aos Qing.

Esta repressão, que era muito severa nos inícios da dinastia Qing, não pressupõe que os mandarins mandados para Macau permitissem manter a placa no mesmo lugar, inclusive em 1911, ano em que Wang Zhaoyong afirma tê-la visto. O mais duvidoso será o facto de na primeira década da República, a placa em questão que conseguiu manter-se intacta durante toda a dinastia Qing, desapareça sem justificação alguma, já que para tal terá de ocorrer algum grande acontecimento que possa conduzir a tal desaparecimento.

Outra questão a pôr é o facto de todas as histórias relativas ao estranho destino da placa só terem sido testemunhadas por Wang Zhaoyong e ninguém viu apresentar outros testemunhos em seu favor. Daí se pode concluir que a dita placa nunca existiu, sendo, na realidade, um erro por parte de Wang ou uma invenção sua. Acontece que este engano ou invenção é deveras muito estranho, pois ultrapassou mesmo o âmbito dos estudos convencionais, a tal ponto que alguns especialistas, embora descobrindo o erro de Wang, se limitaram a dizer que Wang cometeu um pequeno erro ao afirmar ser o primeiro ano do reinado de Hongguang em vez do primeiro ano do reinado de Hongzhi, correcção esta que podemos classificar de emendar um erro com outro erro, não podendo, por isso, corrigir de forma exacta o erro de Wang.20

O mesmo aconteceu com Fang Kuanlie, que corrigiu erradamente com o erro relativo à datação da inscrição em pedra Haijing. Tal erro foi cometido pelo mesmo Wang Zhaoyong, o que constitui um facto que dificilmente se pode imaginar. Mas, na verdade, isso aconteceu e não vale a pena ficarmos pelas lamentações, mas antes fazer todos os esforços para corrigir radicalmente o erro. Há quem diga: "Actual-mente, há em Macau quem afirme que o pavilhão de Wang Yan, a mais antiga construção do Templo de A-Má, foi construído no primeiro ano do reinado de Hongzhi do imperador Xiaozong da dinastia Ming (1488), e que o Templo de A-Má, construído no reinado de Chenghua da dinastia Ming (1465 a 1487), já tem uma história de mais de 500 anos."21 Esta afirmação de que o pavilhão de Wang Yan é a mais antiga construção do templo, deve referir-se ao pavilhão erguido aquando da construção do templo; relativamente a afirmar-se que a data da construção de todo o templo é pelo menos um ano mais cedo do que a do pavilhão de Wang Yan, trata-se evidentemente duma tentativa de reconciliar a doutrina da datação do reinado de Chenghua com a da do primeiro ano do reinado de Hongzhi, caindo assim numa contradição, o que faz cair de raiz mesmo antes de criar polémica.

Podemos, no entanto, pensar que se está a basear numa das duas doutrinas que "têm registos", para pressupor que o pavilhão de Wang Yan seja a mais antiga construção, cuja data será anterior à do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada e à do baldaquim construído por Li Feng, onde figura a placa de pedra com a inscrição da data da construção, e que foi destruída aquando da reconstrução havida no oitavo ano do reinado de Daoguang. Os meus estudos e análises levaram-me a acreditar que este pressuposto não tem consistência e que as minhas conclusões se podem justificar pelos seguintes pontos:

4.1. Tal como o exposto em 1.1., se o pavilhão de Wang Yan fosse uma construção do templo, cuja data é anterior à do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada e à do baldaquim construído por Li Feng, as inscrições destas duas últimas construções e algumas descrições da Monografia de Macau ter-se-iam de alterar. Ora, acontece que os factos a eles referentes não são assim, pois podem confirmar que a construção do pavilhão de Wang Yan é certamente posterior à do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, construído pelos comerciantes da rua de Dezi e à do baldaquim construído por Li Feng.

4.2. Se o pavilhão de Wang Yan fosse a principal e primeira construção do templo, o título "Primeiro da Montanha Sagrada" teria de encontrar-se esculpido na porta do dito pavilhão e não na porta do quiosque de pedra, e, ao mesmo tempo, as inscrições datadas dos inícios da dinastia Qing não teriam podido descrever de forma resumida o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, sem conter uma palavra que se refira ao dito pavilhão, o que demonstra capazmente que os poetas que deixaram inscrições no rochedo Haijing viram o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada mas não viram o pavilhão de Wang Yan.

Ilustração 12

4.3. Se a reconstrução que teve ocasião no oitavo ano do reinado de Daoguang tivesse destruído a placa horizontal original, teria de registar nas respectivas inscrições a data da construção antes de registar a data da reconstrução, tal como aconteceu com o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada. A data da construção que se encontra inscrita nos dois pilares do baldaquim de pedra do pavilhão de Wang Yan e a data da reconstrução que se encontra na placa horizontal que encima a sua porta referem apenas o oitavo ano do reinado de Daoguang, o que demonstra que os anos dedicados à construção interior e exterior do pavilhão não conheceram a anterior existência de um baldaquim, pois que, se a conhecessem, teriam de inscrever seguramente as datas da construção do baldaquim e do pavilhão.

4.4. O baldaquim desse pavilhão é semelhante ao construído por Li Feng, mas não leva o nome inscrito do cons-trutor, de facto, no dorso do baldaquim, tal como acontece com a do baldaquim de Li Feng, tendo apenas uma inscrição daquele que mandou construir o baldaquim, Zheng Shude, no pilar esquerdo de pedra do baldaquim, e a data do estabelecimento do baldaquim inscrita no pilar direito, o ano Wuzi do reinado de Daoguang (1828). Estes testemunhos, tirados das construções em questão, podem confirmar que este baldaquim é uma reprodução do baldaquim de Li Feng, feita no oitavo ano do reinado de Daoguang e que o pavilhão de Wang Yan, onde se encontra o baldaquim, foi construído nesse mesmo ano.

5. Descobri que a inscrição Haijing num rochedo, da autoria de Zhang Yingling (Yutang), data do ano Guimao do reinado de Daoguang, da dinastia Qing (ou o vigésimo terceiro ano do reinado de Daoguang, ou seja, 1843) (ver ilustração 12). A datação do ano Renzi, do reinado de Daoguang, foi apresentada por Wang Zhaoyong no primeiro ano da República, mas, tal como indica Fang Kuanlie, o reinado de Daoguang não tem o ano Renzi, pelo que se pode afirmar que se trata de um erro em que Wang caiu. Se tivesse procedido às investigações in loco,22 não cometeria o erro de datar no ano Renzi do reinado de Xianfeng.

Ilustração 13

6. Descobri que o Templo de A-Má (Ma Chou Kok Miu) que se conhece hoje é composto por dois templos construídos por diferentes pessoas das dinastias Ming e Qing. As primeiras construções, que incluíam o baldaquim construído por Li Feng, eunuco do imperador Wanli da dinastia Ming, e o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, construído pelos comerciantes da rua de Dezi de Macau, constituíam o corpo principal do Templo de Tian Fei; e as segundas construções, feitas pelos comerciantes e funcionários provenientes de Fuquiém e Chaozhou, constituíam o Templo de Tianhou (Rainha Celestial), que actualmente faz parte do pavilhão Zhengjue Chanlin (ver ilustração 13).

Ilustração 14

7. Descobri que o Templo de A-Má foi construído pelo governo e com o patrocínio dos comerciantes, sendo um templo de Tian Fei enquadrado no sistema oficial Guo Chao Si Dian (país, corte, sacrifício, cerimónia), em vez de um templo de A-Má de puro carácter privado, construído e baptizado pelo povo. Daí que o seu nome oficial deve ser "Templo de Tian Fei", como está descrito na Monografia de Macau (ver ilustração 14). O Ma Kok Miu ou o Ma Chou Kok (nomes que se referem ao Templo de A-Má) são, de facto, os nomes populares com que os comerciantes de Fuquiém e Chaozhou substituíram o antigo nome oficial, depois de terem controlado a administração do templo (ver ilustração 15). Hoje há quem não consiga distinguir a origem oficial da popular, passando a tomar Ma Chou Kok como nome original e oficial e Tian Fei Miu como nome popular, aparecido numa data posterior.

Este facto conduziu a que muitos defendam que o nome do território de Macau tenha a sua origem no nome de Ma Chou Kok, o que não é correcto.23 Segundo os dados da parte portuguesa, existe a hipótese de que o nome de Macau tenha a sua origem no nome duma deusa lendária ("A-Má" ou "Ma"), ou no nome de um templo chinês "Ma Chou (Kok) Miu", e não no nome de Maria, ligado à religião católica, como se acreditaria posteriormente. A este respeito, Dai Yixuan refere: "O nome 'Amacao' não pode ter origem no nome 'Neong Ma Kok' ou 'Ma Chou', pois que o Templo de A-Má era, no século XIX, conhecido em inglês como 'Amakok Temple' (ver "The Chinese Recorder", (19) 1888, pp. 125, 168). O carácter 'Kok' deve ser pronunciado como 'kok' e não 'Cao'. Pelo que concordo com a opinião tradicional dos autores ocidentais, de que 'Amacao' é a tradução de 'A Ma Ou'.

No início, os portugueses chamavam ao Território 'Povoação do Nome de Deos de Amacao na China', 'Porto do Nome de Deos' e 'Porto de Amacao'."24 Os dados chineses e portugueses levam-nos a acreditar que o que está na base da origem dos nomes do Território em línguas estrangeiras, nomeadamente "Macau" e "Amacao", não chega para afirmar que o Ma Kok Miu já existisse antes da abertura do porto de Macau, pelo que esta hipótese não tem consistência.

8. Descobri que existem na realidade três lendas chinesas que dizem respeito ao Templo de A-Má e que foram criadas, registadas e divulgadas por pessoas de diferentes épocas.

A primeira lenda diz respeito à criação do Templo de Tian Fei, no reinado de Wanli. Ela encontra-se documentada pela primeira vez na Monografia de Macau, onde se diz, explicitamente, que a encarnação da deusa Tian Fei e as histórias da consequente construção do Templo de Tian Fei datam do reinado de Wanli da dinastia Ming. A deusa Tian Fei, referida por esta lenda, não é aquela que veio de barco de Fuquiém e que se reencarnou em Macau, mas sim a que os barqueiros fuquienses naufragados viram erguer-se ao lado duma colina e conseguiram salvar-se graças à sua intervenção. Esta lenda não diz, por outro lado, que o Templo de Tian Fei tenha sido construído pelos comerciantes que vinham a bordo desse barco naufragado.

Ilustração 15

A segunda lenda diz respeito ao Templo de Tian Hao, construído principalmente pelos oriundos de Fuquiém e Chaozhou, nos inícios da dinastia Qing. O seu mais antigo registo encontra-se na "Inscrição da lápide do pavilhão de Wenling Quanjing do Templo de A-Má de Macau, distrito de Xiangshan", e data do vigésimo sétimo ano do reinado de Daoguang, da dinastia Qing (1847). Segundo esta lenda, a reencarnação ocorreu no "período da dinastia Ming" em vez do "reinado de Wanli, da dinastia Ming", defendido pela primeira lenda, e a deusa Tian Hao é reencarnada numa anciã que conduziu sozinha um barco, partindo de Fuquiém e conseguindo chegar a Macau numa só noite. A lenda também refere que foram "provenientes de Fuquiém e Chaozhou que fazem comércio em Macau" que construíram diversas estátuas, um templo, os desenhos de barcos e as inscrições em pedra.

A terceira lenda deve-se aos nossos que foram erradamente conduzidos pela chamada placa horizontal do Wang Yan Kok, datado do primeiro ano do reinado de Hongguang, e que na realidade resulta de um erro ou de uma invenção de Wang Zhaoyong. Estas pessoas, baseando-se na segunda lenda e aproveitando a dúvida existente na datação, chegaram a inventar uma nova data, tendo criado novas lendas ao defender que ela seria no "reinado de Chenghua, da dinastia Ming (1465 a 1487)" ou no "primeiro ano do reinado de Hongzhi, da dinastia Ming (1488)", em vez do "período da dinastia Ming".

A primeira lenda, original e de maior credibilidade, não se tomou permeável a novas datações devido à sua ser relativamente concreta pelo que o "reinado de Wanli, da dinastia Ming" foi uma data posta de lado. As actividades da chamada comemoração do quingentésimo aniversário do Templo de A-Má, que tiveram lugar em 1984, e a "Inscrição do monumento relativo à comemoração do quingentésimo ano do Templo de A-Má", cuja lápide foi erguida no templo no mesmo ano, foram, infelizmente, o resultado da influência da datação errada do reinado de Chenghua para o Templo de A-Má. Esta datação incorrecta, registada na lápide recentemente erguida, passou a ser a datação do templo, embora seja uma afirmação errada. Este facto trouxe uma grande influência negativa, pois, das diversas datações do templo, só a do "reinado de Chenghua" não tem nenhum documento deixado do passado que possa testemunhar a verdade, baseando-se unicamente em cálculos e afirmações sem fundamento, dos contemporâneos. A história da evolução das lendas sobre o templo em questão é, na verdade, um bom e típico exemplo do erro da "antiga história acumulada", tal como indica uma antiga escola onde se debatia a História.25

9. Tem havido estudos e novas descobertas sobre os registos em línguas estrangeiras que descrevem a história do Ma Kok Miu e as suas lendas. Das numerosas lendas sobre a história da construção e desenvolvimento do Ma Kok Miu, há uma que, ao que parece, está esquecida pelos chineses, e, que, por isso, nunca foi inserida nas obras dos historiadores chineses. Ela, no entanto, entrou, ainda em 1840, no "Chinese Repository" ((9) Out. 1840: Description of the Temple of Matsoo Po, at Ama Kô in Macao). Esta referência representa a primeira vez que a lenda figurou nos documentos ocidentais, do que se pode concluir que a fonte desta lenda, embora muito antiga, estava, no entanto, ainda em divulgação em Macau pelo menos em 1840. Os estudos que efectuei levam-me a crer que esta antiga lenda, as histórias sobre a construção do templo e que são uma simbiose de factos históricos e narrativas mitológicas, nomeadamente, partiu do facto histórico de que o eunuco Li Feng veio a Macau para presidir à construção do Templo de Tian Fei durante o reinado de Wanli, o que lhes confere um importante valor documental, superior ao da maioria das outras lendas.

Devido à componente mitológica que encobre muito do histórico e ao facto da lenda, composta de factos e mitos, se ter perdido já na China e igualmente devido ao complexo processo de divulgação, tradução e compilação no "Chinese Repository", em que se teria cortado o nome do protagonista, Li Feng, e perdido a ideia original de alguns nomes relativos a lugares e a cargos, e apesar de há muitos anos alguns especialistas portugueses terem procedido a estudos nesta matéria, ninguém chegou a revelar a verdade do facto histórico. Em 1979, por exemplo, Mons. Manuel Teixeira chegou a citar a lenda, mas a lenda foi citada a partir de testemunhos secundários (António Basto, "Jornal Único", Macau, 1898) e duma forma sucinta e até mesmo errada., 26 Depois de ter referido esta história lendária, mas a partir de um outro capítulo da mesma obra, o autor fê-lo duma forma, segundo diz, completa, mas não fez nenhuma análise ou comentário, mesmo tendo revelado uma contradição entre as duas citações.27

Em 1988, o especialista português, Rui Brito Peixoto, publicou um artigo que apareceu nas versões chinesa, portuguesa e inglesa do número 5 da "Revista de Cultura", tendo citado duma forma relativamente correcta a primeira parte da lenda. Mas a partir de então até hoje, ninguém, nem mesmo Mons. Manuel Teixeira e Rui Brito Peixoto, voltou a referir que esta lenda foi elaborada a partir de um facto histórico, a construção do templo por parte de Li Feng. Eu somente consegui descobrir a relação entre o facto e a lenda após ter descoberto a inscrição em pedra, onde se referia a construção do Ma Chou Kok Miu por iniciativa de Li Feng e a partir daí ter efectuado uma comparação minuciosa entre a inscrição e a lenda.

Os registos de Mons. Manuel Teixeira estão no essencial correctos, mas, mesmo assim, não valerá a pena discuti-los, pois trata-se apenas de um folheto de carácter turístico que visa contar a história relativa ao Ma Chou Miu, e não de uma obra académica destinada a estudos posteriores. É, no entanto, de referir que os dados nele reunidos não são fruto de um estudo e de uma análise cuidada sobre as fontes, pelo que não lhe faltam erros e enganos. Um exemplo flagrante é o de referir "Emperor Sun-ke"28 quando, segundo apurámos, na história das dinastias Ming e Qing, nenhum imperador é conhecido como "Sun-ke"; por outro lado, a versão original em inglês que conta as lendas da construção do templo refere "In the reign of Teenke". Daqui podemos concluir que "Sun-ke", referido por Mons. Manuel Teixeira, deve ser "Teenke".

Mons. Manuel Teixeira é um historiador da velha geração que merece o meu grande respeito, mas evidentemente esta sua obra não é uma obra académica, não podendo, por isso, ser apreciada dentro desses critérios. Volto a dizer que não devemos citar dados e afirmações dessa obra sem ter efectuado os devidos estudos e uma análise cuidada, a fim de não tomar como factor histórico outros que resultam de puro engano. Há, no entanto, quem não saiba estabelecer diferenças entre os estudos académicos da História e interpretações populares, e, quando, por exemplo, procede à discussão académica sobre a data real da construção do Ma Kok Miu, cite, sem analisar, alguns dados e afirmações, baseando-se nessas interpretações populares do texto de Mons. Manuel Teixeira como um testemunho histórico de grande credibilidade, e através disso suspeitar ou negar a inscrição em pedra que diz respeito a Li Feng, assim como os registos da Monografia de Macau sobre a data da construção do templo. O absurdo que daí resultou não é inferior àquele que se utiliza, quando se recorre às hstórias de ficção do Romance dos Três Reinos para negar os registos históricos da Crónica dos Três Reinos.

Também há quem cite, sem ter estudado a obra original, alguns dados que Mons. Manuel Teixeira citou da Peregrinação, alegando que "Pinto referiu na sua Peregrinação que tinha visto o Ma Chou Kok de Macau". Esta obra é da autoria de Fernão Mendes Pinto, obra que é classificada unanimemente pelos especialistas como sendo composta de dados de baixa credibilidade,29 por ter misturado factos reais com falsos.

Artigos como estes, que "recolhem resíduos dos conhecimentos alheios" (tendo mesmo esses "resíduos" aparecido numa obra de há 30 anos), fazem uma série de afirmações erradas sem ter procedido à pesquisa e estudo, tornando deste modo mais grave e mais mal compreendido o que existe sobre estes factos históricos. Os referidos artigos puderam ser classificados como "pesquisa histórica" e foram publicados na coluna especial do debate académico de um grande jornal. Como isto acontece, quando hoje há um critério rigoroso para os estudos académicos da história, é algo que deveras nos espantou!

É também curioso que o investigador contemporâneo, Charles Ralph Boxer, cite na sua obra, Fidalgos in the Fast East (p. 7), Mons. Manuel Teixeira, dizendo apenas: "The picturesque temple dedicated to this Goddess at the entrance of the Inner Harbour is the oldest building in Macau, and probably little has changed from the time when Mendes Pinto and his compatriots first set eyes on it in 1555." Esta descrição limita-se a dizer que Mons. Manuel Teixeira e outros consideram que em 1555 Fernão Mendes Pinto e os seus companheiros viram em Macau o Ma Chou Kok, e não conseguiu dizer que Fernão Mendes Pinto tenha referido na sua Peregrinação que ele próprio tinha visto o templo. O facto conhe-cido por todos é que, quer nas cartas quer na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, não há nenhuma referência à existência de um templo chinês.30 O que nos mais espanta é que o referido trabalho recorreu a tais "pesquisas e afirmações" já por si enganosas para ter chegado à nova afirmação de que "o Ma Chou Kok foi construído antes de 1500". É realmente uma má tendência esta, na medida em que prejudica a investigação e desvia do caminho correcto os estudos da história de Macau.

Para facilitar a discussão e pesquisa sobre a verdade histórica das respectivas lendas, o nosso trabalho vai de seguida dedicar-se principalmente a uma discussão pormenorizada sobre o artigo de Rui Brito Peixoto, artigo de nível académico. Vou, seguidamente, fazer uma análise e um breve comentário sobre as lendas que dizem respeito à construção do Ma Kok Miu, e que foram descritas no artigo de Rui Brito Peixoto, titulado Arte, Lenda e Ritual, publicado na "Revista de Cultura", n. ° 5, em línguas chinesa, portuguesa e inglesa.

O artigo de Rui Brito Peixoto apresentou quatro variantes da lenda da fundação do Templo da Barra. As duas primeiras são de datas diferentes e relativamente recentes e aqueles que registaram as referidas variantes são autores contemporâneos: Lenda do Templo da Barra, da autoria de Luís Gonzaga Gomes, 1967, pp. 13-6; e Templo Chinês da Barra (Ma-Kok-Miu), de Mons. Manuel Teixeira, edição do Centro de Informação e Turismo de Macau, 1979. Estas duas variantes da lenda devem ser as que só apareceram na dinastia Qing. E as histórias contadas na terceira e quarta variantes da lenda são ambas do "reinado de Wanleih (Wanli) da dinastia Ming" e aqueles que as registaram são mais antigos do que os das duas primeiras variantes: a quarta variante tem a origem na Monografia de Macau, publicada em 1571, da autoria de Tcheong-U-Lâm e Ian-Kuong-Iâm, p. 50; e a terceira é uma tradução do "Chinese Repository", edição de 1850, n. ° 9, p. 403.

Fizemos uma pesquisa no "Chinese Repository", na versão original de 1840. Nele encontrámos um artigo intitulado Description of the Temple of Matsoo Po, at Ama Kô in Macao, e descobrimos que a lenda que Rui Brito Peixoto registou é na realidade uma parte desse artigo. Este leva uma nota que diz: "Prepared for the Repository by a Correspondent", sendo uma reportagem que um correspondente escreveu para o "Chinese Repository". Trata-se da primçira descrição desta lenda chinesa por um documento ocidental, podendo servir para corrigir os erros, enganos ou omissões ocorridos quando citada pelos especialistas posteriores.

É um facto que o dito artigo já regista todo o processo histórico que refere a cons-trução do templo por Li Feng nos finais da dinastia Ming e a reconstrução e ampliação no 8. ° ano do reinado de Daoguang da dinastia Qing pelos comerciantes de Chaozhou e Fuquiém, convertendo-o no Ma Kok Miu (ou Ma Chou Po Miu).

Apesar de, a partir de 1840, um número apreciável de especialistas estrangeiros, que se dedicaram ao estudo da história de Macau, terem lido com certeza este artigo, ninguém chegou a descobrir o facto histórico nele contido relativamente à construção e ampliação do Ma Kok Miu. Esta circunstância deve-se principalmente ao facto histórico estar já encoberto pela lenda, apresentando mesmo alterações, e estar omitido o nome da personagem histórica Li Feng; a data da construção do templo, por outro lado, passa do reinado de Wanli para o de Tianqi, ou seja, 50 anos mais tarde.

Se exceptuarmos a inscrição em pedra recentemente descoberta por mim no próprio templo, nenhum dos anais históricos refere o facto de que Li Feng construiu o templo, pelo que é normal que Manuel Teixeira, Rui Brito Peixoto e outros especialistas ocidentais não tivessem conhecimento disso. A isto devemos acrescentar o facto de eles não conhecerem bem os topónimos e as personagens históricas da China, não podendo reconverter correctamente os nomes chineses de inglês para chinês, o que constitui um grande obstáculo na procura da verdade das respectivas lendas. Devemos, no entanto, reconhecer que, embora com certos erros e omissões, o artigo de Rui Brito Peixoto, em termos gerais, conseguiu citar correctamente a parte que se refere à construção do templo por Li Feng, o que deu uma grande motivação para o meu estudo. Foi graças à leitura do artigo de Rui Brito Peixoto que consegui concluir que a lenda tem a ver com a inscrição em pedra recentemente descoberta por mim, onde se refere a construção do templo por parte de Li Feng, pelo que fui deste modo levado a proceder a estudos aprofundados.

A lenda que Rui Brito Peixoto citou refere-se na verdade ao facto histórico da construção do templo por Li Feng, que não se encontra documentado nos registos históricos chineses, por se encontrar já encoberto pelo mito. Para facilitar a nossa análise transcrevemos aqui a lenda registada no artigo de Rui Brito Peixoto, em duas versões, a chinesa [aqui na versão portuguesa da "Revista de Cultura"] e a original inglesa:

LENDA DA FUNDAÇÃO DO TEMPLO DA BARRA, VARIANTE N. ° 3 (FONTE: "THE CHINESE REPOSITORY", 1850)

"No reinado de Wanleih da dinastia Ming (por volta de 1573) havia um barco de Tseuenchow foo em que se praticava o culto da deusa Matsso Po. Por infortúnio, a embarcação tornou-se ingovernável, indo à deriva, arrastada pelo vento e pelas ondas. Pereceram todos os que estavam a bordo, menos um marinheiro que era devoto da deusa, o qual abraçar o a sua sagrada imagem, decidido a não a largar, foi recompensado pela sua poderosa protecção e poupado da morte. Quando a tempestade acalmou pôde desembarcar a salvo em Macau, para onde a embarcação tinha sido arrastada. Levando a imagem para a colina de Ama colocou-a na base de uma grande rocha — que foi o melhor local que pôde encontrar — o único templo que os seus meios lhe podiam proporcionar.

Cerca de 50 anos mais tarde, no reinado de Tenkee, houve um astrónomo famoso que, através de uma correspondência (desconhecida do comum dos mortais) entre os tesouros do céu e as jóias da terra, descobriu que havia um lago na província de Cantão que continha muitas pérolas caras e brilhantes, pelo que se dirigiu, muito respeitosamente, ao Imperador, aconselhando-o a mandar buscá-las. Sua Majestade Imperial inteirando-se desta preciosa informação, despachou um criado fiel em busca do lago maravilhoso. Ao chegar a Macau o mensageiro imperial pernoitou na aldeia de Ama ko, onde a deusa lhe apareceu em sonhos e lhe disse que o lugar que procurava ficava em Hopoo em Keaou Chow, ou distrito de Keaou. Dirigiu-se ao local indicado e achou milhares das mais finas pérolas. Radiante de gratidão pela revelação secreta que havia recebido, construiu um templo em Ama ko e dedicou-o à sua informadora."31

LEGEND OF THE FOUNDING OF BARRA TEMPLE, 3RD VERSION (SOURCE: "THE CHINESE REPOSITORY", 1840, P. 403)

"In the reign of Wanleih, of the Ming dynasty (about A. D. 1573), there was a ship, from Tseuenchow foo in the province of Fuheën, in which the goddess Matsoo po was worshiped. Meeting with misfortunes, she was rendered unmanageable and driven about in this state, by the restless winds and waves. All on board perished, with the exception of one sailor who was a devotee of the goddess, and who, embracing her sacred image, with the determination to cling to it, was rewarded by her powerful protection, and preserved from perishing. Afterwards when the tempest subsided, he landed safely at Macau, whither the ship was driven. Taking the image to the hill at Ama ko he placed it at the base of a large rock — the best situation he could find — the only temple his means could procure.

About fifty years after this period, in the reign of Teenke, there was a famous astronomer, who from some correspondence (unknown to common mortals) between the gems of heaven and the jewels of earth, had discovered that there was a pond in the province of Canton containing many costly and brilliant pearls, upon which he addressed the emperor, respectfully advising him to send and get them. His imperial majesty, availing himself of the important information, dispatched a confidential servant in search of this wonderful pond. On arriving at Macao, and passing the night at the village of Ama ko, the goddess appeared to the messenger in a dream, and informed him, that the place he sought for, was at Hopoo in Keaou chow or the district of Keaou. He went to the place and procured several thousands of the finest pearls. Glowing with gratitude for the secret intimations he had received, he built a temple at Ama ko, and dedicated it to his informant."32

Pode encontrar-se alguns defeitos nas versões chinesa e inglesa do artigo de Rui Brito Peixoto. "Tseuenchow foo" (prefeitura de Quanzhou), por exemplo, não aparece na versão chinesa. "Hopoo" aparece na obra original, "Chinese Repository", como Hôppo. "Kô" na obra original é a pronúncia do carácter chinês kok (de A-Má-Kok), donde podemos concluir que "Kô" deve ser a pronúncia do carácter chinês he (rio).

Retirados os factores mitológicos e recuperados os respectivos nomes de lugar e cargo, podemos ver os seguintes dados originais relativos ao facto histórico: o mensageiro imperial que deixou o seu nome na inscrição do Ma Chou Kok Miu deve ser o eunuco Li Feng, do reinado de Wanli, pois o mensageiro imperial descrito na lenda é "um criado fiel", em que o imperador Wanli deposita grande confiança, o que corresponde ao cargo e posição de Li Feng, que é um eunuco. O reinado de Tianqi, que a lenda refere como a época da construção do templo por Li Feng, tem de ser corrigido, pois trata-se do reinado de Wanli.

A missão do mensageiro imperial, que a lenda descreve como sendo a de procurar o lago de pérolas, é uma elaboração fictícia do facto real que constitui a referência ao cargo descrito na inscrição em pedra do baldaquim do Ma Chou Kok Miu: "governador enviado imperial e administrador dos assuntos das pérolas de Cantão". O carácter liu, que se usa em chinês para dizer "lago de pérolas", é no original inglês pond, que pode significar "tanque" e também "mar".33 Donde podemos concluir que pond, usado neste caso, devia traduzir-se para chinês por "tanque" ou "mar", e pelo que o chamado "lago de pérolas", na lenda em chinês, queria dizer a ideia de (zhen) zhu chi (tanque ou viveiro de pérolas) ou (zhen) zhu hai (mar de pérolas), o que corresponderia à inscrição do cargo de Li Feng, onde aparecem os dois caracteres chineses zhu chi (viveiro ou tanque de pérolas) e ao facto de que a zona marítima e terrestre vizinha de Ma Kok de Macau é conhecida também como Zhuhai. A tradução deste termo, de inglês para chinês, deve ser, por conseguinte, zhuchi (tanque ou viveiro de pérolas) ou zhuhai (mar de pérolas), em vez de zhenzhu hu (lago de pérolas). O chamado zhuchi referia-se na realidade à zona marítima próxima da costa, de águas pouco salgadas, onde abundavam as pérolas. A este respeito Qu Dajun diz: "O seu fundo (do zhuchi) está ligado ao mar, onde as águas são salgadas, ao contrário são do zhuchi que são pouco salgadas. Nas águas pouco salgadas produzem-se pérolas." Sobre a vastidão do zhuchi, o mesmo deixou-nos um verso: "Zhuchi estendido por mil lis, de águas sem fim",34o que poderia ser mais uma justificação para o tratamento de Zhuhai nas histórias populares em vez de zhuchi. O engano que aconteceu na versão chinesa com o "lago de pérolas" deveu-se a que pond apareceu na versão portuguesa como "lago", que significa em chinês: "lago", "tanque de jardim" ou "mar interior".35 Ora, o sentido "lago" não entra na palavra inglesa pond, ao contrário dos outros sentidos que não foram a opção da versão portuguesa, pelo que, quando foi vertido do português para o chinês, se cometeu engano, ao escolher o primeiro sentido de "lago", de modo que zhuchi ou Zhuhai se coverteu em "lago de pérolas" na versão chinesa.

Também podemos reflectir no facto de, segundo a lenda, a deusa aparecer em sonhos a Li Feng e dizer que o lago que procurava ficava em Hopoo em Keaou Chow, ou distrito de Keaou. O tradutor da versão portuguesa não conseguiu perceber a que se referiam esses nomes, tendo acabado por lhes acrescentar uma nota dizendo "ou distrito de Keaou". Em consequência disto, o tradutor da versão chinesa foi obrigado a manter na tradução os três nomes em inglês. O que acontece é que, "Keaou Chow" deve ser a pronúncia cantonense de "Jiuzhou" (Kao Chao), o que pode ser testemunhado pelos vários nomes da cidade de Zhuhai: porto de Jiuzhou, ilha de Jiuzhou e mar de Jiuzhou. Pode igualmente ver-se que o nome da cidade de Zhuhai, recentemente criada, tem a sua origem na lenda de que Jiuzhouyang é um tanque ou um mar abundante em pérolas, lenda essa que estava a ser divulgada a partir das dinastias Ming e Qing na região de Macau e Zhuhai, onde "Hopoo", que deve ser a pronúncia cantonense do hebosuo, se referia a funcionários a quem o hebosuo mandou cobrar, em Jiuzhou, os impostos sobre os barcos de pesca e de comércio, e que na realidade são funcionários alfandegários que hoje se conhecem.

Ilustração 16a

A este respeito, o especialista Dai Yixuan indicou que, no século XVIII, "os portugueses continuavam a tratar o chefe das alfândegas chinesas, estacionado em Macau, como hoppo, seguindo evidentemente o antigo tratamento" (ver G. Anson, Voyage Round the World, pp. 325, 328).36 A pequena diferença entre "Hôpoo", supracitado, e "hoppo", que Dai Yixuan aqui usou, nomeadamente entre "Hô" e "Ho" e entre "poo" e "ppo", deveu-se à diferença do sotaque dos falantes ou aos diferentes métodos de tradução. Disso pode encontrar-se um número apreciável de dados históricos como testemunhos. A Crónica do Distrito de Xiangshan (vol. 3, "Repartições Públicas"), do reinado de Jiajing da dinastia Ming, diz o seguinte: "O hebosuo (ho pak so, em cantonense) situa-se no sopé da colina de Shiqi, a oeste da cidade distrital, e foi estabelecido no décimo quarto ano do reinado de Hongwu, pelo seu responsável Xia Kai, encontrando-se actualmente já fora de uso, pelo que os funcionários que vêm hospedam-se em casas particulares." A Crónica do Distrito de Xiangshan (vol. 1, "Repartições Públicas"), do reinado de Kangxi, da dinastia Qing, contém a mesma descrição. Daí podemos ver que, no reinado de Wanli, o hebosuo do distrito de Xiangshan já não tinha sede fixa, tendo passado a estabelecer-se em casas particulares, próximas do ancoradouro onde se concentravam barcos nacionais e estrangeiros. A Crónica do Distrito de Xiangshan (vol. 8, "Templos"), do reinado de Jiajing, diz por sua vez: "O palácio de Tian Fei, já fora de uso, fica defronte do hebosuo, estabelecido pelo qianhu Chen Yu nos meados do reinado de Hongwu." Daí podemos ver que o hebosuo do distrito de Xiangshan e o palácio de Tian Fei viveram um destino comum, de prosperidade e decadência, ainda nos inícios da dinastia Ming, o que se poderia justificar porque na lenda a indicação da deusa Tian Fei de A-Má-Kok de Macau tinha a ver com o hebosuo do distrito de Xiangshan, situado em Jiuzhou. O primeiro volume, "Água e Terra", da mesma crónica diz: "A montanha Wang-menshan, a 110 lis do sudeste do distrito, estende-se a partir de Beiling por 20 lis, erguendo-se atrás de colinas, separando o mar de Jiuxing, com campos e cidades no interior e barcos ancorados no exterior e onde pescadores e lenhadores se misturam." Diz a mesma obra: "Na montanha de Jiuxingzhou, com nove picos dispersos, há muitas rochas, cobertas por líquenes e casas de pedra, onde a água doce que corre forma uma fonte para os barcos estrangeiros, que é conhecida como Tiantangshui (água do tanque celestial)." As legendas das ilustrações do vol. 1, "Xingdi", da Crónica do Distrito de Xiangshan, do reinado de Daoguang, dizem-nos o seguinte: "A 15 lis de Hou Keng Ou fica Jidaxun e a 20 lis fica a montanha de Jiuxingzhou, no sopé da qual se estende o mar de Jiuzhou" (ver ilustração 16).

Do que acabámos de referir se pode ver que a zona da ilha de Jiuzhou e do mar de Jiuzhou, vizinha de Macau, foi também um local onde se concentravam barcos chineses e estrangeiros que aí ancoravam para adquirir abastecimento. É lógico que fosse nesse local que os funcionários do hebosuo iam cobrar os impostos. Era também natural que Li Feng, sendo o responsável pelos impostos de Cantão, e tendo o hebosuo sob a sua tutela, tivesse estado em Jiuzhou, onde ficava a sede do hebosuo. Quanto à lenda que diz que, graças à indicação da deusa, Li Feng conseguiu encontrar ali milhares das mais finas pérolas, mais precisamente que Li Feng achou pérolas no mar de Jiuzhou, próximo de Macau, graças à deusa, a verdade é que Li Feng só adquiriu pérolas dos viveiros já existentes em Lianzhou, e que passaram a estar sob a sua tutela.

Ilustração 16b

Segundo esta lenda, Jiuzhou era o local onde se situava o tanque de pérolas ou mesmo o mar de pérolas, mas, durante as dinastias Ming e Qing, o distrito de Xiangshan não tinha obrigação de produzir pérolas como produto nativo e oferecê-las como tributo à corte. A este respeito, o vol. 2, "Contributo em Produtos Nativos", da Crónica do Distrito de Xiangshan, do reinado de Jiajing, da autoria de Huang Zuo, diz assim: "... posteriormente passou a incluir... pérolas... entre outros produtos, não sendo nenhum deles produtos nativos, pelo que são pagos em dinheiro." Daí se pode ver que, mesmo que Li Feng tivesse adquirido pérolas no distrito de Xiangshan, a quantidade não poderia atingir "milhares". O vol. 82, "Crónica de Alimentos e Mercadorias", da História da Dinastia Ming diz que: "Li Jing e Li Feng recolheram de Cantão 5100 taéis de pérolas", enquanto o vol. 305, "Eunucos — Biografia de Liang Yong", da mesma obra, documenta que Li Jing recolhia anualmente "quase dez mil taéis de pérolas". Ora, este quantitativo refere-se à produção de toda a província, pois que sabemos que, desde tempos remotos, o distrito de Xiangshan nunca foi especializado na produção de pérolas, pelo que era impossível ter encontrado duma só vez milhares de pérolas no mar de Jiuzhou.

Se folhearmos o vol. 37, "Impostos sobre o Ouro e Prata", da obra Ming Hui Dian, vemos que os impostos sobre os viveiros de pérolas eram provenientes de Cantão, nomeadamente dos viveiros de Yangmei, Qingying, Pingjiang e Yongan, na prefeitura de Lianzhou, e do viveiro de Yuemin, na prefeitura de Leizhou.37 As Novas Palavras de Cantão (vol. 15, entrada "Pérolas"), da autoria de Qu Dajun, dizem o seguinte: "No mar de Hepu há sete viveiros de pérolas, os de primeira categoria são os de Pingjiang, Yangmei, Qingying, os outros (Wuni, Baisha, Duanwang e Haizhusha) estão classificados numa segunda categoria; existe um oitavo, o de Bailongchi, o maior de todos."

Podemos concluir que era em Hepu, na prefeitura de Lianzhou, que se reuniam os principais viveiros de pérolas, o que se pode justificar com a entrada "Dia Wuwu de Fevereiro do vigésimo sétimo ano do reinado de Wanli do imperador Shenzong", de Guo Que, da autoria de Tan Qian, que refere um édito imperial, onde Li Feng foi pela primeira vez nomeado enviado imperial: "Mando o vassalo interno Li Feng procurar pérolas em Lianzhou e responsabilizar-se pelos impostos do shibosi."38 Concluímos, portanto, que o mar de Jiuzhou, próximo da cidade de Zhuhai, não tinha a ver com os viveiros de pérolas que Li Feng administrava na qualidade de enviado imperial. Podemos, deste modo, compreender melhor o material lendário que nos diz que o enviado imperial, graças à indicação da deusa, conseguiu encontrar em Jiuzhou o tanque ou mar de pérolas.

Não discutimos aqui o que é que levou Li Feng a construir um templo em A-Má-Kok, de Macau, e também não discutimos se a construção do templo se deveu à gratidão que sentiu pela revelação da divindade. O que podemos afirmar é que Li Feng, como construtor do Templo de Tian Fei, está confirmado pelo indubitável testemunho que é a inscrição em pedra recentemente descoberta que o descreve como construtor do templo, tendo mencionado mesmo o seu cargo, e isto é um facto indubitável. O exame e análise que, por outro lado, fizemos ao factos reais encobertos pelas lendas populares podem, também relativa-mente aos estudos históricos, confirmar a autoridade da inscrição em pedra deixada por Li Feng. Vale a pena reiterar aqui um princípio fundamental: o estudo científico da história de Macau precisa dos dados históricos, fidedignos, reais e com autoridade, com os quais se possa examinar e interpretar as lendas populares; não podemos actuar de outra maneira, tal como algumas pessoas costumam fazer, ou seja, recorrer às histórias lendárias para pôr em dúvida, negar e até substituir os dados e registos históricos.

A partir do que analisámos, verificamos que Rui Brito Peixoto, pelo facto de ser estrangeiro, desconhece o facto histórico que atribui a Li Feng a construção do templo, tendo encontrado dificuldades no processo de traduzir de novo para chinês alguns nomes próprios e termos da história chinesa, a tal ponto que optou por algumas histórias populares que tinha recolhido, para considerar que as pérolas do "lago das pérolas" "têm a génese nas escamas de peixe", que são riqueza "de continuada renovação, ano por ano", e consequentemente, "possuem múltiplas associações que sugerem a ideia de prosperidade que parece derivar dos produtos do mar". Erros de interpretação deste género devem ser compreendidos, pois estamos perante alguém que, embora espe-cialista, é, no entanto, estrangeiro, o que implica um domínio fraco e uma compreensão deficiente dos dados históricos de primeira mão da China. Quero, no entanto, voltar a reafirmar que a citação das respec-tivas lendas por Rui Brito Peixoto e a respectiva análise foram na realidade uma grande motivação para os meus estudos. Sem o artigo de Rui Brito Peixoto eu não poderia ter tido acesso à lenda, que refere a construção do templo por Li Feng, e, por conseguinte, não poderia ter efectuado os estudos aqui expostos. Isto demonstra que, nos estudos da história de Macau, é indispensável reforçar o intercâmbio e cooperação entre os especialistas chineses e portugueses e de outros países.

Vale a pena indicar o seguinte: o artigo citado tem ainda um parágrafo que se segue à descrição citada por Rui Brito Peixoto e que achamos conveniente transcrevê-lo aqui e seguidamente analisá-lo:

(CONTINUAÇÃO DA DESCRIÇÃO CITADA POR RUI BRITO PEIXOTO)

Ilustração 16c

"This temple stood until the 8th year of the present monarch (12 years ago), when it was found that the temporary repairs were not sufficient to supply the wastes of time. The ruined condition of the building aroused the zeal of the Fukheën and Taychow merchants, who subscribed more than 10,000 taels of silver to erect something more honorable to their favorite goddess. This was the origin of the present assemblage of buildings. The upper temple they dedicated to Kwanyin, the Goddess of Mercy; the middle one they designated the temple of Universal Benevolence, and the lower one they called after the name of the village in which it stands. At the side of the latter they erected buildings, designed both for a temple and monastic apartments, and in both of these they placed images of Matsoo po. In the last-mentioned residence several priests dwell, who pay the usual morning and evening adoration to the goddess, keep the temple clean, and assist the worshipers to present their offerings and prayers."

(Há mais duas descrições sobre as inscrições da colina do Templo de Ma Chou, que se deixam para outra oportunidade).

A descrição aqui transcrita regista a história da ampliação do Templo de Ma Chou, que teve lugar entre o oitavo e o vigésimo ano do reinado de Daoguang, época contemporânea ao "Chinese Repository", pelo que merece, pelo seu valor, um estudo e também permite esclarecer algumas dúvidas e suspeitas lançadas pelas pessoas que acima referi. Segundo esta descrição, os comerciantes de Chaozhou e Fuquiém investiram mais de dez mil taéis de prata nas obras de ampliação do Templo de Ma Chou, de que resultou o seguinte aglomerado de construções: o templo superior, dedicado a Kwanyin (o Gun Iam Kok), o do meio, conhecido por Benevolência Universal (o Wang Yan), e a construção em baixo (porta principal do templo), baptizada com o nome da aldeia de Ma Kok onde se situa o templo. Podemos, por isso, concluir que o autor, conhecendo o facto histórico, que foi o da ampliação do templo havia doze anos, o registou, pelo que este registo fica imune a qualquer contaminação lendária.

Este registo factual indica:

1. ° O Wang Yan Kok foi pela primeira vez construído no oitavo ano do reinado de Daoguang, o que constitui mais um testemunho indubitável para afastar a ideia de que o Wang Yan Kok seria a mais antiga construção do templo.

2. ° A porta principal do templo foi construída também no oitavo ano do reinado de Daoguang e o seu nome, "Ma Kok Miu" ou "Ma Chou Kok", deveu-se à sua localização na aldeia de Ma Kok, onde, segundo a lenda, Li Feng pernoitou e viu em sonhos a deusa Ma Chou. Isto demonstra sem a menor dúvida que o templo foi baptizado com o nome da aldeia e não o contrário, a aldeia ter sido baptizada com o nome do templo. Daí que não se possa afirmar que o nome do Território tem origem na pronúncia do nome do templo.

3. ° O artigo referiu todas as construções recentemente feitas, sem ter mencionado o quiosque Primeiro da Montanha Sagrada e o pavilhão do baldaquim, o que nos leva a pensar que o autor os teria considerado como sendo construções datadas de quando o mensageiro imperial da dinastia Ming procedeu à construção do templo. Tudo isto corresponde às conclusões a que cheguei e que acima referi e justifiquei.

As novas descobertas e os seus estudos devem contribuir de certa maneira para o aprofundar dos estudos e pesquisas sobre a construção do Templo da Barra (o Ma Chou Kok Miu), servindo de valores de referência para os estudos da história de Macau, e igualmente dos de Zhuhai, e de Cantão e até da história das relações Sino-Portuguesas. O presente trabalho reúne os meus pontos de vista, que resultaram de estudos e de primeiras pesquisas, um pouco superficiais, que precisam de ser aprofundadas e alargadas. Há à nossa espera um número considerável de dúvidas e problemas por esclarecer. Agradecia que os especialistas me ajudassem com as suas opiniões autorizadas.

PROCURAR A VERDADE PARA A DATA DE CONSTRUÇÃO DO TEMPLO DE A-MÁ

1. ORIGEM DA QUESTÃO

Nos passados meses de Julho e Agosto, escrevi um estudo em forma de relatório intitulado Novas Descobertas Arqueológicas da História do Templo de A-Má de Macau, sendo um primeiro trabalho, em forma de síntese, sobre a inscrição em pedra: "Construído pelo eunuco Li Feng, governador por delegação imperial, administrador dos assuntos dos viveiros de pérolas e dos impostos sobre os barcos estrangeiros e o sal de Cantão"; assim como outras inscrições, antigas e novas, registos locais e lendas populares. Os principais pontos de vista expostos nesse estudo precisam ainda das seguintes explicações e justificações:

1.1. A datação do ano Yisi no reinado de Wanli (1605) da construção do Pagode da Barra (Templo de A-Má ou Ma Chou Kok) é de todas a única credível pelo menos até hoje, o que faz com que seja das mais antigas inscrições em pedra como registo histórico.

1.2. A datação do Templo de A-Má, no reinado de Chenghua ou no primeiro ano do reinado de Hongzhi da dinastia Ming, só aparece divulgada na nossa época. Pretende afirmar-se que o templo em questão tem mais de 500 anos, o que é estranho, pois não possui nenhuma inscrição antiga em pedra ou registo histórico antigo escrito que lhe possa servir de fundamento. Esta datação carece, na verdade, de confirmação histórica, sendo um produto da invenção de gerações posteriores, pelo que deve ser esquecida.

Em Junho e Agosto passados, o "Jornal da Zona Económica Especial de Zhuhai", os jornais "Wa Kio" e "Cheng Pou", de Macau, a revista "Estudos Académicos", de Cantão, assim como os dois canais da T. D. M. (Teledifusão de Macau), publicaram o relatório e fizeram reportagens sobre este assunto, tendo despertado grande interesse nos círculos académicos e entre personalidades de diversas áreas que, embora tenham levantado algumas dúvidas, se mostraram solidários com a minha datação. Perante estas reacções, positivas e negativas, não posso deixar de me sentir estimulado e honrado, pois todas elas constituem para mim um apoio, pelo que aproveito o momento para lhes apresentar os meus sinceros agradecimentos, sobretudo aos que apresentaram dúvidas. Embora estas sejam expostas, sob pseudónimo não literário, só em artigos inseridos em colunas especiais do jornal ou então em reportagens, as que consegui ler até agora foram suficientes para chamar a minha atenção e reflexão e para me conduzir a estudos e pesquisas mais aprofundadas, constituindo esse facto um dos motivos principais que me levaram a escrever o presente artigo. Este visa, por isso, responder e esclarecer melhor as dúvidas levantadas para além de ser um apelo a que prevaleça o bom senso na questão em que nos debruçamos. Aos especialistas agradeço as eventuais críticas que venham a fazer.

Queria por outro lado chamar atenção àqueles "historiadores de Macau" que defendem a datação de "500 anos", ou seja, a datação do primeiro ano do reinado de Hongzhi (1488) e a do 20. ° ano do reinado de Chenghua (1484) da dinastia Ming, para que, quando tiverem opiniões divergentes, façam artigos quanto possível, mas bem fundamentados, em resposta aos meus pontos de vista, a fim de se poder confirmar que a datação que defendem não seja produto da invenção ou do engano. Que não esperem que as dúvidas sobre a "datação de 1605" apresentadas por outrem e a tolerância dada para com a "datação de 500 anos" possam ser aproveitadas para impedir o estabelecimento da "datação de 1605" e consequentemente manter para sempre errada a "datação de 500 anos". Se pudesse ser considerada como uma hipótese não fundamentada a "datação de 1605", talvez houvesse razão para contrapor a outra datação, mas acontece que aquela fundamenta-se não só na própria construção como noutros testemunhos secundários, ao contrário da "datação de 500 anos" que não pode mesmo classificar-se como uma hipótese, pois não possui nenhum testemunho. Se não fosse assim, poderíamos apresentar, com todo o à vontade, um número sem fim de datações, de 501 anos, de 600 anos, de 700 anos, de 1000 anos e até de 2000 anos. Aproveitando a publicação deste trabalho, volto a apresentar o meu sincero desejo de que me apresentem dúvidas e perguntas, seja quais forem, sempre que se enquadrem no âmbito da discussão académica, pois fui eu que me lancei a apresentar novos testemunhos eloquentes para confirmar a antiga "datação de 1605", tendo-o feito através da análise e do estudo e deles erradicando a nova lenda da "datação de 500 anos". Assumo, portanto, a responsabilidade de justificar e defender a minha datação. Se eu não o conseguir fazer, poder-se-á dizer que a parte que me contradiz consegue apresentar testemunhos ainda mais eloquentes para confirmar que a sua "datação de 500 anos" está bem fundamentada e que a minha é uma invenção. E se assim for, terei de abandonar logo os principais pontos de vista acima mencionados e apresentar sinceros agradeci-mentos a quem tenha corrigido o meu erro, e não passar a considerar como afirmação uma mera hipótese, que possa coexistir com a enganosa "datação de 500 anos".

2. RESPOSTAS ÀS DIVERGÊNCIAS E DÚVIDAS

2.1. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que me limito a utilizar a mais original e antiga inscrição em pedra, recentemente descoberta no Templo de A-Má, como um testemunho mais completo e eloquente, para confirmar a "datação de 1605", defendida já nalgumas obras feitas com maior rigor, da autoria de académicos nacionais e estrangeiros, e fundamentada em antigas inscrições e registos históricos. No entanto, uma reportagem publicada num jornal descreveu isto como uma "nova doutrina" formulada por Tan Shibao dizendo: "O professor-adjunto da Universidade de Macau Tan Shibao publicou há poucos dias um artigo, tendo derrubado a anterior datação da construção do Templo de A-Má..." Na verdade, a datação que considero errada e pretendo erradicar é a datação lendária de "500 anos" do Templo de A-Má, que sem ter sido fundamentada, só apareceu e foi divulgada nas épocas moderna e contemporânea; eu, pelo contrário, o que pretendo estabelecer não passa de uma reafirmação fundamentada em antigas lendas, registos históricos igualmente antigos e dados recentemente descobertos. Daí se pode ver que a notícia considerou a nova datação como a velha e a velha datação como sendo nova, ao dizer que o meu artigo pretende substituir com uma "nova doutrina" a "anterior datação da construção do Templo de A-Má", constituindo este facto mais uma "nova doutrina". Face a esta atitude, considero necessário esclarecer a verdade e realçar que um estudo histórico não poderá nunca chegar a um resultado correcto uma vez que se afaste das reais premissas da história e do que se estudou sobre esta questão. Foi por esta razão que revelei aqui a verdade desta "nova doutrina" que alterou a história.

Em segundo lugar, queria fazer uma simples análise ao último parágrafo da supracitada notícia: "Do período de 1554 a 1557, os portugueses conseguiram permanecer em Macau duma forma estável. As funções urbanísticas de Macau já se tinham iniciado dois séculos antes da chegada dos portugueses quando os chineses foram autorizados a dedicar-se ao comércio. Os portugueses, ao chegar a Macau, foram levados para um templo construído por pescadores fuquienses, conhecido na altura como A-Má, ou Ma Chou para os pescadores de Fuquiém. Daí nasceu o nome de Macau. O terem os portugueses chegado depois da construção do templo é uma afirmação relativamente aproximada do facto, pois, caso contrário, todas as afirmações relativas ao mesmo facto perderiam o significado." Esta afirmação de as funções urbanísticas de Macau se iniciarem dois séculos antes do período de "1554 a 1557" é toda contrária aos factos históricos e ao que é lógico. E aproveitar o chamado "templo construído por pescadores fuquienses", visto pelos portugueses à sua chegada a Macau, como fundamento para duvidar ou negar a datação de 1605' da construção do Templo de A-Má e para apoiar a datação de "500 anos" (incluindo-a no reinado de Chenghua ou do primeiro ano do reinado de Hongzhi), também não pode aceitar-se tendo em conta os factos e o que se considera um raciocínio lógico. Espero que a análise que faço de seguida ajude o leitor a ter uma ideia clara a este respeito.

Numa palavra, a reportagem do jornal sobre as novas descobertas, seus estudos, e divergências surgidas devem seguir o princípio do jornalismo: objectividade e justiça. Espero que os jornais em causa possam revelar uma perfeita objectividade e que façam justiça quanto à reportagem desta discussão académica, nomeadamente das vozes divergentes, incluindo o presente artigo e outros que respondam a este.

2.2. Há quem aproveite as descrições de Mateus Ricci e de outros missionários e viajantes ocidentais, para afirmar que eles já haviam visto o Templo de A-Má antes de 1605, pondo em causa assim o facto de o Templo de A-Má ter sido construído em 1605. Considero que um dos principais motivos desta presunção é que neste caso se cometeu um erro de raciocínio ao nível dos conhecimentos. O facto de que, antes de 1605, Mateus Ricci e os demais ocidentais terem visto na região de Macau uma estátua ou um templo de A-Má não pode confirmar que todas as estátuas ou templos de A-Má existentes hoje na região de Macau tenham sido construídas antes de 1605. Aproveitar a estátua ou templo de A-Má, visto por Mateus Ricci antes de 1605, para apoiar a errada e não fundamentada datação de mais de 500 anos da construção do actual Templo de A-Má, é, a um nível lógico, o mesmo erro que se comete quando se considera uma determinada estátua ou templo de A-Má como referente a todas as estátuas ou templos de A-Má.

Ao nível dos factos e das análises lógicas possuímos, por outro lado, três eloquentes testemunhos para fundamentar a datação de 1605 para a construção do actual Templo de A-Má; os seus construtores foram o eunuco Li Feng e os comerciantes da rua de Dezi. Relativamente à outra datação podemos afirmar que mesmo que esteja fundamentada a construção por parte dos pescadores fuquienses antes de 1605, tal como afirmam os que suspeitam da datação de 1605, ela refere-se com certeza a outro templo que nada tem a ver com o actual Templo de A-Má. Não podemos contar com a eventual data da construção desse templo, já desaparecido, para datar o actual Templo de A-Má. Vejamos uma descrição da autoria de Mateus Ricci que foi aproveitada como principal fundamento para pôr em causa a datação de 1605: "... Havia aí um ouxiang (ídolo) conhecido como de A-Má. Hoje continua a encontrar-se aqui, onde é conhecido como Macau, na baía de A-Má. É, na verdade, um rochedo sobressalente em vez de ser uma península; o lugar não tardou a ser habitado, concentrando-se aí portugueses e outras pessoas provenientes das costas vizinhas, que se dedicavam ao comércio de variados produtos provenientes da Europa, Índia e Molucas. A perspectiva de rápido enriqueci-mento atraiu os comerciantes chineses a morarem nesta ilha, de modo que, em alguns anos, tomou a forma embrionária de uma cidade. Os portugueses, que iam co,,traindo matrimónio com chinesas, construíram bastantes casas, tendo-se o sítio do rochedo convertido em pouco tempo num porto e num mercado de envergadura considerável."39 Há quem diga que o ouxiang referido nessa descrição vem da palavra italiana idolo. Segundo Mons. Manuel Teixeira, nos documentos datados do século xvI, a palavra idolo referia-se muitas vezes ao pavilhão do templo, o que quer dizer que o que Mateus Ricci viu pode ser um templo de A-Má, e não um simples ídolo ou estátua, como o que está mencionado na versão chinesa da dita obra.

Disseram ainda que Mateus Ricci indicou na sua obra onde se localizava o rochedo, o que, se se comparar com os registos históricos chineses, virá a facilitar o esclarecimento da situação anterior a 1605, no que se refere à região onde se encontrava o Templo de A-Má. Ora, estas metodologias estão incorrectas e a confirmar tal facto o seguinte: em primeiro lugar, "referia-se muitas vezes a pavilhão de templo" não quer dizer que se refira a pavilhão-templo em todos os casos, e será duvidoso o respectivo raciocínio antes de que se consiga confirmar que o referido idolo se refere de facto ao pavilhão-templo e não a ídolo ou estátua. Em segundo lugar, mesmo que se confirme que o referido ídolo se refere na realidade ao pavilhão-templo, não se pode dizer que este seja o Templo de A-Má em questão, da Barra. Antes que se consiga confirmar que todos os templos conhecidos como de A-Má, que existiram ou existem, são o próprio Templo de A-Má da Barra: será mais um erro que se comete a um nível lógico, quando se afirma que um determinado templo de A-Má são todos os templos de A-Má. Em terceiro lugar, antes que se confirme a localização geográfica do "rochedo" referido por Mateus Ricci, não se poderá chegar à conclusão de que "virá a facilitar o esclareci-mento da situação anterior a 1605, no que se refere à região onde se encontrava o Templo de A-Má".

Quanto ao "rochedo", o famoso historiador Zhang Tianze considera que se trata de "Ma Kau Seak".40 Embora este e o rochedo Ma Chou Kok se encontrem ambos na península de Macau, existe uma considerável distância entre eles, pois que o primeiro encontra-se a nordeste, no Porto Exterior, enquanto o segundo fica na entrada do Porto Interior, a sudoeste. Então, onde fica o "rochedo" referido por Mateus Ricci? Deixemos para outra ocasião a discussão sobre a opinião de Zhang Tianze. Podemos, no entanto, assegurar que é errada a afirmação de que o "rochedo" fique onde se situa o Ma Chou Kok, pois o "rochedo" mencionado por Mateus Ricci é o lugar onde os portugueses desembarcaram e posteriormente moraram concentrados. Este lugar, obtido através de aluguer, converteu-se rapidamente numa cidade comercial. Mateus Ricci referiu ainda e de forma explícita que este lugar "chama-se Ou Mun (Macau), no interior da baía de A-Má". Nos finais da dinastia Ming e inícios da dinastia Qing, Ou Mun era o nome como era conhecido Hou Keng Ou, zona terrestre e marítima da actual Praia Grande, não cobrindo toda a península. Depois do estabelecimento dos portugueses nessa zona, e durante muito tempo, Ou Mun referia-se apenas a essa zona urbana alugada aos portugueses, conhecida como Ou I (Macau Estrangeiros). Foi por esta razão que Mateus Ricci descreveu em muitos parágrafos a situação do que encontrou, nomeadamente a residência dos portugueses, a construção por parte dos chineses e estrangeiros dessa zona da cidade, o porto e o mercado. O sudoeste e a maior parte do nordeste da península de Macau não se enquadraram, durante longo período, na zona alugada pelos portugueses, sendo zonas de cultivo e de pesca dos chineses que se encontravam sob a administração directa do governo chinês.

Daí se pode ver que o "rochedo" localizado na zona residencial dos portugueses e a estátua ou templo de A-Má ali erguido, que Mateus Ricci descreve na sua obra, não podiam encontrar-se na zona onde se encontra o actual Pagode da Barra. A comprovar tal, estão as primeiras plantas de Macau, que Manuel Godinho de Herédia fez entre 1615 e 1622. O Templo de A-Má estava marcado como Pagode, termo que os ocidentais costumavam usar para designar as construções budistas tipo torre, quer da China como da Índia, divergindo das posteriores construções-templos, tipo palácio-jardim, que eram conhecidas como templos. Nesta planta pode ver-se esse pagode situado na zona dos chineses e que se encontra distante da zona alugada pelos portugueses, a zona que é referida por Mateus Ricci; não existe, no outro lado, nenhuma relação com a pronúncia de A-Má, o que demonstra sem reservas que o topónimo "Macau" com que os portugueses designavam a sua zona residencial até ao aparecimento dessa planta, não tem a ver com o dito pagode.

2.3. Relativamente ao que já exposemos sobre aqueles que duvidaram do que afirmei (sem para tal apresentarem testemunhos convenientes) e que defendem que antes de 1605 já estava erguido um templo em honra de A-Má no lugar onde se encontra hoje o Ma Chou Kok Miu, eu continuo a dizer que as ditas pessoas recorreram a raciocínios e largaram suspeitas sem sentido lógico.

Quando alguém não apresenta testemunhos para confirmar que, antes de 1605, nunca existiu um templo de A-Má no lugar onde hoje se encontra o Ma Chou Kok é porque há a possibilidade de ali ter existido antes de 1605 um templo em honra da deusa A-Má. Pode chegar-se a tal conclusão, porque a sua datação de 1605, da construção do Ma Chou Kok Miu, poderá ser (outros usam uma expressão mais afirmativa: "é") errada, enquanto a datação de "500 anos" poderá ser (e não "é") correcta.

Representação da "menina das pérolas", inspirada na lenda.

Para os que lançaram dúvidas e suspeitas terem uma ideia de como incorrem num erro, permitam-me recorrer mais uma vez a exemplos simples e acessíveis. Hoje em dia, por exemplo, construímos novos edifícios em terrenos desertos ou em terrenos onde as antigas construções foram destruídas. Qualquer que seja a situação, a data da construção do novo edifício é sempre registada como a data do edifício, sem a necessidade de considerar a existência anterior de outro edifício no mesmo terreno. Seria um tanto ridículo se, cem ou mesmo dezenas de anos depois da construção, alguém que se intitulasse historiador defendesse que, dada a possibilidade de ter existido uma antiga construção antes da construção do actual edifício, não pudesse datar este último segundo a data escrita na base da construção ou na placa que se refere a este momento. O mesmo acontece com o actual Ma Kok Miu, que possui não apenas a inscrição em pedra datada do reinado de Wanli, da dinastia Ming, no seu baldaquim, a construção mais antiga do templo, construído por Li Feng, mas também a inscrição, na viga frontal da pedra do quiosque Primeiro da Montanha Sagrada, onde diz: "Construído pelos comerciantes da rua de Dezi no ano Yisi do reinado de Wanli", assim como as lendas descritas na Monografia de Macau, o que confirma também a datação do reinado de Wanli.

Perante esta realidade, como podemos hoje basear-nos na hipótese de que já tenha existido no mesmo lugar um pequeno templo antes do reinado de Wanli e negar assim os registos originais deixados pelos nossos antepassados, onde se confirma a datação do templo do ano Yisi no reinado de Wanli (1606)? Mesmo que alguém possa confirmar a existência no mesmo lugar dum pequeno templo antes do reinado de Wanli, terá de limitar-se a dizer que Li Feng destruiu o velho templo e, no lugar dele, construiu um novo, não podendo provar que o actual templo seja a continuação do pequeno templo destruído e, por outro lado, negar o facto de que o actual templo é apenas a continuação do templo construído por Li Feng. É evidente que o Templo de Tian Fei, construído por Li Feng e outros, nunca deixou de existir; contando presentemente 391 anos. Ora, como é que o eventual templo, que provavelmente existiu no mesmo lugar, anteriormente a 1605, teria sido substituído pelo templo construído por Li Feng? Se isso acontecesse, só poderia contar a sua idade a partir do ano da sua construção até 1605. Funcionando tal hipótese, se tivesse sido construído no primeiro ano do reinado de Hongzhi (1488), ele só poderia ter 117 anos de existência.

Não podemos contar a idade do novo templo que ainda hoje existe a partir da data da construção do velho templo já destruído, pelo que a data da construção do Ma Chou Kok deve e continua a ser a escrita na sua viga de pedra "ano Yisi do reinado de Wanli"; por outro lado, mesmo que se possa confirmar a existência nesse mesmo lugar dum templo de A-Má antes do reinado de Wanli, também não se poderá confirmar a já existência do Ma Chou Kok Miu no mesmo lugar, durante o reinado de Chenghua ou no primeiro ano do reinado de Hongzhi. O primeiro é um templo cuja existência é muito pouco clara, enquanto o segundo, o actual templo, é claro quanto à sua datação. Deste modo, a datação de "500 anos", para poder ficar de pé, precisa de testemunhos criteriosos semelhantes aos da datação de "1605". Se ninguém conseguir provar que a estátua ou templo de A-Má visto por Mateus Ricci tenha sido construída há 500 anos e que seja a única estátua ou templo de A-Má existente em Macau ao longo de mais de 500 anos, por que meios se poderá apoiar a datação de "500 anos" e pôr em causa que, em 1605, Li Feng construiu em Ma Kok o Templo de Tian Fei?

Limito-me a usar as mais antigas inscrições em pedra sobre a data da construção existentes no Ma Chou Kok Miu, para confirmar a datação do templo em questão. Os meus testemunhos, conhecidos como "testemunhos interiores" na terminologia usada na nossa profissão, não podem ser derrubados pelos "testemunhos exteriores", aqueles que temos por ser testemunhos indubitáveis. A conclusão a que por outro lado cheguei está em conformidade com os testemunhos, e tenho-me limitado a confirmar a datação do templo em questão recorrendo aos "testemunhos interiores", tirados do próprio templo, acompanhando-os dos "testemunhos exteriores", sem ter envolvido outro templo, de modo a não me expor a um erro lógico. A dúvida nunca poderá ficar de pé se não se conseguir provar que as inscrições em pedra onde se encontra escrito "construído por Li Feng" são falsas, e que a sua autoria é de pessoas da geração posterior, e que não estão em conformidade com os factos históricos relativos à construção do dito templo.

Uma das primeiras plantas de Macau, que Manuel Godinho de Herédia fez entre 1615 e 1622, in Macau: Cartografia do Encontro Ocidente-Oriente, edição patrocinada pela Fundação Oriente, p. 112. A planta demonstra explicitamente que a zona de residência dos portugueses, conhecida na altura como "Macau", é apenas um pequeno terreno no centro da península, ocupando aproximadamente uma quinta parte da superfície desta. O sudoeste e o nordeste da península encontram-se sob a administração chinesa.

A conclusão a que tenho pretendido chegar é somente esta: o actual Ma Chou Kok Miu foi construído por Li Feng e pelos comerciantes da rua de Dezi, no ano Yisi, do reinado de Wanli, da dinastia Ming; por outro lado, não afirmo que, antes desse ano, uma estátua ou templo de A-Má nunca existiu em qualquer sítio de Macau, incluindo o lugar onde se encontra o actual Ma Chou Kok Miu. Daí que, recorrer às descrições de Mateus Ricci e demais autores, que afirmam ter visto em Macau uma estátua ou um templo de A-Má, para pôr em causa os testemunhos referentes à construção por Li Feng e demais pessoas do Ma Kok Miu e assim lançar dúvidas sobre as minhas conclusões, só pode demonstrar que os que lançaram essas suspeitas carecem das noções básicas de raciocínio lógico. Além do mais, limitei-me a dizer que o actual Ma Chou Kok Miu não foi construído no reinado de Chenghua nem no primeiro ano do reinado de Hongzhi, da dinastia Ming, não tendo portanto mais de que 500 anos de existência. Esta afirmação baseia-se, por um lado, na conclusão de que o templo em questão foi construído no ano Yisi do reinado de Wanli, conclusão essa tirada dos supracitados testemunhos que não podem ser postos em dúvida, e, por outro lado, no facto de que os defensores da datação de "500 anos" não possuem nenhum testemunho que os possa apoiar. Pelas mesmas razões, os que pretendem recorrer às descrições de Mateus Ricci e demais autores para apoiar a datação de "500 anos" acabaram por cometer o mesmo erro — "tomar este Templo de A-Má como outro de A-Má".

3. O QUE É FALSO NÃO PODE COABITAR COM O VERDADEIRO E A AFIRMAÇÃO SEM FUNDAMENTO ACABARÁ POR DESAPARECER

Há quem se propunha à conciliação das duas conclusões dizendo: "Antes que se consiga explicar o porquê das descrições sobre Ma Chou da autoria dos jesuítas dos primeiros tempos, a datação de '1605', por mais que não se queira, só pode ficar de pé juntamente com a datação de '500 anos'." Estas descrições, já expostas acima, não podem, ao nível de um raciocínio lógico aceitável, provar de forma alguma que tenham a ver com o Ma Chou Kok Miu, e muito menos com a afirmação ou negação da datação de 1605 do Ma Chou Kok Miu, pois, até hoje, ninguém conseguiu provar que a deusa Ma Chou, descrita pelos jesuítas dos primeiros tempos, seja a Ma Chou do Ma Chou Kok Miu e que a estátua ou templo de A-Má, visto por Mateus Ricci, seja a estátua ou templo do Ma Chou Kok. Ora, os três testemunhos em que se encontra fundamentada a datação de "1605" são, a meu ver, testemunhos indubitáveis, por que já foram submetidos a repetidos raciocínios e explicações, e à prova das respectivas suspeitas e dúvidas, para as quais dei respostas e explicações pormenorizadas e fáceis de compreender. Considero que suspeitar ou abalar a minha conclusão, que se fundamenta em testemunhos indubitáveis, só se tornará possível quando alguém conseguir descobrir no próprio Ma Chou Kok Miu testemunhos ainda mais indubitáveis e em maior número e com eles proceder à sua análise e raciocínio lógico de uma forma mais rigorosa e mais completa. Contra as afirmações contrárias às minhas conclusões volto a repetir que continuo a afirmar, com toda a confiança que a datação de "1605" se baseia em "testemunhos indubitavelmente fortes como uma montanha" e que a chamada datação de "500 anos" já caiu definitivamente por terra ao nível da teoria.

A erradicação da datação de "500 anos", tal como acima se expôs, não tem nada a ver com o Ma Chou descrito pelos jesuítas, para além de que essa datação não possui nem um testemunho concreto e com peso, em que se possa fundamentar.

Aproveito o ensejo para consultar os que se propuseram a manter as duas datações em paralelo, ou seja, a datação de "500 anos", em nada fundamentada, como hipótese alternativa à datação de "1605", esta com pelo menos três testemunhos indubitáveis. Uma hipótese deste género pode conduzir a um sem número de hipóteses variadas. Será que podemos concordar que a construção do Ma Chou kok Miu pode ter um sem número de datações? A afirmação de duas ou mais datações em paralelo tem de surgir quando as diversas datações possuem as suas vantagens e desvantagens, não conseguindo predominar uma sobre outra. Ora, a situação que se nos coloca hoje é a de uma datação que se fundamenta em pelo menos três testemunhos indubitáveis enquanto a outra não consegue apresentar nem um testemunho que tenha peso. Como podemos, deste modo, dizer ao mesmo tempo sim às duas datações ou, então, sim a uma e não à outra? Deposito toda a minha confiança no juízo da História que há de dar uma sentença justa. Queria, por outro lado, chamar atenção aos participantes desta discussão, de que o debate académico e a sua conclusão precisam em primeiro lugar de uma atitude objectiva e justa, não podendo deixar dúvidas em relação a uma das partes e, ao mesmo tempo, manter-se silencioso perante os defeitos evidentes da outra parte. Espero sinceramente que possa ler nas páginas de um jornal, destinadas à discussão académica, artigos de qualidade que estejam em conformidade com o critério profissional e visem procurar a justiça e verdade nos factos.

Tal como um dito popular que diz: "As palavras da criança não constituem ofensa", a verdade é muitas vezes apresentada como as palavras inocentes da criança. Peço aqui desculpa por eu ter seguido a máxima de "escrever sem se submeter a medo" esforçando-me por procurar a verdade nos factos históricos. Desta vez, ao meter-me nas pesquisas e estudos sobre a verdadeira data da construção do Ma Kok Miu, limitei-me a apresentar os meus pontos de vista duma maneira objectiva, sem tomar outras considerações. O passado é irrecuperável e o futuro remediável. Há poucos dias recebi uma carta dum famoso historiador do continente, especializado na história de Macau, que diz:"Ao que parece, a datação do Ma Kok Miu do reinado de Chenghua ou do reinado de Hongzhi não se pode erradicar doutra forma que não seja sem o recurso à gritaria. Com o que o senhor fez nestes dias, já se atingiu o efeito desejado." A propósito disto, considero que, embora o meu anterior artigo tenha atingido o efeito previsto quanto à eliminação de uma data e ao estabelecimento de outra, para que desapareça a ideia que começou a divulgar-se há mais de dez anos e para que se restabeleça a antiga datação e a verdade dos factos históricos, será preciso ainda haver repetidas e aprofundadas discussões. Eu encontro-me sempre disposto a ouvir as opiniões, que me sejam dirigidas a qualquer momento. Para terminar apresento aqui mais uma vez os meus sinceros agradecimentos a quantos me dirigiram preciosas opiniões!

Tradução do original chinês por

Zeng Yongxiu; revisão de Raul Pissarra.

NOTAS

1. ZHAO Chunchen, Notas sobre a Monografia de Macau, Macau, Instituto Cultural, 1992, p. 24

2. HUANG Wenkuan, Sobre a História de Macau, Macau, San Kuong,1987, pp.109 e 199.

3. Há quem afirme, por exemplo, o seguinte: "No vigésimo ano do reinado de Chenghua (1484), a construção do pavilhão Wang Yan do Templo de A-Má é um exemplo, conforme nos diz a história:'Macau era no início um porto de pesca, onde pessoas de Quanzhou e Zhangzhou chegaram, estabelecendo-se, formando povoações, tendo construído o Templo de A-Má durante o reinado de Chenghua'." "Dos Tempos Remotos a 1840", in História de Macau, Macau, Sociedade da História, 1995, pp. 250-1. Usou-se a expressão "a história diz" em vez de indicar a fonte citada, porque a dita citação, segundo as minhas investigacões, terá a origem na "Inscrição do monumento de comemoração ao quingentésimo ano do Templo de A-Má", que saiu à luz em 1984. Mas mesmo que seja uma citação dessa inscrição, limita-se a dizer que "no reinado de Chenghua construiu-se o Templo de A-Má ", em vez de dizer que o pavilhão foi construído no reinado de Chenghua. Daí se pode afirmar que é um novo desenvolvimento, sem fundamentos, da doutrina do "reinado de Chenghua", que contraria a afirmação de que o pavilhão Wang Yan foi construído no primeiro ano do reinado de Hongzhi, sustentada por O Passado e o Presente de Macau.

4. DAI Yixuan, "Notas sobre a Biografia dos Franges", in História da Dinastia Ming, Ciências Sociais da China, 1984, p. 23.

5. RUAN Yuan, "Descrição Sucinta dos Factos Passados", in Crónica Geral de Cantão, Cantão, Editora do Povo, 1981, pp. 198-9; TAN Qian, Guo Que, Zhonghua Shuju, vol. 5, pp. 4828,4845, 4852, 4864, 4895, 4900, 4904, 4925, 4936 e 5066; ver igualmente "Registos sobre o Imperador Shenzong" ("Shenzong Ji"), "Dados sobre os Alimentos" ("Shihua Zhi") e "Biografia dos Eunucos" ("Huangaun Zhuan"), in História da Dinastia Ming (Mingshi).

6. ZHANG Wenqin, Macau e a História e Cultura da China, Macau, Fundação Macau, 1995, p. 259.

7. Ver a "Inscrição da lápide do pavilhão de Wenling Quanjing do Templo de A-Má de Macau, distrito de Xiangshan" (que se encontra hoje no Zhengjue Chanlin do Templo de A-Má), datada do vigésimo sétimo ano do reinado de Daoguang da dinastia Qing e a "Inscrição do monumento de comemoração ao quingentésimo ano do Templo de A-Má", datada de 1984.

8. ZHAO Chunchen, op. cit.

9. LI Xianzhang, Estudos da Crença na Deusa A-Md, Macau, Museu Marítimo, 1995, p. 158.

10. Idem, p. 115.

11. Idem, pp. 116-26.

12. DAI Yixuan, op. cit., pp. 59-60; e a Crónica Geral de Cantão, datada do reinado de Wanli, vol. 18, "Templos da Prefeitura de Cantão".

13. Crónica do Distrito de Xiangshan, de Kangxi, vol. 10.

14. Crónica do Distrito de Xiangshan, de Jiajing, vol. 3.

15. ZHAO Chunchen, op. cit., p. 148.

16. Idem, p. 175.

17. ZHANG Wenqin, Pagode da Barra e a Crença em A-Md de Macau, "Estudos Académicos", (9) 1996.

18. LI Xianzhang, op. cit., p. 104.

19. Idem, p. 131.

20. FEI Chengkang, Os Quatrocentos Anos de Macau, nota da p. 7.

21. Idem, ibidem.

22. A datação de Fang Kuanlie vê-se em Notas da Poesia Contemporânea de Macau, Macau, Fundação Macau, 1996, vol. 2, p. 433.

23. Um dos defensores ocidentais desta afirmação é Trigault e Wang Zhaoyong é igualmente um dos primeiros estudiosos chineses a apresentar esta hipótese. Ver LI Dechao, "Estudos sobre a Origem do Nome de Macau e sobre a Ilha de Damen onde Chegaram os Primeiros Portugueses", in Colecção de ComunicaçOes em Memória do Professor Luo Xianglin, Zhuhai, Sociedade dos Estudos da Literatura e História, 1990.

24. LI Xianzhang, op. cit., p. 57; FEI Chengkang, op. cit., pp. 41-2.

25. "Análise da História Clássica" e "Gu Jiegang", in Grande Enciclopédia da China, Pequim, Grande Enciclopédia, 1992, vol. 2.

26. TEIXEIRA, Manuel, Templo Chinês da Barra (Ma-Kok-Miu), Macau, Centro de Informação e Turismo, 1979, p. 12.

27. Idem, pp. 18-21.

28. Idem, p. 12.

29. ZHANG Tianze, História dos Primórdios do Comércio entre a China e Portugal, Hong-Kong, Zhonghua Shuju (Livraria da China), 1988, pp. 87-90, 95.

30. WU Zhiliang, Análise Crítica sobre os Estudos da História de Macau, "Administração", Macau, (32); "Diário de Macau", 1 Set. 1996.

31. PEIXOTO, Rui Brito, Arte, Lenda e Ritual: Elementos da Identidade dos Pescadores Chinesesdo Sul da China, "Revista de Cultura", Macau, (5)Abr.-Jun. 1988, pp. 14-5.

32. Idem, ibidem, versão inglesa.

33. LU Gusun, ed. Grande Dicionário Inglês-Chinês, Xangai, Traduções, 1993, p. 1408, entrada Pond.

34. QU Dajun, Novas Palavras de Cantão, vol. 15, "Pérolas".

35. ZHOU Hanjun, et. al., Dicionário Conciso Português-Chinês, p. 591, entrada "Lago".

36. DAI Yixuan, op. cit., p. 57.

37. "Impostos sobre o Ouro e Prata", in Ming Hui Dian, Pequim, Zhonghua Shuju, 1989, vol. 37, p. 269.

38. TAN Qian, op. cit., vol. 5, p. 4828.

39. China in the 16th Century: The Journey of Mateus Ricci, Pequim, Zhonghua Shuju (Livraria da China), 1983, pp. 140-1. A este respeito, a versão em chinês das Obras Completas de Mateus Ricci, traduzida da versão original em italiano, publicada na Formosa, não revela grande diferença, para além de usar o termo diaoxiang (estátua) em vez do ouxiang (ídolo).

40. História do Comércio entre a China e Portugal dos Primeiros Tempos, Hong-Kong, Zhonghua Shuju (Livraria da China), 1988, p. 102.

〈HZ*〉 Professor-adjunto na Universidade de Macau e investigador convidado no Museu de Macau.

desde a p. 207
até a p.