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O desenvolvimento do comércio externo de Macau na dinastia Meng

Huang Qichen* e Deng Kaisong**

INÍCIO E CRESCIMENTO DO COMÉRCIO EXTERNO DE MACAU

Macau era, antigamente, um dos portos do distrito de Heong Sán (como são hoje, nomeadamente, as cidades de Chông Sán e Zhuhai) e uma pequena povoação piscatória.

Com o desenvolvimento gradual do seu comércio externo, a partir de meados do reinado de Ká-Cheng da dinastia Meng, depressa se tornou o principal porto exterior de Cantão (Guanzhou) e entreposto comercial entre países orientais e ocidentais.

Existiam, então, três linhas marítimas: Macau-Goa Lisboa, Macau-Nagasaki e Macau-Manila-México.

Analisando os movimentos comerciais respectivos, diremos:

Linha Macau-Goa-Lisboa

Tendo os portugueses conquistado Goa, na Índia, em 1510, arrendaram Macau no 32° ano do reinado de Ká-Cheng (1553).

Assim, Portugal estabeleceu o comércio entre Macau e Goa e assim, através de Goa, o alargou até Lisboa e outros países Europeus.

Os comerciantes portugueses utilizavam grandes naus para percorrer essa rota marítima; cada nau carregava 600 a 1600 toneladas de mercadorias e 500 a 600 pessoas. Transportavam, então, muitas mercadorias ricas da China (via Macau e Goa), para Lisboa - e daí para a Europa.

Os artigos chineses exportados de Macau para Goa, incluíam: seda crua, seda fina, cetim, ouro, cobre, almíscar, mercúrio, cinábrio, açúcar, plantas medicinais, pulseiras de bronze, cânfora, porcelanas, camas e mesas de laca dourada, tinta-da-china, lençóis, mosquiteiros e colares dourados. A principal mercadoria transaccionada era, porém, a seda crua. De acordo com uma estatística do reinado de Man Lek da dinastia Meng (1580-1590), carregavam-se anualmente três mil picos (cada pico valia, aproximadamente, 50 quilos) de sedas cruas de Macau para Goa, no valor de 240 mil taéis de lingotes de prata; em 1635 a seda crua atingiu a quantidade de seis mil picos com o valor de 480 mil taéis de lingotes de prata (1).

Em sentido contrário, os portugueses traziam de Goa para Macau: prata, pimenta, pau-preto, marfim e madeira de sândalo. A prata era, de todas, a principal importação de Macau. Do 13° ao 19° ano do mesmo reinado de Man Lek (1585-1591), entraram em Macau, através de Goa, 900 mil taéis de lingotes de prata (2). Esta prata era originária do Peru e do México, mas não vinha de lá directamente: era levada por espanhóis e portugueses para a Europa, e daí transportada, por Goa, para Macau.

Em 1609, trigésimo sétimo ano do reinado de Man Lek, um comerciante de Madrid, que tinha 25 anos de experiência de exportação e importação com o Extremo Oriente, escrevia: "a prata transportada pelos portugueses de Goa para Macau entrou quase toda na China" (3).

Em 1631, quarto ano de Sôn Cheng (o último reinado da dinastia), os portugueses da Índia foram atacados pelos holandeses. Estes ocuparam Malaca e a sua armada assenhoreou-se das principais vias de navegação entre o Oceano Índico e o Pacífico, e desmantelou todos os transportes entre Macau e Goa, expulsando os portugueses. Então os holandeses alcançaram o controlo do comércio e dos transportes desta região da Ásia. A hegemonia do Pacífico ocidental, que os portugueses detinham, foi assim substituída pela dos holandeses; donde resultou o enfraquecimento das relações comerciais entre Macau e Lisboa.

Linha Macau-Nagasaki

No reinado de Ká Cheng, da dinastia Meng, o governo proibiu a população chinesa de fazer negócios com o Japão, por causa da invasão nipónica que muito prejudicou a China.

Mas os portugueses de Macau não estavam abrangidos por essa proibição e podiam comerciar com os japoneses. Consequentemente, desenvolveu-se o comércio entre Macau e Nagasaki. As mercadorias exportadas eram numerosas: seda branca, chumbo, pau-rosa, ouro, mercúrio, estanho, açúcar, almíscar, plantas medicinais, raiz de alcaçuz, fios e panos de algodão, etc.. Por exemplo, em 1600, um navio português transportou para Nagasaki: 500-600 picos de seda branca, 500 picos de chumbo, 3 a 4 mil taéis de ouro, 150-250 picos de mercúrio, 2 picos de almíscar, 500-600 picos de estanho, 210-270 picos de açúcar, 200-300 picos de fios de algodão, 3000 metros de panos de algodão, 500-600 picos de plantas medicinais, 700 picos de Tai Wong, 150 picos de raiz de alcaçuz e 1700-2000 peças de sedas finas, no valor total de 137.600 taéis em lingotes de prata (4). Destes treze artigos, a seda branca era o artigo de maior valor.

Segundo uma estatística do reinado de Sôn Cheng, os artigos chineses exportados de Macau para Nagasaki tinham, anualmente, o valor de cerca de um milhão de taéis de lingotes de prata (5). Um ano houve em que ultrapassaram os três milhões (6). E continuava a seda branca a ter a parte maior nas exportações; por exemplo, em 1635 (8° ano de Sôn Cheng) foram exportados para Nagasaki 1460 picos de sedas brancas, no valor de 1,47 milhões de taéis de prata (7).

No sentido inverso, a prata era a principal mercadoria que Macau importava de Nagasaki. Em 1586 Chou Yuan Wei escreveu: "O porto do distrito de Heong Sán (Macau) é o ponto-chave dos embarques e desembarques; cada carregamento traz, normalmente, uma fortuna em ouro e outras coisas preciosas, chegando a ser várias dezenas de milhares" (8). Às vezes somente prata, como disse Kwu Yim Mou: "O navio atravessa o oceano (...) vindo do Japão (...) não traz mercadorias, apenas ouro e prata" (9).

De acordo com documentos estrangeiros (não chineses)***, durante 45 anos, desde 1585 a 1630. (13° ano de Man Lek ao 3° de Sôn Cheng), entraram em Macau vindos de Nagasaki 14.899.000 taéis de prata e em média anual 331.088 (10).

Esse dinheiro entrava na China através de Macau e era convertido em mercadorias em Cantão, para regressar a Nagasaki. Assim se desenvolveu o comércio Sino-Japonês por via da linha Macau-Nagasaki, tornando-se muito próspero. No 10°ano de Sôn Cheng (1637), os cristãos japoneses realizaram uma revolta e os jesuítas portugueses foram envolvidos nesse caso. No fim de 1639 a coroa japonesa expulsou todos os portugueses que estavam no Japão (11).

Em 1640 foi publicada uma ordem oficial, proibindo os portugueses de negociar em Nagasaki. Assim o comércio com Macau enfraqueceu; mas não foi suspenso, visto que a ordem imperial japonesa apenas proibia a entrada dos portugueses para fazer negócios, mas não impedia a entrada de outros estrangeiros: chineses e holandeses.

E os chineses eram os preferidos nos negócios em Nagasaki: não só comerciantes, mas também marinheiros chineses eram autorizados a desembarcar e a dedicar-se a actividades comerciais.

De modo que os portugueses utilizaram as facilidades concedidas aos chineses para, secretamente, continuar a negociar com Nagasaki. Por isso não chegou a ser suspenso, durante o último reinado da Dinastia Meng e o começo da Dinastia Cheng, o transporte marítimo entre Macau e Nagasaki.

Linha Macau-Manila-México

Esta era outra das principais rotas marítimas do comércio externo de Macau. Os artigos então transportados para Manila eram: seda crua, tecidos, cerâmica, caldeiros, tachos, ferro, cobre, estanho, mercúrio, açúcar, pó1vora, panos de algodão, salitre, amendoim, castanha, jujuba, almíscar, papéis de cor, carne de porco em conserva, carne salgada, tules, mosquiteiros, alumínio, provisões militares, decorações de flores artificiais, figos, romãs, pêras, laranjas, tinas de louça, cetim, fios de tafetá, balas, tinta-da-china, pérolas, pedras preciosas, safiras, jade, etc..

As quantidades desses artigos eram enormes. Após o 3° ano de Sôn Cheng (1630) o valor anual total das exportações de Macau para Manila foi de cerca de 1,5 milhões de duros espanhóis (12) (equivalentes a um milhão de taéis de prata). A seda crua e os tecidos eram os dois artigos mais importantes.

O Bispo de Manila, Salazar, observou: "Há barcos vindos de Macau, com produtos naturais para fazer comércio (...) Além dos alimentos, a maioria dos artigos são produtos têxteis (cetim preto, lavrado e com fios de ouro e prata) e diversas roupas (acolchoadas****) de algodão (brancas e pretas)" (13).

Antes do reinado de Sôn Cheng, em 1608, o valor das exportações de Macau para Manila foi de 200 mil duros, dos quais 190 mil em produtos têxteis (14), ocupando 95% do valor global.

A partir de 1619, o comércio de produtos têxteis entre Manila e a China foi quase monopolizado pelos portugueses, que tinham grandes lucros nas suas transacções. Em 1635, um inglês que visitou Macau disse que os portugueses lucravam 100% em cada carregamento para Manila (15).

As sedas cruas, depois de aí chegarem, eram concentradas na zona nordeste da Cidade, onde residiam os comerciantes chineses, para revenda. O local era conhecido por "Mercado das Sedas", o que mostra quanto a seda era importante nas transacções entre Macau e Manila.

No sentido contrário, os produtos trazidos de Manila para Macau eram: prata, pau-preto, algodão de primeira, cera, cobalto, etc., do México. A principal mercadoria que entrava em Macau era a prata.

Entre 1587 e 1640 Manila exportou 20,5 milhões de duros de prata para Macau, equivalentes a 68,9% da exportação total de prata, de Manila (16).

No mesmo período, Manila também exportou 29,4 milhões de duros de prata, para a China. O que é de salientar é que essa prata não era filipina mas vinha do Perú e do México. Os espanhóis detinham esse comércio e, através de Manila, faziam a ponte entre Macau e o México.

Os artigos produzidos pelo Império do Meio (China) e transportados das Filipinas para o México eram principalmente: fazendas de seda e cetim, tecidos, josézinhos (*), manteletes, objectos de porcelana e de faiança, leques, canela, objectos de ferro, cobre, almíscar, ouro, cera, diamantes, pedras preciosas, pérolas, tapetes, etc..

A seda e os tecidos eram dois artigos favoritos no negócio Filipino-Mexicano.

Antes do nono ano de reinado de Sôn Cheng (1636), cada nau que navegava para o México transportava 300-500 caixas de produtos têxteis. Uma vez, houve dois barcos que estabeleceram um máximo: um deles levou mil caixas e outro carregou 1200 (17).

A maior parte da seda crua era enviada para as fábricas mexicanas, para ser tecida e, finalmente, vendida no Perú.

Os espanhóis tinham grandes lucros na venda dos tecidos. O lucro líquido andava pelos 100-300%.

No sentido contrário, as mercadorias que se exportavam do México para as Filipinas, no princípio eram: veludo, cetim, fios de tafetá, pano, chapéus, sapatos e meias, feitos na Espanha; vinho, vinagre, azeite, carnes de conserva, pau-preto, uvas secas e panos de sisal feitos na França e na Holanda (18).

Mas o preço dessas mercadorias era muito alto; por isso, foram derrotadas pelos artigos chineses de preço competitivo e de boa qualidade. Gradualmente, já apenas o vinho, o azeite e a prata podiam entrar no mercado filipino; e fundamentalmente era a prata o artigo que os comerciantes de Manila mais importavam.

Durante o período entre 1596 e 1634, o valor da prata importada pelas Filipinas foi de 26.448 mil duros (19).

Contudo, grande quantidade de prata vinha para a China e para Macau, porque os espanhóis compravam artigos chineses em Manila.

A prata que de aí vinha para Macau eram 76,5% da prata mexicana que entrava nas Filipinas naquele período. Tinha o valor aproximado de 20 milhões de duros espanhóis (20). E eram 79% da prata que o Império do Meio (China) comprava. O valor da prata que se vendia aos chineses continentais era superior a 25 milhões de duros espanhóis (21).

Isto indica que a prata mexicana que se exportava para as Filipinas, no fim da Dinastia Meng, era fundamentalmente destinada à China, através de Macau.

Portanto, verificamos que os negócios entre Macau, Manila e o México, nos últimos reinados da dinastia Meng, eram prósperos.

Por todas as indicações acima concluímos que no primeiro século de Macau (a partir de 1553), o comércio externo foi realmente desenvolvido. E é reconhecido como centro comercial internacional e porto intermediário, durante os séculos XVI e XVII. Macau continuou a desenvolver-se de pequena povoação para cidade florescente. Diz um livro histórico chinês: "Altos edifícios em frente uns dos outros (...) A povoação de centenas de casas crescendo até mais de mil!" (22).

Macau atraíu a imigração dos comerciantes chineses e dos investidores estrangeiros, e a população continuou a crescer. De acordo com informações históricas, no 36° ano do reinado de Ká-Cheng (1557) Macau tinha apenas 400 habitantes; em 1563 aumentou até cinco mil, dos quais 4100 eram chineses e 900 portugueses; em 1578 (8° ano do reinado de Man Lek), a população cresceu até cerca de dez mil; e tornou a crescer até mais de 40 mil em 1640, 13° ano do último reinado (Sôn Cheng) da Dinastia Meng (23).

RAZÕES DO DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO EXTERNO DE MACAU

Quais foram as razões por que Macau desenvolveu o seu comércio externo tão rapidamente?

Primeira razão:

A economia feudal chinesa estava bastante desenvolvida desde os meados da Dinastia Meng. Nessa altura, a economia do povo chinês entrou numa nova fase: começou a especialização das indústrias, e deu-se uma inflacção de produtos e da moeda.

Em muitas zonas (principalmente nas províncias costeiras do sueste da China) apareceram algumas indústrias manuais novas; em Jiang Su a manufactura dos tecidos de algodão começou a ser a principal actividade dos habitantes da aldeias e das cidades. Aí se produziram, anualmente, milhares de peças de pano de algodão, que foram exportadas para outras províncias e outros países.

A arte da tecelagem da seda, de Suzhou e Hangzhou (cidades), era bem conhecida há muitos anos, e nessa altura apareceram mais outras pequenas vilas têxteis: Seong Lam, Pok Yuen, Kong Keng, Chan Jak, Seng Jak, etc..

Cada uma dessas povoações tinha de sete a doze mil habitantes, que passavam a vida a trabalhar com a seda, o cetim e o algodão, e tinham uma boa técnica de tecelagem.

Além da província de Jiang Su, os tecidos de Guangdong (Cantão) e de Fujian também eram famosos pela sua boa qualidade. Por outro lado, a indústria da cerâmica era uma outra excelente actividade manufactureira do povo chinês. Os produtos cerâmicos de Jiang Si, Guangdong, Fujian e Zhejiang exportavam-se para o estrangeiro.

O açúcar mascavado e cristalizado, produtos de Guangdong e Sichuan, vendiam-se para o Japão, Filipinas e Java.

Desenvolvendo-se rapidamente a metalurgia em Guangdong e Fujian, as ferragens e produtos metálicos exportavam-se para outros países do mundo.

Ao mesmo tempo, as indústrias de louça, papéis e mobílias estavam a desenvolver-se. A agricultura comercial também se ia desenvolvendo, principalmente através dos alimentos naturais, em Suzhou, Zhejiang, Pequim e Guangdong.

A fruticultura de Guangdong, Sichuan, Hunan e Hupei fazia boas receitas.

A comercialização da agricultura estava extremamente desenvolvida: a pesca, a fruticultura e a plantação da amoreira e da cana-de-açúcar eram as principais produções do delta do Rio das Pérolas. Este, era uma fonte de mercadorias para exportação através de Macau.

Um autor ocidental descrevia assim a situação: "os chineses têm o melhor alimento do mundo, o arroz; a melhor bebida, o chá; e o melhor tecido, o pano de algodão" (24).

Os produtos da China eram bem conhecidos já naquela altura pelos países ocidentais. Os nobres da Espanha exibiam a sua posição social pelos artigos chineses que possuíam.

Houve ainda outros artigos baratos da China que foram bern recebidos pelos índios e negros da America Central. Assim, os produtos chineses contribuiram para alargar os mercados americano, filipino e europeu.

Logo após a descoberta do Novo Continente, o valor do novo espaço não era bern conhecido e a China continuava a ser como que um armazém de mercadorias inesgotável. Derivado desta situação este país pretendia ampliar tanto o mercado interno como o mercado externo a fim de escoar os seus produtos. "Estas mercadorias não representam valor imediato para os seus detentores, mas para quem as adquire têm um valor de utilização, e é portanto necessária a circulação de mercadorias para que nasça a troca de produtos" (25).

Antes de Macau ser o centro do comércio internacional, o Japão e os países asiáticos eram os destinatários da exportação dos produtos chineses, mas a oferta não satisfazia a procura.

Por isso, verificamos que a florescente produção da dinastia Meng contribuiu para o desenvolvimento do Território de Macau.

Segunda razão:

A localização de Macau dava-lhe condições naturais excelentes para se desenvolver.

A península de Macau é banhada pelo mar por três lados. Partindo de Macau para o Nordeste da China podia chegar-se até Shantou, Xiamen (Amoy), Ningbo, Xangai, Qingdao (Tsingtao), Tianjin, Daling e ainda Nagasaki, no Japão; e partindo de Macau para Oeste podia-se ir até Goa, e através do Cabo da Boa Esperança até à Europa. Também se podia chegar às Filipinas indo na direcção do sul. O Sul de Macau era o seu porto, onde se podiam fazer cargas e descargas de mercadorias. Como o mar dá acesso ao delta do Rio das Pérolas, os barcos podiam viajar até Sekei, Jianmang, Fatsán e Guangzhou (Cantão).

Mais para longe, ainda está ligado a outros braços do Rio das Pérolas, formando assim uma rede marítima favorável.

Um memorandum histórico, "Registos de Macau", descrevia Macau como "ligada apenas por um lado ao continente donde provinham os cereais; sendo o restante rodeado de mar, daí que existia uma circulação marítima, muito intensa, dos barcos chineses, que chegavam a Macau com facilidade e que daqui partiam para o mar alto" (26).

Assim as mercadorias chinesas chegavam frequentemente a Macau donde saíam para o estrangeiro e o mesmo sucedia com os produtos estrangeiros que entravam em Macau donde eram posteriormente enviados para todas as zonas da China, tornando Macau num centro de circulação de mercadorias. No livro "Poemas sobre Macau" encontramos a melhor prova daquilo que se disse atrás: "De todos os portos de Cantão, Macau é o mais grandioso" (27).

Antes do desenvolvimento do porto de Hong Kong, Macau com as suas condições privilegiadas de transporte fluvial, promovia o comércio de Macau com o exterior.

Terceira razão:

As actividades dos piratas japoneses também contribuíram alguma coisa para o comércio externo de Macau.

O ilustre professor universitário Tai Yoi Hoi, que é um especialista da história de Macau, considera que os piratas japoneses não eram realmente "piratas", como descreviam os livros de História publicados na época feudal da China. Eram uma espécie de "comerciantes do mar", que procuravam fazer negócios com chineses e asiáticos no mar. Quando não havia proibição de comerciar, esses piratas japoneses eram como comerciantes normais, mas quando o Império do Meio proibia o comércio externo, esses comerciantes transformavam-se então em "piratas do mar" (28).

Os portugueses que, pela primeira vez, navegaram de Macau para o Japão, foram juntos com um famoso pirata chamado Wong Chek, que era conhecido pelo nome de "pirata japonês". Numa localidade japonesa ele "construíu casas de tipo chinês, passando as embarcações comerciais chinesas a frequentá-la assiduamente" (29).

Os Japoneses fazem de Wong Chek o seu agente comercial, graças à sua fama, ele auto-denomina-se "Rei de Anhui" (Anrui na China), pois é nativo de lá. Ele recrutou e chefiou 3 mil japoneses pobres para fazer contrabando ao longo da costa Sueste da China.

Mais tarde foi capturado por um almirante da dinastia Meng em 1557. Apesar disso, os seus partidários continuaram o negócio ao longo da costa nas províncias de Zhejiang, Fujian e Cantão.

Os Portugueses também permitiam a esses piratas fazer negócios em Macau. Dizem que "os fu-lang-ji (portugueses) de Macau... contratam os escravos japoneses para seus lacaios e os marginais como pessoas de confiança" (30). Isto explica a existência no passado de relações entre portugueses e piratas. Na época existiam poucos portugueses residentes em Macau, por isso o comércio entre Macau, Nagasaki, Goa, Manila, era realizado através dos "piratas Japoneses".

Xie Shao Tze disse que também os chineses das províncias de Cantão encaravam o mar como se fosse terra e procuravam os lucros fazendo comércio com os japoneses que consideravam como seus vizinhos (31).

Podemos afirmar que eles deram alguma contribuição para o desenvolvimento do comércio marítimo da China e Macau.

Quarta Razão:

Ao Imperador da dinastia Meng, como senhor feudal, também interessava mais a agricultura do que o comércio. E desencorajava o movimento comercial do Império do Meio com o exterior. Isto era uma política tradicional da China, que vinha de há milhares de anos.

As "leis da grande Dinastia Meng" não permitiam qualquer contacto por via marítima entre a população e os estrangeiros. Apenas Cantão tinha o privilégio de manter o comércio externo. Consequentemente, Macau aproveitou esta vantagem para poder desenvolver o seu comércio com o exterior, juntamente com Cantão.

INFLUÊNCIAS DO DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO EXTERNO DE MACAU

Influência na China

A China estava a iniciar um novo regime económico-social durante este período de desenvolvimento do comércio externo de Macau, concretamente a transitar de uma economia feudal para o capitalismo.

Houve então grande quantidade de prata que entrou na China através de Macau. Aos compradores estrangeiros interessavam os produtos da China. Assim se incrementou a exportação chinesa. Cerca de 140/180 mil peças de pano eram anualmente exportadas para as Filipinas (Manila). Isso estimulou também o cultivo do algodoeiro e a tecelagem do algodão.

Antes de 1342, 50 Kg de arroz não chegavam a custar 1 tael; em 1638 o preço subiu para quase 2 taéis, após 1642 subiu para 2 a 3 taéis; esta situação verificou-se devido à entrada de grande quantidade de prata (32).

Além do arroz, também aumentou muito o preço de outras mercadorias, incluindo vestidos, tecidos, hortaliças, seda, azeite, sal, chá, papéis, etc..

Naquele altura, os cantonenses diziam que os macaenses eram quase todos ricos (33).

O delta do Rio das Pérolas entrou numa nova fase económica, muitas feiras se estabeleceram junto das cidades, vilas e aldeias, transformando-o numa zona rica, onde se concentravam as maiores fortunas do sul da China. Cantão foi-se tornando cada vez mais próspera e chegou a ser a cidade mais florescente da China (34).

A prata foi usada como moeda corrente na China. A dinastia Meng aceitou mesmo o pagamento de impostos em prata. Anteriormente eram pagos em artigos e alimentos.

Influências sobre os países do Sueste Asiático

À medida que se desenvolveu o comércio entre Macau e Manila e outros países do Sueste Asiático, os habitantes desses países conseguiram um maior número de instrumentos chineses modernos para a produção agrícola e a indústria manufactureira, os quais desempenharam um importante papel na mineração, no lavrar de terras incultas e no artesanato. E mais importante do que isto foi o facto de muitos trabalhadores chineses mudarem para estes países dedicando-se ao comércio, agricultura e indústria manufactureira. Segundo os dados estatísticos, em finais da dinastia Meng, emigraram para Luzon***** 30 a 40 mil chineses e para Java, 20 a 30 mil.

Acrescentando a esses números os que emigraram para outros lugares, calcula-se que o número atingiu mais de 100 rail (35). Entre os trabalhadores chineses emigrantes, alguns dedicavam-se à mineração, transformando as montanhas incultas em fontes de riqueza, outros ocupavam-se das plantações, cultivando grande quantidade de pimenteira e de outras plantas industriais, ou canas-de-açúcar para a produção de açúcar, ou arroz, convertendo inúmeras terras incultas em arrozais. Eles levaram a avançada técnica de produção para os países do Sueste Asiático e juntamente com os habitantes locais, transformaram as terras incultas em zonas de economia desenvolvida. Cita-se como exemplo o que aconteceu nas Filipinas: os emigrantes chineses trabalhavam nas manufacturas e no comércio já com uma técnica de produção avançada, e graças a isto a economia das Filipinas levou um incremento mais rápido. John Fayman afirmou: "De facto, os chineses foram os primeiros que transmitiram aos indígenas as noções de trabalho produtivo sobre o comércio e indústria. Foram os primeiros a introduzir nesta Colónia o processo de extracção do açúcar com mós verticais e o fabrico de açúcar em caldeirões através de cozedura" (36).

Ao mesmo tempo, através do desenvolvimento do comércio entre Macau e os países do Sueste Asiático, foram transportados, continuamente, para estes países os produtos chineses de boa qualidade e a baixos preços, prejudicando a economia local. Os habitantes de muitos sítios alteraram gradualmente a estrutura da sua economia nativa que combinava o cultivo coma tecelagem. Toma-se como exemplo o que aconteceu nas Filipinas. Antigamente, fossem chefes ou escravos, todos se dedicavam à tecelagem, sem ser notada a diferença de classes. Mas, desde que os espanhóis começaram o comércio com Macau, "todos os anos vinham da China, pelo menos, 8 navios, e em alguns anos 20 a 30 navios, carregados com tecidos de algodão e seda. Os habitantes do Arquipélago e da província (Punkac Jaya), ao verem os tecidos trazidos pelos chineses, deixaram quase de se ocupar da tecelagem, parando de tecer. Todos passaram a vestir-se corn tecidos chineses" (37). Outras mercadorias foram também transportadas para os países do Sueste Aisático, promovendo, naturalmente, o desenvolvimento das transacções comerciais. Na altura, os comerciantes do Sueste Asiático compraram, em grande quantidade, os produtos locals para fazer negócio coma China, o que ampliou cada vez mais a circulação das mercadorias e o uso das moedas. Muitas zonas começaram a utilizar assiduamente as moedas chinesas feitas de ouro, prata, cobre e estanho. Por exemplo, em Java, "usavam-se nas transacções moedas chinesas de cobre feitas em diversas épocas" (38), e em Palembang, "usa-se no mercado a moeda chinesa de cobre, além dos tecidos" (39).

Influências sobre os países da America

Em finais do século XVI e princípios do século XVII, os países da América eram, na sua maior parte, colónias da Espanha, com uma economia social relativamente atrasada. A indústria manufactureira não era desenvolvida, as roupas e os artigos de uso diário dos Índios e Negros eram importados, na sua maioria, da Espanha. Mas com a abertura da rota marítima comercial Macau-Manila-Acapulco, as mercadorias chinesas eram transportadas continuamente para os diversos países da América, em especial para o México e para o Perú, o que produziu directamente o seguinte efeito: melhorou a vida de muitos Índios e Negros, que passaram a vestir-se com seda chinesa, a qual "era mais usada nas igrejas dos Índios" (40). Nomeadamente, a importação da seda crua da China desempenhou o importante e decisivo papel de abastecedor de matérias primas para a manufactura têxtil da região. Por exemplo, em Puebla do México, a produção da tecelagem dependia da seda crua. Num memorial apresentado ao Rei espanhol, Manfalcon disse: "Se se proibir a importação da seda crua chinesa para o México, os 1400 habitantes que vivem da tecelagem morrerão" (41).

Ao mesmo tempo, a grande importação dos produtos chineses exerceu influências sobre o desenvolvimento da mineração do México. O México pagava as mercadorias chinesas com prata, de modo que uma grande quantidade de prata entrou na China através de Macau, o que estimulou directamente a exploração e a produção das minas mexicanas de prata. Por outro lado, muitas mercadorias chinesas, baratas e resistentes, eram capazes de satisfazer as necessidades principais dos mineiros, fazendo com que as minas de prata conseguissem manter e desenvolver a sua produção.

Influências sobre os países capitalistas da Europa Ocidental

Os finais do século XVI e os princípios do século XVII constituíam precisamente um período em que crescia o modo de produção capitalista nos países ocidentais, os quais aplicaram uma política mercantilista. O chamado "mercantilismo" valorizou, principalmente, o comércio com o exterior. Segundo Karl Marx, o monetarismo e o mercantilismo tomam como fonte única e verdadeira da riqueza ou moeda, o comércio mundial e os sectores especiais do trabalho nacional que têm relação directa com o comércio mundial (42). Portugal arrendou e ocupou Macau, a Espanha invadiu Manila e exerceu na América a dominação colonial durante cerca de cem anos. Eles controlavam as actividades comerciais de Macau-Nagasaki, Macau-Goa-Lisboa, Macau-Manila-México, arrecadando enormes lucros, de cem por cento a centos por cento. Por exemplo, entre 1503 e 1650, só do México, Perú e outras colónias, os espanhóis tiraram 180 855 quilos de ouro e 16 443 560 quilos de prata (43). Imensas riquezas foram levadas para a Metrópole transformando-se em moeda-capital, tornando-se num capital poderoso para o desenvolvimento da economia capitalista desses países. Simultaneamente, eles faziam negócios em Macau, levando para as suas terras não só as mercadorias chinesas, baratas e abundantes, tornando próspero o seu mercado interno, como também a técnica chinesa, que ocupava um lugar avançado no Mundo de então, no que respeita siderurgia, à indústria têxtil, à construção naval e a outros ramos, para que fosse utilizada a aplicada nos seus próprios países, promovendo assim, em grande escala, o desenvolvimento da economia capitalista.

NOTAS

***Nota da Tradução

****Utiliza-se a palavra para designar um tipo de capote de pouca roda, sem mangas e com cabeção.

***** Nome antigo dado as Filipinas.

(1) Boxer, C. R. 1555-1640 "The great ship from Amacon: Annals of Macao and the old Japan trade" Pg. 182.

(2) Idem, ibidem, Pg. 77.

(3) Idem, ibidem, Pg. 195.

(4) Idem, ibidem, Pg. 179-181; "Memorandum of the merchandies wich the great ship of the portuguese usandly take from China to Japan 1600: Christian century", Pg. 109.

(5) Idem, ibidem, Pg. 144.

(6) Idem, ibidem, Pg. 47.

(7) Idem, ibidem, Pg. 153.

(8) Xuanwei, Zhou "Crónica de continuação de Jinglin" Pg. 3.

(9) Yanwu, Gu

"Livro sobre os hens e os mares dos países do mundo", Rolo* 93.

(10) Boxer, C. R.

Idem, ibidem, Pg. 157.

(11) Chang, tien-tse

1934 "Sino-portuguese trade from 1514 to 1644" - Leyden, Pg. 138-77.

(12) Boxer, C. R.

Idem, ibidem, Pg. 169.

(13) Jinge, Chen

1936 "Os chineses nas Filipinas no séc. XVI", Pg. 67.

(14) Hansheng, Quan "Sobre a história da economia chinesa", Vol. I, Pg. 460, Editora Xing Ya (Nova Ásia).

(15) Boxer, C. R.

Idem, ibidem, Pg. 7.

(16) Shine, Wang

1954 "0 desenvolvimento do comércio China-Manila-México em finais da dinastia Meng", in n° 7 da Colecção sobre a Geografia.

(17) Hansheng, Quan

Ob. cit., Pg. 465.

(18) "Documentos históricos sobre as Ilhas Filipinas", Rolo 6, pgs. 50-52; Rolo 10, pg. 12; Rolo 8, pg. 84; Rolo 12, pg. 64; Rolo 27, pg. 199.

(19) "Documentos históricos sobre as Ilhas Filipinas", Rolo 6, pgs. 50-52; Rolo 10, pg. 12; Rolo 8, pg. 84; Rolo 12, pg. 64; Rolo 27, pg. 199.

(20) Shine, Wang

Ibidem.

(21) Shine, Wang

Ibidem.

(22) Tingyuan, Liu

"História do distrito Nanhai", Rolo 12.

(23) Qichen, Huang e Kaisong, Deng

9-6-1985 "Evolução histórica dos habitantes de Macau" in jornal Va Kio.

(24) Remer, C. F. - tradução de Ruji, Qing

1926 "The foreign trade of China" traduzido para a editora Sanlian em 1958.

(25) Marx, Karl

1972 "0 Capital" in "Obras Completas de Karl Marx e Frederic Engels", Vol. XXIII, pág. 103, Editora Popular.

(26) Guangren, Yin e Rulin, Zhang "Registos resumidos de Macau ", Vol. I.

(27) Guangren, Yin e Rulin, Zhang "Registos resumidos de Macau ", Vol. I.

(28) Xiejie "Ocupação de Lu Tai pelos japoneses".

(29) Motomiya, Yasuhiko "História dos transportes sino-japoneses" Vol. II, pg. 304, Editora Comercial.

(30) "Arquivo do Reinado de Shenzong da Dinastia Meng", Rolo 576.

(31) Zhao Zhi, Xie "Livro de cinco partes (Wu Za Zu)", Rolo 4.

(32) 1959 "Registos dos preços da Dinastia Meng", in 1ª edição sobre a "História económica da Dinastia Meng" - Editora Popular da Província Hunan.

(33) Dajun, Qu "Novos comentários sobre Cantão", Rolo 2.

(34) 1959 "Guangzhou"; "Colecção Huang Min ring Shi", Rolo 342; "Memoriais de Guo Gai" Rolo 1 - livros compilados pela Associação de Amizade do Povo Chinês.

(35) Weihua, Zhang

1955 "Breves comentários sobre o comércio externo da Dinastia Meng", pg. 105 - Editora de Estudos e Vida.

(36) Hansheng, Chen 1981 "Documentos históricos da saída dos trabalhadores chineses" Vol. IV, pg. 50 - Editora Chinesa.

(37) "Documentos históricos sobre as Ilhas Filipinas" Rolo 6, pgs. 50-52; Rolo 10, pg. 12; Rolo 8, pg. 84; Rolo 12, pg. 64; Rolo 27, pg. 199.

(38) Guan, Ma "Lugares do mundo", "Java" e "Palembang".

(39) Idem, ibidem.

(40) "Documentos históricos sobre as Ilhas Filipinas", Rolo 6, pgs. 50-52; Rolo 10, pg. 12; Rolo 8, pg. 84; Rolo 12, pg. 64; Rolo 27, pg. 199.

(41) "Documentos históricos sobre as Ilhas Filipinas", Rolo 6, pgs. 50-52; Rolo 10, pg. 12; Rolo 8, pg. 84; Rolo 12, pg. 64; Rolo 27, pg. 199.

(42) Marx, Karl

1972 - "Crítica à política económica" in "Obras Completas de Karl Marx e Frederic Engels", Vol. XIII, pg. 148 - Editora Popular.

(43) Qin, Yang Han

1982 - "A prosperidade e a decadência do comércio marítimo sino-ocidentais entre o séc. XV e o séc. XVII", publ. no n° 5 da Rev. Estudos Históricos.

Rolo é o nome dado aos documentos e livros chineses que estão escritos em longas tiras de papel e enrolados.

*Vice-Reitor da Universidade de Chông Sán (Distrito de Cantão). Investigador da História do Comércio de Macau.

**Vice-Director do Departamento de Ciências Sociais (Guangdong) e investigador da História do Comércio de Macau.

desde a p. 25
até a p.