Linguística

Os patos mandarins

Ramón Lay Mazo*

Conta-se que um velho e rico mandarim tinha uma filha muito formosa, de nome Li-Chi. Embora tivesse já chegado à idade de contrair matrimónio, a jovem estava ainda solteira, porque o pai, determinado em casá-la apenas com um rico e poderoso senhor, tinha dificuldade em encontrar-lhe um digno pretendente.

Mas, do que o mandarim menos suspeitava, nas suas preocupações casamenteiras, era que a jovem Li-Chi tinha já elegido aquele que desejava para marido: ela amava Chang, bom e atraente jovem que trabalhava como secretário de seu pai. Ele vivia numa humilde casa, separada dos jardins da senhorial residência por um arco de ponte, lançado sobre um aprazível mas fundo rio.

Como se amavam apaixonadamente, o jovem resolveu solicitar a mão de Li-Chi ao mandarim; mas não só a sua petição foi duramente repelida, como foi imediatamente despedido do seu emprego. Acto contínuo, o mandarim iniciou diligências para consorciar a filha com Ta-Hin, rico proprietário que se apresentara como pretendente. Isto mesmo comunicou à filha, cujas lágrimas e rogos debalde tentaram demovê-lo da decisão. Assim, a boda foi aprazada para o dia em que florescesse o pessegueiro que crescia frente à janela dos aposentos da jovem, pois sabia que era a sua árvore preferida.

Desde esse dia, Li-Chi começou a contemplar, com tristeza e receio, o pessegueiro de que antes tanto gostava, desejando que jamais despontassem nele as flores anunciadoras da sua desgraça. No seu desespero, passava todo o dia num terraço que dava para o rio, suspirando e pensando em Chang, que parecia não se lembrar dela. Era impossível que ele não tivesse tido conhecimento da boda; ninguém ignorava o facto, dentro e fora de casa.

Ora, uma tarde em que contemplava, sonhadora, o rio, enxergou uma calota de coco com uma pequena vela branca que deslizava sobre as águas mansas, avançando lentamente na direcção do seu terraço. Com um pressentimento, correu à margem e, com um ramito, puxou a si a frágil embarcação.

No interior encontrou um pequeno rolo de papel e a mensagem que ele continha encheu-a de alegria e emoção: era de Chang!

Com profunda tristeza, ele lamentava-se de que quando florescesse o pessegueiro ela se iria, para sempre, do seu lado. E timidamente lhe sugeria que, se queria casar-se com ele, não tinham outra alternativa senão fugir.

Alvoroçada, a jovem correu a res-ponder ao seu amado. Arrancou uma plaquinha de marfim que adornava o seu vestido e rapidamente pincelou nela a sua resposta: que mal florescesse o pessegueiro estaria disposta a segui-lo para onde quisesse. Depositou-a no mesmo, improvisado, barquito, e deixou-se ficar a vê-lo partir em direcção à outra margem, esperançada de que chegasse às mãos de Chang.

Mas... os dias iam passando sem que tivesse notícias dele. As suas esperanças iam emurchecendo ao mesmo tempo que os ramos da árvore se iam cobrindo de botões, dizendo-lhe que a data se aproximava. Por fim, certa manhã, ao levantar-se e assomando à janela, viu cheia de angústia que os botões tinham desabrochado. Chegara o momento fatídico. Então, o pai mandou-a chamar, e ordenou-lhe que se preparasse para partir no dia seguinte para a casa do seu prometido, onde se celebrariam os esponsais perante o altar dos antepassados do noivo.

Boa filha, Li-Chi inclinou-se silenciosamente ante a vontade paterna e recolheu aos seus aposentos com os olhos cheios de lágrimas. Assim permaneceu vigilante e chorando toda a noite. Pela alvorada, pentearam-na, vestiram-lhe uma lindíssima cabaia de seda vermelha com duas fénix bordadas e calçou uns delicados sapatitos bordados, que deram aos seus pés a delicadeza de dois "lírios doirados".

Enquanto as criadas corriam de um lado para o outro aprestando o enxoval, de repente abriu-se a porta do aposento onde se encontrava Li-Chi com a sua fiel ama, e surgiu um mendigo coberto de andrajos, mesclados com remendos coloridos.

Os olhos de Li-Chi brilharam de alegria. É que, sob o disfarce, reconhecera Chang! Ele limitou-se a perguntar-lhe se estava disposta a fugir com ele. Li-Chi nem vacilou, e dirigindo-se à ama, pediu-lhe que fosse buscar os seus adereços pessoais. Esta voltou momentos depois, cobrindo-lhe o brilhante trajo de noiva com uma túnica castanha, e entregando a Chang o guarda-jóias de Li-Chi, como era costume a noiva levar quando tinha que viajar para ir casar-se.

E saíram rapidamente, sem que ninguém se apercebesse. A toda a pressa, atravessaram o jardim em direcção à ponte. Por contrariedade, Li-Chi, cujos pés delicados não estavam afeitos a marcha tão violenta, começou a ficar para trás. Chang parou para a exortar, mas os sapatitos da noiva cada vez a faziam claudicar mais. Mesmo assim, estavam já a aproximar-se da ponte, mas corriam tanto que deram nas vistas do velho mandarim. Possesso de terrível cólera, ei-lo que se lhes lança no encalço brandindo um chicote.

Quando o iracundo mandarim se chegou a eles, os dois enamorados olharam-se desesperados e tolhidos pelo terror abraçaram-se no meio da ponte. E no momento em que iam ser flagelados pelo grosso azorrague, lançaram-se, unidos, às águas do rio.

Ora, os benéficos deuses do rio, que tantas vezes tinham recebido oferendas de Chang, ao vê-los cair compadeceram-se dele e transformaram-nos num par de patos mandarins, enquanto o pai, furioso, ia vociferando e fazendo estalar o chicote, impotente ante a livre e feliz parelha que, amorosamente unida, ia deslizando pelas mansas águas afastando-se serenamente até desaparecer de vista.

Esta lenda termina dizendo que, graças a esta metamorfose, em que a doce Li-Chi se transformou numa pequena pata de humilde cor castanha e o seu fiel Chang num pato de vivas e variadas cores - o par de amantes alcançou assim a imortalidade.

(Traduzido do espanhol)

* Viveu 30 anos na China e 12 em Macau. Sinólogo, com vários ensaios e traduções publicadas.

desde a p. 83
até a p.