Pontos de Encontro

MACAU NA POESIA PORTUGUESA E CHINESA*
Ilustrações de Carlos Marreiros

CHURADELA DI CHACHA

    Adé dos Santos Ferreira 

    Chacha, co estunga frio, 
    Cucús na casa, cháli na riva di ombro, 
    Nom-têm fim di gurunhá. 
    Falá vai, falá vêm, ai qui saiám, 
    Olá tánto ancuza assi bom
    Di nôsso Macau antigo
    Unga trás di ôtro, disparecê. 
    
    Pitisquéra divera sabroso 
    Qui gente na casa fazê, 
    Festa-festa qui têm su chiste, 
    Vida barato, sossegado, 
    Gente capaz tocá, cantá, 
    Tudo azinha aguá vai, 
    Já ficá somente na lembránça. 
    
    "Unga póti di bom perada, 
    Unga pacóti di barba fino, 
    Únde têm?", Chacha priguntá. 
    "Cilicário, gelêa, únde têm? 
    Cabelo di nóiva, genête, 
    Pudim di lête, batatada, 
    Dóci di camalénga, únde têm?"
    
    "Robuçado di ôvo, dóci di chacha, 
    Enténa-pôdre, obrêa, mamún, 
    Bicho-bicho, múchi-múchi. 
    Nata, fula-fula, bají. 
    Conquéra, ladú, saransurábi, 
    Bôlo-mármre, bôlo minino, 
    Quim têm pa fazê?"
    
    "Vai únde achá chilicote, 
    Chilicote-fólia, pastelinha, 
    Pám-rechiado, rolête-mínchi, 
    Bôlo di cambrám, bebinga-rabo, 
    Co um-cento más ancuza, 
    Tudo assi bom comê, 
    Fazê nôs bóca corê babo?"
    
    "Sã, nunca-sã saiám", 
    Chacha falá co voz di chôro, 
    "Olá vazio na casa 
    Nôsso abolô di bôlo co dóci, 
    Pramor di docéra capaz 
    Co merendéro di agora 
    Já lembrá ficá priguiçoso?"
    
    Quarentóra na tempo antigo 
    "Sã quelê bom divertí; 
    Pa tudo vánda olá bôbo 
    Corê rua na trás di tuna, 
    Fazê chiste, sabroso pandegá. 
    Atai-atai olá bôbo ficá asnerám, 
    Bôbo pegá pau cutí ilôtro. 
    
    Casa di gente tai-pán. 
    Co tudo clube qui Macau têm, 
    Unga trás di ôtro dá baile 
    Na semána di entrudo. 
    Quim cantá, quim pulá-dançá; 
    Cavá ravirá co treméndo cea, 
    Torná dançá atê pramicedo. 
    
    Lembrá entrudo, Chacha falá: 
    "Comédia sã nádi faltá. 
    Acunga Chencho di minha pecado, 
    Juntá ráncho co amigo-amigo, 
    Subí palco, papiá chiste; 
    Nho-nhónha enroscá na cadéra, 
    Ri qui xirí... mulá sobrado."
    Masquí paga, na tempo antigo, 
    Sã unga mám pequinino di pataca, 
    Vida barato fazê gente
    Vivo co más pôco consumiçám. 
    Sabe ficá dóna-di-casa, 
    Sapeca sã lôgo chegá
    Pa tudo laia di dispésa. 
    
    Casa pa lugá, cinco-sês pataca, 
    Cuzinhéra, unga-dôs pataca, 
    Lavadéra co apô cartá-águ 
    Nádi más qui unga pataca. 
    Dôs pataca têm luz pa lumiá, 
    Na pôço têm águ pa lavá 
    Na horta rancá fruta comê. 
    
    Vai bazar comprá som
    Co sassénta avo na bolsa, 
    Vêm casa co brêdo, cambrám, 
    Vaca, áde salgado. 
    Si chapá más trinta avo, 
    Pôde comprá pôrco, lombo, 
    Co unga perna di galinha. 
    
    LAMENTAÇÕES DA AVOZINHA
    
    A Avozinha, com este frio, 
    Metida em casa, xale sobre os ombros, 
    Não pára de resmungar. 
    Diz e torna a dizer que é uma pena
    Ver tantas coisas boas
    Da nossa Macau dos tempos idos
    Desaparecer, umas após outras. 
    
    Petiscos deveras apetitosos 
    Que as pessoas em casa faziam, 
    Festas que tinham a sua piada, 
    Vida barata, tranquila, 
    Gente hábil para tocar e cantar, 
    Tudo depressa se sumiu, 
    Ficando apenas na lembrança. 
    
    Pêsse co géma di ôvo di áde, 
    Tau-fu co fula-papaia, 
    Sã comida di gente pobre. 
    Onçôm na casa criá galinha, 
    Sã têm ôvo pa ravirá. 
    Comprá nhame co batata, 
    Nancassá gastá vinte avo. 
    
    Pensám di Chencho reformado 
    Sã sassénta pataca na-más; 
    Su filo Atútu ganhá novénta. 
    Chacha fazê bôlo vendê, 
    Maria costurá pa gente. 
    Pegá tudo sapeca chapá juntado, 
    Ilôtro vivo dizafogado. 
    
    Nom-têm fim di lamuriá, 
    Chacha falá agora têm sapeca, 
    Tamêm nom-têm ancuza bom. 
    Têm caréta, têm casarám, 
    Gente capaz, maquinéta novo, 
    Mâz nom-têm do-dol sabroso 
    Pa nôs ruçá biscoito comê! 
    
    "Um pote de boa perada, 
    Um pacotinho defina barba, 
    Onde se vêem? ", pergunta a Avozinha. 
    "Cilicário, geleia, que é deles? 
    Cabelo de noiva, genete, 
    Pudim de leite, batatada, 
    Doce de abóbora, onde estão? "
    
    "Rebuçado de ovos, calda de chacha, 
    Entena-podre, obreia, mamum, 
    Bicho-bicho, múchi-múchi, 
    Pastéis de nata, fula-fula, bagi, 
    Bolo de coco, ladu, saransorável, 
    Bolo mármore, bolo menino, 
    Quem há aí que os faça?"
    "Onde descobrir chilicote, 
    Massa folhada, pastelinha, 
    Pão-recheado, croquete, 
    Pastéis de camarão, pasta de nabo, 
    E muitas coisas mais, 
    Todas tão deliciosas, 
    Que até nos fazem ficar a apetecer?"
    
    "É ou não é uma lástima ", 
    Pergunta a Avozinha com voz chorosa, 
    "Vermos vazios em nossas casas
    Os ternos para bolos e doces, 
    Por causa das exímias doceiras
    Davam bailes, uns após outros, 
    E os pasteleiros de agora
    Se terem tornado preguiçosos? "
    
    O entrudo nos tempos antigos
    Era fartar-se de divertir; 
    Por toda a parte se viam mascarados 
    A percorrer as ruas atrás da tuna, 
    Gracejando e brincando. 
    Os miúdos chineses diziam palavrões 
    E os mascarados batiam neles com pau. 
    
    As casas de gente graúda
    E todos os clubes que havia em Macau
    Na semana do Carnaval. 
    Uns cantavam, outros dançavam animadamente, 
    E, depois de comerem lauta ceia, 
    Voltavam a dançar até ao amanhecer. 
    
    Lembrando o entrudo, a Avozinha diz:"
    Comédia não podia faltar. 
    O Chencho dos meus pecados, 
    Acompanhado de seus amigalhaços, 
    Subia ao palco para dizer larachas. 
    As madamas, torcendo-se nas cadeiras, 
    Riam até fazer xixi, molhando o sobrado."
    
    Apesar dos ordenados, naqueles tempos, 
    Serem uma míngua de patacas,  
    A vida barata permitia às pessoas 
    Viverem com menos arrelias.  
    Sabendo ser dona-de-casa,  
    O dinheiro havia de chegar
    para todos os tipos de despesas. 
    
    Casa alugada, cinco ou seis patacas; 
    Cozinheira, uma ou duas patacas, 
    Lavadeira e a mulher da água
    Não representavam mais que uma pataca. 
    Com duas patacas se arranjava iluminação, 
    Do poço vinha a água para se lavar, 
    No pomar se arrancavam frutas pzara comer. 
    
    Ia-se às compras no mercado
    Com sessenta avos no bolso. 
    E voltava-se com hortaliça, camarão,     
    Carne de vaca, pato salgado.     
    Acrescentavam-se outros trinta avos, 
    Já se podia comprar porco, costeleta 
    E uma perna de galinha. 
    
    Peixe e gema de ovo de pata, 
    Soja e flor da árvore de papaia
    Eram comida de gente pobre. 
    Em casa criava-se galinha 
    Que ovos havia até se fartar.  
    Para comprar inhame e batata,  
    Não era preciso gastar vinte avos. 
    
    A pensão de reforma do Chencho
    Era apenas sessenta patacas. 
    Seu filho Atútu ganhava noventa, 
    A Avozinha confeccionava bolos para vender, 
    A Maria costurava para ganhar. 
    Com este dinheiro todo, 
    Eles viviam com certo desafogo. 
    Sem fim de lamuriar, 
    A Avozinha diz que dinheiro agora não falta; 
    O que não há são coisas boas. 
    Há casas e casarões, 
    Gente hábil, aparelhos modernos, 
    Mas não há do-dol apetitoso, 
    Para comermos com biscoito. 

GRAVURA ANTIGA DI MACAU

    António M. Couto Viana
    
    Nhonha recebe com chá 
    E sab'roso surang-surave 
    As amigas do bafá, 
    Chacha-chacha nos seus dós, 
    De jeito gentil e grave, 
    Que chegam de riquexós. 
    Nhonha veste um baju leve 
    
    Moldando os limões do peito, 
    A que a mão do nhom se atreve. 
    Não receia as pei-pá-chais: 
    No escurinho do leito, 
    Ambos são risos e ais. 
    
    Nhonha deixa o arrebique 
    Com face de loiça fina. 
    Passo breve, tique-tique, 
    Vai à janela, abre as reixas. 
    E, entre a boa e a má sina, 
    Diz amores e escuta queixas. 
    
    Nhonha compõe a saraça, 
    Sentadinha na cadeira, 
    Toda atenta ao que se passa, 
    Alegre de malinguar, 
    Pés na frescura da esteira 
    Que a bicha cansa a esfregar. 
    
    (Que saudade, esta Macau
    Que eu adivinho feliz, 
    Morando ali ao Lilau, 
    Com respeito, dengue e ardor: 
    Jardim de mulher-raiz 
    Com chiste de mulher-flor.)
    GLOSSÁRIO
    
    Arrebique — toucador
    Bafá — antigo jogo de cartas chinesas de Macau
    Baju — blusa de pano fino
    Bicha — criada ou escrava 
    Chacha-chacha — mulheres velhas 
    Dó — manto ou mantilha preta
    Malinguar —fazer má-língua 
    Mulher-flor — prostituta
    Nhom —filho de europeu e de filha da terra
    Nhonha — senhora filha da terra
    Pei-pá-chai — cantadeira profissional
    Saraça —pano de seda estampada que servia
    de saia Surang-surave — doce típico de Macau 

FOLHAS DE LÓTUS

    Maria Ana Acciaioli Tamagnini
    
    Sobre folhas de lótus escrevi 
    As letras do teu nome, meu amor, 
    Naquelas folhas que a sorrir colhi
    Ao debruçar-me sobre o lago em flor. 
    
    Sobre folhas de lótus desenhei 
    O mais risonho trecho da cidade; 
    E esse leve desenho que tracei 
    Dir-se-ía uma paisagem feita em jade. 
    
    O teu nome mais belo se fizera
    No relevo das letras bem gravadas. 
    A paisagem lembrava Primavera 
    Sobre o verde das folhas espalmadas. 
    
    Apertei-as de encontro ao coração. 
    Senti meu peito como flor a abrir... 
    E todo o Oriente feérico e pagão, 
    Sobre folhas de lótus vi surgir. 
    
    Ah! Se eu pudesse, como outrora, ao luar, 
    Por esses lagos nos jardins dispersos, 
    Ir as folhas de lótus apanhar 
    Para sobre elas escrever meus versos, 
    
    Essas folhas de estranha singeleza
    Dariam à poesia outro valor, 
    E eu realizava um sonho de beleza: 
    Um livro cheio de perfume e cor. 

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

    Camilo Pessanha
    
    Só, incessante, um som de flauta chora, 
    Viúva, grácil, na escuridão tranquila, 
    — Perdida voz que de entre as mais se exila, 
    — Festões de som dissimulando a hora. 
    
    Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
    E os lábios, branca, do carmim desflora... 
    Só, incessante, um som de flauta chora, 
    Viúva, grácil, na escuridão tranquila. 
    
    E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, 
    Cauta, detém. Só modulada trila 
    A flauta flébil... Quem há-de remi-la? 
    Quem sabe a dor que sem razão deplora? 
    
    Só, incessante, um som de flauta chora... 

ALTO CONTRASTE

    Alberto Estima de Oliveira
    
    o início do diálogo
    será como o Outono
    igual ao tempo seco
    ameno, próprio para descer à rua
    e estontear pelos locais
    onde se movem
    os restos do bazar
    
    conversa estranha por dentro do silêncio 
    dos sons reconvertidos das vielas
    
    pergunto-me ao chegar, se alguma vez cheguei 
    como seria a vida que se dizia calma 
    neste minúsculo resto do corpo da cidade    
    
    vou desfiando o espaço que ainda sobra 
    num rosário de rostos e serviços 
    nas tendas e nas esquinas aninhados
    
    retenho os verdes expostos nas bancadas 
    separo vermelhos amarelos e outras cores 
    e vou pintando os muros desolados
    
    saúdo com sorrisos quem comigo cruza 
    e me conhece. pergunto às sombras 
    dos vultos imprecisos, coisas antigas 
    memórias das janelas
    
    dos nomes pouco ou nada me recordam 
    reais ou anónimos os vivos os transportam
    
    dos longos cabelos e das tranças 
    tenho uma vaga ideia a que acrescento 
    os olhos submersos em destinos
    
    das mãos feitas de cera e madrugada 
    recolho a dádiva
    
    do corpo que não vejo mas pressinto 
    ocultam-se as colinas as encostas 
    vales e bosques da terra mãe chorada

    dos detritos imundos e dos restos esqueço-me
    [não vejo] 
    porque o céu sobre os telhados é azul 
    e o sol é uma festa

ORAÇÃO À SERENIDADE

    António Correia
    
    Vem, serenidade! 
    Traz um manto de luar, 
    salpicado de estrelas
    e afaga meu coração, 
    que tem febre de vê-las, 
    mais perto da gente
    aflita, 
    sem lar
    e sem pão, 
    na cidade do homem-bicho, 
    bebendo angústias, 
    em farrapos de nuvens, 
    presos ao chão. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Limpa a minha mente 
    de todo o capricho, 
    das coisas banais
    e da dor infinita 
    da ansiedade; 
    fala-me de altas montanhas 
    e dos pastores de ovelhas 
    que por lá moram, 
    sem pressas nem medos, 
    não desejando mais 
    do que elas lhes dão 
    e os frutos silvestres, 
    uma flauta, um cajado, 
    uma cabana e um cão. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Dá-me, sem sombras nenhumas, 
    a luz que me empreste
    a visão e a sanha
    de rasgar chuvas e brumas
    com meus próprios dedos. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Alerta-me os sentidos 
    com a brisa do bambual 
    e um som de asa, 
    a bater ao de leve, 
    nos meus ouvidos; 
    põe, dentro de mim, 
    uma ideia que me enleve 
    na imensidão do céu, 
    para que possa ser eu 
    o destino final 
    do ciciar da ternura. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Pinta, no meu olhar, 
    os sonhos da lonjura, 
    num dia sem névoa; 
    enche-o das cores 
    das manhãs floridas, 
    para que se diluam, 
    na harmonia do espaço, 
    onde flutua
    a quietude do tempo. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Liberta o meu espírito
    para que ele não pense, 
    não se torture, nem se alegre, 
    mas veja, sem disfarce, 
    a natureza íntima
    de cada gesto e cada coisa. 
    
    Vem, serenidade! 
    
    Faz de mim espelho
    onde repouse
    e se condense 
    e límpida claridade
    da tua face, 
    serenidade! 

PESSOA

    Fernando Sales Lopes
    
    O que sentirias tu, ou vocês? 
    Por esta China misteriosa 
    Envolta em fumos mensageiros 
    E hexagramas com que adivinha 
    A constante descoberta de si. 
    
    Que impenetrável monge serias tu? 
    Ou que usurários, servos, mandarins
    seria cada um de ti? 
    Que visões terríveis te dariam
    Os Flora alquimista de Buda, Tao, Confúcio
    
    Que Fung-soi vos libertaria 
    Do mundo das idades sombrias 
    E te revelaria o futuro 
    O saber. A verdade. O arquitecto 
    Que longe nunca encontraram. 

O PASSO DO VAGABUNDO

    Fernanda Dias
    
    O Sol desamarrou as rendas do bambu
    no saibro meticuloso. 
    
    Os velhos limpos jogam damas
    debaixo das grandes ficus
    e na orla dos relvados
    raparigas cristãs lêem os livros pios. 
    
    Os donos dos pássaros cativos 
    esperam plácidos, o fim dos recitais. 
    Penso nos seres do ar, em gaiolas ou não: 
    a menos que não tenha nome, 
    tudo o que tem nome em Macau tem dois
    nomes
    e o Jardim de Camões também é o das pombas. 
    
    Múltiplo canto na manhã dormente: 
    urbanas aldeãs de chapéu de bambu 
    e avental de chita varrem as alamedas. 
    
    Apanho coisas caídas
    penas, folhas delidas, bagas
    por vezes inocentes por vezes tenebrosas
    asas de borboletas e avos com verdete. 
    Coisas tão sem destino
    e como eu ausentes; 
    e no entanto, aos céus gritando 
    uma presença frágil
    quase a esvair-se de tão intensa e dura, 
    no eco das manhãs cristal da tarde. 
    
    E enquanto ridentes passam os namorados 
    cai sobre mim o Sol de Maio 
    em argentes estihaços. 

MACAU

Isaura Matos

Princesa enfeitiçada descoberta por uma Nau, foi ela desencantada e com nome de MACAU, pura sempre baptizada.

Moldada em porcelana frágil, sempre menina, no Rio das Pérolas se banha deixou de ser pequenina.

Na água seu corpo se espelha movendo-se em harpas de jade.

Cabelos, fios de seda brilhando como cetim, mãos de rara beleza lançam cheiros de jasmim.

Aveludados e negros seus olhos dois traços bem desenhados na face cor de marfim, escondendo seus escolhos.

Na dimensão dos seus braços, abertos ao MUNDO inteiro, acolhe-nos em poucos espaços com seu AMOR verdadeiro.

Baloiça na aragem da sorte que a põe a flutuar, servindo-lhe também de suporte para não se afogar.

Cidade do Nome de Deus, que nesta viragem da História não sejas atraiçoada, são profundos votos meus.

Guardo na minha memória a Princesa mais amada e ao partir não digo ADEUS Vai comigo acorrentada.

ESPELHO DA MINH'AVÓ

    Carlos Marreiros
    
    Oespelho biselado
    com moldura de pau preto
    e requinte ornamental chinês. 
    
    Baço pelo tempo, 
    Passo a passo
    em água se tornara. 
    
    O brilho há muito voara, 
    deixando cinzenta 
    a planície espelhada. 
    
    A minh'avó chinesa
    há muito que não me aparecera
    no espelho de mandarim. 
    E com as últimas águas se foi
    com os arrozais
    para nunca mais. 

SILÊNCIO-SOM

    Jorge Arrimar
    
    Silêncio
    no exílio do movimento
    um canto
    dois cantos
    três cantos
    quatro cantos
    do quadrado onde te
    reconheço
    buda de quatro faces
    
    Som
    no auxílio das palavras
    um canto
    dois cantos
    três cantos
    quatro cantos
    do coro onde te
    oiço
    cânone a quatro vozes

PÁTIO DA ETERNA UNIÃO

    João Azeredo
    
    Toponímica vontade
    à hora do sol já não ser
    
    talvez já só reste
    — ou resto —
    quociente liso
    deixado no cinzento do pátio
    pela divisão subitamente angular
    da parede pelo passo
    
    — ou talvez não —
    
    e afinal passe
    União
    ainda molhada de nascer
    Eterna
    até amanhã à hora de outros sóis
    que me não restam
    
    porque pelo meu dividendo 
    já só eu me resto 

TEMPLO

Pedro Ferreira

Até dói a arquitectura de Sim final onde o suor plástico emudece o tempo e a treva, admiradade não haver ainda sol, vive no seu dia, completo de revoluções e terraços puros.

Quando num ralenti ténue lá entramos, velados de ocidente e tentando não parecer um triste império sem fim, retardamos o olhar buscando o socorro das estátuas férteis das dinastias.

Mas de nada vale o ignorado ou o que foi se às mãos não vêm nunca as exactas palavras

[para o silêncio.]

De nada vale o alfabeto das viagens,

[os rosários]

tão pouco lembramos a memória dos infantes, Deram-nos um ventre e nós fizemos filhos de sorte, somos brutos.

No centro há um adro aberto como poros dum

[corpo dourado]

que respira a mãe, a cidade que para o fim se

[retoma e veste]

o rosto de bandeiras que as crianças trazem pela

[mão.]

Dor de despedida, derrota de conventos. Cá fora, ao largo, o rio diz que sempre correu, e as memórias com ele, cartilha do futuro que a um toque sofremos no cheiro e caímos do verde para o vermelho, e da lage huminícula para o guerreiro do estandarte sustenido.

CAMÕES A ORIENTE TRISTE

Josué da Silva

Foste vendaval, crista de onda verde cuspindo sangrenta o desprezo pela vida, quando entre ti, se interpunha a sede de ires à lua, de espada à lida, para dares à Grei a honra que precede o ser primeira e sempre decidida

a soltar nos mares o grito de bravura ao leme de todos os cabos da esperança, que a terra era um sem pão de amargura, um zé-ninguém da dor e sem herança capaz, p'ra dar aos filhos um algo de ternura mesmo conquistado na ponta duma lança.

E seria tu, peão desavindo do poder como cão atirado na lama do sistema, quem na tua taura lira e em teu crer em delírio, ofertava à Mãe suprema a chama e a luz de se reconhecer inteira, no canto universal do teu poema.

Por fim aqui me encontro Insigne Varão nesta gruta tão triste e tão sombria, tentando nela haurir toda a paixão que obriga com que desta pedra fria, se oiça o palpitar de um coração que fez de Portugal, a alma da Poesia.

OPERÁRIA

    Margarida Ribeiro
    
    Parem e olhem para ela 
    Que vos merece atenção 
    Magra como uma gazela 
    Negra que nem um tição. 
    Não é um "ele", é uma "ela" 
    E anda na construção... 
    
    Nunca será capataz 
    O posto está-lhe vedado 
    Mas é sempre ela quem faz 
    O trabalho mais pesado. 
    Magra como uma gazela 
    Negra que nem um tição. 
    Não é um "ele", é uma "ela" 
    E anda na construção. 
    
    Tanto desfaz um valado 
    Como chafurda na lama 
    À noite o corpo cansado 
    Muitas vezes nem tem cama. 
    Magra como uma gazela 
    Negra que nem um tição. 
    Não é um "ele", é uma "ela" 
    E anda na construção. 
    Tem precário vencimento 
    Que dor e tristeza encerra 
    Mas é o único sustento 
    Da família lá na terra. 
    Ela é que os mantém a todos, 
    A todos sem excepção. 
    Não é um "ele", é uma "ela" 
    A fonte do ganha-pão. 
    
    Sonha um dia descansar 
    Ser tai-tai, ou ser senhora, 
    Poder as unhas pintar 
    Mandar os calos embora. 
    Pensa que terão por ela 
    Respeito e muita atenção. 
    Magra que nem uma gazela 
    E branquinha como um pão. 
    
    Para mim e do coração, 
    Deixa que te diga agora, 
    Foram os calos da mão 
    Que te fizeram SENHORA! 

SEM TÍTULO

    Tereza Sena
    
    No Oriente não há crescentes 
    Há um rio recheado de pérolas
    e luzes vermelhas 
    candeias de Buda 
    numa pirâmide de frutas
    
    No Oriente não há crescentes 
    Há um ciclo lunar
    quarto minguante, lua nova e lua cheia
    Há uma palmeira, 
    um telhado metálico 
    e o som da água
    
    No oriente não há crescentes
    Há fábricas de luz
    um jardim
    e as grades da minha janela
    
    Crescentes no Oriente? 
    Só uma vez por mês. 

NO TEATRO D. PEDRO V

Wong Zhao Yong

As danças sucedem-se na antiga colina, rompendo a noite toda;

Festejando o alegre encontro entoam-se canções ao ritmo da melodia.

A luz de dez mil lanternas multicolores, o vinho reflecte a embriaguês em mil taças:

Pisando o tapete vermelho, rodopiam tantas beldades quanto as nuvens.

ESCUTANDO A DAMA ESTRANGEIRA TOCANDO PIANO NO JARDIM DE MACAU

    Wei Yuan
    
    O vento do céu transporta-me à cidade
    [ Atlântica.] 
    Cercada pelo mar do Sul, 
    ei-la, surpreendente, a península de Macau. 
    
    Fantásticas pedras no arvoredo intenso. 
    O jardim, separado por um muro de onda. 
    Os pássaros cantando em estranhos idiomas, 
    as pessoas, no pavilhão, falando várias línguas. 
    
    Os cantos dos pássaros são notas do piano, 
    oriundos, segundo se conta, da filha do Dragão. 
    A dama, de seda levíssima e cabelos como
    [ nuvens,] 
    faz soltar, das vinte cordas, mil efeitos de sons, 
    
    Que parecem chuva miudinha soprando entre
    [ as nuvens,]
    acompanhados o vento e a onda fria, 
    transmitindo a solidão e a amargura 
    por ter deixado a pátria, de longa ausência. 
    
    De repente, ecoam maravilhosas melodias, 
    umas vezes como navios a regressarem ao porto
    [ com vento debolina,] 
    embalados pelas canções dos pássaros entre as 
    [ flores,] 
    e pela alegria dos pescadores em terra; 
    outras vezes como corais que se rompem, ou
    [ como o Rei Dragão,] 
    derramando pérolas pelo chão. 
    
    Depois, o silêncio, 
    a deixar espaço para a imaginação voar. 
    Abraçam-se ao pé   da lanterna, 
    pouco a pouco, o vento e a chuva vindos 
    [ do mar.]
    Subitamente, os mil sons reduzem-se a um
    [ único,]
    como um solitário ganso a voar no céu largo. 
    O mar está tranquilo, e todo o mundo é silêncio, 
    enquanto a Via Láctea surge a Sudeste do 
    [ edifício.]
    
    Ah... 
    quem disse que ficamos separados por uma
    [ imensa distância,]
    se vivemos, de facto, com o mesmo mar e o 
    [ mesmo céu, com a mesma nuvem e a mesma Lua.]
    
    Ao lado da dama, duas crianças, 
    cujos olhos fulgem como as águas do Outono. 
    Encontrei meninos como estes, 
    na terra dos deuses, no meu sonho. 
    Cavalgando as fénix como se fossem cavalos
    [ de bambus.]
    Afasta-se "o mundo das flores dos 
    [ pessegueiros" já há três mil anos.]
    
    Ah... 
    Quantos três mil anos se contam numa vida
    [ humana?]
    O vento do mar que sopra o nosso Ser 
    [ envelhece-nos dia a dia.]

O JARDIM LOU LIM IOK

    Leong Pei Wen
    
    A trilha serpenteia ao longo da lagoa quadrada, 
    Escondida num sítio sossegado, 
    O quiosque encantador ocupa sozinho o lar de
    [ solidão,] 
    Divertindo-se com toda calmaria. 
    Ondula-se fora do Território o Mar imenso, 
    Resta aqui o pequeno logradouro verde no
    [jardim.]
    O bambu húmido e o lótus oscilante exprimem
    [ a mesma voz,] 
    O pinheiro frondoso compete com outras
    [ plantas altas.] 
    Lembro-me da paisagem agradável de Cang
    [ Zhou,] 
    E gosto de comparar a idade com o Jardim. 

MINHA MÃE, VOLTO JÁ

    Deng Jing Bin
    
    Quando as ondas do Mar do Sul tocam as cordas 
    [ da Ponte Macau Taipa,] 
    a Colina da Penha está espalhando a alegria
    [ desta cidade pequena.] 
    Macau voltou a ter alma no seu corpo, graças 
    [ à assinatura]
    da Declaração Conjunta, com a caneta de ouro 
    [ Herói. ]
    Oh, minha mãe, todos os dias dos 400 anos 
    [ fazem sofrer a minha nostalgia,] 
    e hoje já posso dizer do fundo do coração: 
    Minha mãe, volto já! 

O PÔR-DO-SOL

    Feng Qing Cheng
    
    O sonho de ganhar à mesa do jogo
    queimava o céu do pôr-do-sol
    As árvores no dique tinham fechado as
    [ pestanas escuras] 
    quando o apostar barulhento declarou a
    [ insónia da noite]
    
    Cansadas das corridas, as gaivotas 
    deixaram de perseguir o rasto do hydrofoil 
    A retirada da maré
    apanhando nos fojos peixes, caranguejos e 
    [ camarões]
    
    Depois de rodar mais uma vez a roleta
    o sol poente acabou por cair
    no cesto do paciente pescador
    altura em que
    o Pólo Antárctico lançou uma foice radiante e
    [ afiada] 
    fazendo um recorte de Monte Carlo do Oriente 
    no fundo do crepúsculo. 

O TEMPLO DE KUN IAM

    Wei Ming
    
    Os sinos badalavam a meditação budista do
    [ crepúsculo] 
    Sumiam, pouco a pouco, as rezas dos monjes 
    Mergulhei-me então na reflexão depois do
    [ regresso do mar] 
    que ainda estava a banhar na vermelhidão do
    [ sol poente] 
    Nem a tristeza tem horizonte nem o barco tem
    [ destino]
    Enfim, as leis do mundo 
    estão nas duas mãos 
    No silêncio jazem as pétalas caídas 
    e as folhas avermelhadas 
    Foi mesmo no momento em que o pórtico
    [ lançava a sombra] 
    um pirilampo começou a voar 
    ao ritmo da brisa 
    e do pleno Outono
    apagando-se por fim 
    na solidão que reina no templo antigo. 

PAISAGEM DE MACAU

    Gao Ge
    
    Uma fera está agachada na sombra de um castelo 
    cujos olhos são dois faróis a sondar todas as
    [direcções] 
    Um moinho de vento invertido faz lembrar a cruz
    [brilhante]    
    O Século XIX atirou para o Oriente as lanças 
    cujos gumes cruzados reflectem os raios da santa cidade
    
    A ponte de longa vida foi reduzida por entre as tintas
    [de uma pintura chinesa] 
    Esta noite toma-se mais palpável no colo de uma mulher
    [lasciva] 
    A graça do vento marítimo é a ilusão do diamante na ágata
    [negra]
    e as sombras que se movimentam nos raios giratórios 
    mantêm a mínima distância entre si a fim de 
    [disparar]
    
    Passo a passo, a história tem vindo a entrar numa
    [estação mais excitada] 
    A redonda cama eléctrica tenta desgastar os limites
    [da tipologia] 
    O Deus que protege a Plaza Amaral saiu do
    [memorando] 
    ainda numa postura de Dom Quixote 
    e os alcoviteiros, com as lendas do herói, inventam 
    [histórias eróticas]
    
    São histórias que se repetem todas as noites 
    porque nas gaiolas de luxo sempre vive um
    [ambiente sensual] 
    de que os homens sobrevivem com uma sensação
    [amorosa]
    Mas a questão é como manter a eterna erectilidade 
    e como explicar o regime representativo com o 
    [bálsamo da Índia?]
    
    "O jogo moderado dá prazer" é justificação do 
    [público para se divertir]
    "Come-moedas" funcionam ruidosamente para criar 
    [efeitos publicitários]
    Dominó, maior ou pequeno, roleta e bah ka lo 
    [deslumbram os olhos]
    Desde os assaltos dos piratas até os desafios contra 
    [o rei do casino]
    tudo é uma combinação da civilização ocidental e da 
    [sabedoria oriental]
    
    A fome e o sexo são dois eixos da natureza
    Hoje são os novos confucionistas que lideram a moda
    Há quem que se retire da "rede de camarões"
    Há quem finja "o porco a devorar o tigre"
    Há quem apanhe "a galinha de patas amarelas"
    Há quem se torne no "caranguejo de outono"
    Aqui se pode provar um vasto leque de
    [especialidades] 
    desde os bolinhos a vapor de Xangai 
    até as pamonhas com carne salgada do Território 
    O gosto tailandês e a delícia filipina também fazem água 
    [na boca]
    
    Não importa quem seja o cliente 
    compatriota da Formosa ou frequentador do Japão 
    O que preocupa as raparigas de dança é o câmbio das
    [moedas estrangeiras] 
    e a nostalgia da terra é medida com 
    a diferença entre o dólar de Hong Kong e o da América 
    As meretrizes do Norte já não sabem cantar "Quando o
    [Senhor regressa?"] 
    e as cabaias ignoram o que é o "Tratado de Mong Há"
    Saciar o sexo precisa de explorar a imaginação
    [histórica] 
    No sonho de reencarnação a vida é fantástica e
    [colorida] 
    Reúnem-se os fantasmas dos Quatrocentos 
    junto dos montes da Guia e da Penha 
    Por fim, o castelo reduziu-se a um recorte 
    dentado defendendo o Monte Carlo do Oriente indefenso

A BIBLIOTECA SIR HO TUNG

    Tao Li
    
    No ambiente entretecido pelo pôr-do-sol, chuva
    [ e bruma] 
    subo a escadaria
    na qualidade de um cidadão da colónia 
    Parece que o palpitante coração ainda pode
    [ escutar] 
    uma leitura do texto clássico ou 
    um canto cadenciado da poesia 
    Contudo, fugiram já pela porta trazeira as
    [ tranças e os coletes] 
    Os mandarins, não há mais. 
    
    Uma cidade, mesmo cheia de livros, não resistiu
    [ a nada] 
    e tudo acabou por ser queimado ou despojado 
    por canhões e espingardas 
    A verdade é que desapareceram ao longo das
    [ centenas de anos] 
    não só a tradição encadernada por fios 
    nem um grupo de velhos 
    nem algumas ligaduras para apertar os pés das
    [ nossas avós] 
    Para além da rua, na biblioteca, há quem
    [ comente a chuva e o vento] 
    há quem tenha saído para fora 
    Será talvez Sun Iat Sin. 
    
    Depois, descobri que na estante
    o meu próprio nome
    adormece sobre a desordem de intelectuais
    O nome parece tão desconhecido que
    só é perceptível no espelho do sonho
    De repente, fechada a porta e apagada a luz
    um edifício em estilo ocidental ficou escuro
    tão escuro como a história
    Então apresso-me a procurar a porta
    e conseguir sair para me envolver no anoitecer
    cuja maior parte, no entanto, não me pertence. 

UMA PEQUENA CIDADE LENDÁRIA

    Wang He
    
    Um dragão cinzento, sem gemido, 
    Está deitado, sob ramos de begónia, 
    Tingido de sangue. 
    O seu corpo gigante, 
    Encheu o estreito de Hou Keng, 
    Com a cabeça na colina da Universidade. 
    O Céu sangrento, 
    Cobriu o mar rubro; 
    A alma de quatrocentos anos, 
    Que acabou de ter sua imagem, 
    Teve que ficar afastada, 
    Num canto de Hou Keng, 
    Em hematémese silenciosa. 
    O Rei-Monstro de barbas vermelhas
    E olhos verdes, 
    Tornou-se logo um pequeno diabo: 
    Enquanto um outro descalçado, 
    Passou a ser um sobrenatural. 
    Ao lado da fronteira tenebrosa, 
    Entre o Céu e a Terra, 
    Um tauista não conseguiu
    Ser "Tian Yan Tong", 
    No Morro Oriental. 
    Ele reclamou com a decadência
    Da lei celestial, 
    Que foi embora, 
    para os cinco elementos
    E as seis teorias.    
    Ficou aqui sozinho, 
    O dragão moribundo, 
    Pois ele tem um nome fantástico, 
    — Macau. 

PASSAGEIROS

    Lu Ping Yi
    
    Com o tempo que passou,    
    Diluiu-se. 
    companha-me longa e tortuosamente 
    No silêncio dos caminhos. 
    No jardim, sempre vazio o banco 
    com o sonho decorativo de sombras de bambu. 
    E não é capaz de me responder ao que pergunto, 
    Apenas as aves imaginárias rapidamente 
    [ voaram sugerindo...]
    
    Luzes do sol
    Voltaram do sonho do Império. 
    À tarde, muito silêncio. 
    Senta-se numa praça de um país remoto, 
    Talvez imutável montando no seu cavalo. 
    
    Ainda está com o seu sorriso eterno? 
    À meia-noite, parte já. 
    Mas eu, a certeza que tenho
    Vai-me recordar uma cidadezinha do Nome de
    [ Deus.]
    
    Suas poesias esquecidas 
    Espalhando-se, a brilhar junto das estrelas. 

CONFISSÃO

    Qi Si
    
    Não é importante para mim, 
    Se o negócio é teu ou meu. 
    Tu tens riquezas incalculáveis, 
    Que eu conheço melhor do que tu; 
    Eu estou com toda a ambição, 
    Que tu também deves conhecer bem. 
    Eu tenho os melhores produtos, 
    Feitos com carbono de bissulfato, 
    Ácido sulfúrico, sódio hidróxido
    E silício hidróxido, 
    Ou outros metais pesados
    E resíduos nucleares, 
    Para trocar contigo, 
    As pérolas, ágatas, petróleo, 
    E gazes naturais, 
    Ou diamante, ouro, e prata. 
    Deus não fez nenhum negócio, 
    Com os seus filhos humanos. 
    Agora, eu assino contigo um contrato, 
    Que é mais benéfico do que Deus beneficiou. 
    Queiras ou não, 
    O negócio já foi inaugurado, 
    Até que tudo o que tu tinhas, 
    Passasse para minha mão!]

PEQUENA BIOGRAFIA DO TIO A E

    Zhang Wen Yong
    
    Tio A E, tu estás a coxear por uma longa rua 
    Tímido, ando atrás de ti, de calças dobradas 
    no momento em que as tecelãs avançam rumo
    [ ao coração da cidade ] 
    
    levantando as faixas 
    Estamos destinados a viver um encontro de
    [ aventura ] 
    Estamos a abraçar um desejo afectivo 
    Quero dar-te um cumprimento amável: 
    "Como estás, tio A E?" 
    Tu és tão bravo como o Deus do Mar 
    mas sem nenhum brilho lendário 
    Tu viraste a cabeça 
    deixando-me ver a tua cara com feridas a brilhar
    [ como ] 
    as estrelas da noite fria do Outono. 
    Ninguém chora por ti
    Oh, tio A E
    só eu te respeito como o símbolo da vida
    Não sei quantas chuvas e ventos têm marcado
    [ a tua testa ]
    e percebo perfeitamente o que a tua mulher te
    [ pede três vezes por dia ] 
    Pois, tu nunca consegues romper com as grades
    [ da cidade ] 
    O Sol não sorri por ti 
    A chuva não pára por ti 
    No outro lado da rua há mais uma firma a ser
    [ inaugurada]
    Na assembleia há os deputados que lutam por 
    interesses do povo e aprovaram, como de sempre, 
    o novo decreto-lei para aumentar o salário 
    Tio A E
    O tempo tem sulcado tanto a tua testa 
    que dos meus lábios fechados fluiu uma gota
    [ vermelha de crepúsculo ] 
    Oh, tio A E! 
    Chamo-te mais uma vez do fundo do coração 
    O mundo de fora não te interessa 
    porque o destino que nos apetece é muito longe 
    porque o murmúrio que tu pronuncias é
    [ fascinante como pérolas mas não servem] 
    para comunicar com os outros 
    Mesmo o pescador heróico Santiago foi expulso
    [ do mar pelo tubarão ] 
    O destino da tua terra não é apenas o fim
    [ daquela rua ] 
    Oh, tio A E
    Regressa para casa com o apoio da bengala 
    e conta à tua mulher a história de um coração
    [ melancólico ] 
    e eu rezo por ti com os melhores votos: 
    "Boa viagem!"

VIAJAR PELA NOITE

    Yao Jing Ming
    
    Viajar pela noite
    é medir a imensidão do desejo em insónia
    é recuperar efemeramente as sementes
    [ retardadas ] 
    é remoer os fios do mistério no balanço da
    [ sombra ] 
    é partir em busca de si próprio 
    no espelho da orvalhada. 
    
    Do limiar nunca chegam notícias 
    nem o bico da gaivota traz o canto esperado 
    E o pensamento ainda debruçado à janela 
    insiste em repetir o ciclo da clepsidra 
    
    Enfim, viajar pela noite 
    é prolongar uma espera. 

* I Encontro de Poetas de Macau, realizado na Biblioteca Sir Robert Ho Tung em 10 de Dezembro de 1994, sob o patrocínio do Instituto Cultural de Macau.

desde a p. 261
até a p.