Linguística

APRECIAÇÃO DAS OBRAS POÉTICAS DE LIANG PEIYUN, FAMOSO POETA DE MACAU

Yuan Winlin*

1. UMA VIDA DE EPOPEIA, UMA EPOPEIA DE VIDA

Liang Peiyun no Palácio do Povo, em Pequim.

Agrandiosa obra Poesias de Xue Lu, de Liang Peiyun, distinto poeta e calígrafo de renome, tanto na China como no exterior, foi a primeira obra das "Colecções da Cultura de Macau", editadas em Hong-Kong, Macau e no continente chinês, a despertar fortes repercussões e a ser alvo de elevada apreciação por parte das mais destacadas figuras dos círculos literários e artísticos. Não é de admirar que a obra produza tamanho efeito, pois a vida de Liang Peiyun constitui em si uma comovente epopeia — as Poesias de Xue Lu são uma condensação da sua vida heróica. A vida do poeta determina a sua criação literária, e as obras do poeta reflectem a sua vida. Foi justamente da vida heróica de Liang Peiyun que se extraiu a epopeia de vida que, por sua vez, constitui o retrato da brilhante figura do velho poeta.

O mestre Liang Peiyun é um velho poeta que percorreu todo o século xx. Ele viveu quase todos os importantes eventos históricos e todas as mudanças e agitações deste século, ocorridos na China e no mundo dos chineses ultramarinos do Sueste Asiático — uns olhos prescutadores da época, uma testemunha objectiva da história. Pode dizer-se que a longa trajectória, cheia de vicissitudes, e percorrida pelo mestre Liang Peiyun, reflecte as lutas e os ecos da marcha deste século. É justamente na sua obra, Poesias de Xue Lu, que vemos tais reflexos e ouvimos tais ecos.

O velho mestre Liang, que inicialmente se chamava Long Guang e passou a usar os nomes Peiyun e Xue Yu, nasceu na Primavera de 1907 numa família intelectual e comerciante do distrito de Yongchun, região de Quanzhou. Os seus antepassados remontam a Liang Shuyu, um dos 72 discípulos de Confúcio e grande intelectual do reino Qi, e de Liang Kejia, primeiro classificado no exame da Corte Imperial e conhecido como "talentoso conselheiro da dinastia Song do Sul", e fundador da Escola Literária Mei Jing, que nos deixou o Tratado de Yun Shan, Importantes Advertências da Prosperidade, e outras obras. O pai do mestre Liang Peiyun foi Liang Shenji que, classificado no exame da Comarca nos fins da dinastia Qing e formado em Direito e Política, ensinou na Escola de Yongzhou; devido à ruína da família, deixou as letras e passou a dedicar-se exclusivamente ao comércio. Era tradição da família Liang o sentido de misericórdia, justiça e respeito aos professores. O velho poeta enaltecia o seu pai como seu melhor professor e amigo, pois este, seguindo o exemplo de Chen Jiageng, que dedicara toda a sua riqueza à instalação de escolas, doou dinheiro para fundar escolas para os filhos dos pobres, na terra natal. Além disso, para transformar o primogénito num professor que preparasse elites das gerações vindouras, ele enviou-o para a Escola Ji Mei, fundada por Chen Jiageng. Tanto as influências da típica família comerciante e intelectual, de espírito fraternal, como o belo panorama descrito nos versos "Passarinhos cantam profusamente nas flores multicores das árvores" e "As flores dos pessegueiros reflectem-se nas águas do riacho, mansas como espelho", formaram o ambiente ideal do crescimento do poeta. Além do mais, ele era inteligente e estudioso desde criança, lia avidamente os livros das volumosas bibliotecas de seu pai e de seu tio, de forma que o seu talento literário se distinguia já na escola primária. Aos 12 anos de idade, escreveu a seguinte poesia com o título "A Zombar do Viciado de Ópio":

"Um pequeno deus devora e vomita fumo;

Deitado na cama se encanta.

No dia em que se esgotar toda a riqueza,

Quem terá piedade do pobre que pela rua mendiga?"

Tão jovem, ele via penetrantemente e desmascarava o mal da sociedade. Aos 13 anos, ele escreveu a composição "Sobre Ele", em que dizia: "Ele é um homem, e eu também o sou... já que é meu colega, por que é que nos dividimos em duas pessoas?" Com genuíno e experiente estilo, ele mostrava uma valiosa tendência de fraternidade na alma de menino. Com a idade, ele apaixonou-se pela literatura clássica chinesa, estudava os livros das diversas escolas tradicionais e as poesias das dinastias Tang e Song, assim como as obras de sociologia, e publicava poesias e prosa no jornal "Sino do Povo", da cidade de Xiamen. O prodígio literário do adolescente espantou os professores e colegas da escola. Na obscura época da velha China, em que os caudilhos militares se encarniçavam em guerras civis, estas simples ideias de fraternidade levavam-no a avançar valentemente em busca da luz. Quando foi expulso da Escola Secundária Ji Mei, devido à participação na segunda greve dos alunos, ele jurou que não escreveria "arrependimento", a demonstrar um firme carácter que veio a ser compreendido pelo pai, após o que, juntamente com o seu colega e camarada Jiang Zhongying, foram para o Norte em busca de seu ideal de vida.

Aos 16 anos, o jovem Liang Peiyun foi admitido na Faculdade de Língua Inglesa da Universidade de Wuhan; no ano seguinte, foi admitido, com a melhor nota entre todos os candidatos, na então famosa Universidade de Xangai. Na grande cidade de Xangai do século xx, berço da revolução chinesa, concentrava-se toda a espécie de revolucionários e todo o tipo de ideais progressistas. Em Xangai, depositava-se a esperança da China; em Xangai, brilhavam as estrelas da revolução. E a Universidade de Xangai constituía o centro da cidade, onde se reuniam, para ensinar ou estudar, os famosos revolucionários, eruditos, artistas, filósofos, pedagogos e estadistas de toda a China. Além do grande político, calígrafo e fundador do Kuomintang, então reitor da Universidade, Yu Youren, e do vice-reitor, Shao Lizi, encontravam-se ali a leccionar Cai Hesen, Yun Daiying, Qu Qiubai, Chen Wangdao, Shen Yanbing, Zheng Zhenduo, Yu Pinbo, Ren Zhongmin, Shen Zhongjiu, além de Li Shijin, referido na obra de Ling Jianming1. Estudavam na mesma Universidade Qing Bangxian, Wang Jiaxian, Zhang Zhizhong, Chen Boda, Zeng Sheng, Ding Ling e outros. Era o centro da elite chinesa no verdadeiro sentido da palavra. A aprender com os famosos professores, o jovem Liang Peiyun estudou George Wilhelm Friedrich Hegel, Ludwig Andreas Feuerbach, o comunismo, o socialismo, o anarquismo; enfim, todas as escolas da filosofia do Ocidente, acumulando e extraindo as teorias de todas as tendências de pensamento e de todas as escolas académicas, para formar as suas próprias ideias. O núcleo de seu pensamento residia na salvação do povo das suas misérias, na reforma da sociedade e na utilização do ensino para fazer prosperar a Pátria. Nas tempestades e vagalhões da revolução chinesa, ele foi baptizado com sangue e fogo, a formar sua determinação em empreender o ensino do povo, fortalecendo a sua dedicação à criação literária e desenvolvendo o seu talento na caligrafia. Sobre ele, exerceram fortes influências a arte caligráfica de Yu Youren e o pensamento pedagógico de Shen Zhongjiu. Daí em diante, a revolução, o ensino, a literatura e a caligrafia tornaram-se os seus objectivos de luta e ressoam na sua vida heróica.

Os tiros do massacre do dia 30 de Maio de 1925 alarmaram o povo, despertaram os estudantes. Liang Peiyun, um simples estudante, levantou-se indignado e, juntamente com os professores e colegas, desafiando as balas da polícia militar, saiu à rua em manifestação de protesto, proferiu discursos contra a agressão japonesa, solidarizou-se com os operários e incitou a retirada das concessões territoriais, sendo por isso detido pela polícia. Com apenas 18 anos de idade, Liang Peiyun, assumindo a importante missão conferida pela Associação dos Estudantes de Xangai, seguiu para o Sul juntamente com Chen Boda, para empreender actividades de propaganda patriótica e antijaponesa em Xiamen e Cantão, despertando as massas populares. No movimento revolucionário, Liang Peiyun foi educado profundamente pela cruel realidade social. Para aprender os conhecimentos científicos mais avançados de outros países, dominar mais meios de salvação nacional, realizar seu grandioso ideal de "aprender do estrangeiro para combater o estrangeiro" e transformar a velha China, ele foi estudar para a Universidade japonesa de Waseda, em 1926. Durante esse período, ele aprendeu japonês, francês, alemão e esperanto, além de inglês. Em seguida, estimulado pelas vitórias da expedição do Exército Revolucionário Nacional ao Norte e para alistar-se no Exército para servir a Pátria, voltou ao País onde ficou por pouco tempo; o terror branco em todo o País, causado pela "purificação do Partido", desencadeado pelos reaccionários do Kuomintang, obrigou-o a ir de novo ao Japão, em 1930, para continuar os seus estudos na Universidade de Waseda, tornando-se, com excelentes notas, pós-graduado da Faculdade de Política e Economia da referida universidade. Quando da eclosão do Incidente de 18 de Setembro, ele voltou à Pátria, juntando-se ao povo no grandioso movimento de luta contra a agressão japonesa. Como havia desistido da oportunidade de enriquecer-se no comércio, também agora — porque o seu professor, Shao Lizi, notável assistente de Chang Kai Chek, e o seu grande amigo Peng Zhenhuan, que havia elaborado o manifesto da Expedição ao Norte, recomendaram-no mais de uma vez a Chang Kai Chek — ele desiste da oportunidade de ser um alto funcionário do Governo. Tendo uma atitude clara de oposição a Chang e de resistência à agressão japonesa, ele juntou-se ao general-intetectual Chang Guangnai para combater os funcionários corruptos e eliminar os traidores da Pátria, fazendo muito em prol da luta antijaponesa e em benefício do povo.

Devido ao fracasso da revolta de Fuquiém, reinava uma atmosfera pesada em todo o País. Ele aceitou o convite dos amigos que residiam no ultramar e visitou os países do Sueste Asiático para se dedicar às actividades de luta antijaponesa e de ensino entre os chineses ultramarinos locais. Nos mais difíceis anos de luta da nação chinesa contra a agressão japonesa, ele levava os professores e alunos chineses daqueles países a desencadear vigorosas lutas pela salvação nacional, o que comoveu as diversas ilhas do Sueste Asiático e despertou a atenção de Chen Jiageng, que ele tanto estimava. Na Primavera de 1940, na qualidade de membro especialmente convidado, integrou a delegação dos chineses do ultramar chefiada por Chen Jiageng para penetrar na retaguarda e ir à frente militar para demonstrar solidariedade aos combatentes da guerra contra a agressão japonesa. Foi nessa viagem que ele escreveu o longo poema "Visitante Procedente de Singapura", que enaltece a nobre moral de Chen Jiageng e o seu profundo amor à Patria, ao povo e à terra natal, por dedicar a primeira metade da vida ao ensino e a segunda à salvação nacional.

Quando jovem, Liang Peiyun incitava o movimento de resistência à agressão japonesa e pela salvação nacional viajava constantemente pela China e outros países para difundir a cultura da nação chinesa, dedicando esforços e dinheiro para preparar os filhos dos chineses do ultramar, capacitando-os e transformando-os em pessoas úteis à Pátria, dando, assim, enorme contribuição à causa da educação. Já na Primavera de 1929, ele criou a Escola Secundária de Segundo Ciclo Li Ming (Aurora) em Quanzhou, assumindo pessoalmente o cargo de reitor. Seu professor, Yu Youren, caligrafou o nome da escola, e o pintor Feng Zikai desenhou o emblema — "três pombos voltados para o Sol". Partindo do zero, ele transformou um templo em sede da escola; levava os professores e alunos dos dois sexos a participarem no trabalho braçal e promovia, entre eles, a fraternidade e a bondade. A Escola Li Ming encarnava justamente o constante ideal de Liang Peiyun em busca da luz. Ele disse: "A noite está a acabar, o Inverno esta a acabar; a aurora está a chegar, a Primavera está a chegar. Acolhendo a luz da aurora, devemos semear a Primavera em todo o mundo."2 Eis o manifesto da Escola Li Ming e os seus objectivos de ensino. De acordo com estes objectivos, ele escreveu os seguintes dísticos para a escola:

Liang Peiyun improvisa um poema para a Academia de Cultura Chinesa de Pequim.

"Esta ainda não é escola, o Cosmos é a [verdadeira escola; Nós não temos amília, a Escola é a família das [massas populares; As tendências de fidalgo ou fidalga, as [tendências de estilo livresco e de [malandragem, nada disso; Tudo se faz para tomar o ensino popular, social, [científico e artístico — mãos à obra."

Em cima do palco do auditório da escola, lia-se o lema: "A Luta em si é a Vida." Trata-se da primeira escola secundária de segundo ciclo com carácter de abertura, que integra o ensino e o trabalho produtivo. Graças à força dos objectivos da escola e do pensamento de ensino do jovem reitor Liang Peiyun, convergiram para a escola para leccionar, dar conferências, investigar, dedicar-se à criação literária ou empreender actividades revolucionárias, muitos famosos eruditos, tradutores, dramaturgos, músicos, pintores, pedagogos, sociólogos, historiadores, agrónomos, filósofos, físicos e químicos, como Ba Jin, Feng Zikai, Li Ni, Lu Li, Wang Luyan, Zhang Geng, Lu Ji, Shao Wei, Chen Yuqing, Wu Chan, Wu Langxi, Zhang Xiaotian, Zhou Yibai, Yang Rengeng, Wei Huilin, Wu Kegan, Jiang Chongyin, Chen Fanyu, Zheng Yifei, Li Chanren, Hu Zhongshu, Fan Tianjun, Tang Wentong, Liu Xu, Liu Ziming, Cheng Yuntun, etc.

O famoso romance Outono na Primavera, de Ba Jin, foi escrito quando ele leccionava, fazia investigação e penetrava na vida social da Escola Secundária Li Ming de Quanzhou. Zheng Peirong, protagonista do romance, foi inspirada numa aluna que namorava o escritor e tradutor Li Ni (Guo Anren); outra personagem importante foi inspirada na filha única de um chinês do ultramar, conhecida como "rapariga maluca", dos arredores da vila de Fuqiao. Juntando as desgraças das duas jovens, Ba Jin escreveu uma história "de lágrimas mansas", a representar a tragédia do amor entre jovens, ultrajado pela família feudal. A trilogia de amor — A Névoa, A Chuva, O Relâmpago — e outros famosos romances de Ba Jin também foram concebidos e escritos ali.

Como Ba Jin, outros eruditos e artistas deixaram suas marcas na literatura e nas artes. A criação literária e as actividades de música e teatro desenvolveram-se vigorosamente, popularizando a luta contra a superstição, o imperialismo e o feudalismo, assim como o bloqueio às mercadorias japonesas em Quanzhou. Uma escola de novo tipo como esta, bem administrada, de alto nível, que preparou gerações e gerações de pessoas, parecia uma estrela que brilhava no céu escuro da velha China, chamando e acolhendo a aurora. E a Escola Li Ming reflectia os propósitos e a alma do ensino do seu jovem reitor Liang Peiyun. Nos anais do ensino de Quanzhou, a Escola Li Ming constitui uma criação, uma grande proeza de forte vitalidade. Eis porque em Quanzhou, na época, se "formou uma série de escolas secundárias do povo, seguidas de outras como a Escola de Agricultura Minshen, a Escola Primária Zhuoran, a Escola Primária Ai Qun em Shi Shi... transformando rapidamente o ambiente das antigas cidades e vilas. A Escola Secundária Li Ming erguia a bandeira da revolução educacional que ecoava com as da Escola Normal Xiao Zhang, em Nanquim, e da Escola Li Da, em Xangai, escrevendo uma brilhante página na história do ensino da província de Fuquiém."3

Nos anos 80, o velho reitor da Escola, Liang Peiyun, tendo recolhido mais de cinco milhões de yuans no ultramar, criou a Universidade Li Ming, sendo presidente do Conselho de Administração e reitor do novo estabelecimento de ensino superior, e depois, seu reitor honorário. Nos 60 anos de actividade revolucionária e educativa, ele fez muito mais: em fins da década de 30, fundou a Escola Secundária Zhonghua (Nação Chinesa), na Malásia, que continua sendo hoje de alto nível; preparou a fundação da Escola Secundária Zunkong (Respeito a Confúcio), em Kuala Lumpur; dirigiu a Escola Secundária Sudong, em Medã, Indonésia; serviu como redactor-chefe do "Yi Qun Bao", único diário em chinês em Kuala Lumpur; e criou a revista mensal "Sudong", também em Medã. Na década de 40, ele foi reitor do Conservatório Nacional de Fuquiém, da Escola Técnica Nacional Haijiang e director do Departamento de Educação da província de Fuquiém; na década de 60, fundou o jornal "Tocha" em Jacarta. Na década de 70, fundou a editora Shupu em Hong-Kong e publicou uma revista bimensal de mesmo nome; trabalhou como redator-chefe do Grande Dicionário de Caligrafia da China... deixou vestígios de seus passos em todo o mundo. E aonde chegam seus passos, deixa inúmeros discípulos e grande sucesso. É justamente por isso que ele é qualificado como "a maior figura a par de Chen Jiageng".

Na vida de revolução e ensino de Liang Peiyun, surgem as Poesias de Xue Lu — obra-prima que integra a sua criação poética e a sua caligrafia. A grandiosa obra foi editada em manuscrito caligráfico, demonstrando a beleza tanto da própria poesia como da caligrafia do autor. O livro contém mais de quatrocentos e oitenta poemas de estilo clássico, escritos durante 60 anos, entre 1928 e 1988, divididos em três partes (como uma trilogia da sua epopeia de vida), que coincidem com os três períodos da sua história e criação literária. A primeira parte, "Vestígios de Sonho e Reflexos da Alma", compreende as antigas poesias escritas entre 1928 e 1949 que sobreviveram a inúmeros desastres. Trata-se da criação feita pelo poeta durante a sua juventude e a maioria dos poemas incluídos nesta parte reflectem a realidade histórica da imensa miséria nacional, entre a ocupação do Nordeste do País pelos agressores japoneses e a vitória da guerra antijaponesa, assim como o ambiente social da época, uma época em que a Nação se encontrava no maior perigo, uma época em que se cantava com incontida indignação, uma época em que o poeta, no pleno vigor da juventude, expressava a sua indignação em forma de poesia, como ele disse no prefácio do livro: "Os vestígios de sonho e os reflexos da alma continuam vivamente presentes... Aqui depositei meus íntimos sentimentos para reler a própria vida." A segunda parte, "Cantos no Ultramar", compreende as poesias escritas no ultramar entre 1949 e 1966. No prefácio, ele disse:

"Tendo completado os 40 anos de idade, atravessei muitas vezes o mar. A lembrar-me da miséria de ontem e a ver a [verdade de hoje, contemplo os infinitos dias vindouros. Apreciar os recantos e procurar lugares tranquilos é diferente de uma simples viagem marítima. Compunha e cantava poesias só para acalmar o mundo e expressar os sentimentos."

Aqui se descreve a infinita saudade da Pátria, sentida pelo poeta que se encontrava no ultramar.

A terceira parte, "Bicos e Patas de Marreco de Outono", compreende os poemas escritos entre os anos de 1966 e 1988. No prefácio, ele diz que foi "pela saudade da terra natal" que escreveu estas poesias para "expressar um pouco os sentimentos". Utilizou os versos de Du Pu,

"Não é pela falta de vontade que o marreco não [desce durante a noite, o regresso do cavalo da fronteira constitui pura [casualidade."

e os de Su Shi,

"A deixar casualmente vestígios das patas na neve, o marreco no céu não pensa no Leste e Oeste." para o título da terceira parte "que contém os trabalhos dos últimos vinte e tantos anos". Nesta parte, o poeta enaltece o novo panorama e os novos progressos da Pátria, assim como o seu povo por sua firme vontade de fazer prosperar a terra natal. Toda esta grandiosa colecção de poesias está repleta de profundos sentimentos de amor à revolução, à terra natal e aos conterrâneos, e é atravessada por um único fio de ideias — desmascarar a obscuridade, combater os males, enaltecer a luz e buscar a verdade. O que estas poesias reflectem é justamente a vida heróica do poeta, que passou por todas as tempestades do século xx, onde se destaca o brilho da sua própria figura: uma testemunha da história, um cantor da época — ele tocou a principal melodia da época, entoou o mais forte canto da história. Foi da vida heróica que se extraiu esta epopeia de vida cuja beleza fundou o mundo artístico do poeta.

Na criação artística, os sentimentos de vida e o forte amor e ódio formam uma inseparável unidade. Acesos pelas faíscas da vida, os sentimentos do poeta lançam vigorosas chamas do ideal donde voa a fénix — eis a imagem artística das poesias. O ideal constitui a alma da poesia, mas a alma não se pode separar da imagem. Só com a existência da imagem é que a alma tem onde ficar. Diferente dos filósofos, o poeta fala por imagens. Só com a imagem é que o poeta produz ambiente, expõe a nobre atmosfera que pretende, faz sentir o encanto artístico e leva os leitores a ter um gozo artístico num limitado espaço estético. Porém, a imagem não se pode separar dos sentimentos, pois estes são o sangue e a carne daquela. Nas Poesias de Xue Lu, encontram-se relatos de factos, manifestação da vontade, expressão dos sentimentos, descrição de paisagens e pessoas, manifestação das saudades, felicitações, cantos fúnebres, impressões de viagem, do teatro, da visita aos amigos, inscrições nas pinturas... a formar um jardim multicor, repleto de fortes sentimentos e vivas imagens, a demonstrar-nos a insistente busca da verdade pelo poeta. A busca da verdade é justamente o ideal de vida de Liang Peiyun. E nas Poesias de Xue Lu, o poeta transformou o seu ideal de vida em imagens artísticas. Isso se pode ver na poesia "A Remar no Lago Oeste durante o Outono", que aparece logo no início da obra:

"Percorri todos os diques longos e curtos já por [outrem visitados, Coloridos barcos e luzes de lanternas avistam-se [ao longe, dos dois lados, Enroladas as cortinas de bambu dos pavilhões [e ligados o céu e as águas, Perdi o caminho por entre as raras flores de juncos."

Note-se, um vigoroso jovem de apenas 21 anos de idade remava no Lago Oeste durante o Outono, atraído pela bela paisagem, para percorrer todos os diques já conhecidos. Estes, juntamente com os coloridos barcos, os pavilhões com cortinas de bambu enroladas e o céu ligado às águas, formam uma comovente paisagem em que aparece o verso-chave: "Perdi o caminho por entre as raras flores de juncos." Além do encanto da paisagem, há uma profunda imagem que demonstra o amor do jovem poeta pela bela paisagem da Pátria, assim como a perplexidade sentida pelo jovem poeta ante a cruel realidade social, após ter passado pelo Movimento de 30 de Maio na Universidade de Xangai, ido ao Japão procurar o caminho da salvação nacional — um inevitável estado moral dos jovens patriotas de então que avançavam a sondar o caminho na situação complexa. Vê-se na poesia um vivido cruzar de imagem com paisagem, de sentimentos com símbolos. Entretanto, as belas paisagens das montanhas e rios constituíam forte contraste com a realidade social, cheia de chagas, o que leva o poeta a sentir

"A existência e o nada na noite de lua com [melodia de flauta, e as cada vez mais frias gotas de orvalho na[cinzenta névoa que encobre os chorões."

("A Remar no Lago Oeste durante o Outono");

e a cantar estes versos de profunda mágoa:

"Com o vinho quase a acabar e os áceres frios, o Outono está cheio de tristeza, A ouvir canções no sonho, vêm-me à alma os mais complexos sentimentos."

("A Beber em Wu Men durante a Noite");

e ainda:

"O céu e o rio ampliam-secom os juncos e flores selvagens a tremer de [solidão, os áceres entristecem, a avermelhar as suas filhas." ("Chegada a Cantão depois da Partida dos Amigos de Pequim e Xangai Rumo ao Norte").

Porém, para defender a bela Pátria, o jovem poeta lançou-se na sangrenta luta a compartilhar o próprio destino com o País, a respirar ao mesmo ritmo do povo e a dar os mesmos passos com a época, avançando assim na trajectória do século xx. Em cada momento-chave da História chinesa, pode-se ouvir o canto do poeta banhado de sangue que exprime seu amor e simpatia pela Pátria e pelo povo, pode-se ver a emocionante figura do poeta que, com todo o entusiasmo, defendia a justiça. Quando os agressores japoneses invadiam em força a China, submetendo as belas montanhas e rios a seus bárbaros tacões e obrigando os chineses a abandonar os seus lares, o poeta não se continha de indignação: "No alto edifício, não consigo dormir esta noite", porque toda a nação chinesa se encontrava mergulhada em profunda miséria; "A cavalaria do inimigo galopa as margens dos nossos mares e rios" ("Nas Vésperas do Ano Novo"); "Carros de guerra chegam a Hengyang numa noite de estrelas,/ Alarmes anunciam mais um frenesim dos aviões dos bandidos japoneses" ("Alarme Nocturno em Hengyang");

"As cartas não conseguem vencer os longos [caminhos impedidos pelos passos e rios, os membros da mesma família choram por [estarem forçadamente separados, As preocupações pelo avanço ameaçador dos [agressores crescem sem parar, O que se pode fazer com a terra a cair e as águas [do rio a ferver."("A Contemplar a Lua depois de uma Enfermidade").

O poeta não se limitava às indignadas denúncias e condenações, mas expressava a sua firme determinação de "dedicar todo o fiel coração à Pátria", jurando ir directamente ao covil do inimigo para aniquilar os bandidos japoneses: "Embriagado com a escolha da farda,/ quando é que posso marchar, de arma na mão, sobre o monte Fuji?" ("Poesia Escrita ao Ter Esperança de Voltar ao Norte"). Foi justamente com o entusiasmo patriótico, que se expressa nos versos "pela ascensão e queda da Pátria,/ o povo tem responsabilidade", e o sublime espírito de "lançar sobre si o destino do País", que o poeta conseguiu comover milhares e milhares de leitores! E este entusiasmo patriótico e sublime espírito também se manifestavam no legítimo orgulho e admiração pelos heróicos soldados do Décimo Nono Exército, empenhados na luta de morte contra os agressores nipónicos: "Resta ainda o Exército que guerreia à custa da morte,/ As dez mil famílias podem festejar o Ano Novo a cantar e a chorar" ("Nas Vésperas do Ano Novo"). Além disso, ele não deixava de denunciar e condenar o corrupto regime de Chang Kai Chek que traía a Pátria:

Liang Peiyun, ao centro, acompanhado de professores da Academia de Cultura Chinesa de Pequim.

"Tantas noites se passam com lanternas [vermelhas e vinhos verdes, Tanto tempo se gasta com o canto dos rouxinóis [e a dança das andorinhas. Os oficiais e soldados travam uma luta de morte [na frente de combate, E os senhores, apesar da pesada responsabilidade, [divertem-se a seu bel-prazer." ("A Divertirem-se")...

Nestes versos podem-se ver os fortes sentimentos de amor, ódio e justiça, e uma bela figura que "dedica todo o fiel coração à Pátria".

A beleza da figura do poeta manifesta-se também na sua insistente busca da luz. Embora se concentre em desmascarar e condenar, a antologia Poesias de Xue Lu não deixa de ter esperanças e chamar ansiosamente pela luz e o sol naquela época obscura, o que fez aparecer certos pontos luminosos na tela negra dos "vestígios do sonho" e dos "reflexos da alma", que chamam a especial atenção dos leitores. Tchernichevski diz: "As coisas mais encantadoras na natureza, as coisas que formam a alma da beleza natural, são o sol e a luz."4 No nosso País, muitos poetas da velha geração buscavam a luz e enalteciam o sol. Os famosos poemas "Sol Nascente", "Ode ao Sol", "Novas Melodias de Yangguan" e "A Contemplar o Nascimento do Sol no Barco do Mar", de autoria de Guo Momo; o famoso poema "Canto ao Sol", de Wen Yiduo; os famosos poemas "O Sol", "Voltando ao Sol" e "Palavras do Sol", de Ai Qing; são todos obras-primas em louvor ao sol, o que levou a se baptizarem estes três autores de "poetas do sol". O poeta Liang Peiyun não é excepção. Veja-se a sua poesia "Partida de Zhangding pela Madrugada", uma das suas obras-primas, escrita em 1943:

"Ao conduzir o carro, entro no túnel das nuvens [e da névoa da madrugada, Com as folhas caídas em mil montanhas, o frio [penetra nos ossos; Queimadas pela geada, as folhas acanhadas de [áceres parecem embriagadas, Voltado para o horizonte, chamo o nascimento [ do sol."

Trata-se de uma poesia de estilo clássico com sete caracteres em cada um dos versos do quarteto. Claro que, com esta forma artística, o poeta não pode expressar livremente sentimentos de admiração como os "poetas do sol" faziam com poesias modernas. Porém, esta "poesia do sol" com restrição da fórmula clássica tem as suas vantagens, pois é incomparavelmente concisa e desenvolve uma imaginação extraordinária. No limitadíssimo espaço e na rigorosíssima fórmula, o poeta parece dançar, de mãos e pés atados, mas ele consegue pintar, com pinceladas fortes, um quadro "escuro" — uma paisagem de triste Outono, com as folhas caídas nas mil montanhas, o frio a penetrar nos ossos, a geada a queimar como espada. Eis a imagem da época, o cenário da guerra de resistência ao Japão que o poeta experimenta. Nesse sexto ano da guerra, a Nação, ameaçada pela subjugação, encontrava-se numa noite profunda, no momento mais negro antes da madrugada. Tudo isso está condensado no primeiro dístico. Imediatamente aparece o terceiro verso: "Queimadas pela geada, as folhas acanhadas dos áceres parecem embriagadas." As folhas de áceres, queimadas pela geada, tomam-se humanas, ficam "acanhadas" e "embriagadas". Esta personificação permite o aparecimento da imponente cena: "Voltado para o horizonte, chamo o nascimento do sol." Aqui está o espírito de toda a poesia que sai da realidade e sobe ao ideal. As folhas queimadas pela geada são personificadas no próprio poeta que "chama o nascimento do sol", chama o porvir da Pátria. Expressa os gritos no coração do povo, fazendo aparecer o ideal e a figura do poeta, o sol e a luz atravessam todo o quadro de cor dominantemente escura. A "madrugada" do primeiro verso constitui um presságio do "nascimento do sol", a formar um forte contraste e um eco entre o início e o fim. Uma poesia tão curta como esta, com apenas 28 caracteres, recorreu a todas as técnicas de expressão como personificação, contraste, presságio, etc., a combinar ambiência e sentimentos, apercebendo-se a extraordinária beleza do estilo artístico do velho poeta Liang Peiyun.

Quando um mundo luminoso realmente surgiu, os poemas que escrevia, a buscar a luz e a enaltecer o sol, cruzados com os nobres sentimentos e as belas paisagens, passaram a brilhar com um esplendor artístico ainda mais forte. A entoação tomou-se alegre e a melodia mais bela. O poeta passou a cantar a plena voz com maior entusiasmo, e a forma de seus poemas tornou-se ainda mais diversificada — fenómeno em todas as poesias da segunda parte, "Cantos no Ultramar", e da terceira parte, "Bicos e Patas de Marreco de Outono":

"Dissipados os fumos da guerra, vê-se o sol que nasce; Satisfeito o imenso País, o céu se estende azul por dez mil lis." ("A Grande Muralha");

"O sol da manhã limpa as névoas de Outono, Os riachos tornam-se claros, E as montanhas, verdejantes."("Em Shunchang, Norte de Fuquiém");

"O canto dos galos soa durante toda a noite, O brilho do sol rompe a densa escuridão."("Notícia da Primavera");

"A aurora rompe as mil camadas de névoa, A cidade bela como um quadro à margem do [rio vem a meus olhos." ("A Contemplar a Madrugada");

"Nascido o sol, abertas as nuvens, passo por Qu Tan; Na passagem do rio, paira a névoa de um belo dia." ("Ao Visitar Minqiao");

"Sinto o calor no casebre, neste dia de Inverno; Alegro-me mesmo ao beber do rude copo."("Ao Visitar a Terra Natal");

"Os dez mil hectares de água que brilham, juntam-se com o céu azul no horizonte; Das montanhas, dos quatro lados caem ligeiras ondas."("Gutian");

"O lago e as montanhas como pintura exibem [o belo dia de Outono; Levando os filhos, passeio nas margens cobertas [de chorões." ("Visita ao Lago Oeste");

"O Rio Amarelo de nove curvas vem correndo [aos meus olhos; A madrugada abre as nuvens no alto céu." ("Ao Avistar o Rio Amarelo pela Madrugada");

"Flores de prata e árvores de fogo brilham em pleno dia, acrescentando beleza aos rios e céus da Pátria." ("Décimo Aniversário da Conferência de Bandung");

"Abertas as nuvens nas Cinco Serras, o sol da manhã aparece encarnado: Entre névoas, as árvores de Shaoguan avistam-se de cor verde-escura." ("Ao Contemplar Shaoguan pela Manhã");

"As árvores ligadas uma a outra pelas raízes [alimentam ardente esperança, Cantam-se comovidos o sol do Shun e o céu do Yao." ("Pela Fundação da Associação Geral dos Chineses do Ultramar em Macau");

"A maré vem ao mar de Macau, encontrar o sol [que nasce; A imensa atmosfera da Primavera invade as [diversas famílias." ("O Ano Novo")...

Além disso, o livro conta ainda com grande número de poesias que descrevem paisagens, belas obras tanto nos sentimentos como na arte, que chegam a comparar-se com as da dinastia Tang! Citamos alguns exemplos:

"Aponta a aurora no monte Yuexiu, milhares de velas vermelhas iluminam os pavilhões; O sangue dos heróis corre nas árvores dos heróis, resistindo com valente luta contra a corrente fria."

("Ode à Paineira");

"Névoas e nuvens pairam na floresta e nas fontes, Com a chuva a paisagem torna-se mais tranquila; De vestidos finos como asas de cigarra e bem pintadas, quem são as meninas com tanta galantaria?"

("Em Shalangan");

"Atalhos verdejantes sobem ao céu, no lago, as montanhas e as nuvens são todas azuis; deve ser o local onde as deusas se penteiam e se lavam, tendo as águas como espelho e as árvores como biombo."("Visita a Polugu");

"Todas as famílias têm seus muros, a paisagem parece a da terra natal; Em particular nas arcadas do portão efeitadas[com dragão e fénix, cada escama e cada pata tem sua origem remota."("Moradia em Bali");

"Com a tempestade de toda uma noite, as rãs não param de cantar, tendo uma voz extraordinária, por que é que esperam o amanhecer?"("O Canto das Rãs numa Noite de Chuva");

"Encontrando-me ao portão do beco, por dormir [tarde num país ilhéu, Ensinar a doutrina confucionista e a arte da [espada reduzem-se a nada; Quando é que posso continuar o sonho de ontem, em que a amada mãe me levava a ler diante da candeia."("Sonho de Regresso");

"Sentado diante das flores amarelas, escrevo [esta pequena poesia; Como que embriagado, olho para o leste, O céu no mar está coberto de chuva e névoa, gosto dele porque parece o dos remotos tempos." ("Inscrição na Pintura de Crisântemo Feitapor Xie Zhiguang")...

Esta espécie de poesias dedica-se principalmente a expressar os sentimentos, descrever paisagens, relatar um facto ou fazer inscrição nas pinturas, mas nela o poeta não deixa de depositar suas belas aspirações e ideais, além de demonstrar os sentimentos familiares e a beleza do carácter humano. Estas poesias são todas cristalinas como o orvalho da madrugada, aromáticas e atraentes como flores nas montanhas. A reunir graciosos sentidos de paixão, paisagem, moral e ideais, elas constituem pinturas na poesia e poesias na pintura; eis porque estas poesias, sobretudo as de sete caracteres em cada estância de quatro versos, possuem o estilo e a qualidade das da dinastia Tang. Não é de admirar que o veterano poeta Liang Peiyun tenha sido qualificado como um talento na poesia clássica e de paisagem pelos círculos poéticos tanto da China como do ultramar. Em Singapura, Panshou, grande mestre em artes, disse no prefácio que escreveu para o livro Poesias de Xue Lu:

"Os quartetos de sete caracteres chineses em cada verso carecem de margens de acção, mesmo os poetas da Antiguidade os achavam difíceis. Entretanto, Liang Peiyun desafia a dificuldade, escreve sem grande esforço. É mais difícil ainda dotar-se do espírito dos poetas das dinastias Wei e Jin e entrar nas melodias dos das dinastias Tang e Song. Mas Liang Peiyun escreve-os frequentemente."

Eis uma concisa e precisa avaliação.

O coração do velho poeta Liang Peiyun palpita ao mesmo ritmo com a Pátria e o seu povo. É realmente comovente o profundo amor de um chinês do ultramar pela Pátria, pelo povo e pela terra natal! Os grandes êxitos de construção e a crescente posição da Pátria na arena internacional estimulam a inspiração do poeta para enaltecer o luminoso mundo. O poeta cantou e continua a cantar, formando com as suas poesias um imponente quadro da história do século xx, transformando a sua vida heróica nesta epopeia de vida com volumosas poesias de apurada técnica artística. Dos fortes sentimentos poéticos percebe-se a beleza pitoresca; das diversificadas formas sai um inesgotável encanto artístico. A tudo isso acrescenta a sua magnífica caligrafia que combina a brandura com a firmeza, a imponência com a elegância, a severidade com a ligeireza. Por isso, a leitura das Poesias de Xue Lu, dotadas de excelente arte, tanto poética como caligráfica, parecem beber um formidável vinho, de forma que o leitor se deixa embriagar sem o perceber.

O poeta Liang Peiyun percorreu todo o século xx, leu toda a biblioteca da história deste século, tanto da China como do ultramar, adquirindo profundos conhecimentos académicos e um elevado prestígio e respeito em todo o mundo. Como perspicaz erudito, talentoso poeta, destacado calígrafo, pedagogo de sucesso e abnegada figura nas actividades sociais, ele, apesar da avançada idade, continua a trabalhar em importantes cargos: é membro da Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, conselheiro da Associação Nacional dos Chineses do Ultramar, conselheiro do Instituto Chinês de Estudo da Cultura Oriental, presidente da Associação Geral dos Chineses do Ultramar de Macau, presidente da PEN de Macau, presidente do Instituto de Poesia Chinesa de Macau, presidente do Instituto de Cultura de Macau, professor honorário da Universidade Aberta de Caligrafia e Pintura da China, vice-presidente do Conselho de Administração e reitor honorário da Universidade Li Ming (Aurora), director da Editora Shupu de Hong-Kong... Como que rejuvenescido, continua a compor uma epopeia do século xx, lem prol da época do sol nascente, em busca de um brilhante mundo e da bela natureza humana.

Liang Peiyun e Bing Xin, escritora chinesa.

2. NOVOS CANTOS

O veterano poeta Liang Peiyun é um mestre tanto na poesia clássica como na moderna. Tendo apreciado as três partes das Poesias de Xue Lu, descobrimos a Antologia de Poemas Modernos, recolha suplementar às Poesias de Xue Lu. As poesias clássicas parecem imensas marés — que ora são furiosas ondas como milhares de cavalos que galopam, ora se tornam calmas como espelhos diante dos quais as deusas se penteiam. A Antologia de Poemas Modernos demonstra um belo panorama: exprime os profundos sentimentos através de ecos feitos na mesma linha de pensamento, sendo por isso igualmente comovente. Embora seja um pequeno "grupo", elas parecem águas dos rios que correm na imensa terra, dando, com suas curvas e remoinhos, uma vista espectacular. É pena que até hoje nenhum crítico literário tivesse abordado estas poesias.

O poeta diz na Nota Prévia:

"Nos primeiros anos da minha vida, o País passava por múltiplas crises. Com a maturidade, as preocupações formaram ideias confusas, o que me levou a expressá-las em poesia sem intenção de dedicar-me à criação poética. Por indolência escrevia uma ou duas poesias por ano utilizando-me de uma linguagem coloquial e provinciana. O tempo corria; mais de cinquenta anos se passaram sem me aperceber. Por puro acaso, ao arrumar de novo as velhas caixas, descobri nelas os manuscritos de papéis amarelados e tinta desbotada. Vendo-os, parecia que eu estava num sonho. Copiei-os para registar este caso ocasional. Li Yishan disse: 'Pode-se esperar que estes sentimentos se tomem reminiscências, mas, no momento, eu fiquei realmente perplexo.' Estas suas palavras parecem ser ditas para a minha criação poética."

A Nota Prévia demonstra que, nascido em princípios do presente século, o poeta cresceu num ambiente histórico de múltiplas misérias e percorreu uma trajectória de vida cheia de vissicitudes e agruras e uma trajectória de criação literária que compartilhava o destino da Pátria e os sofrimentos do povo. A trajectória da vida determina a trajectória da criação literária. "As preocupações — preocupações pelo País e pelo povo, amor pelo País e pelo povo — não posso deixar de expressá-las em poesia sem nenhum intento de dedicar-me à criação poética." As preocupações preparam o poeta. As poesias podem expressar queixas e indignações. A criação do poeta tem a vida como a fonte directa da sua criação. Eis o que Bai Juyi disse: "A poesia deve ser escrita através da observação do real." A Nota Prévia demonstra ainda que o poeta não pretendia dedicar-se à criação poética, mas sim, com a experiência da miserável vida procedente da realidade que lhe despertavam os autênticos sentimentos de indignação e tristeza, entoou naturalmente o comovente canto, a expressar sua alma poética e sua índole, de modo que as suas obras não podiam ser dos que gemem sem dor. A criação de qualquer poeta deve inspirar-se na vida, na orientação do pensamento e estado de alma, sendo por isso uma especial actividade do raciocínio por imagens com base na realidade. O veterano poeta Liang Peiyun extraía rica matéria-prima da sua extraordinária trajectória de vida, seleccionava-a, elaborava-a e sintetizava-a em busca do ideal de beleza de carácter, para concluir uma perfeita imagem artística da poesia. Por isso estas poesias, inclusive "A Zombar do Viciado de Ópio", composta pelo poeta aos 12 anos de idade, foram escritas sem intuito de ser poeta. Foi sem intuito de ser poeta que o adolescente Liang Peiuyun tinha a intenção de escrever poesia; justamente porque não pretendia dedicar-se à criação poética é que ele se tomou poeta.

Da Nota Prévia podemos compreender os cenários históricos e os propósitos da criação da poesia moderna de Liang Peiyun. A Antologia de Poemas Modernos foi escrita entre 1926 e 1928, quando o poeta havia passado pelo Movimento de 30 de Maio na Universidade de Xangai, a ida ao Japão em busca do caminho de salvação nacional e o alistamento no Exército: foi testemunha directa do massacre de 30 de Maio, experimentou a tristeza nacional com o falecimento de Sun Yat Sen, a tragédia histórica do rompimento da cooperação entre o Partido Comunista e o Kuomintang, o terror branco da "purificação do partido" desencadeada pelo Kuomintang, o massacre dos revolucionários por Chang Kai Chek... Todos estes severos eventos históricos levaram o poeta a ser baptizado na revolução e a completar a primeira lição da vida. Nesse período, o jovem poeta escreveu A Antologia de Poemas Modernos, incutindo neles a sua experiência de vida — "as preocupações formavam ideias confusas" — e a sua solene e excitante paixão de dedicar-se à revolução.

A Antologia de Poemas Modernos divide-se em quatro poemas: "Despedida", "Expedição", "Marcha Nocturna" e "Dia 10 de Outubro", dos quais os mais extensos são "Expedição" (78 linhas) e "Marcha Nocturna" (61 linhas). São quatro poemas que descrevem todo o processo da dedicação da vida de um jovem patriota à revolução, formando a tetralogia de uma pequena epopeia. As quatro poesias são uma unidade completa, um drama de interessantes enredos em quatro actos. O primeiro, "Despedida", representa os sentimentos de um casal na despedida, uma comovente cena quando o noivo partia para a expedição; no segundo acto, "Expedição", o noivo marcha a caminho da expedição, lembrando-se da troca das amorosas palavras e da compreensão mútua; o terceiro acto, "Marcha Nocturna", representa a luta na alma do noivo durante a longa marcha nocturna, a expressar a sua profunda saudade da noiva e determinação de avançar sem parar e travar um combate sem quartel; no quarto acto, "Dia 10 de Outubro", o abnegado soldado sacrifica a própria vida pela Pátria e, em contrapartida, sua alma, atónita, assiste a um luxuoso festim de corruptos no dia 10 de Outubro, pelo que o mártir se indigna. O drama poético criou a imagem de um par de noivos, a imagem de dor, de sacrifício. Na primeira poesia, destaca-se a mulher, e nas outras três, o marido que, por sua vez, realça a figura da mulher por meio de uma corrente de consciência. O enredo do drama desenvolve-se pelo fio de acção — Despedida — Expedição — Marcha Nocturna — Dia 10 de Outubro, e tem por início a casa e por fim a tumba. Com as quatro poesias a ecoar de uma para a outra, o drama demonstra verdadeiramente a tristeza da juventude num mundo de guerras, o amor arruinado pela separação, a trajectória da dolorosa consciência daí decorrente e a determinação de sacrificar a própria vida em busca da luz, a reflectir a realidade da vida e a relevar o espírito da época, dotando este grupo de poesias de especial êxito artístico. A ligar as vissicitudes da vida do poeta à figura do homem "magro e fraco que cantava e bebia com grande tristeza", presente na "Marcha Nocturna", podemos imaginar que o drama poético tem algo de autobiográfico pois, pouco tempo após o casamento, o poeta deixou o lar e participou na Expedição ao Norte e ao Leste e posteriormente ao Sul, experimentando pessoalmente a dolorosa despedida da mulher, a valente luta nas expedições, as agruras e sofrimentos da marcha em busca da salvação nacional... É justamente por esta razão que as quatro poesias contêm vivos sentimentos, são amplamente difundidas devido à sua veemente paixão, à sua beleza de imagem e ao encanto estético decorrente da integração do componente ideológico ao artístico.

A "Expedição" e a "Marcha Nocturna" foram publicadas no Verão de 1927, respectivamente nos jornais "Ming Guo Ri Bao" (Diário da República) e "Ming Zhong" (Sino do Povo), ambos da cidade de Xiamen, sendo muito bem recebidas pela crítica e pelos leitores. Em 1928, o revolucionário clandestino e redactor-chefe da revista "Han Jia" (Som Frio da Música Huna), Zhu Yiwen reeditou-as na sua revista de que só saíram dois números em Xangai. O mesmo Zhu Yiwen (que foi nomeado reitor da Universidade de Hunan depois da criação da República Popular da China, em substituição de Li Yimang) apreciou altamente os dois poemas como representativos, que retratam como os pequenos burgueses vão na vanguarda da libertação. A apreciação demonstra que a Antologia de Poemas Modernos é um produto da época, uma epopeia com o seu valor transcendente.

A poesia "Despedida" é a mais curta das quatro, com apenas três estâncias e um total de 12 linhas, a descrever a dolorosa separação de um jovem casal, muito provavelmente recém-casado. Mesmo curta, ela exprime vivamente os profundos sentimentos e a sentida tristeza.

Desde a Antiguidade, os poemas de angústia evidenciam em geral cenas de separação e despedida. Poemas com tais enredos ocupam grande parte do panorama poético chinês, que os qualifica de "poesias da tristeza na despedida". Entre as poesias de fenómenos amorosos tanto chinesas como estrangeiras, há muitas que descrevem a dor da despedida. A maioria delas, porém, descreve em geral directamente o que os protagonistas pensam e falam no momento da despedida:

"Eu e tu vamos partir apressados, é uma inevitável separação, esperamos só pelo próximo encontro. Estamos tristes, como duas folhas de ácer!" (Guo Moruo, "Despedida na Noite");

"Acabo de chegar, vou já embora, encontrámo-nos há pouco, devemos despedir-nos já, separar-nos já e Adeus, [minha querida, linda e jovem, meu coração, minha alma, minha vida!"(Petofi Sandor, "Despedida");

"A ternura no baixar da cabeça, como flor de lótus se envergonha ao enfrentar [o vento frio, Que tome cuidado: uma doce angústia nesse cuidado — Saionara!" (Xu Zhimo, "Saionara");

"Na despedida, seus olhos cheios de lágrimas, Reflectem-se sombriamente nos meus. Um aperto de mãos, impressões de seus dedos afectuosos estão gravadas nas minhas palmas. Abriste o meu coração, poderás ver tua figura esbelta!" (Zong Baihua, "Após a Despedida").

A "Despedida" do jovem poeta Liang Peiyun, porém, é de outro tipo, outro sabor, e outro valor. Como as poesias dos famosos poetas, a "Despedida" pertence ao género de poema de amor, é a introdução de uma epopeia escrita na primeira pessoa — mas não se limitou a gritos directos de almas atropeladas, ou a clamores tristes de almas dolorosas, nem a "conversas" de despedida; ele recorreu a descrições da despedida, quase não se vêem palavras angustiosas; contudo aproveitou a ambiência, misturando o sentimento à realidade circundante, com esta a salientar as angústias. Em toda a "Despedida", só há uma frase de despedida — a mulher diz: "Vai! Como é que posso dizer todas as cem mil palavras?" Daí, podemos perceber que há "cem mil palavras" por dizer, mas o que não é "dito" está descrito na ambientação.

Liang Peiyun, acompanhado de duas filhas, em visita a Ba Jin, escritor chinês.

Aqui a descrição do local e a criação da ambiência têm por objectivo dar relevo ao tema. Tudo, porém, parte dum tema principal, isto é, "ver o marido recrutado que vai já para longe, sozinho e melancólico". Ao invés de "marido", o poeta usa a expressão "marido recrutado"; logo depois do encontro, o marido parte, "sozinho e melancólico", "para longe". Na velha China tenebrosa, politicamente corrupta, com as sucessivas guerras civis e agressões estrangeiras, o povo vivia na miséria, muitos jovens deixavam as suas famílias e seguiam o caminho da salvação da Pátria. No verso, o marido recrutado constitui um destes jovens. Todo o poema é enredado por este verso que é a cena de despedida. Os termos "sozinho e melancólico", "já vai" e "para longe" são pinceladas melancólicas que se sucedem uma após outra, para relevar o triste ambiente da época e o sentimento das personagens, de modo a estender-se para três momentos, três cenas de despedida, tais como três actos de uma peça. Primeiro acto, na casa, depois da meia noite: o autor não menciona que as personagens choram, mas diz que a vela lacrimeja ao lado das pessoas — "sem perceber o passar do tempo, a lua desaparece e o galo canta". Sem dúvida uma noite sem dormir, um a chorar diante do outro, sem perceberem o passar do tempo, o alvorecer. A grande angústia da despedida não é descrita, mas expressa através dos objectos circundantes, que são a "vela lacrimejante", a "lua" e o "galo". Quase ao amanhecer, ao ver o ente querido que "vai já para longe", "sozinho e melancólico", o autor deixa a personagem transbordar de emoção, introduzindo o quarto verso: "suas mãos trementes estavam tão geladas". As mãos "trementes" e "geladas" são o símbolo da angústia e desespero do coração. Até agora, a imagem da esposa está formada com a "vela lacrimejante" e outros objectos. E o símbolo das mãos "trementes" e "geladas", que o marido percebe no momento do aperto de mãos e com lágrimas nos olhos não encontra palavras para exprimir, demonstra a tristeza da esposa e a reacção do marido, através do qual, transmite os sentimentos aos leitores.

O segundo acto, no ancoradouro, ao amanhecer, o autor continua a descrever a figura da mulher. Ela acompanha o marido até ao ancoradouro; no caminho, os passos dela, lentos e pesados, desejam que o tempo pare, que os passos parem, a fim de poder ficar mais alguns momentos perto do marido. É por isso que ela olha sempre para o céu, contando as estrelas que desaparecem uma após outra. Agora "só restam duas ou três": o dia está próximo, a despedida breve. Então, com um aperto no coração e os olhos turvos, ela não tem coragem de "olhar" o marido que vai já para longe, desviando seus olhos para "dispersos chorões, verde-escuros e tristes também". A descrição dos chorões "verde-escuros e tristes" consiste na exteriorização do sentimento da esposa, amargo e doloroso. Mas neste mesmo momento, "ouve-se de repente o barulho do embarque no ancoradouro" que exprime plenamente a urgência que enfrenta, como o verso de um poeta da Antiguidade descreve: "Ao relutar, o barco apressa a partida." Assim, a mulher, como quem pretende cortar as águas com muita dor e angústia, manifesta a sua última expressão de despedida: "Vai! Como é que posso dizer todas as cem mil palavras?" É esta expressão que demonstra exactamente a compreensão e apoio da mulher ao marido que parte, de maneira a tornar a imagem da mulher brilhante. Passaram a noite toda em claro sem conseguir dizer quaisquer palavras, e assim se despediram, só restaram as saudades e a tristeza da mulher...

No terceiro acto, na margem do rio e manhã já alta, depois de ver o marido partir, a esposa está sozinha a andar à toa na margem, a olhar, perplexa, para as águas através das quais o marido partiu, e "a pensar nas nuvens e céus por mil lis afora, as névoas pesadas ao entardecer devem cobrir o imenso espaço do reino Chu". Com tantas saudades, como é que pode conter a angústia. Tais descrições continuam a dar ênfase à mulher. Mas, ao descrever os tristes sentimentos da mulher, o autor emprega a paisagem e o ambiente ameno da Primavera como contraste. Observe-se o ambiente e a paisagem em torno: "a brisa da manhã levanta a folhagem dos chorões,/ oríolos cantam por entre árvores verdes". Os dias de Primavera são lindos e alegres; são tristes e melancólicos, porém, para quem sofre a separação. Aqui, o autor descreve a alegria da natureza para salientar a angústia do coração, compondo assim um contraste bem notável. Da angústia, resultou outro clamor do coração: "Oh, abandona a Primavera tão linda,/ e o regresso ansiosamente esperado só será num dia de neve e chuva!" A esposa compreende e apoia o marido na decisão da partida para a frente de batalha; lamenta-o, entretanto, por abandonar a Primavera tão linda. Desta forma, o autor acrescenta uma pincelada de relutância. Enfim, ela não pode senão depositar a sua "esperança no regresso", mas um regresso no Inverno com "neve e chuva". Era uma esperança sem alternativa! Esperança ilusória, mas de sentido profundo, pois, como se visse o marido "regressando" num dia de neve e chuva. "Os chorões e álamos estavam verdes, quando eu parti./ Volto hoje com neve e chuva./ Marcha demorada, com sede e fome./ Sinto-me triste." ("A Colher Rosas"). Mesmo depois de ter passado muitos sofrimentos, os soldados que lutaram na fronteira conseguiram finalmente voltar.

A "Despedida" é o mais curto dos quatro poemas modernos do autor, mas prima pelo seu significado profundo e pela vivacidade. Em vez de descrições directas da despedida do casal e dos seus sentimentos dolorosos, o autor aproveita cenários e objectos que se vêem e se ouvem, entrelaçando e compondo o quadro imaginário, com expressão paisagística e sentimental... Por isso, mesmo sem descrever directamente a cena da despedida, enfatizou-a; mesmo sem descrever os sentimentos melancólicos, fez sobressaltar as angústias. No poema, o autor dedicou-se mais à descrição da mulher que se despede. Nas três cenas da despedida, a figura da mulher desenvolve-se, de superficial a profunda, atraindo cada vez mais o leitor. O grande poeta Guo Momo assinalou: "A função do poema consiste em exprimir sentimentos." No entanto, a "Despedida" de Liang Peiyun consiste também na narração da história, na apresentação da ambiência e na expressão do sentimento. "Despedida" é qualificada como obra representativa da poesia moderna e de estilo próprio.

Das "cem mil palavras" que a esposa não pôde dizer, muitas são ditas no poema "Expedição". Com excepção da primeira e da última estâncias, o resto do poema é em forma de diálogo, embora monologado: uma revelação da alma. Como já disse, o poema "Despedida" recorreu principalmente à descrição da despedida, e não ao diálogo. A "Expedição", ao contrário, baseia-se principalmente no monólogo — em quase todo o poema, as descrições concentram-se na conversa de despedida através da corrente de consciência do marido, como se fosse um suplemento ou uma continuação do poema "Despedida".

No poema, aflora por muitas vezes a corrente de consciência e as reflexões em diferentes formas. Através de confissões silenciosas, o poema descreve a determinação e o entusiasmo do marido ao partir para se lançar à revolução, ao mesmo tempo que o seu amor à esposa e à família. A intermediar os conflitos interiores do marido, aparecem os da esposa; e as confissões silenciosas da esposa revelam as confissões do marido, de modo a criar uma forma dialogal em cadeia. Trata-se de um diálogo na primeira pessoa, como se fosse uma despedida comum. Tal forma expressa aos leitores os sentimentos das personagens ao despedirem-se de modo que sintam aproximar-se das personagens, sintam a fidelidade da história, sendo assim mais comovente e esteticamente valorativo.

"Os cucos cantam melancolicamente no mato,/ a brisa da madrugada sopra ao de leve nas flores selvagens." No começo do poema, com os cucos e a brisa de madrugada que respectivamente "cantam melancolicamente" e "sopra ao de leve", o poeta visa transmitir à "mulher no pavilhão" que as lágrimas do marido estão a cair silenciosamente sob as estrelas e a lua da madrugada, de modo a conduzir a mais descrições sentimentais. Trata-se de metáfora e personificação. Daí, o poeta passa a descrever a evolução dos sentimentos do marido: confissões silenciosas e auto-revelações, ao mesmo tempo confissões e revelações mútuas e entrelaçadas, a formar assim um quadro sentimental bem tecido. Depois de ter-se despedido do marido, a "mulher no pavilhão" pensa sempre no marido que partiu e ouve a informação de que "as lágrimas do marido estão a cair silenciosamente" no caminho. Como se estivesse unido à mulher, o marido limpa as lágrimas e, contendo as dores, responde o seguinte:

"Eu tenho coragem de voltar-me, para olhar [para ti. Eu tenho coragem de abrandar meus passos [neste caminho. Oh, o cavalo fraco já não pensa mais nos [chorões tristes ao lado do caminho, em que eu ainda posso voltar a lutar?"

E mais ainda, recomenda à brisa da madrugada:

"Não me imites os cantos tristes, Não me imites os longos suspiros!"

-- ele está determinado a avançar para a frente e não "voltar-se". Contudo, ecoam nessa altura as palavras da mulher ditas na noite de despedida:

"Cuidado com as montanhas acidentadas, cuidado na tua expedição muito longa!"

Aqui deixa tão claras e pormenorizadas a afeição e a ternura da mulher que fazem o marido "não querer brandir mais o chicote"

"Mesmo com os olhos cheios de lágrimas, vejo-te ainda claramente a aconselhares-me na [noite da véspera."

Trata-se da corrente de consciência do marido que conduz as reflexões da esposa. Vemos assim as confissões mútuas do casal a formar uma rede complexa de sentimentos.

"Oh, por que não dizes nada e só com lágrimas [nos olhos, estás a pensar nos belos dias passados, ou a preocupares-te com a solidão nos caminhos?"

Estes versos fazem eco com o verso do poema "Despedida" — "vela lacrimejante ao lado das pessoas" — ao mesmo tempo que mostra a figura da mulher tão bondosa e tão afectuosa.

"Eu tenho coragem de me queixar da tua falta [de amor? Eu tenho coragem de me queixar da tua impiedade? Eu tentei impedir-te de ires para a expedição? Eu tentei impedir-te da deslocação? Eu só me arrenpendo de nos termos conhecido, [muito mais de nos termos apaixonado! Eu só tenho medo de ouvir o cantar do galo, e [muito mais dos relinchos do cavalo!"

Eis a resposta, com quatro interrogações e duas exclamações, que descreve o amor e a compreensão da mulher. Uma paixão profunda, porém um pouco irritada, em que se arrepende de "o ter conhecido e apaixonado". O poeta descreve então o que vai na mente do marido em três fases. Na primeira fase, o amor pelo lar

"Como posso eu aguentar a interrupção do [banquete? Como posso eu ver o lar deserto?"

Não se resigna, porém, a ficar em casa toda a vida "Eu não quero ser apenas um filho obediente [aos pais, Eu não quero dar amor apenas à mulher [afectuosa!"

Quer realizar seu ideal — "Eu vou procurar a minha nova vida." Na segunda fase, toma como exemplo os heróis que se sacrificaram pela Pátria

"Eu só quero acordar as almas longamente [enterradas nas fronteiras, Eu não posso abandonar os meus irmãos que [lutaram muito tempo em regiões remotas!"

Para isso, está determinado e entusiasmado — "Eu quero criar lá um novo mundo", ao mesmo tempo estimula a mulher para que "deixe seu quarto nupcial para buscar uma nova vida" também! Na terceira fase, está totalmente decidido

"Não me digas que as serras são íngremes, não me digas que os caminhos são perigosos! Adeus, minha querida."

Ele sente-se encorajado por heróis exemplares

"As lágrimas da beleza já não podem aquecer [meu coração determinado, só o sangue dos soldados como a onda forte [excita o meu coração";

por isso ele está decidido a transformar o velho mundo

"Quando um dia, a inundação varrer a terra, montanhas inundadas, colinas aplainadas, o meuçoração sossega, e a minha expedição acaba!"

Liang Peiyun e Ji Xianlin, professor na Universidade de Pequim e escritor (1995).

Ele quer a época da Arca de Noé, a fazer com que o dilúvio limpe o velho mundo e crie um novo. Estas três fases constituem o desenvolvimento do estado de alma do jovem marido. Enfim, ele vai-se embora decididamente — "Mesmo queixando-se da minha falta de amor, mesmo queixando-se da minha impiedade!" Até agora, a corrente de consciência do jovem marido, como se fosse um riacho por entre montanhas, avança ao longo do caminho sinuoso da expedição e aproxima-se do ponto final com uma nova onda sentimental: "Oh, quando recordo todas as instâncias passadas, [eu monto no cavalo. Os meus olhos já estão sem lágrimas, mas não me [lembro dos teus doces conselhos; Eu só seguro a rédea com a mão esquerda, e com [a mão direita brando o chicote, Não me preocupo mais com o caminho sinuoso [das montanhas, não me preocupo com as [longas distâncias.

Eu só ouço o rugir do vento,

Eu só ouço os bafos do cavalo fraco.

Quem pode ter vontade para voltar-se a olhar[teu pavilhão, Quem pode ter vontade para parar o seu cavalo [e voltar a lutar no caminho do campo?"

Nestas ondas sentimentais afloram reflexos de seus ideais, uma cristalização do estado de alma do jovem marido. Aqui, os conflitos do coração na "meta final" do trajecto sentimental da personagem fazem eco com os conflitos iniciais, a descrever assim como um jovem intelectual da pequena burguesia nos anos 20 "avançava para a frente de guerra", a lutar e a debater-se mentalmente, e finalmente a superar passo a passo os próprios pontos fracos, de modo a progredir e incorporar-se na revolução. O poeta descreveu de maneira viva e impressionante todo o processo de evolução mental, revestindo-o de veracidade e de significado histórico.

A "Expedição" é uma ode da alma, uma peça espiritual, uma poesia lírica. Usa também objectos e paisagens como pano de fundo e adereço. Ao abrir o poema, já vemos "cucos", "mato", "brisa de madrugada", "flores do campo", "pavilhão", "estrelas de madrugada", "lua a cair", "caminho do campo", "cavalo fraco" e "chorões". Ao fechar o poema, eles aparecem mais uma vez:

"Não se sabe aonde foram cair a lua e as estrelas [da madrugada, A poeira no caminho das encostas distantes [desaparece como água vaporizada, a mulher de cima no pavilhão baixou a cortina, Oh, ela teme o canto triste dos cucos do mato, ela teme os suspiros das flores do campo na [brisa da madrugada!"

O fecho do poema ecoa com o início, de modo a ter uma estrutura e o enredo muito bem construídos. Ao mesmo tempo, as descrições de "cavalo" e "galo" — "a relinchar dolorosamente" e "a cantar tristemente" visam relevar a despedida em breve, pois "o cavalo está a relinchar dolorosamente fora da porta,/ o galo está a cantar tristemente no quintal". A mulher queria conversar mais com o marido, por isso tem medo de ouvir o cantar do galo e o relinchar do cavalo. Por outro lado, antes da sua partida, o marido estimula e consola a esposa: "o cavalo está a forçar-me para a expedição,/ o galo está a forçar-me a acordar"; o marido já "não tem medo de ouvir o cantar do galo,/ não tem medo de ouvir o relinchar do cavalo". O "cavalo" e o "galo", como se fossem um fio, atravessam toda a história, a entrelaçar o estado de alma das personagens, a robustecer assina toda a trama. Mais ainda, o "relinchar dolorosamente" e o "cantar tristemente" acrescentam mais efeitos poéticos, como se fossem acompanhamento da peça.

A "Expedição" é a obra-prima do jovem poeta que exprime os ideais de uma geração, sendo muito impressionante e estimulante.

Do mesmo modo que a "Expedição", o poema "Marcha Nocturna" descreve os ideais de jovens e é também comovente e estimulante. O poema "Marcha Nocturna" é como um complemento e continuação da "Expedição". Sendo ainda uma ode, o poeta usa a forma de monólogo em que o jovem marido recorda, medita, se levanta e avança. Ainda no monólogo, estão reflectidas as saudades e as amáveis imagens da mulher, bem como suas confissões. Trata-se de um monólogo durante a marcha nocturna, através do qual mostra todos os conflitos interiores da personagem.

A "Marcha Nocturna" parece mais uma despedida do casal noutro pano de fundo. Como na "Despedida", o poeta evidencia o enredo numa "noite longa", em que o jovem marido marcha duramente no caminho pela salvação da Pátria. Por isso, o poeta escolheu o título "Marcha Nocturna", a expressar assim directamente o tema principal do poema. Foi numa "noite longa" de lua sombria e estrelas dispersas que o jovem marido "foi de barco para muito longe", quando a mulher dormia. Ele não quer acordar a mulher e tem medo de vê-la sofrer. Porém, ele "chora" todo o caminho e "volta-se sempre para olhar" seu lar e "vê-lo nitidamente" — "Na penumbra conseguiu distinguir onde estavam as grades, onde estava a vereda", só que "não tem mais coragem de olhar o quarto da mulher com a porta bem cerrada". Ao recordar os dias passados, a imagem da mulher passa pela mente: o marido tinha o ideal de ir para a frente, mas "não confessou francamente à mulher", enquanto a mulher, conhecendo o segredo, também "não desabafou suas angústias" ao marido. Mesmo sem desabafar, "com o franzir das sobrancelhas, ela parece chorar, chorar". O marido "não queria abordar a sua partida do dia seguinte" e só insinuou que "vai ser ingrato", enquanto a mulher "com lágrimas nos olhos disse que a morte seria sua única solução,/ se ele não compartilhar o triste destino-com ela". É por "estas palavras tão dolorosas" da mulher que o jovem marido "chora todo o caminho com as lágrimas a rolarem no rosto como pérolas a cair" e se arrependeu "de não ter-se despedido da mulher". Como a "Despedida" e a "Expedição", o jovem poeta conseguiu descrever de maneira viva e comovente neste poema os profundos sentimentos e a paixão amorosa de um jovem casal, revelando assim como eles vencem no amor e faz a apologia do fervor patriótico. O jovem marido também faz os seus sacrifícios:

"Que não procures minhas pegadas, não recordes mais o meu semblante! De hoje em diante, não recordes mais nossos [belos sonhos, prefiro correr sozinho, prefiro assumir sozinho [todos os sofrimentos!"

Ele já ouviu "clamores tristes no futuro caminho", já sentiu "o cheiro de sangue pronto a invadir o coração", por isso "doces palavras já não podem fazer-lhe mudar de ideia", só o "sangue, aquele sangue lhe faz vibrar as veias, estremecer o coração"! Como peças consecutivas, estes três poemas evidenciam os casais jovens nas despedidas, o mesmo tema a descrever o toque humano e a elogiar a beleza da natureza humana. Além disso, o autor enredou o poema com toda a sua emoção, a incutir a típica atmosfera da época.

O monólogo constitui uma característica própria do poema... Além disso, o autor aproveita a paisagem para realçar os traços emotivos, combinando espaço e emoção. Ele recorre à metáfora, à personificação e aos símbolos. Descreve emoções através da paisagem. Quando, ao fim da longa noite, já com a lua a desaparecer e as estrelas a perderem o brilho, o marido deixou a casa de barco sem despedir-se da mulher, aos olhos dele "as águas do rio estavam angustiosas". Trata-se de um reflexo do seu estado de alma. Ao mesmo tempo, as águas do rio transformam-se em "lágrimas da mulher jovem que se despede do marido a chorar". Por outro lado, "as estrelas fracas fitam o jovem que saía da casa com lágrimas nos olhos", "o juncal na margem traz o vento frio e melancólico", "como facas, as estrelas e a lua apunhalam meu peito", "o vento frio e a geada choram um com outro diante das folhas vermelhas de ácer", "o juncal na margem suspira". As paisagens delicadas, plantas e objectos são separados, ao mesmo tempo são bem combinados um com o outro e se reflectem, a descrever como os rebeldes do velho mundo vencem suas angústias ao deixar o lar em busca do novo caminho. No monólogo, as paisagens e os sentimentos se cruzam, compondo um perfeito quadro emocional. Os versos mais característicos deste poema são:

"Oh, as águas do rio estão tão tristes, Como a jovem mulher a chorar se despede do [marido que vai embora.

(...)

Eu tenho medo de ela acordar e recordar o [passado, Recordar o homem que canta e bebe [melancolicamente na varanda, (...) Apesar de eu não lhe ter confessado minhas [angústias, o céu alto e a lua de noite contam meus tormentos, (...) O sussuro ecoa como o alaúde que me [acompanha em toda a vida, As lágrimas formam vinho delicioso que me [acompanha em toda a vida; Fazem-me orgulhoso a melodia do alaúde e o [sabor do vinho como panaceia, São como flores que caem e águas que correm [as esperanças da beleza! (...)

As águas do rio sussuram, Como se a queixar de mim por deixar [impiedosamente a casa, A lua cai e as estrelas da madrugada se escondem, [porque têm medo De me ver ir embora de barco para o fim do mundo."

Aqui, o autor não se refere directamente às tristezas e angústias causadas pela despedida, uma vez que a mulher "dormia" e sequer sabia que o marido havia partido silenciosamente. Descreve, porém, "as águas do rio que estão tão tristes" "como as lágrimas da jovem mulher que se despede do marido que vai para a frente". Em vez de dizer que o marido tem medo de "recordar o passado", de acordar a mulher e deixá-la sofrer, o autor descreve como ele tem "medo de ela acordar e recordar o passado"...

Na criação poética chinesa existem muitos monólogos, principalmente aqueles que descrevem o amor. No Cânone das Odes (Shi Jing), há poesias como "Mei" (Ameixeira) e outras, todas em forma de monólogo. O "Canto de Gai Xia", de Xian Yu, "Canto do Grande Vento", de Liu Bang, "A Beber Vinho Antes da Partida" e "Marcha a Changgan", de Li Bai (ou Li Po), "Noite de Luar" e "Ao Inteirar-se da Recuperação de Henan e Hebei pelo Exército Oficial", de Du Fu, todos são famosos poemas em forma de monólogo.

Nos tempos modernos e contemporâneos, as poesias cujo tema é o amor, como "Ping" (Vaso), de Guo Morou, "Águas Mortas", de Wen Yiduo, "Saionara", de Xu Zhimo, "Canção da Primavera", de Feng Zhi, "Aviso da Madrugada", de Ai Qing, "Profecia", de He Qifan, "Chiba", de Bian Zhiling, "Poesia Mural no Cárcere", de Dai Wangshu, "Regresso a Yanan", de He Jingzhi, "A Contemplar o Céu de Estrelas", de Guo Xiaochuan, bem como "Seu Nome", "Coronel", "Mancha Negra" e "Da Fronteira a Contemplar a Terra Natal", respectivamente dos poetas da Formosa, Ji Xian, Ya Xian, Yu Guangzhong e Luo Fu, são todas em forma de monólogo. Estas obras poéticas em forma de monólogo exprimem directamente os sentimentos do coração, sendo por isso "particularmente líricas". Um poema do poeta moderno Zhai Yongming, em forma de monólogo, é intitulado "Monólogo". Mas o jovem poeta Liang Peiyun, na "Marcha Nocturna", escrita nos anos 20, recorreu a variadas formas para exprimir sentimentos com recurso a paisagens, aflorar emoções diante de paisagens, compondo um diálogo entre paisagem e sentimento. Podemos concluir que ele rompeu com as restrições preconizadas para poesias em forma de monólogo e conseguiu dar um salto qualitativo na sua criação poética.

A "Marcha Nocturna" e a "Expedição" são obras representativas em forma de monólogo do jovem poeta Liang Peiyun que devem ser incluídas na lista das famosas obras acima mencionadas. Se "Despedida", "Marcha Nocturna" e "Expedição" retratam o jovem marido que foi à frente de batalha pela salvação da Pátria, descrevendo os sentimentos, paixões, angústias e tristezas, já "Dia 10 de Outubro" constitui uma condenação veemente, por que esta data obtida a custo do sacrifício de milhares e milhares de vidas acabou transformando-se em festa dos poderosos que usurparam dos resultados da revolução.

A poesia "Dia 10 de Outubro" foi escrita em 1927, momento crítico na história moderna da China. Como Mao Zedong assinalou no artigo A Situação Actual e as Nossas Tarefas: "No momento em que a guerra da Expedição ao Norte em 1927 atingia o seu auge, os quadros dirigentes do nosso partido abandonaram a direcção dos camponeses, da pequena e média burguesias da cidade, especialmente das forças armadas, levando aquela revolução ao fracasso",5 enquanto Chang Kai Chek desencadeou em Xangai o golpe de estado contra-revolucionário de 12 de Abril, massacrando barbaramente os militantes do Partido Comunista e outros revolucionários. Em seguida, os membros do Kuomingtang em Cantão provocaram o incidente contra-revolucionário de 15 de Abril, ao cortar a ferrovia Yue-Han (entre Cantão e Hankou). De súbito, a corrente contra-revolucionária varreu todo o Território, ao mesmo tempo que Chang Kai Chek, em conluio com os caudilhos militares, bloqueou Wuhan, capital do Governo do Kuomingtang. Por outro lado, o grupo de Wan Jinwei, dentro do Partido Nacionalista, ficava a aguardar oportunidade para cooperar com as forças inimigas. Foi exactamente nessas circunstâncias que se comemorava o dia dez de Outubro, que o poeta utilizou como pano de fundo dos poemas. Eis porque o marido, representado nos poemas "Despedida", "Expedição" e "Marcha Nocturna", foi para a "frente de guerra"! Eis a realidade da história que o jovem poeta figurou na sua Antologia de Poemas Modernos.

Liang Peiyun e Zhao Puchu. poeta e calígrafo.

A poesia "Dia 10 de Outubro" divide-se em 5 estâncias e 20 linhas. Mesmo sendo um poema curto, em comparação com o diálogo e monólogo usados na "Expedição" e "Marcha Nocturna", este prima pela sua criação poética espectacular. Ao iniciar o poema, o jovem marido que foi para a frente de guerra transformou-se num espectro dum túmulo abandonado: "O vento sinistro selvagem ruge tristemente no Huan Huagang,/ a corrente pálida do rio geme melancolicamente em torno da cidade de Wuhan." Aqui o poeta refere-se ao Huan Huagang (cemitério de mártires) e à cidade de Wuhan, dois locais muito representativos e simbólicos que se relacionam com a Revolução de 1911 e a Expedição ao Norte. Nessa altura o vento sinistro e selvagem ruge tristemente, a corrente pálida do rio geme melancolicamente, os espectros dos mártires pairam, tudo isso a criar um ambiente comovente e melancólico. Eis a situação de 10 de Outubro, "os heróis enterrados nos túmulos em abandono romperam as pesadas portas de suas tumbas", agora "percorrem em fileiras de casa em casa a visitar os aldeões no 10 de Outubro deste ano". Heróis que amavam o povo e a Pátria e lutavam pela salvação do povo e do País, mesmo depois da morte no campo de batalha enfrentaram mais um recontro para sair das tumbas e visitar o povo, a fim de tomarem conhecimento de seus grandes sofrimentos. O poeta passa, a seguir, a desenhar os outros três quadros do poema.

"Nos cantos dos mares, no sopé das montanhas, [oh, reina a solidão, solidão infinita, viúvas e órfãos, oh, fujam, fujam; Da fome e do frio dos pais e irmãos, quem é que [cuida? quem é que cuida? Ouça, as águas do rio choramingam, o vento [selvagem sopra!"

No dia dez de Outubro, resultado dos sacrifícios de inúmeros heróis, o que imensas fileiras de espectros de heróis vêem é um país desolado e o povo em sofrimento. Viúvas e órfãos que os heróis deixaram são refugiados e desabrigados que não têm para onde voltar. Os pais e irmãos estão com fome e frio sem ninguém que os proteja. Diante de tal crueldade, as águas do rio choram e o vento selvagem sopra! Com apenas essas pinceladas, o poeta conseguiu desenhar uma cena da realidade social da velha China. Com versos curtos, o poema toma o estilo de uma ária, destacando seu sentimento doloroso.

"Na vasta planície lobos e tigres correm por [toda a parte, as lavouras e os casebres de palha estão [totalmente inundados; velhos e novos espectros gritam e choram dia e noite, nossos generais têm estado entorpecidos de [coração e surdos de ouvido."

Com as guerras sucessivas entre caudilhos, os lobos e tigres no poder, as lavouras em abandono, o povo em abismos de sofrimentos, os velhos e novos espectros choram dia e noite, toda a velha China mergulha num mundo de miséria. Entretanto, aqueles que originaram tão horrível situação estão surdos e indiferentes! Com os primeiros três versos, o poeta descreve a realidade da camada baixa da velha sociedade chinesa e com o quarto verso, dirige sua lança contra os poderosos que oprimem barbaramente o povo.

"Cidades e capitais mergulham em luzes [coloridas, banquetes em palacetes estão em pleno serviço, generais e nobres mulheres cantam e dançam [alegremente, que lhes importa o vinho delicioso que é feito [com o sangue do povo!"

No dia 10 de Outubro, data em que se celebra a festa nacional, os mortos vêem as cidades e capitais mergulhadas em luzes coloridas, banquetes em palacetes em pleno serviço e generais e nobres mulheres. Eles estão a cantar e a dançar alegremente. Eis o retrato da alta sociedade chinesa que vivia perdulariamente. Aqui o poeta também desenha nos primeiros três versos o quadro sobre a vida da corrupta alta sociedade da velha China, enquanto, no quarto, enfatiza que o vinho delicioso é feito com o sangue do povo.

No fim do poema "Dia 10 de Outubro", os mortos deixam o mundo humano e voltam para suas tumbas, "cerrando a porta pesada das tumbas" —já não querem visitar mais ninguém, pois a realidade continua a ser a mesma: "o vento sinistro e selvagem ruge triste no Huan Huagang,/ a corrente pálida do rio geme melancolicamente em tomo da cidade de Wuhan".

Como já analizado acima, as cores dos panos de fundo das Poesias de Xue Lu, da criação poética clássica de Liang Peiyun passam de "sombrias" a "claras", a fim de retratar a realidade do desenvolvimento histórico da China do século xx. Porém, ao contrário da trilogia, na Antologia de Poemas Modernos, escrita na juventude, a tetralogia é desenhada com cores da época, que passam de "claras" a "sombrias" — os primeiros três demonstram os ideais, a busca e o entusiasmo; no "Dia 10 de Outubro", as cores são muito sombrias, pois ele evidencia uma realidade social em que "os relâmpagos e trovões varrem mil aldeias, os espectros cantam diante das dez mil casas abandonadas", reflectindo a atmosfera tenebrosa da velha China, uma fase histórica cheia de reviravoltas. Nas Poesias de Xue Lu, os poemas, tanto modernos como clássicos, são bem estruturados, vividos, comoventes e sentimentais, ao mesmo tempo combinam neles paisagens, imaginação e figuras humanas, os efeitos sentimentais, racionais, ilusórios e poéticos, além de uma linguagem poética extraordinária. Por outro lado, nas Poesias de Xue Lu, o poeta usou diversificados métodos de criação poética — românticos, realistas e modernistas. Por exemplo, na Antologia de Poemas Modernos, além de realistas e românticos, se destacam elementos modernistas pelo recurso aos jogos de consciência e à fantasia. A "Despedida" é realista, enquanto a "Expedição" e a "Marcha Nocturna" são de tendência romântica e modernista; e a poesia "Dia 10 de Outubro" é realista e modernista. Mas a criação poética do "Dia 10 de Outubro" é fantástica, onde filas e filas de espectros rompem as portas das tumbas, saem das tumbas e chegam ao mundo dos vivos e visitam os homens. Contudo, depois dessa "incursão no mundo dos vivos", regressam angustiados e indignados a suas tumbas, fechando as portas atrás de si. Ao ler este poema espectacular, pareceu-me estar a ler as famosas poesias fantásticas, como "Liao Zhai Zhi Yi" (Histórias Estranhas na Sala de Conversas), de Pu Songling, "Sonata de Espectros", de Hohan August Strindberg, e o Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte, gozando da beleza poética no mundo de espectros.

Das obras clássicas até às modernas do livro Poesias de Xue Lu, quanto mais se estudam, maior interesse há em estudá-las. A criação poética de Liang Peiyun caracteriza-se pela sua maneira criativa, pela grandeza de seu tema, pela diversificação de expressões, sendo assim comovente e impressionante. Mesmo assim, a linguagem é de grande simplicidade, naturalidade e frescura, que encarna emoções e sentimentos. Ele recorreu à arte poética muito diversificada, valendo-se das paisagens "correspodentes" para descrever sentimentos e emoções, além de introduzir os próprios sentimentos, sendo por isso obras extremamente representativas e transcendentais. É por isso que o mestre Liang subiu ao palco poético dos eruditos chineses.

Tradução do original chinês por

Yu Huijuan; revisão de Raul Gaião.

NOTAS

1. Ver LING Jianming, Poetisa Tong Yingzhen: In Memorian, Jiangsu, Literatura e Arte, 1991, p. 223.

2. Transcrito da revista "Cultura de Quannan", (2) 1994, p. 30.

3. YI Dai, Aspirante da Luz: Liang Peiyun, "Cultura de Quannan", (2) 1994.

. TCHERNICHEVSKI, Gavrilovitch, Críticas às Concepções da Estética Moderna.

. MAO Zedong, Obras Escolhidas, p. 1153.

* Professor assistente na Universidade Nacional dos Chineses do Ultramar, de Fuquiém, crítico literário e escritor. Publicou Ensaios sobre Imagens Artísticas e O Mundo Artístico de O. Henry.

desde a p. 115
até a p.