Pontos de Encontro

OS POETAS CHINESES DE MACAU

Yao Jing Ming*

Os Poetas Chineses de Macau

Existe a ideia de que Macau não é um canto de convocação de poetas, apesar de terem deixado aqui o rasto poetas como Camões, Camilo Pessanha, Wu Li, Wei Yuan, etc. No entanto, Macau parece estar vivendo, causa da evolução sócio-cultural dos últimos anos, a sua época poética de ouro, uma vez que nunca viu nascer tantos poetas como nos últimos vinte anos. Entre estes figuram chineses e portugueses. Porém, compete-me falar aqui dos poetas chineses que são ignorados, na sua maioria, pela comunidade portuguesa.

O aparecimento significativo dos poetas chineses nos últimos vinte anos deve-se aos seguintes factos:

1. Nas décadas de 70 e 80 vieram aqui radicar-se muitos emigrantes chineses, tanto do continente chinês como de países da Ásia do Sudeste, havendo entre eles uma camada intelectual.

2. Com o desenvolvimento económico tornou-se possível a educação mais alargada. Há mais residentes locais que podem estudar em instituições superiores locais ou exteriores que lhes facultam o acesso a graus culturais mais elevados e a diversas vertentes literárias. Para ilustrar isto, basta recordar que uma série de poetas, na sua maioria jovens, foram ou são estudantes universitários.

Tao Kong Liao Desenho sobre papel por Lie Chi Ngok

3. Sob a dinamização e influência dos poetas da geração anterior, muitos jovens são encaminhados para a criação poética, tendo criado um ambiente muito activo e animado neste âmbito. Existe agora uma associação de poetas que, para além da organização frequente de conferências e palestras, publica de vez em quando uma revista poética sob o título "Poesia Contemporânea de Macau", enquanto alguns jornais de língua chinesa, por exemplo, os diários "Ou Mun" e "Va Kio", incluem uma página semanal destinada meramente aos textos literários, sendo a poesia um dos seus principais suportes, facto esse que tem vindo a estimular muito a criação poética local.

Verifica-se nos poetas chineses uma feição multifacetada, quer no tema quer no estilo, ou quer na forma, visto que as experiências vividas por cada um são diferentes. Contudo, podem ser classificados em três famílias: tradicional, modernista e nova geração.

A palavra "tradicional" pode ser entendida em dois sentidos. Por um lado, alguns mantêm-se rigorosamente fiéis às exigências da forma que a poesia clássica chinesa implica, por exemplo, a rigorosa rima, concordância entre os caracteres, etc. Por outro, há os poetas que, apesar da utilização da forma liberal e moderna, revelam o espírito evocativo da poesia clássica. Este grupo de poetas também não recusa uma aprendizagem com o movimento da "Nova Poesia", da década de 20, altura em que muitos jovens poetas, através de uma forma liberal e uma linguagem moderna, trouxeram um vento fresco à poesia chinesa, dominada até esse momento pela forma clássica. Desta família destacam-se Hu Xiao Feng, Yu Du He, Wang Hao Han, Jiang Si Yang, os quais bebem profundamente na fonte da poesia clássica chinesa, prestando muita atenção à combinação harmoniosa entre a sugestão, a imagem, o ritmo e a sonoridade das palavras.

Desenho sobre papel por Lei Chi Ngok Yi Ling

É digno de referir Yu Du He, poeta que percorreu um funesto passado; revela um domínio admirável dos cânones clássicos, seguindo precisamente as exigências rigorosas da poesia tradicional da China. É mesmo como "um preso a dançar na cadeia", pois é muito difícil atingir um nível em que o sentido e a forma tenham um casamento feliz e harmonioso. Porém, o poeta tem conseguido ser menos condicionado pela forma superficial, alcançando em alguns poemas uma elegância impecável. Ele também escreve na forma moderna, sendo caracterizado por um lirismo melancólico. As obras dele em geral pretendem provar como um poeta, tal como ele, vive testemunhando uma experiência que martiriza e dá prazer, persistindo, simultaneamente, em proclamar a força invencível da personalidade humana.

Wang Hao Han, por sua vez, tem absorvido também a espiritualidade da poesia clássica chinesa, tentando traçar, através de uma forma livre e das palavras bem trabalhadas, um espaço pleno de sensibilidade, subtileza e ternura:

Andava eu pela colina do Outono a recolher

os frutos amadurecidos,

quando com a lua recém-banhada tive um

encontro casual.

Os crisântemos murcharam no pátio de quem?

Com as pétalas tombadas cobri o prato do sol

poente.

O poeta digeriu o espírito da poesia das dinastias Tang e Song, pintando-nos um quadro plácido do Outono, sem deixar, no entanto, de imitar mecanicamente os antecessores. A crítica não poupa louvor a este poeta que é considerado um excelente herdeiro da alma da poesia tradicional chinesa.

Hu Xiao Feng, velho poeta dinâmico, costuma, como Feng Gan Yi, fazer poemas na forma clássica, mas também não renuncia à forma moderna. Após uma estadia no estrangeiro e na China, emigrou, nos finais da década, para Macau, tendo a vida errante marcado fortemente a sua obra poética. Nos seguintes versos, o poeta denuncia a melancolia do tempo que passa, com recurso às imagens permanentes da poesia clássica chinesa:

Tu deixaste as marcas de maquilhagem nas

folhas do carvalho,

enquanto eu branqueava os cabelos com as

flores do caniço.

Sem ouvir mais a ave nem o violino,

ficou comigo apenas o sonho arrefecido.

A família modernista constitui o maior suporte da poesia local, integrando uma quantidade significativa de poetas que vieram, na sua maioria, da China e dos países da Ásia do Sudeste para residir aqui nas décadas de 70 e 80. Pode-se concluir que o desenvolvimento da poesia local nos últimos anos se deve muito a este grupo de poetas. Por um lado, eles caracterizam-se por uma busca consciente do reconhecimento do sujeito, revelando a reflexão e intervenção face a uma realidade materialista e absurda, uma história que perturba e um futuro que invade. Esta reflexão e intervenção misturam-se, muitas vezes, com a angústia, perplexidade e sarcasmo. Por outro, abrem mais as portas à peregrinação interior, tentando identificar o rosto da sensibilidade, ora com um lirismo mais implícito, ora com uma ousadia modernista. O realismo e o romantismo, que ao longo de muitos anos eram tão estimulados na China, já deixaram de ser os únicos meios para canalizar o que sentem em relação ao mundo interior e exterior. "A única forma sublime é sem forma. O poeta deve transmitir a sua sensibilidade e personalidade através do exercício de todos os seus sentidos", anuncia Tao Li, um dos poetas mais conceituados deste grupo.

Tao Li

Desenho sobre papel por Lie Chi Ngok

Como poeta, Tao Li tem vivido intensamente a sua vida. Nasceu em Guangdong e emigrou aos sete anos com toda a família para o Vietname, país que deixou, tendo vivido depois sucessivamente na China e Hong Kong, e acabando por fixar-se em Macau. A vida errante, a educação tradicional chinesa e uma influência da poesia francesa imprimiram-lhe um carácter extraordinário. Por um lado, a experiência de um desenraizado parece dificultar-lhe identificar-se com qualquer terra. Por outro, o facto de ser chinês leva-o a comunicar com uma realidade sujeita às vissicitudes do tempo, visando não só partilhar ao máximo uma interioridade intensa, mas também afirmar a verdade de si próprio. Como um poeta que não se cança de apaixonar-se pela poesia clássica e de experimentar os moldes modernistas, tem atravessado várias fases artísticas. Com uma magnífica capacidade de imaginar e inovar, escreveu muitos poemas que marcam fortemente a poesia chinesa local:

Comigo, o vento vagueando

faz-me lembrar o dia ferido pela queda do cavalo

O sul banhado nos raios do sol ainda brilha

e as nuvens voam sulcando os teus cabelos

A memória vazada em mármore

emuldura-me no pensamento um espelho do

mar estrelado.

Desenho sobre papel por Lei Chi Ngok

Outro poeta destacado desta família é Gao Ge. Crítico de arte famoso e bom conhecedor da cultura chinesa, revela-se como um poeta que pretende "renascer pela criação de um espaço surreal". Nota-se na sua poesia uma vivência melancólica e lírica que é reforçada pela grande força imagista, sem perder ao mesmo tempo um sarcasmo com que olha para a vida real à sua volta. Vamos ver um poema dele em que descreve o destino de um amor:

De longe, muito longe

tu olhas para mim

vou então mobilizar todas as ondas

ondas que queimam a noite

ondas que acolhem a tua emoção tremente.

Tu sobes ao céu arcado e frio

a contemplar-me com alma tranquila

junto da janela ausente do sol

ainda de longe, muito longe.

Minhas ondas ficam reduzidas a uma palidez

e tu acabas por habitar o meu fundo do mar

onde se queima arrefecida

a tua sombra límpida.

Merece também uma referência outro poeta cujo pseudónimo é Tao Kong Liao. Veio emigrar para Macau na década de 70 e conheceu, nos seus primeiros anos, uma vida pobre e indigna. Mas, em vez de se perder nas noites solitário como porteiro, ou nos dias suados como construtor, "saltou da fenda estreita da vida", ascendendo a sua sensibilidade para uma ultrapassagem de si próprio. Mostra-se um poeta muito moderno quando anuncia a ruptura com a expressão tradicional. Tenta quebrar, de forma conseguida, a lógica e gramática da língua, para conquistar uma linguagem própria. Enfim, é um poeta que nos surpreende.

Há outros nomes que podem ser classificados nesta família, tais como Han Mu, Yu Wen, Liu Xing Zi, e Wu Guo Chang, que é deputado dinâmico da Assembleia Legislativa.

A nova geração é uma garantia e optimista expectativa do desenvolvimento da poesia. Felizmente, esta geração continua a animar a poesia local. Caracterizando-se principalmente por uma preocupação mais ousada com a vida social e uma reflexão marcada pela crítica e análise, a nova geração vem ao encontro em que se cumpre "a necessidade do Real". Neste grupo destaca-se Wei Ming. É um poeta que revela grande sensibilidade e coragem face à realidade, multas vezes, política, lançando uma crítica aguda e satírica. Pretende explorar os efeitos chocantes mediante a utilização de vocabulário ousado, da imaginação superficialmente absurda e até da estrutura inspiradas no concretismo. Ele descreve assim a relação entre as pessoas:

Olhos para olhos. Olham-se arregalados.

Coração para coração. Espreitam-se fechados.

Ao lado de Wei Ming, há outros nomes, tais como Yi Ling, Wang He, Ling Dun, Ti Ya, entre os quais Yi Ling é uma poeta que também não quer deixar de criticar e satirizar tudo o que é mau na nossa vida quotidiana, mas com uma enorme sensibilidade feminina:

Antes

amar é um risco

tal como a seiva venenosa do oleandro

que habita na ponta dos dedos

é capaz de matar a vida

com uma pequena ferida

Hoje

amar é um hábito

tal como o mestre que tinha provado mil

ervas medicinais

é capaz de anular o veneno.

Com esta imunidade

amar já é uma coisa vacinada.

E Ti Ya também escreveu alguns poemas impecáveis, por exemplo, o seguinte:

Disparou

sem bala alguma

é um tiro

apenas um tiro.

À frente o homem ondulou o corpo

o que caiu

é uma sombra

apenas uma sombra.

Neste sucinto texto, tracei apenas um retrato dos poetas chineses de Macau. Há mais nomes que não foram referidos. Espero poder fazer um trabalho mais largo no futuro.

Wei Ming

Desenho sobre papel por Lie Chi Ngok

* Licenciado em Língua e Cultura Portuguesas pelo Instituto de Línguas Estrangeiras da Universidade de Pequim. Docente da Universidade de Macau.

desde a p. 283
até a p.