Pontos de Encontro

ANTOLOGIA DA POESIA CHINESA DEQUYUAN(屈原) ATÉ AOS NOSSOS DIAS

Li Ching*

Su Dong Po, ou Su Shi.

PREFÁCIO DE LUÍS FILIPE THOMAZ

Não sei se a nossa História é mais fértil em paradoxos do que a dos demais povos. Um pelo menos conta: foram os Portugueses os primeiros europeus a manter com o Oriente relações contínuas, foi em boa parte através dos Portugueses que a Europa conheceu as civilizações da Ásia Extrema e o nosso país é hoje no Ocidente quiçá aquele em que menos prosperam os estudos orientais. E, no entanto, a presença portuguesa em Macau perdura, ininterrupta, há já mais de quatro séculos...

Seria ocioso tentar formular aqui uma teoria que desse de tal facto cabal explicação; algumas razões há, porém, que facilmente se deixam descortinar. Há-as de vária natureza. Económica, por exemplo: o orientalismo tem sido, nos séculos mais recentes, um luxo dos países ricos, em cujo número se não conta o nosso. Há-as outrossim de carácter antes político-cultural: não se pode por exemplo ignorar que a atmosfera da Contra Reforma lançou, no século XVII, a aura da suspeição em torno de quanto não era averiguadamente cristão e ortodoxo, exactamente no momento em que, levando um pouco mais avante a curiosidade dos humanistas como João de Barros, os Jesuítas começavam a operar um segundo descobrimento, interior e cultural, do Oriente para que Vasco da Gama achara, um século antes, o caminho marítimo.

Esse ambiente, se não fez totalmente abortar in ovo o orientalismo português, contribuiu por certo para o manter confinado a círculos eclesiásticos assaz restritos; e quando, com o naturalismo do Século das Luzes, se esbateu a omnipotência da Inquisição, a época mais criadora da expansão portuguesa passara já há muito; e, do ponto de vista cultural como do da influência económica e política, a Europa mais ao Norte ultrapassara Portugal. Entretanto, a expulsão dos Jesuítas da China, em seguida do próprio Reino e seus domínios, a supressão da Companhia e a expulsão das demais congregações e ordens religiosas, fez morrer entre nós o orientalismo eclesiástico, que tivera há pouco em Frei João de Sousa um digno representante.

Não chegara, entretanto, a tomar corpo um orientalismo laico e universitário, nem se haviam criado nunca instituições capazes de assegurar a continuidade de tais estudos — em particular o das línguas locais, sem cujo conhecimento quedam hermeticamente fechados todos os sectores de expressão oral ou escrita das respectivas culturas. A França tivera desde o século XVIII uma escola real de intérpretes, para os missionários, diplomatas e agentes comerciais da Coroa — escola que através de vicissitudes várias veio a dar no actual Institut National des Langues et Civilisations Orientales. A Itália teve, desde a mesma época, o Instituto Oriental de Nápoles que, como o seu congénere de Paris, ainda vive. Portugal não foi tão longe e por isso os estudos orientais permaneceram entre nós negócio de francos atiradores.

Desde fins do século passado, começos do actual, a criação de cátedras de Sânscrito e Árabe na Faculdade de Letras de Lisboa pareceu significar um começo; mas aparentemente, a sua transferência para a Escola Superior Colonial e Institutos sucedâneos tudo deitou a perder, já que as relegou do foro da ciência pura para o âmbito da política, para o mundo do saber voluntariamente aplicado à conveniência e, portanto, mais que todos sujeito aos desígnios, para não dizer aos caprichos, dos dirigentes políticos.

Nesse aspecto, o ensino do Chinês, que de há uma dezena de anos o Dr. Li Ching vem assegurando na Faculdade de Letras de Lisboa é um bom auspício — e pena é que não só não seja mais lato o apoio que lhe dispensa a própria instituição universitária como mais numerosa a participação nos seus cursos. É sobretudo pena que ao lado do Chinês outras grandes línguas de cultura, como o Sânscrito, aí não sejam ensinadas e que o Árabe vegete timidamente, relegado como o Chinês para a periferia de um ensino radicalmente europocêntrico que não sabe dar às línguas orientais mais que o estatuto marginal de "cursos livres" ou "cadeiras anexas"...

Toda a seara começa com a sementeira; no campo dos estudos orientais, como em muitos outros, a sementeira não pode ser senão um trabalho humilde, discreto e paciente, como o do autor da antologia que agora vem a lume.

Tenho o prazer de ser seu aluno, colega e, o que mais é, amigo de longa data — o que sem dúvida seria por si só razão suficiente para de bom grado aceitar a honra que me quer dar de lhe prefaciar o trabalho. A isto acresce o gosto de poder apresentar ao público obra tão didáctica como a presente.

Num país em que, de facto, falta quase tudo o necessário para o ensino e aprendizagem da língua china — gramáticas, métodos, dicionários — uma obra polivalente como a que temos nas mãos torna-se um tesouro. Nela pode o principiante familiarizar-se com a estrutura da língua chinesa; compreender o mecanismo que preside ao seu sistema de escrita, sistema único que vem sendo, ao longo de quatro milénios já, a chave da continuidade cultural no que é um lugar comum designar por China eterna ou milenária; percorrer, através dos mais representativos dos seus poetas, a sua rica e variada história cultural, indissociável, como todas, da sua história social e política; saborear, finalmente, num português que sem deixar de ser excelente não trai a pincelada impressionista do verso chinês original, o que de melhor, no campo da poesia, o povo chinês produziu ao longo de mais de trinta séculos de civilização com escrita.

Raro é que que numa obra destas dimensões se consiga ensinar tanto. E como, para mais, o que se ensina é o que até aqui entre nós não ensinou ninguém, dobrada razão temos para nos felicitarmos.

Por certo exageraria se fizesse do Dr. Li Ching uma espécie de Vasco da Gama cultural, singrando pelos mares nunca doutrem navegados da poesia china. Outros, como o Pe. Joaquim A. de Jesus Guerra, S. J., o têm recentemente feito, com não menor erudição — embora de uma forma quiçá demasiado pessoal, que inevitavelmente restringe as possibilidades de utilização de tais obras no ensino.

Seja como for, a obra do Dr. Li Ching reata com uma tradição que, a despeito das carências, lacunas e vicissitudes que temos apontadas, é entre nós quatro vezes centenária.

Essa tradição — que por outros fios se prende à dos Franciscanos da Baixa Idade Média e à de alguns viajantes leigos como Marco Polo — desenvolve-se desde os grandes Descobrimentos do século XV. Curiosos de tudo, atentos ao real, assaz abertos à compreensão dos outros povos (a despeito de certos preconceitos, como a atávica aversão ao muçulmano), os nossos viajantes dos séculos XV e XVI ainda hoje encantam pela frescura do seu testemunho, que faz deles fonte de primeira água para a história de muitas populações locais.

Alguns falavam correntemente as línguas dos povos com quem conviveram, como o célebre Duarte Barbosa que, no dizer hiperbólico dos contemporâneos, "falava e escrevia a língua malabar melhor que os próprios malabares". Tomé Pires e Fernão Mendes Pinto sabiam, sem dúvida, pelo menos um pouco de malaio. Se o testemunho de tais autores é relativamente superficial — falam essencialmente do que viram: costumes, comércio, cerimónias, práticas religiosas, dignidades políticas — tal não nos deve admirar: não houvera ainda tempo para penetrar mais fundo nas culturas locais, desbravar textos as mais das vezes ciosamente guardados em manuscritos raros, comparar filosofias que os autores não tinham preparação para entender. Mas, tanto quanto conseguem abranger, o seu ideal é o do verdadeiro humanista, a quem não pode ser estranho o fenómeno humano, em qualquer das suas inúmeras manifestações. Deles se pode dizer com verdade que, sem o conhecerem talvez, puseram em prática o ideal que uns dezoito séculos mais cedo punha Terêncio na boca de uma das suas personagens: Homo sum, humani nihil a me alienum puto.

Este humanismo universal tem sem dúvida a sua expressão mais acabada na obra de João de Barros — continuada com menos brilho mas mais erudição oriental por Diogo do Couto. João de Barros conhecia o árabe e o persa, e de fontes árabes e persas se serviu para a redacção da sua monumental obra que — facto importante, conquanto raras vezes anotado — é a primeira tentativa coerente, se bem que ainda fruste e lacunar, de uma história universal do Homem. Sabe-se que chegou a mandar vir do Oriente um escravo, para lhe traduzir textos chineses — recurso de que a abolição da escravatura privou definitivamente os investigadores, pressionando mais ainda os homens livres a aprender as línguas de outros povos...

Depois vieram os Jesuítas — os primeiros a traduzir Confúcio em latim, textos hindus de sânscrito em vulgar, a Bíblia em chinês e em numerosas outras línguas do Oriente.

Também para eles, educados no naturalismo de Aristóteles, coado por S. Tomás e refinado por Molina, é o homem o fundamento de todas as coisas, a cultura o suporte da religião e assim, em certa medida, o humano base do divino. Por isso, muito mais que orientalistas, os Jesuítas dos séculos XVI e XVII foram humanistas, humanistas de um humanismo alargado, sem fronteiras, porque o que separa Deus dos homens é a transcendência, e na imanência a humanidade é igual. Não foram a bem dizer orientalistas, já que para eles nenhuma civilização — nem a que os criou e em que se criaram, nem a que estudavam e pretendiam transformar — representava um absoluto e, portanto, um campo de estudo exclusivo. Criam que o cristinianismo era uma mensagem universal e, como tal, na linguagem de qualquer cultura podia ser expressa.

Dois mil anos mais atrás, um dos grandes filósofos da velha China, Mício**ou Mo Ti, o apóstolo do amor universal, ensinara que o outro é uma ilusão diabólica: o eu só se realiza plenamente quando se transcende, fundindo-se com o outro pelo amor. Buda, pela mesma época, ensinava na Índia o mesmo, só que numa linguagem diferente e no contexto doutras concepções ontológicas. A sua mensagem concorda, no essencial, com a de Cristo; nem Moisés nem Mafoma a reprovariam — e assim, como outrora tentou explicar aos j apões S. Francisco Xavier, quedam de acordo, quanto a este ponto essencial, todas as grandes religiões da terra.

Para os indivíduos, como para os povos, amar é conhecer; e conhecer o outro é conhecer-se a si, porque é conhecer o Homem.

Para tal desiderato contribui, sem dúvida, a obra de Li Ching que tendes sob os olhos; por isso é, na sua essência, como a de Barros ou a de Ricci, trabalho de humanista.

Li Bo. Ilustraçõ de U Kuok Wang

INTRODUÇÃO

O objectivo desta antologia consiste na divulgação da poesia chinesa junto do leitor de língua portuguesa em geral. Sentimo-la como uma urgente necessidade para que a cultura e a língua chinesas (hoje em voga no Mundo), criem raiz, não só em Portugal e no Brasil, mas também nas Nações Africanas em que o português é a língua oficial. Além disso, destina-se a outras regiões, aquelas onde se estuda o chinês e o português (por exemplo, o caso de Macau).

Nesta obra tentou traduzir-se com a maior fidelidade, do chinês para o português, no que concerne ao significado dos caracteres ou ideogramas.

A concisão extrema da língua poética chinesa torna necessária a adição, na tradução portuguesa, de um certo número de palavras: pronomes, advérbios, conjunções, etc. Sem estas relações lógicas, a frase traduzida consistiria numa justaposição de palavras sem qualquer sentido. O mesmo carácter pode ser utilizado no chinês como substantivo, adjectivo, verbo, etc., variando segundo o contexto.

A língua poética chinesa é uma das mais antigas do Mundo. Não existe uma língua europeia capaz de exprimir adequadamente o sentido subtil da língua poética chinesa, sobretudo no caso dos caracteres ou ideogramas de construção acumulativa de ideias, que datam de há vários milhares de anos.

Por isso se diz, e com razão, que ler um poema traduzido é como ver uma bela mulher através de um véu, ou uma linda paisagem através do nevoeiro... Mas o nosso objectivo é pedagógico e didáctico, e, simultaneamente, movido por um grande interesse no incremento de um intercâmbio cultural que, a não ser recorrendo à tradução, jamais seria atingido. Tentámos fazer o melhor no sentido desse intercâmbio entre os dois Povos —Chinês e Português — para que, um dia, melhor se compreendam e sejam mais fraternos.

Os poemas com caracteres chineses foram extraídos dos livros que se encontram ao nosso alcance. Começámos esta antologia com o poeta do reino Chu (楚), Qu Yuan (屈原), que foi não só um famoso poeta, mas também, pelas preocupações de justiça social, um grande estadista daquela época. Os poemas estão ordenados segundo as datas de nascimento dos autores. Cada um é acompanhado de uma pequena biografia, de um poema em caracteres ou ideogramas chineses, de uma transcrição fonética em pinyin (拼音), de uma tradução palavra a palavra e, finalmente, de uma tradução em português propriamente dito.

Sabe-se que a China possui uma longa tradição da língua escrita. Os mais antigos e conhecidos documentos que nos chegaram, escritos com caracteres ou ideogramas do terceiro e segundo milénios antes da era cristã, foram gravados inicialmente em ossos e escamas. Porém, no decurso da evolução que se seguiu, os caracteres, como é natural, sofreram transformações. Por outro lado, desde o século VIII antes da era cristã, a China dispôs de uma série ininterrupta de anais datados, facto único na história da Humanidade. Estes anais permitem-nos seguir, pelo menos nas suas grandes linhas, as etapas de uma civilização que soube preservar a sua integridade com uma surpreendente obstinação e paciência. É interessante notar que os heróis, isto é, os chefes chineses mais ou menos lendários da alvorada da história, não foram nem militares, nem legisladores, mas sim educadores e sábios. Assim foi porque, neste país geralmente pacífico, o prestígio das letras teve sempre vantagem sobre o das armas.

As narrações dos tempos mais longínquos acerca da invenção da escrita chinesa pelos três imperadores Fu Xi (伏羲), Shen Nong (神农) e Huang Di (黃師) são lendárias. Segundo a tradição, eles teriam estabelecido os fundamentos da civilização chinesa. O primeiro teria criado os trigramas divinatórios; o segundo, os nós das cordinhas e o terceiro teria colaborado na transcrição dos sinais da Natureza. Foi justamente no reinado deste terceiro imperador, Huang Di, que um seu ministro, Cang Jie (倉頡), teria inventado a escrita chinesa tal como a conhecemos... depois de ter estudado os corpos celestes e as suas formações, e os objectos naturais à sua volta, particularmente as pegadas dos pássaros e de outros animais.

Segundo a tradição chinesa, os caracteres ou ideogramas foram divididos em seis categorias denominadas liushu (六书):

1. Pictogramas xiangxing (像形). São caracteres que começaram por ser objectos desenhados, tais como: "sol" (⊙, depois estilizado em 日, pronunciado ri) e "lua"(, estilizado em月, pronunciado yue. )

2. Ideogramas zhishi (指事). São caracteres que indicam esquematicamente ideias, tais como: "um", "dois" e "três" (一二三, pronunciados y i, er, san).

3. Ideogramas compostos huiyi (會意). São caracteres cujo sentido se retira da junção das diversas partes, tais como: "luz" (明, pronunciado ming, formado por "sol" e "lua"); e "ser" (是, pronunciado shi), formado por "sol" (日, pronunciado ri), "debaixo" (下, pronunciado xia) e "homem" (人, pronunciado ren).

4. Ideofonogramas xingsheng (形聲). São caracteres que comportam dois símbolos: um é a "chave" ou "radical" que empresta o sentido ao carácter, e o outro a pronúncia, tais como: "estrela" (星, pronunciado xing), composto por "sol" (日, pronunciado ri) que é a "chave" ou "radical", e "nascer" (生, pronunciado sheng) que dá a pronúncia;"período" (期, pronunciado qi) e composto por "aquele" (其, pronunciado qi) que dá a pronúncia, e "lua" (月, pronunciado yue)que é a "chave" ou "radical". O composto destes dois caracteres, "estrela" e "período" (星期, pronunciados xingqi), significa "semana".

5. Símbolos transferidos zhuanzhu (轉注). São caracteres formados por simetria ou deslocação (transferência), a partir de um carácter existente, por exemplo: "rede" (罔, pronunciado wang), utilizada para apanhar peixes ou animais. Por extensão do sentido primitivo, significa: "malha", "teia de aranha", "tecer em forma de rede", etc.

6. Falsos empréstimos jiajie (假借). São caracteres de noções fonéticas. Um carácter de falso empréstimo é utilizado pelo seu valor fonético, se bem que representasse, na origem, uma palavra diferente, homófona. Por exemplo:"vir" (來, pronunciado lai) foi, inicialmente, um carácter pictográfico para a palavra que dá o nome a "uma espécie de grão".

As primeiras quatro categorias baseam-se na composição, e as duas últimas, no emprego dos caracteres.

Porém, o que é um carácter (ou ideograma)? Pode ser uma "chave", uma palavra ou parte de uma palavra, quando um dos elementos a compõe.

Para melhor compreensão, analisemos o seguinte carácter: 寳(pronunciado bao), que significa "tesouro" e é constituído pelas quatro "chaves" ou "radicais" seguintes:

宀(pronunciado mian) "tecto de caverna",

玉(pronunciado yu) "pedra preciosa" ou"jade",

缶(pronunciado fou) "vaso de barro",

貝(pronunciado bei) "concha", "pérola".

Neste caso, o carácter possui quatro morfemas, o primeiro é preso e os outros três são livres. Fou (缶), além de significar "vaso de barro", desempenha também a função fonética do referido carácter.

Sabe-se que, no Mundo, existem quase quarenta sistemas diferentes de transcrever os caracteres ou ideogramas chineses. Nesta antologia, utilizámos o sistema pinyin (拼音 ), "Alfabeto Fonético Chinês",1 cujo uso é o mais corrente, senão o mais válido. Foi aprovado pelo Governo da República Popular da China no ano de 1958, depois de longas discussões e consultas entre os linguistas chineses. Além disso, utilizámos caracteres simplificados.***

A língua oficial, isto é, o falar de Beijing (北京), ou Pequim, compreende quatro tons. Cada carácter da escrita chinesa representa uma única sílaba a que é atribuído certo tom. Uma sílaba pode ser constituída por uma vogal simples, por uma combinação de vogais, por um grupo de consoantes e de vogais, e ainda por um tom. A soma das combinações de iniciais e de finais resulta mais ou menos em quatrocentas e quinze sílabas diferentes. Além disso, o número de sílabas é multiplicado pelos quatro tons utilizados na língua comum ou putonghua (普通话). No entanto, algumas destas sílabas não chegam a ter quatro tons. A existência destes tons constitui a distinção, quer na forma quer no sentido, dos caracteres. Por exemplo:

媽 mā (1. ō tom ou "tom uniforme"), "mãe",

麻 má (2. ō tom ou "tom ascendente"),"cânhamo",

馬 mâ (3. ō tom ou "tom descendente eascendente"), "cavalo",

駡 mà (4. ō tom ou "tom descendente"),"insultar".

A duração dos quatro tons não é idêntica. É necessário assinalar que, de acordo com uma análise recente, o terceiro tom é o mais longo,o primeiro e o segundo são médios e o quarto é o mais breve.

Na escrita chinesa, cada carácter tem uma pronúncia monossilábica, todas as sílabas são significativas e o seu conjunto é inventariável. Os caracteres são constituídos pelas consoantes (iniciais e finais). A maior parte das palavras engloba dois caracteres (dissílabo), cada qual com um poder evocatório.

A gramática chinesa é bastante fluida — não arquitectural — ao contrário de uma língua altamente inflexional como o latim, cujas palavras são tijolos sólidos que se destinam a erguer edifícios complicados constituídos por períodos e por parágrafos. Em chinês, os caracteres são elementos químicos que formam palavras compostas com grande facilidade. A palavra chinesa não pode ser classificada nas partes do discurso: género, caso, etc.; mas é uma unidade móvel que age e reage com outras unidades num fluxo constante. A distinção entre a forma e o sentido, em termos gramaticais, reside apenas no emprego das palavras segundo o contexto. Por exemplo, a palavra shi (師), "mestre", utilizada como substantivo, contém todas as implicações tradicionais de reverência, obediência e afeição; quando se usa como verbo, possui as mesmas implicações mas, ao traduzir-se para português, terão de se construir paráfrases como: "para servir como mestre" ou "para seguir como mestre", etc.

Não é menos interessante mencionar, por exemplo, outro caso extraído dos pronomes pessoais: o pronome wo (我), que significa "eu", pode ser traduzido para português sob várias formas, conforme a função que desempenha na frase. Porém, em chinês, wo (我) denota "eu", "me", "mim", ou até o pronome possesivo ("o meu", "a minha"), cuja distinção se fará ou se determinará de acordo com o contexto.

O mais surpreendente é o paralelismo linguístico, que ocupa na China um lugar de destaque, tanto na literatura como na vida corrente. Testemunhas disso são as sentenças (máximas) paralelas, inscritas nas colunas dos templos ou nas ombreiras das portas das casas ou das lojas, e também os rifões e os provérbios relativos a festas e a práticas religiosas. Sendo o reflexo de uma concepção dualista da vida, a sua existência está ainda ligada à natureza específica dos caracteres ou ideogramas.

Uma vez que os caracteres são monossilábicos e o número de sílabas em chinês, limitado, os casos de homofonia relativamente às palavras simples são frequentes.

Na verdade, a poesia chinesa abunda em metáforas e em imagens simbólicas, se comparada com outras línguas, e é isso o que, em primeiro lugar, desperta a atenção do leitor. Verifica-se também, na língua chinesa corrente, a abundância de expressões metafóricas, mesmo para exprimir ideias abstratas. Uma das causas é a natureza da sua escrita. Cada ideograma é, de certo modo, uma metáfora em potencial.

A poesia chinesa raramente abandonou as suas formas antigas. A época inicial é marcada por duas colecções de cantos que representam dois géneros: o Shi Jing (詩經), "Cânon das Odes", e o Chu Ci (楚辭), "Cantos do País de Chu"(楚). O Shi Jing, datando da primeira metade do primeiro milénio antes da era cristã, é composto por cantos rituais e por cantos populares, numa sociedade já então agrícola. Estes cantos, cujos temas versam os trabalhos do campo, os desgostos da vida, as alegrias do amor, as festas das colheitas e os ritos sacrificiais, impressionam pelo seu ritmo sóbrio e regular. São versos dominados pelo ritmo quaternário.

O Chu Ci surgiu mais tarde, por volta do século IV antes da era cristã, na época dos Reinos Combatentes (403-221 a. C.), na região do rio Iansequião. Permaneceu, mesmo nessa época, à margem da civilização chinesa propriamente dita. Esta poesia é muito diferente da denominada Shi Jing (詩經), não só pelo tema, mas também pela forma. É, essencialmente, um género de poesia lírica. São poemas escritos para serem cantados segundo a estrutura de determinada melodia. Os temas são, na maior parte dos casos, ilusões, imagens simbólicas com as implicações mágicas e eróticas da inspiração elegíaca. Em contrapartida, os versos são de comprimento desigual, geralmente de seis pés, ligados por uma sílaba de medida: xi (兮). Seria sobretudo neste género que, mais tarde, os poetas iriam inspirar-se para exprimir os fantasmas da sua imaginação.

Nesta colecção, uma parte das obras foi atribuída ao poeta Qu Yuan (屈原) e a outra, às imitações deste pelos poetas posteriores. Na época dos Hans (漢, 206 a. C.-220 d. C.), o prosseguimento da tradição do Shi Jing deixou de estar assegurado. Os poetas entregaram-se à composição do fu (賦), "prosa ritmada", e os cantos populares foram reunidos em homenagem ao Yuefu (樂府), "Conservatório de Música", instituído pelo imperador Wu (武), por volta de 120 da era cristã. Este Conservatório tinha por objectivo recolher os cantos populares directamente do povo. Tais cantos, mais espontâneos e livres nas formas e conteúdos, exerceram, por sua vez, uma grande influência nos poetas de então. Assim, a partir da dinastia Han, assistiu-se ao desenvolvimento paralelo de uma poesia popular e de uma poesia erudita, ambas dominadas pelo metro pentassilábico. Mais precisamente durante a época compreendida entre os Três Reinos (220-280), os Jins (晉) orientais e ocidentais (265-420), e as Dinastias do Norte e do Sul (420-581), ao lado de uma poesia popular florescente, várias gerações de poetas produziram obras de grande valor que preparariam o caminho da poesia dos Tangs (唐, 618-907), cujos representantes máximos foram Li Bo (李白) e Du Fu (杜甫). No decurso deste longo período, novas formas se foram desenvolvendo: quadras, poemas heptassi-lábicos, longos poemas narrativos, etc.

Li Yu. Ilustração de U Kuok Wang

Nem todos os poemas citados nesta antologia têm títulos propriamente ditos. Uma parte apenas tem títulos melódicos ou poéticos, frequentes na poesia chinesa.

O poeta, ao compor e uma vez escolhida a melodia, limita-se a obedecer ao ritmo dessa melodia que determinará, de certa forma, as sílabas e a rima de cada verso (isto é, os caracteres ou ideogramas), e as linhas do poema.

Quero, por fim, expressar a minha gratidão aos meus amigos, Dr. Jiang Xian Kang (蔣咸康), antigo correspondente, em Lisboa, do "Diário Guangming" (光明日報), da República Popular da China, e Dr. Chen Qing Yu (陳慶照), actual correspondente do mesmo jornal, que me facultaram uma parte do material vindo da China para que pudesse compor esta antologia.

Um agradecimento especial endereço à minha aluna, Dr.ḁ Cláudia de Nóbrega Moita Quelhas Ribeiro, pela sua colaboração.

Igualmente agradeço à minha mulher que, durante a elaboração deste trabalho, não só contribuiu com sugestões como também com a sua leitura.

Grato também ao Ex-Presidente do Instituto Cultural de Macau, Dr. Jorge Morbey, que proporcionou a publicação da presente Antologia.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>夏

Dinastia

Xia

c. séc. XXI-XVI a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>南北朝

Dinastias

Do

Sul

e do

Norte

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北朝

Dinastias

do

Norte

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北齐

Qi

do

Norte

550-577

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>商

Dinastia

Shang

c. séc. XVI-XI a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>西魏

Wei

Ocidental

535-556

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>周

Dinastia

Zhou

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>西周

Dinastia

Zhou

Ocidental

c.séc.XI-771 a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北周

Zhou

do

Norte

557-581

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>東周

Dinastia

Zhou

Oriental

770-256 a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>隋

Dinastia

Sui

581-618

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>春秋

Período

da

Primavera

e

do

Outono

770-476 a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>唐

Dinastia

Tang

618-907

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>五代

Cinco

Dinastias

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>后梁

Liang

posterior

907-923

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>戰國

Reinos

Combatentes

475-221 a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>后唐

Tang

posterior

923-936

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>秦

Dinas

Qin

221-207 a. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>后晉

Jin

Posterior

936-946

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>漢

Dinastia

Han

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>西漢

Han

Ocidental

206 a.C.-24 d. C.

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>后漢

Han

posterior

947-950

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>東漢

Han

Oriental

25-220

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>后周

Zhou

posterior

951-960

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>三國

Três

Reinos

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>魏

Wei

220-265

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>宋

Dinastia

Song

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北宋

Dinastia

Song

do

Norte

960-1127

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>蜀漢

Shu

Han

221-263

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>南宋

Dinastia

Song

do

Sul

1117-1279

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>吳

Wu

222-280

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>西晉

Dinastia

Jin Ocidental

265-316

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>遼

Dinastia

liao

916-1125

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>東晉

Dinasta

Jin Oriental

317-420

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>金

Dinastia

Jin

1115-1234

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>南北朝

Dinastias

do

Sul

e do

Norte

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>南朝

Dinastias

do

Sul

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>宋

Song

420-479

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>元

Dinastia

Yuan

1271-1368

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>齊

Qi

479-502

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>明

Dinastia

Ming

1368-1644

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>梁

Liang

502-557

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>清

Dinastia

Qing

1644-1911

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>陳

Chen

557-589

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>中華民國

República

da China

1912-1949

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北朝

Dinastias

do

Norte

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>北魏

Wei

Nortenho

386-534

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>中華人民共和國

República

Popular

da

China

1949

style='font-family:宋体;mso-ascii-font-family:"Times New Roman";mso-hansi-font-family:

"Times New Roman"'>東魏

Wei

Oriental

534-550

 

ANTOLOGIA DA POESIA CHINESA
QU YUAN (屈原) — 343?-277 A. C.
© Ilustração por Lei Chi Ngok

Qu Yuan foi ao mesmo tempo um grande poeta e um bom e austero político. Foi fiel ministro e homem de confiança do rei Huai, apresentado à família real Chu no tempo dos Reinos Combatentes (403-221 a. C.). Foi também o primeiro poeta que obteve reconhecimento na história da poesia chinesa. A data do seu nascimento é incerta mas, provavelmente, foi entre 349 e 343 antes da era cristã. Muito jovem, com a idade de vinte anos, participou nas decisões dos assuntos de Estado. Na política interna do país, no reinado de Huai, advogou com competência a colocação de ministros e, na política externa, desenvolveu alianças com o Estado de Qi, contra o poder crescente de Qin. Tal política era do maior interesse para o seu reino, mas prejudicial a certos nobres Chus e ao Estado de Qin. Por essa razão, alguns nobres colaboraram com os mensageiros enviados por Qin, difamaram Qu Yuan e conseguiram desterrá-lo. Esteve exilado no Norte do rio Han e, mais tarde, aos cinquenta anos de idade, no Sul do rio Iansequião. Quando verificou que o seu país estava perto da ruína, não pôde fazer nada para o salvar. Sentiu-se tão desesperado que se afogou norio Miluo, perto do lago de Dongting.

Segundo a tradição, teria morrido no dia cinco do quinto mês do calendário lunar, data em que se comemora a Festa do Barco Dragão, quando se come o famoso pudim triangular de milho ou de arroz. Contudo, o ano exacto da sua morte é desconhecido. Teria sido por volta de 280 porque, em 278 a. C., o exército de Qin assaltou a capital Chu — e é certo que o poeta não podia ter sobrevivido a esta tragédia.

Segue-se um extracto do famoso poema Lisao (Elegia da Separação).

    離騷
    LISAO
    (Separação/elegia)

    已矣哉
    Yi y i zai, 
    (Já/acabar/ah!)

    國無人莫我知兮
    Guo wu ren mo wo zhi xi, 
    (País/não/pessoa/não/eu/saber/ah!)

    又何懷乎故鄉
    You he huai hu guxiang! 
    (Ainda/porquê/pensar/ah!/terra natal)

    既莫足與爲政兮
    Ji mo zu yu wei mei zheng xi
    (Já/não/suficiente/oferecer/fazer/bom/política/ah!)

    吾將從彭咸之承居
    Wu jiang cong Pengxian zhi suo ju! 
    (Eu/no futuro/seguir/Pengxian/de/lugar/residir)

    ELEGIA DA SEPARAÇÃO 

    Acabou-se! 
    Ninguém do país quer saber de mim! 
    Porque penso ainda na minha terra natal? 
    Já é tarde para oferecer os meus serviços para uma governação justa! 
    Seguirei o destino de Pengxian.2
SIMA XIANG RU (司馬相如)—179-117 A. C.
© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Shunjun, Chengdu, no distrito de Shu (actualmente província de Sichuan), na época de Wu Di dos Hans.

Sobre o seu nome conta-se uma anedota: chamava-se Cao (Quanzi), nome dado frequentemente às crianças das aldeias e que ele achava pouco bonito. Por esse motivo mudou-o para Sima Xiang Ru, nome de um herói que ele muito admirava em virtude de, na época dos Reinos Combatentes, ter feito devolver ao Reino de Zhao uma peça de jade.

Começou por desempenhar funções oficiais como mandarim de escalão inferior na corte do imperador Jing dos Hans (Han Jing Di), mas não ficou muito satisfeito com o cargo que mais tarde deixaria, fingindo estar doente. Emigrou então para o Reino de Liang onde, com grande prazer, se acolhiam poetas e letrados.

Após a morte do rei Liang, voltou à sua terra natal, Shunjun. Na festa do prefeito do distrito, a que o poeta participou, encontrou a bonita e rica viúva Zhuo Wen Jun que era, ela também, uma poetisa de talento. Foi amor à primeira vista e Sima Xiang Ru pediu-lhe em casamento, tocando, na sua guitarra, a canção Feng qiu huang (A fénix macho pede em casamento a fénix fêmea). A bonita e rica viúva aceitou o seu amor, e o seu romance é conhecido na China inteira.

    
    FU
    (Prosa Ritmada)

    合綦組以成文
    He qi zu yi chengwen, 
    (Com/autêntico/seda/para/compor-escrito)
    列錦繡而爲質
    Lie jingxiu er wei zhi, 
    (Expor/brocado/e/como/garantia)
    一經一緯
    Yi jing yi wei, 
    (Cada/urdidura/cada/trama)
    一官一商
    Yi guan yi shang, 
    (Cada/mandarim/cada/comerciante)
    此賦之跡也
    Ci fu zhi ji ye. 
    (Esse/prosa ritmada/de/traço/ser)
    賦家之心
    Fu jia zhi xin, 
    (Prosa ritmada/poeta/de/coração)
    苞括宇宙
    Baokuo yuzhou, 
    (Abarcar/universo)
    轂覧人物
    Zong lan renwu, 
    (Tudo/observar/personagem)
    斯乃得之於內
    Si nai de zhi yu nei, 
    (Este/ser/obter/só/desde/interior)
    不可得而傳
    Bu ke de er chuan. 
    (Não/poder/obter/segundo/tradição)

    PROSA RITMADA 

    Com seda autêntica se compõe o poema, 
    E com garantia é exposto o brocado. 
    Cada urdidura, cada trama, 
    Cada mandarim, cada comerciante, 
    Tais os traços da prosa ritmada. 

    O pensamento do poeta de prosa ritmada
    Abarca o universo, 
    Tudo observa nas personagens, 
    Isto só pode ser obtido através do interior, 
    Nunca obtido segundo a tradição. 
ZHUO WEN JUN (卓文君) — C. 200 A. C.
© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Linqiong, na província de Sichuan. Zhuo Wen Jun era filha de Zhuo Wan Sun, um dos homens mais ricos daquela época. Casou com um homem igualmente rico, mas ficou viúva muito jovem. Com a morte do marido, voltou para a casa dos pais onde, num banquete oferecido pelo pai ao prefeito Wang Ji, conheceu o poeta Sima Xiang Ru, hóspede de Wang. Apaixonaram-se, e Zhuo Wen Jun decidiu fugir de casa para se casar com o poeta.

Tomou a firme resolução de seguir o marido até ao fim do mundo, sofrendo a partir de então muitas privações. O pai ficou muito zangado com esta fuga e cortou relações com ela. Vivendo na pobreza com Sima Xiang Ru, esta época foi-lhe muito difícil. Um dia, resolveram voltar para a terra dos pais para poderem sobreviver e tornaram-se vendedores de vinho, numa taberna. Severamente criticado pela falta de compreensão e ajuda, o pai resolveu dar à filha e ao genro uma grande quantia em dinheiro e numerosos criados. Assim o casal tornou-se rico e passou a viver na abundância.

    白頭吟
    BAI TOU YIN
    (Branco/cabelo/lamento)

    皚如山上雪
    Ai ru shan shang xue, 
    (Branco/como/montanha/em cima/neve)
    皎若雲間月
    Jiao ruo yun jian yue, 
    (Brilhante/como/nuvem/entre/lua)
    聞君有兩意
    Wen jun you liang yi, 
    (Ouvir/tu/ter/dois/pensamento)
    故來相決絕
    Gu lai xiang jue jue. 
    (De propósito/vir/mútuo/decidir/separar)
    今日斗酒會
    Jinri dou jiu hui, 
    (Hoje/abundante/vinho/encontrar)
    明旦溝水頭
    Ming dan gou shui tou. 
    (Amanhã/cedo/canal/água/ponta)
    躞蹀御溝上
    Xiedie Yu gou shang, 
    (Andar a pequenos passos/imperial/canal/em cima)
    溝水東西流
    Gou shui dong xi liu. 
    (Canal/água/leste/oeste/correr)
    淒淒復淒淒
    Qi qi fu qi qi, 
    (Triste/triste/novamente/triste/triste)
    嫁娶不須啼
    Jiaqu bu xu qi. 
    (Casamento/não/dever/chorar)
    願得一心人
    Yuan de yixin ren, 
    (Querer/obter/um/coração/homem)
    白頭不相離
    B ai tou bu xiang li. 
    (Branco/cabelo/não/mútuo/separar)
    竹竿何裊裊
    Zhu gan he niaoniao, 
    (Bambu/percha/porque/agitar-agitar)
    魚尾何簁簁
    Yu wei he shaishai. 
    (Peixe/cauda/porque/circundar-circundar)
    男兒重意氣
    Naner zhong yiqi, 
    (Homem/ligar importância/vontade/espírito)
    何用錢刀爲
    He yong qian dao wei? 
    (Porque/usar/dinheiro/faca/fazer)

    LAMENTO DOS CABELOS BRANCOS 

    Brancos como a neve sobre as montanhas, 
    Brilhante como o luar por entre as nuvens. 
    Ouvi dizer que, no coração, tens dois pensamentos, 
    Por este motivo, venho separar-me de ti. 

    Hoje temos vinho abundante, 
    Amanhã, de madrugada, na curva do canal. 
    Caminhando com os passos pesados no canal[ imperial,] 
    As águas do canal correm de leste para oeste. 

    Triste, triste, novamente triste, 
    Não se deve chorar no casamento. 
    Se se deseja obter um homem de coração, 
    Não se separem até branquearem os cabelos. 

    Porque se agitam tanto os bambus? 
    Porque se agita a cauda do peixe? 
    Um homem deve dar importância à sua própria[ vontade,] 
    E porque se submete ao poder do dinheiro? 
WUMINGSHI (無名氏) — C. 100 D. C.?
© Ilustração por Lei Chi Ngok

O poema que se segue é um dos dezanove de uma pequena colectânea de gushi, "antiga poesia", cujos autores são anónimos. São poemas de cinco caracteres em cada linha (verso pentassilábico), que floresceram antes e depois da época de Jianan. Os temas são: desterro, exílio, abandono da mulher, separação do amigo, viver e morrer fora do país natal, sofrimentos que se manifestam constantemente na poesia desta época turbulenta. Cada palavra é oiro, cada poema é obra-prima, que teve enorme influência nos poetas posteriores. Além dos poetas célebres da família Cao da época de Jianan, havia também sete poetas de renome intitulados "Sete Poetas do Período de Jianan" que, com elegância e habilidade, praticaram os "versos pentassilábicos". Como poesia, pode dizer-se que os anónimos são os melhores poemas compostos em "redondilhas menores" na poesia chinesa.

    無名氏
    WUMINGSHI
    (Anónimo)

    行行重行行
    Xing xing chong xing xing, 
    (Andar/andar/de novo/andar/andar)
    與君生别離
    Yu jun sheng bie li. 
    (Com/tu/viver/separar/deixar)
    相去萬餘里
    Xiang qu wan yu li, 
    (Mútuo/ir/10 mil/mais/li)
    各在天一涯
    Ge zai tian yi ya. 
    (Cada/ficar/céu/um/ponta)
    道路阻且長
    Daolu zu qie chang, 
    (Caminho/perigoso/aliás/longo)
    會面安可知
    Huimian an ke zhi! 
    (Encontro/quem/poder/saber)
    胡馬依北風
    Hu ma yi bei feng, 
    (Tártaro/cavalo/fiar-se/norte/vento)
    越鳥巢南枝
    Yue niao chao nan zhi. 
    (Sul/pássaro/ninho/austral/ramo)
    相去日已遠
    Xiang qu ri yi yuan, 
    (Mútuo/ir/dia/já/longe)
    衣帶日已緩
    Yi dai ri y i huan. 
    (Vestuário/cinto/dia/já/lento)
    浮雲蔽白日
    Fuyun bi bai ri, 
    (Flutuante/nuvem/encobrir/claro/sol)
    遊子不顧返
    Youzi bugu fan. 
    (Errante/homem/não ligar/regresso)
    思君令人老
    Si jun ling ren lao, 
    (Pensar/tu/fazer/pessoa/velho)
    歲月忽已晚
    Suiyue hu yi wan. 
    (Anos/de repente/já/tarde)
    棄捐勿復道
    Qijuan wu fu dao, 
    (Renunciar/não/outra vez/falar)
    努力加餐飯
    Nuli jia can fan. 
    (Esforçar-se/mais/comer/comida)

    ANÓNIMO 

    Andando, andando, andando sem parar, 
    Ambos vivemos separados. 
    A distância entre nós não tem fim, 
    Cada um fica num extremo do céu. 

    O caminho é arriscado e longo, 
    Voltamos a ver-nos — quem o dirá? 
    O cavalo tártaro fia-se no vento norte, 
    O pássaro do Sul tem o ninho nos ramos austrais. 

    Os dias em que nos separámos estão já longe, 
    Os dias de me vestir e calçar estão lentos. 
    A nuvem, flutuando, encobre o sol claro, 
    O homem, errante, renuncia ao regresso. 

    Pensando em ti, torno-me velho, 
    Os anos são, de repente, já morosos. 
    Deixá-lo! Não falo mais de mim... 
    Esforça-te por comer mais! 
CAO CAO (曹操) — 155-220
© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu no Peiguo (Reino de Pei). Foi um génio militar, estratega de renome e político de grande talento, muito astuto. Foi também um poeta notável, de impetuosa inspiração. Os seus poemas caracterizaram-se por uma grande força de estilo.

Com a idade de vinte anos passou num concurso intitulado Xiaolian. Aproveitou a guerra para consolidar a sua posição política e militar. Conseguiu reunir refugiados e bandidos para derrotar os soldados de Dong Zhuo, inimigo dos Hans, e reconquistou o trono para o imperador Xian. Tornou-se o seu Primeiro-Ministro e assenhoreou-se de todos os poderes do Estado. Do imperador Xian restou, com efeito, apenas o nome.

Mais tarde, foi nobilitado com o título de rei Wei e morreu em Luoyang.

    觀滄海
    GUAN CANGHAI
    (Olhar/Mar azul)

    東臨禎石
    Dong lin Jieshi, 
    (Leste/chegar/Jieshi)
    以觀滄海
    Yi guan Canghai. 
    (E/olhar/Mar azul)
    水何澹澹
    Shui he dandan, 
    (Água/onde/baloiçar)
    山島竦峙
    Shan dao songzhi. 
    (Montanha/ilha/elevar-se)
    樹木叢生
    Shumu congsheng, 
    (Árvore/crescer em abundância)
    百草豐茂
    Bai cao fengmao. 
    (Cento/erva/luxuriante)
    秋風蕭瑟
    Qiu feng xiaose, 
    (Outuno/vento/sussurrante)
    江波涌起
    Jiang bo yong qi. 
    (Rio/onda/esguichar/elevar- se)
    日月之行
    Riyue zhi xing, 
    (Sol/lua/de/andar)
    若出其中
    Ruo chu qizhong; 
    (Como/sair/no meio de)
    星漢燦爛
    Xinghan canlan, 
    (Via Láctea/brilhante)
    若出其里
    Ruo chu qi li. 
    (Como/sair/dentro)

    幸甚至哉
    Xing shen zhi zai, 
    (Feliz/muito/até/ah!)
    歌以詠志
    Ge yi yong zhi. 
    (Canção/com/cantar/eternidade)

    CONTEMPLANDO O MAR AZUL 

    De Leste chegou a Jieshi 
    Para olhar o Mar Azul. 
    Para onde baloiçam as águas? Ilhas montanhosas emergem. 
    Crescem árvores em abundância, 
    Luxuriante, a erva. 
    Sussurra o vento de Outono, Elevam-se as ondas do rio. 
    Viajando, o Sol e a Lua, 
    Parecem surgir no meio delas, 
    A Via Láctea, brilhante, 
    Parece crescer dentro delas. 

    Como estou feliz, 
    Canto esta canção para a eternidade. 

CAO PI(曹丕) — 187-226

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Segundo filho de Cao Cao, Cao Pi foi o fundador do Reino de Wei. Cresceu a viajar e a acumular êxitos militares. Foi um jovem muito aplicado. Desde pequeno gostava de montar a cavalo e de atirar com o arco. Agradava-lhe também fazer versos e convivia com letrados, mesmo depois de se tornar imperador.

No ano de 220, a dinastia Han foi derrotada e Cao Pi subiu ao trono com a idade de trinta e um anos. Apesar de ter escrito muitos poemas, restam-nos apenas cerca de quarenta. O seu estilo é variado e a sua linguagem popular. Os poemas líricos são compostos com doçura e graciosidade — parecem jovens moças.

    雜詩
    ZA SHI
    (Solto/poema)
    其二
    QI ER
    (o segundo)

    西北有浮雲
    Xibei you fuyun, 
    (Oeste/norte/ter/flutuante/nuvem)
    亭亭如車蓋
    Tingting ru chegai, 
    (Erecto e alto/como/carro/coberta)
    惜哉時不遇 
    Xi zai shi bu yu, 
    (Lamentar/ah!/oportunidade/não/encontrar)
    適與飄風會
    Shi yu piao feng hui. 
    (Por coincidência/com/flutuar/vento/encontrar)
    吹我東南行
    Chui wo dongnan xing, 
    (Soprar/eu/leste/sul/andar)
    行行至吳會
    Xingxing zhi Wuhui. 
    (Andar/andar/até/Wuhui)
    吳會非我鄉
    Wuhui fei wo xiang, 
    (Wuhui/não/eu/país natal)
    安得久留滯
    An de jiu liu zhi? 
    (Como/haver-de/por muito tempo/ficar/estagnado)
    棄置勿拏陳
    Qizhi wu fu chen, 
    (Deixar/não/outra vez/ expor)
    客子常畏人
    Ke zi chang wei ren. 
    (Hóspede/sempre/recear/pessoa)

    O SEGUNDO DOS POEMAS SOLTOS 

    No Noroeste há nuvens flutuantes, 
    Erectas e altas como a coberta de um carro, 
    Oh, lamento não encontrar oportunidades, 
    Encontro-me por coincidência com o vento flutuante, 
    Que sopra o meu andar rumo a Sudeste, 
    Andando, andando, até Wuhui. 
    Wuhui não é a minha terra natal, 
    Como poderia eu permanecer lá por muito tempo? 
    Abandono-o, silencioso, 
    O viajante tem sempre medo das pessoas. 

CAO ZHI (曹植) — 192-232

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Omais conhecido poeta da família Cao foi Cao Zhi. Foi também aquele que conheceu a mais triste das sortes. Aos vinte anos foi nobilitado como Marquês de Pingyuan e, mais tarde, Príncipe de sangue. O irmão mais velho, com inveja do seu talento e uma vez elevado à dignidade de imperador, privou-o de todas as funções oficiais do Estado. Enamorou-se, ainda, da mulher que Zhi amava, com ela vindo a se casar.

Cao Zhi foi contemporâneo dos "Sete Poetas do Período de Jianan", que eram orientados por Wang Can. Esta geração cresceu nos tempos perturbados da dinastia Han. Influenciada pelo espírito do Yuefu (Conservatório de Música), prosseguiu escrevendo poemas que dão uma imagem verdadeira do seu tempo. Destes poetas, Cao Zhi foi o melhor. Contudo, enquanto era jovem fidalgo, faltou-lhe a profundidade atingida nos poemas escritos posteriormente. Nestes, exprime sentimentos dolorosos, após ter sofrido múltiplos desgostos físicos e morais. Sabendo que era impossível realizar as suas ambições políticas, o poeta exprimiu a sua frustração na literatura, airevelando, de modo notável, as desilusões. As dores próprias faziam-no conhecer o sofrimento profundo do seu povo.

Morreu com apenas quarenta anos de idade e deixou cerca de quarenta poemas e cinquenta e cinco peças literárias para o Conservatório de Música. A maior parte de seus versos é composta por "redondilhas menores" (cinco caracteres), que ele compunha com grande à vontade e elegância.

Depois da sua morte foi promovido a Chen Si wang (rei Chen Si).

    雜詩
    ZAS H I
    (Solto/poema)

    高台多悲風
    Gao tai duo bei feng, 
    (Alto/terraço/muito/triste/vento)
    朝日照北林
    Zhao ri zhao bei lin. 
    (Manhã/sol/brilhar/norte/floresta)
    之子在萬里
    Zhi zi zai wan li, 
    (Este/filho/encontrar-se/10 mil/ li)
    江湖迴且紳
    Jianghu hui qie shen. 
    (Rio/lago/voltar/demais/profundo)
    方舟安可極
    Fang zhou an ke ji, 
    (Forma/barco/onde/ser/margem)
    離思故難任
    Li si gu nan ren. 
    (Separar/pensamento/causar/difícil/suportar)
    孤雁飛南遊
    Gu yan fei nan you, 
    (Único/ganso/voar/sul/viajar)
    過庭長哀吟
    Guo ting chang ai yin. 
    (Passar/pátio/longo/desolado/grito)
    翹思慕遠人
    Qiao simu yuan ren, 
    (Vaidoso/pensar/admirar/longe/pessoa)
    願欲託遺音
    Yuan yu tuo yi yin. 
    (Querer/desejar/confiar/último/notícia)
    形影忽不見
    Xing ying hu bu jian, 
    (Figura/sombra/súbito/não/ver)
    翩翩傷我心
    Pianpian shang wo xin. 
    (Flutuante/ferir/eu/coração)

    POEMA SOLTO 

    Ao alto terraço chegam ventos tristes, 
    O sol da manhã brilha na floresta do Norte. 
    O viajante está a dez mil li de distância, 
    Rios e lagos, tão sinuosos, tão profundos... 

    Que barca nos levará a essas margens? 
    Como custa suportar o sentimento de despedida! 
    Um ganso selvagem, solitário, voa para o Sul. 
    Lança, ao passar o pátio, um longo grito desolado... 

    Pensa, com orgulho, nas pessoas distantes, 
    Deseja que lhe sejam confiadas as últimas notícias. 
    Aquela ave, de repente, desaparece, 
    Voando, destra, rasga o meu coração! 

TAO YUAN MING (陶渊明) —365-427

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Chaisang, distrito de Xunyang, na província de Jiangxi. Com a recomendação de um tio conseguiu um lugar, não longe da sua terra natal, como chefe de distrito em Pengze, funções que desempenhou por três meses. No fim deste tempo demitiu-se, por não querer curvar-se aos superiores. "Não nosso curvar-me por um salário correspondente a cinco alqueires de arroz" — afirmou então. Por temperamento, não gostava muito de ter contactos com os mandarins.

Durante o seu mandato, mandou um escravo ao filho com uma carta que dizia:"Mando-te este escravo para te ajudar, mas trata-o bem, pois também é ser humano". Revela-se, assim, o seu espírito humanitário.

Gostava muito de crisântemos, símbolo de pureza e de nobreza. Adorando a Natureza, inspiram-no sobretudo os motivos rústicos. Os seus poemas são simples, de uma rara sobriedade.

Ao lado da sua casa havia cinco salgueiros, e aproveitou-se desse motivo para o título do poema: A Biografia do Sr. Wu Liu (A Biografia do Sr. Cinco Salgueiros).

    五柳先生傳
    WU LIU XIANSHENG ZHUAN 

    (Wu Liu/senhor/biografia)
    閑靜少言
    Xian jing shao yan, 
    (Calmo/sossegado/pouco/falar)
    不慕榮利
    Bu mu rong li. 
    (Não/sonhar/glória/ganho)
    好讀書
    Hao du shu, 
    (Gostar/ler/livro). 
    不求甚解
    Bu qiu shen jie. 
    (Não exigir/bem/explicação)
    每有會意
    Mei you huiji, 
    (Cada vez/ter/compreensão)
    便欣然忘食
    Bian xinran wang shi. 
    (Então/contente/esquecer/comer)
    性嗜酒家貧
    Xing shi jiu jia pin, 
    (Temperamento/gostar/vinho/família/pobre)
    不能敘得
    Bu neng chang de. 
    (Não/poder/sempre/obter)
    親舊知其如此
    Qin jiu zhi qi ruci, 
    (Perante/amigo/saber/disto/tal)
    或置酒而招之
    Huo zhi jiu er zhao zhi. 
    (Ou/pôr/vinho/e/convidar/este)
    造飲輒盡
    Zao yin zhejin, 
    (Fazer/beber/até/fim)
    期在必醉
    Qi zai bi zui. 
    (Quando/estar/certamente/ébrio)
    既醉而退
    Ji zui er tui, 
    (Depois/ébrio/e/retirar-se)
    曾不郤情去留
    Ceng bu xi qing qu liu. 
    (Já/não/discórdia/sentimento/partir/ficar)
    環堵蕭然
    Huan du xiaoran, 
    (Em redor/muro/solitário)
    不蔽風日
    Bu bi feng ri, 
    (Não/abrigar/vento/sol)
    短褐齔
    Duan he chuan jie, 
    (Curto/roupa/vestir/remendado)
    簞瓢屢空
    Dan piao lu kong, 
    (Cesto/vitualha/sempre/vazio)
    晏如也
    Yan ru ye. 
    (Festim/como/ser)
    敘著文章自娛
    Chang zhu wenzhang ziyu, 
    (Muitas vezes/escrever/ensaio/divertir-se)
    頗示己志
    Po shi ji zhi, 
    (Bastante/exprimir/próprio/vontade)
    忘懷得失
    Wanghuai de shi, 
    (Esquecer/coração/ganhar/perder)
    以此自終
    Yi ci zi zhong. 
    (Assim/próprio/findar)

    A BIOGRAFIA DO SR. WU LIU 

    Calmo, sossegado, pouco fala, 
    Não sonha glórias nem ganhos. 
    Gosta de estudar, 
    Não procura ter conhecimentos profundos. 
    Quando compreende, 
    Fica tão contente, até se esquece de comer. 
    Por temperamento, aprecia vinho. E pobre. 
    Nem sempre o pode obter. 
    Os amigos sabem disso, 
    E, por vezes, convidam-no para beber. 
    Fazem-no beber tudo, 
    Até terem a certeza de que está embriagado. 
    Quando fica embriagado, retira-se, 
    Nunca mostra sentimentos de discórdia se parte[ ou se fica.] 
    Quatro pobres muros são a sua casa, 
    E não o abrigam dos rigores do sol e do vento, 
    Veste-se com roupa curta, grosseira, [ remendada,] 
    Tem os cestos de vitualhas quase sempre vazios, 
    E é como se fosse um festim! 
    Por vezes escreve para se divertir, 
    E, nesses escritos, exprime, bastante bem, aquilo[ que é seu desejo,] 
    Esquece no seu coração o ganhar e o perder, 
    E assim vai ele até findar. 

WANG WEI (王維) — 701-761

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Taiyuan, na província de Shanxi. Aos dezanove anos participou em concursos imperiais e conseguiu o primeiro lugar. Era bom músico, além de poeta. Foi nomeado Secretário de Estado da Música.

Na altura da revolta de An Lu Shan, Wang Wei foi feito prisioneiro, mas fingiu estar doente para não servir os rebeldes. Na sua velhice, retirou-se para o campo onde escreveu um grande número de poemas consagrados à Natureza. Su Shi, poeta e calígrafo, compôs estes versos sobre Wang Wei:

"As suas paisagens, dir-se-iam poemas,

Os seus poemas, dir-se-iam paisagens."

Foi um grande poeta que se dedicou à Natureza.

    送元二使安西
    SONG YUAN ER SHI ANXI
    (Adeus/Yuan/segundo/missão/Anxi)
    陽關曲
    YANGGUAN QU
    (Yangguan/canção)

    渭城朝雨浥輕塵
    Wei cheng zhao yu yi qing chen. 
    (Wei/cidade/matutina/chuva/assentar/leve/poeira)

    客舍青青柳色新
    Keshe qingqing liu se xin. 
    (Estalagem/verde/verde/salgueiro/cor/novo)

    勸君更盡一杯酒
    Quan jun geng jin yi bei jiu, 
    (Pedir/tu/(uma vez) mais/esvaziar/um/taça/vinho)

    西出陽關無故人
    Xi chu Yangguan wu gu ren. 
    (Oeste/sair/Yangguan/não/velho/amigo)

    ADEUS A YUAN, O SEGUNDO, AO PARTIR EM MISSÃO PARA ANXI CANÇÃO DE YANGGUAN 

    Na cidade de Wei a chuva da madrugada fez pousar a leve poeira, 
    Na estalagem, verde é a nova cor do salgueiro. 
    Aconselho-te a esvaziares uma vez mais a tua taça, 
    Ao saíres para Oeste de Yangguan não terás velhos amigos. 

LI BO(李白)— 701-762

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Shujun, na actual província de Sichuan. Gabou-se, na sua própria obra, de ser descendente do general Li Guang, vencedor dos Hunos na época do imperador Wu Di dos Hans.

Li B o era um homem de forte personalidade e gozava da reputação de improvisar versos sobre qualquer assunto, sobretudo se estava alegre devido ao apreciado vinho de arroz. Acreditava na imortalidade e era adepto do tauismo. Li Bo recusou-se a seguir a via normal dos mandarins e optou por uma vida de boémio e de vagabundagem. Por volta dos quarenta anos de idade foi apresentado ao imperador Xuan Zong, que apreciou o talento do genial poeta e, desde então, conseguiu conquistar os favores desse Imperador, tornando-se membro da Academia Imperial em Zhang An. De vez em quando compartilhava as refeições do Imperador. Até a mais favorita das concubinas, Yang Gui Fei, molhava a pedra de tinta para os anotar, quando o poeta improvisava versos. Um dia, ébrio, subiu à cama imperial e pediu a Gao Li Shi, eunuco muito influente do Palácio Imperial, que lhe descalçasse os sapatos. O eunuco obedeceu, uma vez que o Imperador estava presente, mas guardou-lhe um rancor mortal. A partir de então, passou a difamar Li Bo perante Yang Gui Fei. Esta, por seu turno, também não estava contente com o poeta, devido ao seu comportamento. Implicado durante a revolta de An Lu Shan, foi condenado ao desterro.

Segundo a lenda, Li Bo afogou-se no rio Iansequião, numa noite em que estava embriagado, ao tentar apanhar o reflexo da lua.

Li Bo, poeta de inspiração irrequieta, escreveu com grande facilidade versos intensos e fluentes. A sua poesia atinge os extremos do refinamento, graciosidade e grandeza. Os temas são, em geral, clássicos, mas os favoritos estendem-se desde a lua e o vinho até à graça feminina, ao amor, à guerra, à fuga do tempo, à beleza da Natureza, temas que tratou com veia, originalidade e maravilhosa mestria.

Foi um dos maiores poetas da China.

    蘇台覽古
    SU TAI LAN GU
    (Su/terraço/ver/passado)

    舊苑荒台楊柳新
    Jiu yuan huang tai yangliu xin, 
    (Velho/jardim/em ruína/terraço/salgueiro/novo)

    菱歌清唱不勝春
    Ling ge qing chang busheng chun. 
    (Abrolho/canção/claro/cantar/não/igual/Primavera)

    衹今唯有西江月
    Zhi jin weiyou xi jiang yue, 
    (Somente/agora/só/ter/oeste/rio/lua)

    曾照吳王宮裡人
    Ceng zhao Wu wang gong li ren. 
    (Já/brilhar/Wu/rei/palácio/dentro/dama)

    NO TERRAÇO DE SU VEJO O PASSADO 

    Velho jardim, no terraço em ruínas, os salgueiros renascem, 
    As cantigas das colheitas, cantadas sem ensaio,3 não são iguais às da Primavera. 
    Agora, apenas existe, a oeste, a lua do Rio, 
    Que outrora brilhou para as damas do palácio do rei Wu. 

DU FU (杜甫)— 712-770

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Gongxian, na província de Henan. A vida de Du Fu foi diferente da de Li Bo. Conheceu a infelicidade ao longo de toda a sua vida. Aos vinte e um anos foi à capital, Zhang An, para participar nos concursos imperiais, mas não foi aprovado. Abandonou a capital e viajou por vários reinos, durante oito ou nove anos. Mais tarde, voltou a Zhang An onde só aos quarenta e três anos de idade, através de um exame, obteria um cargo insignificante.

Em 755, An Lu Shan, general encarregado da defesa das fronteiras, revoltou-se e Zhang An, a capital, caiu nas mãos dos rebeldes. Ulteriormente, Du Fu seria feito prisioneiro no caminho para Lingwu, onde Su Zong sucedia a seu pai como imperador. Uns meses depois, Du Fu conseguiu fugir do cativeiro e foi a Lingwu pedir audiência ao novo imperador, Su Zong, que o nomeou censor de segunda categoria. Todavia, mais tarde, e devido a uma sua intervenção a favor de um amigo, o general Fang Guan, o poeta ficou mal visto e deixou a corte. Em 759 retirou-se para uma região que, mais tarde, foi assolada pela fome e pela miséria. Decidiu partir com a família para Chengdu, onde, sob a protecção do governador seu amigo, conheceu uns anos de paz. Na primeira metade de sua vida teve muitas dificuldades paraconseguir sobreviver; na segunda, passou os dias vagabundeando.

Du Fu morreu em 770 no decurso da viagem para o seu país natal.

Du Fu não possuía o génio de Li Bo — os seus poemas são muito trabalhados. Como a fome e a guerra o perseguiram durante toda a vida, os seus temas são também mais realistas. O maior mérito da sua poesia consiste em descrever a sociedade do seu tempo, em particular a tristeza, o desespero e a miséria do seu povo.

    登高
    DENG GAO
    (Subir/alto)

    風急天高猿嘯哀
    Feng ji tian gao yuan xiao ai, 
    (Vento/cortante/céu/alto/macaco/rugir/lamento)
    渚清沙白鳥飛回
    Zhu qing sha bai niao fei hui. 
    (Ilhota/límpido/areia/branco/pássaro/voar/em círculos)
    無邊落木蕭蕭下
    Wubian luo mu xiaoxiao xia, 
    (Sem limite/queda/árvore/assobio/cair)
    不盡長江滾滾來
    Bu jin Changjiang gungun lai. 
    (Sem/fim/Grande-Rio/rolando/cá)

    萬里悲秋常作客
    Wan li bei qiu chang zuo ke, 
    (10 mil/li/triste/outono/sempre/ser convidado)
    百年多病獨登台
    Bai nian duobing du dengtai. 
    (Cento/ano/doentio/sozinho/subir ao terraço)
    艱難苦恨繁霜鬢
    Jiannan ku hen fan shuangbin, 
    (Condição penosa/amargo/ódio/abundar/cabelos brancos)
    潦倒新亭濁酒杯
    Liaodao xin ting zhuo jiubei. 
    (Infeliz/novo/pavilhão/sujo/copo)

    SUBINDO ÀS ALTURAS 

    O vento cortante, o céu alto, os macacos rugem lamentos, 
    Na pequena ilha límpida de areia branca, os pássaros voam, voltam em círculos. 
    O assobio ilimitado das folhas que caem, 
    O grande Rio4 infindável que se aproxima, rolando. 
    Sou o viajante da distância infinita do triste Outono, 
    Cem anos, muito doente, só, subo ao terraço. 
    Na adversidade, no ódio amargo, abundam cabelos brancos, 
    Infeliz, no pavilhão novo, com um copo de vinho turvo. 

HAN YU (韓愈)— 768-824

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Nanyang, distrito de Deng, na província de Henan. Han Yu foi, sobretudo, conhecido pela sua prosa. Ocupou vários cargos na corte durante o governo do imperador Xian Zong da dinastia Tang (618-907), mas foi exilado para Chaozhou, por ter feito uma advertência ao soberano pelo facto deste ter recebido as relíquias de Buda. Um ano mais tarde, voltou à corte, depois de ter escrito um documento em que elogiou o imperador, realçando o seu mérito e a sua bondade por ter feito expulsar os crocodilos que prejudicavam o povo da praia-mar de Chaozhou.

Han Yu, aos três anos de idade perdera o pai. Foi educado pelo irmão mais velho, Han Hui, que morreu durante uma missão a Guangdong, Sul da China, tendo deixado um filho. A educação de ambos (filho e irmão) foi entregue à Zheng Sheng (mãe e cunhada), que pronunciou as seguintes palavras: "Ah que pobreza! Das duas gerações de Han ficaram apenas duas crianças!".

Han Yu não foi só um conhecido líder do movimento da literatura antiga, mas também um famoso poeta que, provavelmente, teria aprendido com o estilo de Du Fu.

Morreu com 56 anos de idade.

    七律
    QILU 

    一封朝奏九重天
    Yi feng zhao zou jiu chong tian, 
    (Um/especifícativo/cedo/memorial/nove/degrau/céu)
    夕貶潮陽路八千
    Xi bian Chaoyang lu ba qian. 
    (Tarde/banir/Chaoyang/caminho/oito/mil)
    欲爲聖明除弊事
    Yu wei sheng ming chu bi shi, 
    (Querer/para/santo/luz/eliminar/mal/coisa)
    肯將衰極惜殘年
    Ken jiang shuai ji xi cannian. 
    (Aceitar/com/decrépito/muito/lamentar/declínio da vida)
    雲橫秦嶺家何在
    Yun heng Qinling jia he zai? 
    (Nuvem/atravessar/Qinling/casa/onde/situar-se)
    雪擁藍關馬不前
    Xue yong Languan ma bu qian. 
    (Neve/amontoar-se/Languan/cavalo/não/avançar)
    知汝遠爲應有意
    Zhi ru yuan lai ying you yi, 
    (Saber/tu/longe/vir/dever/ter/motivo)
    好收吾骨諮江邊 
    Hão shou wu gu zhang jiang bian. 
    (Bom/recolher/eu/osso/fétido/rio/beira)

    MELODIA DE QILU5

    Cedo entreguei um memorial aos nove degraus do céu, 
    À tarde fui banido para Chaoyang, a uma distância de oito mil li. 
    Do sagrado senhor,6 queria eu eliminar o mal, 
    Com este meu corpo decrépito, aceito lamentando o declínio da vida. 

    As nuvens atravessam Qinling — onde se situa a minha casa? 
    A neve amontoa-se em Languan e o cavalo não avança. 
    Sei que a tua vinda de tão longe deve ter algum motivo, 
    É bom que recolhas os meus ossos da beira do fétido rio. 

BAI JU YI (白居易) -- 772-846

© IlustraçãoporLeiChiNgok

Nasceu em Taiyuan, na província de Shanxi. Bai Ju Yi, com a idade de cinco ou seis anos, começou a interessar-se por escrever poemas. Com nove anos, percebia os segredos da rima. Aos quinze ou dezasseis anos, dominava o sistema do concurso. Estudou com ardor e candidatou-se, muito jovem, ao exame imperial, com o intuito de obter um cargo na corte.

No tempo da dinastia Tang (618-907) realizava-se, uma vez por ano, o exame imperial. Certa vez um jovem letrado de vinte e tal anos foi de Taiyuan a Zhang An para participar nos concursos imperiais: esse jovem chamava-se precisamente Bai Ju Yi.

No início, elogiava a corte imperial, mas, mais tarde, criticou os costumes e os hábitos do seu tempo e por esse motivo foi caluniado e expulso da capital. Posteriormente, chamaram-no para ser prefeito de Henan. Comprou uma casa com jardim em Luoyang. Aí, teve o seu alaúde, as suas bailarinas e os seus livros. Foi o período mais feliz da sua vida.

Os temas dos poemas de Bai Ju Yi são bastante variados e, por vezes, realistas. A sua linguagem poética é simples e natural. Diziam que ele lia os poemas à criada e destruía todos aqueles que ela não perce-besse. Foi um poeta de estilo popular.

Adoptava dois princípios im-portantes: primeiro, tomar a sua poesia facilmente compreensível para as pessoas que a escutavam; segundo, descrever a situação real da sociedade, a miséria e a infelicidade do povo.

A sua poesia era composta através da utilização da língua corrente, também ela poética e expressiva. Um dia, ao escrever a um amigo, Yuan Wei Zhi, disse: "Homens e mulheres, jovens e velhos, em uníssono, quer na escola quer no templo, quer na estalagem quer no barco, recitem a minha poesia".

No exílio, quando viveu nas belas paisagens de Hangzhou, deslocou-se por várias vezes ao Xihu (Lago de Oeste), cujas margens inspiraram a sua poesia paisagística. Ordenou que aí se construísse um dique que se chama, ainda hoje, Baidi (Dique de Bai). Su Dongpo, mais tarde, fez também edificar um dique no mesmo lago, Sudi (Dique de Su). Ambos foram mantidos para que os visitantes de Xihu os retivessem como uma lembrança preciosa e inesquecível.

    賦得古原草送别
    FU DE GU YUAN CAO SONGBIE
    (Canção/feito/antigo/planície/erva/despedida)

    離離原上草
    Lili yuan shang cao, 
    (Dispersar/planície/em cima/erva)
    一嵗一枯榮
    Yi sui yi ku rong. 
    (Cada/ano/uma vez/murchar/florescer)
    野火燒不盡
    Yehuo shao bu jin, 
    (Campina/fogo/queimar/não/acabar)
    春風吹又生
    Chunfeng chui you sheng. 
    (Primaveril/brisa/soprar/outra vez/renascer)
    遠芳侵古道
    Yuan fang qin gu dao, 
    (Longínquo/fragrância/penetrar/antigo/via)
    晴翠接荒城 
    Qing cui jie huang cheng. 
    (Feixe/esmeralda/junto/abandonado/cidade)
    又送王孫去
    You song wangsun qu, 
    (Outra vez/acompanhar/soberano-descendente/partida)
    萋萋滿别情
    Qiqi man bie qing. 
    (Luxuriante/cheio/despedida/sentimento)

    ERVAS SOBRE A PLANÍCIE ANTIGA UMA CANTIGA DE DESPEDIDA 

    Aqui e ali, na planície, surgem ervas, 
    Cada ano, uma vez, morrem e crescem. 
    Os fogos selvagens não conseguem tudo arder... 
    No sopro do vento da Primavera, renascem outra vez. 
    Afragrância longínqua penetra a via antiga, 
    Um feixe de esmeraldas junto da cidade em ruínas. 

    Acompanhando, outra vez, a partida do príncipe real,7 
    Ervas, luxuriantes, estão cheias do sentimento da despedida. 

LIU ZONG YUAN(柳宗元) — 773-819

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Hedong, na província de Hebei. Inicialmente Liu Zong Yuan ocupou um lugar importante na corte. Porém uma intriga fez com que fosse mandado para Liuzhou, na actual província de Guangxi. Nesta região remota mas pitoresca Liu Zong Yuan, preocupado com o seu exílio, levou uma vida errante. Percorrendo os montes e vogando nos rios, escreveu versos encantadores.

Os temas são, em geral, os costumes, os hábitos e a época, mas os versos mais prodigiosos foram aqueles em que descreveu as paisagens turísticas das terras onde morou ou onde ocasionalmente passava.

Foi um bom político. Durante uma missão a dois distritos, Yang e Liu, chegaram, vindos de longe, letrados e sábios que se divertiam com ele, poetizando como passatempo e fazendo-o esquecer, assim, a tristeza do exílio no Sul.

Liu Zong Yuan não foi só um bom poeta, mas também um dos melhores prosadores chineses.

Morreu com quarenta e sete anos, durante uma missão a Liuzhou.

    江雲
    JIANG XUE
    (Rio/neve)

    千山鳥飛絕
    Qian shan niao fei jue, 
    (Mil/montanha/ave/voar/cessar)

    萬徑人蹤滅
    Wan jing ren zong mie. 
    (Dez mil/vereda/homem/pegada/desaparecer)

    孤舟蓑笠翁
    Gu zhou suo li weng, 
    (Solitário/barco/capa de palha/chapéu de bambu/ancião)

    獨釣寒江雪
    Du diao han jiang xue. 
    (Sozinho/pescar/frio/rio/neve)

    RIO DE NEVE 

    Nas mil montanhas, nem uma ave voa, 
    Nas dez mil veredas, as pegadas do homem desaparecem. 
    Num barco solitário está um ancião com capa de palha e chapéu de bambu, 
    Sozinho, gelado, pesca no Rio de Neve. 

LI SHANG YIN (李商隱) — 813-858

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Um dos poetas célebres do fim da dinastia Tang (618-907), Li Shang Yin foi conhecido pelos seus poemas "Sem título".

O segredo do seu amor foi confiado, de início, às irmãs Song, que eram religiosas e, mais tarde, às duas irmãs Lu, que eram damas da corte — dissimulava-o sob símbolos cujo significado era, por vezes, difícil de decifrar. Mas foi justamente a parte obscura da sua obra que o colocou entre os grandes poetas do período designado por Tang posterior.

    無题
    WU TI
    (Sem/título)

    相見時難别亦難
    Xiangjian shi nan bie yi nan, 
    (Encontrar-se/tempo/difícil/separar/também/difícil)
    東風無力百花殘
    Dongfeng wuli yi bai hua can. 
    (Leste/vento/impotente/cento/flor/murchar)
    春蠶到死絲方盡
    Chun can dao si si fang jin, 
    (Primavera/bicho-da-seda/até/morrer/fio de seda/somente/fim)
    蠟炬成灰淚始乾
    La ju cheng hui lei shi gan. 
    (Cera/tocha/transformar/cinza/lágrima/começar/secar)
    曉鏡但愁雲鬢改
    Xiao jing dan chou yun bin gai, 
    (Alvorada/espelho/apenas/triste/nuvem/cabelo/mudar)
    夜吟應覺月光寒
    Ye yin ying jue yueguang han. 
    (Noite/recitar/ecoar/sentir/lua/luz/frio)
    蓬山此去無多路
    Pengshan ci qu wu duo lu, 
    (Peng-montanha/daqui/ir/não/muito/caminho)
    青鳥殷勸爲探看
    Qing niao yinqin wei tan kan. 
    (Azul/pássaro/depressa/dar/espreitadela)

    SEM TÍTULO 

    Sempre difícil encontrarmo-nos, difícil também separarmo-nos, 
    O vento de leste está sem força e todas as flores murcham. 
    Findo o fio, morre na Primavera o bicho da seda, 
    Transformada em cinza a tocha de cera, começam a secar as lágrimas. 
    De madrugada, o espelho faz-me triste, o meu cabelo mudou de cor, tornou-se grisalho, 
    O canto na noite faz sentir o frio do raio da lua... 
    Daqui para Pengshan,8 o caminho não é longo, 
    Pássaro azul,9 depressa, dá-lhe uma espreitadela. 

WEI ZHUANG (韋莊)— 851 -910

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Duling, na província de Shanxi. A família era muito pobre, mas o rapaz era bastante esperto. Com vinte e cinco anos dirigiu-se à capital, Zhang An, a fim de participar nos concursos imperiais, mas foi obrigado a parar no caminho, devido a uma rebelião contra a dinastia Tang. Fugiu com a família para a província de Jiangnan, Sul do rio Iansequião. Utilizou então o tempo para escrever, com ardor, os seus poemas líricos e jurou que só voltaria ao seu país natal se fosse forçado a fazê-lo.

Mais tarde, a rebelião passou, e o poetavoltou à capital onde fez o doutoramento, obtendo, assim, um cargo na corte. Foi convidado tempos depois para administrar um dos principados de Shu. Quando a dinastia Tang foi derrotada, Shu proclamou a independência do seu reino, tendo-lhe nomeado Primeiro-Ministro.

Como nasceu de uma família de condição muito humilde, Wei Zhuang observava cuidadosamente as despesas familiares. Constava que não só pesava a lenha e o arroz, como chegava a contá-lo grão a grão.

    菩薩蠻
    PUSA MAN
    (Buda/bárbaro)

    人人盡説江南好
    Renren jin shuo jiang nan hao, 
    (Toda a gente/dizer/rio/sul/bom)
    遊人衹合江南老
    Youren zhi he jiang nan lao. 
    (Viandante/somente/concordar/rio/sul/morrer)
    春水碧於天
    Chun shui bi yu tian, 
    (Primavera/água/azul/mais/céu)
    畫船聽雨眠
    Hua chuan ting yu mian. 
    (Pintar/barco/ouvir/chuva/dormir)
    壚邊人似月
    Lu bian ren si yue, 
    (Jarro de vinho/lado/rapariga/como/lua)
    皓腕凝霜雪
    Hao wan ning shuang xue. 
    (Branco/pulso/brilhar/geada/neve)
    未老莫還鄉
    Wei lao mo huanxiang, 
    (Não/velho/não/voltar/terra natal)
    還鄉須斷腸
    Huanxiang xu duanchang. 
    (Voltar/terra natal/dever/despedaçado/coração)

    O BUDA BÁRBARO 

    Dizem que o sul do rio é bonito, 
    O viajante apenas concorda ficar lá até morrer.10 
    A água, na Primavera, é mais azul que o céu, 
    No barco pintado ouço a chuva, dormindo. 

    A rapariga ao lado do jarro de vinho11 é bonita como a lua,12
    Os pulsos brancos brilham como geada e neve. 
    Ainda não estou velho, não volto a casa, 
    Regressando a casa ficarei com o coração destroçado. 

LI JING (李璟)—916-961

© Ilustraçãopor Lei Chi Ngok

Li Jing foi o segundo dos três soberanos da dinastia Tang do Sul. Viveu no período histórico da China, nomeadamente na época das Cinco Dinastias (Wu Dai), entre o colapso do império unificado da dinastia Tang e a reunificação dos Songs.

Foi sábio e poeta, com tendência também para vir a ser um bom administrador. Aos dez anos de idade começou a escrever versos.

No ano de 961, Li Jing, como soberano independente, lutou com o poderoso Song Tai Zu, fundador da dinastia Song do Norte.

Depois da sua submissão como vassalo dos Songs, Li Jing pensou com nostalgia nos dias de plena liberdade.

Foi mais hábil nos contactos mantidos com os Songs do que o seu filho, Li Yu, último regente da dinastia Tang do Sul.

    浣溪沙
    HUAN XI SHA
    (Lavar/ribeiro/areia)

    手卷真珠上玉鉤
    Shou juan zhenzhu shang yu gou, 
    (Mão/rolar/pérola/alcançar/jade/gancho)
    依前春恨鎖重樓
    Yi qian chun hen sou chong lou. 
    (Como/antes/primavera/aversão/aprisionar/de novo/sótão)
    風裡落花誰是主
    Feng li luo hua shei shi zhu? 
    (Vento/dentro/queda/flor/quem/ser/mestre)
    思悠悠
    Si youyou. 
    (Pensar/melancolicamente)

    青鳥不傳雲外信
    Qing niao bu chuan yun wai xin, 
    (Azul/pássaro/não/transmitir/nuvem/fora/mensagem)
    丁香空結雨中愁
    Dingxiang kong jie yu zhong chou. 
    (Lilás/em vão/desabrochar/chuva/dentro/tormento)
    回首綠波三楚暮
    Huishou lu bo san Chu mu, 
    (Virar/cabeça/verde/onda/três/Chu/crepúsculo)
    接天流
    Jie tian liu. 
    (Encontrar/céu/correr)

    LAVANDO A AREIA NO RIO 

    A mão rolou a pérola para alcançar o gancho de jade, 
    Como antes a aversão à primavera aprisionou-me de novo no sótão. 
    Quem será o mestre da queda da flor no vento? 
    Penso melancolicamente. 

    O pássaro azul13 não transmite mensagem além das nuvens, 
    As flores de lilás desabrocham em vão no tormento da chuva 
    Vejo as ondas verdes, através dos três desfiladeiros,14 no crepúsculo, 
    Correndo ao encontro do céu. 

LITU(李煜)—937-978

© Ilustraçãopor Lei Chi Ngok

Li Yu foi o sexto filho do imperador Li Jing e o último dos três soberanos da dinastia Tang do Sul. Tomou o lugar de imperador depois da morte do pai, em 961.

Li Yu foi sábio, poeta, músico e pintor, mas não foi um bom administrador do Estado. O imperador Tai Zu dos Songs proferiu o seguinte comentário acerca dele: "Se Li Yu fosse tão hábil na administração da sua pátria como tão bem sabe escrever poemas, como poderia eu conseguir capturá-lo?".

No ano de 975, durante a época denominada Cinco Dinastias, o general dos Songs tomou Nanjing (Nanquim) e capturou o último imperador Tang. Habituado aos prazeres e ao luxo, Li Yu sofreu muito durante a sua vida de prisioneiro. Foi morto por envenenamento pelo sucessor de Song Tai Zu, Tai Zong. A história relata que o imperador Tai Zong suspeitou, a partir de um dos seus poemas, que o nosso poeta ambicionava secretamente reconquistar o trono perdido e que a sua rendição não havia sido sincera.

Durante o tempo em que permaneceu no cativeiro, Li Yu adquiriu a experiência e a inspiração que o levariam ao ponto mais alto da sua poesia. O seu estilo, brilhante no uso das palavras simples, na capacidade de tornar mais efectiva a justaposição das linhas longas e curtas da melodia que escrevia para os seus poemas líricos, tornava os versos comovedores e patéticos. A tristeza e o desespero reflectiram-se nas suas obras, tocando a sensibilidade do leitor. Foi o poeta mais notável do seu tempo.

    虞美人
    YU MEIREN
    (Yu/bela)

    春花秋月何時了
    Chun hua qiu yue he shi liao, 
    (Primavera/flor/Outono/lua/acabar)
    往事知多少
    Wang shi zhi duoshao? 
    (Passando/assunto/saber/quanto)
    小樓昨夜又東風
    Xiao lou zuo ye you dongfeng, 
    (Pequeno/pavilhão/passado/noite/outra vez/leste/vento)
    故國不堪回首月明中
    Guguo bukan huishou yue ming zhong. 
    (Pátria/não ter coragem/virar a cabeça para trás/lua/luz/dentro)
    雕欄玉砌應猶在
    Diao lan yu qi ying you zai, 
    (Esculpir/balcão/mármore/escada/dever/ainda/estar)
    衹是朱顏改
    Zhishi zhu yan gai. 
    (Somente/radiante/rosto/mudar)
    問君能有幾多愁
    Wen jun neng you ji duochou? 
    (Perguntar/tu/poder/ter/quanto/sofrimento)
    恰似一江春水向東流
    Qiasi yi jiang chun shui xiang dong liu. 
    (Como/um/rio/Primavera/água/para/leste/correr)

    A BELA DE YU 

    Flores da Primavera, lua de Outuno, acabam quando? 
    Do passado -- quanto sei eu? 
    No pequeno pavilhão, noite ainda, mais uma vez soprou o vento leste!15
    Não tenho coragem de olhar para trás, para o meu país no brilho da lua. 

    Balcões esculpidos, escadas em mármore devem permanecer! 
    Somente os rostos, radiantes, mudam. 
    Pergunto: quanto sofrimento podes suportar? 
    Tanto quanto as águas da Primavera de um rio que corre para leste. 

OUYANG XIU(歐陽修)—1007-1072

© Ilustraçpor Lei Chi Ngok

Nasceu em Luling, na província de Jiangxi. Ou Yang Xiu foi o grande poeta da dinastia Song do Norte (960-1127). Apesar da reputação de moralista, escreveu bastantes versos ternos e amorosos. Deixou-nos a Colecção do Prazer de Alaúde.

Descendente de uma família pobre, perdeu o pai quando tinha apenas três anos de idade; mas a sua mãe teve, nesta altura, a protecção do cunhado.

Ou Yang Xiu esforçou-se desde pequeno nos seus estudos e obteve o doutoramento no anode 1030, com apenas trinta e três anos. Foi mandado para Luoyang, segunda cidade do país.

Foi considerado o maior mestre da poesia daquela época, particularmente em poemas líricos e em prosa. Por essa altura perdeu muito tempo a frequentar os círculos sociais, fazendo vida nocturna. Isso foi utilizado como argumento para o perseguirem na sua carreira política. Mas, inteligente, soube defender-se das intrigas e difamações.

Interessou-se pela vida do povo, tentando saber a fundo os problemas que o rodeavam. Entabulou amizade com os jovens políticos e intelectuais do seu tempo.

Tentou depois introduzir no ensino um sistema de exame mais liberal e mais extensivo.

Ascendeu à mais alta posição do Estado e foi proclamado uma das figuras mais notáveis da dinastia Song como estadista, historiador, escritor e músico.

    生查子
    SHENG CHA ZI
    (Flor/marmeleiro)

    去年元夜時
    Qunian Yuanye chi, 
    (Passado/ano/Primeira Lua Cheia do ano lunar/quando)
    花市燈如書
    Hua shi dong ru zhou. 
    (Flor/mercado/lanterna/como/dia)
    月上柳梢頭
    Yue shang liu shaotou, 
    (Lua/subir/salgueiro/ramo-ponta)
    人約黃昏后
    Ren yue huanghun hou. 
    (Gente/encontro/crepúsculo/depois)

    今年元夜時
    Jinnian Yuanye shi, 
    (Este/ano/Primeira Lua Cheia do ano lunar/quando)
    月與燈依舊
    Yue yu deng yijiu. 
    (Lua/e/l anterna/como-antes)
    不見去年人
    Bujian qunian ren, 
    (Não/encontrar/passado/ano/pessoa)
    淚濕春衫袖
    Lei shi chun shan xiu. 
    (Lágrima/molhar/primavera/vestido/manga)

    O MARMELEIRO EM FLOR 

    No Festival das Lanternas16 do ano passado, 
    As lanternas, no mercado das flores, brilharam como o dia. 
    A lua subiu ao cimo dos salgueiros, 
    Encontrámo-nos ao anoitecer. 

    No Festival das Lanternas deste ano, 
    A lua e as lanternas brilham como dantes. 
    Não encontrei a pessoa do ano passado, 
    As lágrimas molharam as mangas do meu vestido primaveril. 

SU DONG PO, ou SU SHI (蘇東坡,蘇軾) —1036-1101

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Meishan, no distrito de Meizhou, prefeitura Mei. Su Dong Po foi um dos melhores poetas da dinastia Song do Norte (960-1127) e desempenhou papel relevante na vida política daquela época. O seu estilo é ao mesmo tempo simples e elegante. É conhecido também pelo seu talento de pintor e calígrafo.

Foi um rapaz inteligente. Com sete anos sabia ler os caracteres, com dez sabia compor versos e com vinte e dois participou nos concursos imperiais e obteve o doutoramento em Letras.

Com o comprimento de trinta li, no lago de Oeste, mandou o nosso poeta construir um dique, em cujas margens foram plantados lótus e salgueiros, de tal modo que parecem uma pintura. Chama-se, hoje, Dique de Su.

Nos últimos anos de sua vida, Su Dong Po foi exilado para o longínquo Sul da China, ilha de Ainão, em virtude das suas ideias diferirem politicamente das dosseus colegas na corte. Sofreu muito durante o exílio, uma vez que estava velho e com fraca saúde.

Foi mais famoso em shi (verso regular) do que em ci (verso lírico).

Após a mudança de política na corte, obteve a liberdade mas morreu no caminho para a capital, aos sessenta e seis anos de idade.

Sessenta anos depois da sua morte, o imperador Xiao Zong concedeu-lhe, a título póstumo, a insígnia de Duque da Literatura e da Lealdade.

    菩薩蠻
    PUSA MAN 
    (Buda/bárbaro)

    花褪殘紅杏小    
    Hua tui can hong qing xing xiao, 
    (Flor/perder a cor/resto/vermelho/verde/damasco/pequeno)
    燕子飛時
    Yanzi fei shi, 
    (Andorinha/voar/quando)
    綠水人空繞
    Lu shui renjia rao. 
    (Verde/água/família/rodear)
    枝上柳綿吹又少
    Zhi shang liu mian chui you shao, 
    (Ramo/em cima/salgueiro/flor/soprar/de novo/pouco)
    天涯何處無芳草
    Tianya hechu wu fang cao. 
    (Terra/onde/não/aromático/erva)
    牆內秋千牆外道
    Qiang nei qiuqian qiang wai dao, 
    (Muro/dentro/baloiço/muro/fora/rua)
    牆外行人
    Qiang wai xingren, 
    (Muro/fora/transeunte)
    牆內佳人笑
    Qiang nei jiaren xiao. 
    (Muro/dentro/beleza/rir). 
    笑漸不聞聲漸悄
    Xiao jian bu wen sheng jian qiao, 
    (Rir/pouco a pouco/não/ouvir/voz/pouco a pouco/silencioso)
    多情郤被無情惱
    Duoqing que bei wuqing nao. 
    (Muito/afeição/mas/ser/falta de coração/irritar)

    O BUDA BÁRBARO 

    As flores perdem o resto da sua cor vermelha e os damascos verdes são pequenos, 
    Quando voam as andorinhas, 
    As verdes águas rodeiam as casas. 
    Sobre os ramos do salgueiro, o vento sopra as flores da seda, que vão desaparecendo, 
    Não existem, na terra, ervas aromáticas? 

    Dentro do muro há um baloiço, fora, a rua, 
    Fora do muro, um transeunte, 
    Dentro do muro, o riso de uma mulher bonita. 
    O riso diminui pouco a pouco e a voz extingue-se, 
    Tanta paixão, porém, está angustiada, sem amor. 

HUANG TING JIAN (黃庭堅) —1045-1105

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Fenning, distrito de Hongzhou, província de Jiangxi. Era um importante funcionário imperial, conhecido não só pela sua prosa, mas também pela sua poesia, sobretudo a de estilo tradicional. Foi um de entre os quatro discípulos mais conhecidos de Su Dong Po e um dos melhores poetas, interessando-se, particularmente, pela rima e aliteração.

Foi ainda um calígrafo de renome e caracterizou-se pela originalidade de pensamento e estilo.

    清平樂
    QING PING YUE
    (Puro/calmo/melodia)

    春歸何處
    Chun gui hechu, 
    (Primavera/voltar/onde)
    寂寞無行路
    Jimo wu xing lu. 
    (Silencioso/não/andar/caminho)
    若有人知春去處
    Ruo y ou ren zhi chun qu chu, 
    (Se/ter/pessoa/saber/primavera/ir/lugar)
    喚取歸來同住
    Huanqu guilai tong zhu. 
    (Chamar/procurar/voltar/junto/habitar)

    春無蹤跡誰知
    Chun wu zongji shui zhi. 
    (Primavera/sem/rasto/quem/saber)
    除非問取黃鸝
    Chufei wenqu huangli. 
    (A não ser que/perguntar/procurar/oríolo)
    百囀無人能解
    Bai zhuan wu ren neng jie, 
    (Cento/gorjear/não/pessoa/poder/entender)
    因風飛過薔薇
    Yin feng fei guo qiangwei. 
    (Porque/vento/voar/passar/rosa)

    MELODIA PURA E CALMA 

    Para onde foi a Primavera? 
    Solitário, andando sem destino. 
    Se houver alguém que saiba aonde foi a Primavera, 
    Chame-a para me fazer companhia! 

    A Primavera não deixou rasto — quem sabe? 
    A não ser que perguntes ao oríolo...17 
    Ele cantou tanto que ninguém pôde entender. 
    Por causa do vento voou por cima das rosas. 

QIN GUAN (秦觀)—1049-1100

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Gaoyou, distrito de Yangzhou. Qin Guan foi um dos quatro alunos mais brilhantes de Su Dong Po. Escreveu com sentimento e habilidade. Tinha facilidade, nos seus versos, em estabelecer uma atmosfera clara com grande economia de palavras. Foi um óptimo poeta de imitação, seguindo sobretudo a técnica do seu mestre. Podia imitar Su Dong Po tão bem que este não conseguia distinguir o resultado da sua própria escrita. Mais tarde, os dois — mestre e aluno — tornaram-se bons amigos.

A crítica da época disse acerca de Qin Guan: "As palavras de Su Dong Po são mais bonitas do que os seus sentimentos; os sentimentos de Liu Yong são mais bonitos do que as suas palavras; o único cujos sentimentos correspondem às suas palavras é Qin Guan".

    憶王孫
    YI WANGSUN
    (Lembrança/príncipe)

    萋萋芳草憶王孫
    Qiqi fang cao yi wangsun 
    (Luxuriante/cheiroso/erva/lembrar/descendente principesco)

    柳外樓高空斷魂
    Liu wa lou gao kong duan hun. 
    (Salgueiro/fora/torre/alto/em vão/quebrar/alma)

    杜宇聲聲不忱聞
    Duyu shengsheng buren wen, 
    (Cuco/ruído/ruído/não/suportar/ouvir)

    欲黃昏
    Yu huang hun, 
    (Quase/escurecer)

    雨打梨花紳閉門
    Yu da li hua shen bi men. 
    (Chuva/abater/pereira/flor/bem/fechar/portão)

    LEMBRANÇA DO PRÍCIPE 

    As ervas perfumadas, tão luxuriantes, fazem-me lembrar o meu amor,18
    Do alto da torre, olho o salgueiro e a minha alma parte-se. 
    Não suporto ouvir os ruídos do cuco, 
    Está quase a escurecer, 
    A chuva abate as flores da pereira, feche-se bem o portão! 

LI QING ZHAO (李清照) — 1081-1145?

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Jinan, província de Shandong. Esta poetisa casou com Zhao Ming Cheng, aluno da Academia Imperial. Quando se deu a invasão dos Jins da Manchúria, o casal fugiu para o Sul da China. O marido morreu em 1129 e ela retirou-se para Taizhou, depois para Hangzhou, na província de Zhejiang. Em 1134, instalou-se em Jinhua, na mesma província.

Pode distinguir-se três períodos nas obras de Li Qing Zhao: o primeiro corresponde à época feliz da sua vida quando, jovem casada, escrevia versos ternos e graciosos; o segundo corresponde ao tempo em que, separada do marido, ausente devido ao posto oficial que detinha, compôs os seus melhores poemas que, embora melancólicos, estavam embuídos de esperança; o terceiro período é o da sua viuvez. Nos seus versos transpareceriam, então, notas dolorosas de uma mulher inconsolável.

Não se sabe a data exacta da morte da grande poetisa. É certo que ela viveu mais de 60 anos e que desapareceu depois do ano de 1140. Das suas obras ficaram apenas uma dezena de poemas intitulados A Colecção do Jade Puro.

Li Qing Zhao foi uma das maiores poetisas da China, conhecida pelo seu ci (poemas líricos). Soube não apenas escrever, mas cultivar sentimentos elevados em relação às Belas-artes.

    武陵春
    WULING CHUN
    (Wuling/primavera)

    風住塵香花已盡
    Feng zhu chen xiang hua yi jin, 
    (Vento/parar/poeira/perfumado/flor/já/fim)
    日晚倦梳頭
    Ri wan juan shutou, 
    (Dia/tarde/cansado/pentear-se)
    物是人非事事休
    Wu shi ren fei shishi xiu, 
    (Coisa/estar/pessoa/não/tudo/findar)
    欲語淚先流
    Yu yu lei xian liu. 
    (Querer/falar/lágrima/antes/correr)

    聞説雙溪春尚好
    Wen shuo Shuangxi chun shang hao, 
    (Ouvir/dizer/Shuangxi/primavera/ainda/bom)
    也擬泛輕舟
    Ye ni fan qing zhou; 
    (Também/pensar/andar/leve/barco)
    衹恐雙溪蚱蜢舟
    Zhikong Shuangxi zhameng zhou, 
    (Com receio de/Shuangxi/gafanhoto/barco)
    載不動許多愁
    Zai bu dong xuduo chou. 
    (Suportar/não/mover/tanto/sofrimento)

    PRIMAVERA EM WULING 

    O vento parou, nenhuma flor existe, a poeira permanece perfumada
    Ja é tarde, estou cansada de me pentear. 
    As coisas ficam, o ser humano, não — tudo finda!... 
    As lágrimas correm antes de eu falar. 

    Ouvi dizer que em Shuangxi19 a Primavera é ainda bonita, 
    Assim, decidi dar um passeio num barco ligeiro. 
    Só receio que os leves20 barcos de Shuangxi
    Não suportem o peso de tanto sofrimento. 

LI ZHI YI (李之儀)— C. 1090

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu na província de Shandong. Participou nos concursos imperiais e obteve o seu doutoramento em Letras, tendo posteriormente ingressado nos serviços oficiais. Foi assistente de Su Dong Po, sendo influenciado por este último na composição de versos. A crítica chinesa considerou-o como um dos melhores poetas devido à concisão dos seus ci ( poemas líricos ) e atribuiu-lhe uma categoria igual à de Qin Guan.

Mais tarde, Li Zhi Yi foi perseguido, quando o seu protector, Su Dong Po, perdeu influência na corte.

O poema aqui seleccionado foi escrito em estilo popular.

    卜算子
    BU SUANZI
    (Predizer/contador)

    我住長江頭
    Wo zhu Changjiang tou, 
    (Eu/morar/Grande-Rio/topo)
    君住長江尾
    Jun zhu Changjiang wei. 
    (Tu/morar/Grande-Rio/cauda)
    日日思君不見君
    Riri si jun bu jian jun, 
    (Cada dia/pensar/tu/não/ver/tu)
    共飲長江水
    Gong yin Changjiang shui. 
    (Juntos/beber/Grande-Rio/água)
    此水幾時休
    Ci shui ji shi xiu, 
    (Este/água/quando/esgotar)
    此恨何時已
    Ci hen heshi yi. 
    (Este/remorso/quando/acabar)
    衹願君心似我心
    Zhi yuan jun xin si wo xin, 
    (Somente/desejar/tu/coração/assemelhar/eu/coração)
    定不負相思意
    Ding bu fu xiangsi yi. 
    (Certo/não/desiludir/mútuo/pensar/ânsia)

    O ADIVINHO 

    Eu moro no princípio do Grande Rio, 
    Tu moras no fim do Grande Rio. 
    Todos os dias penso em ti e não te vejo, 
    Bebemos ambos as águas do Grande Rio. 

    Quando esgotarão estas águas? 
    Quando acabarão estes remorsos? 
    Desejo apenas que o teu coração se assemelhe ao meu, 
    E certamente não se desiludirá a ânsia do amor. 

Lu You (陸游)—1125-1210

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu na província de Zhejiang. Lu Youfoi um autor espantosamente prolífico. Descreveu, nos seus poemas, a vida quotidiana do povo — o festival das lanternas, a florista, médicos e medicamentos da aldeia, serviço na fronteira, etc. Contudo, grande parte das suas obras, por terem sido inspiradas por um sentimento de piedade em relação aos problemas da comunidade, ocultam o carácter divertido e sensível do poeta.

Foi forçado pela mãe a divorciar-se da mulher a quem amava. Além disso, nãoconseguiu lutar na fronteira contra os Tártaros de Jin, que ocuparam o Norte da China. Quando foi ao Norte com o exército, na qualidade de assistente civil, a guerra já tinha terminado. Sentiu-se agitado e triste por não poder servir o seu país. O seu sonho era a reunificação da China.

Lu You deixou-nos uma boa quantidade de poemas; o seu encanto natural e poder de descrição permanecem e não foram ainda devidamente explorados.

    訴衷情
    SU ZHONGQING
    (Falar/íntimo/sentimento)

    當年萬里覓封侯
    Dangnian wan li mi feng hou, 
    (Outrora/dez mil/ li /buscar/enobrecer/
    匹馬戍梁州
    Pi ma shu Liangzhou. 
    (Só/cavalo/guardar/Liangzhou)
    關河夢斷何處
    Guan he meng duan hechu, 
    (Passagem/rio/sonho/despedaçar/onde)
    塵暗舊貂裘
    Chen an jiu diao qiu. 
    (Poeira/escurecer/velho/zibelina/casacão)
    圾未滅
    Hu wei mie, 
    (Tártaro/não/exterminar)
    鬢先秋
    Bin xian qiu, 
    (Cabelo/já/Outono) 
    淚空流 
    Lei kong liu. 
    (Lágrima/em vão/correr)
    此生誰料
    Ci sheng shei liao, 
    (Este/vida/quem/prever)
    心在天山
    Xin zai Tianshan, 
    (Coração/estar/Celeste/Montanha)
    身老滄洲
    Shen lao Cangzhou. 
    (Corpo/envelhecer/Cangzhou)

    FALANDO DOS SENTIMENTOS ÍTIMOS 

    No passado percorri dez mil  li em busca de honrarias, 
    Cavalgava, sozinho, guardando a passagem de Liangzhou. 
    Os meus sonhos ficaram despedaçados nas passagens do rio. 
    A poeira escureceu o meu velho casacão de zibelina. 
    Os Tártaros ainda não foram exterminados, 
    O meu cabelo ficou já grisalho,21
    As lágrimas correram em vão. 
    Quem prevê esta vida? 
    O meu coração está em Tianshan,22
    O meu corpo envelhece em Cangzhou.23

XIN QI JI (辛棄疾)—1140 -1207

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Jinnan, na província de Shandong. Foi um dos mais célebres poetas da dinastia Song do Sul (1127-1279). Na altura do seu nascimento, esta província estava já sob a ocupação dos Jins. Fiel à dinastia Song, acompanhou o imperador Gao Zong até Hangzhou. Foi tão bom general quanto notável poeta. Desempenhou as funções de governador militar das províncias de Jiangxi, Fujian e Hunan, e ligou-se à reconquista dos territórios perdidos.

Xin Qi Ji, na sua juventude, lutou contra os invasores estrangeiros e encarou comgravidade a queda de seu país às mãos dos usurpadores.

Só no fim da vida a sua poesia foi admirada e sê-lo-ia cada vez mais.

Na literatura chinesa, Xin Qi Ji revelou-se um dos melhores obreiros de poemas líricos e escreveu, exclusivamente, versos em forma de ci (poemas líricos).

    丑奴兒
    CHOU NUER
    (Feio/escrava)

    少年不識愁滋味
    Shaonian bu shi chou ziwei, 
    (Juventude/não/saber/melancolia/sabor)
    愛上層樓
    Ai shang ceng lou, 
    (Gostar/subir/degrau/pavilhão)
    愛上層樓
    Ai shang ceng lou, 
    (Gostar/subir/degrau/pavilhão)
    爲賦新辭強說
    Wei fu xin ci qiang shuo chou. 
    (Para/fazer/novo/verso/mais/falar/melancolia)

    而今識盡愁滋味
    Erjin shi jin chou ziwei, 
    (Agora/conhecer/tudo/melancolia/sabor)
    欲說還休
    Yu shuo hai xiu, 
    (Querer/falar/ainda/parar)
    欲說還休
    Yu shuo hai xiu, 
    (Querer/falar/ainda/parar)
    卻道天涼她個秋
    Que dao tian liang hao ge qiu. 
    (Mas/dizer/dia/ameno/bom/um/Outono)

    A ESCRAVA FEIA 

    Na juventude, não conhecia o sabor da melancolia, 
    Gostava de subir os degraus do pavilhão, 
    Gostava de subir os degraus do pavilhão, 
    E compor novos versos, falando sobretudo da melancolia. 

    Agora conheço todo o sabor da melancolia, 
    Quero falar, mas paro, 
    Quero falar, mas paro, 
    Digo apenas: "um dia ameno e um belo Outono". 

JIANG KUI (姜夔)— 1155 -?

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Poyang, na província deJiangxi. Cresceu em Hanyang, onde o seu pai era subprefeito. Mais tarde, viajaria por diversas vezes entre Changsha, Hanyang e Hefei. Além de poeta, foi um bom músico. Os seus versos são harmoniosos e elegantes.

Jiang Kui compunha a música que ele próprio executava.

Deixou alguns poemas líricos. Foi homem de saúde delicada, muito hospitaleiro, mas pobre; foi também um coleccionador delivros e de pergaminhos. Diziam que era um homem de grande encanto.

    醉吟商
    ZUI YIN SHANG
    (Ébrio/canção/nota musical)

    又正是春歸
    You zhengshi chun gui, 
    (Outra vez/precisamente/primavera/voltar)

    細柳暗黃千縷
    Xi liu an huang qian lu. 
    (Fino/salgueiro/escuro/amarelo/mil/fio)

    暮鴨啼處
    Mu ya ti chu. 
    (Crepúsculo/gralha/grasnar/empoleirar)

    夢逐金鞍去
    Meng zhu jin an qu, 
    (Sonho/perseguir/oiro/sela/ir)

    一點芳心休訴
    Yidian fang xin xiu su, 
    (Um pouco/virtuoso/coração/cessar/dizer)

    瑟琶解語
    Pipa jie yu. 
    (Viola/explicar/palavra)

    CANÇÃO DA EMBRIAGUEZ 

    Outra vez o regresso da Primavera, 
    Os mil fios do fino salgueiro amarelecem, 
    No crepúsculo, empoleiradas, grasnam as gralhas. 

    Em sonhos, persigo, correndo, uma sela de ouro,24 
    Não digas o que escondes no coração, 
    Explica-te por meio da tua viola. 

MA ZHIYUAN (馬致遠)—1270-1330

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Beijing (Pequim). A sua obra mais representativa foi Outono no Palácio Han, em que idealizava o imperador Yuan dos Hans. Apresenta a pessoa de Wangjiang como uma heroína nobre; a sua coragem e patriotismo contrastam com a inépcia e a cobardia dos oficiais militares e civis. Ma Zhi Yuan era na altura um dos mais importantes dramaturgos.

Na dinastia Yuan (1279-1368) surgiram grandes peças teatrais chamadas Beiqu (canção com a pronúncia do Norte), que os chineses doSul não compreendiam. Mais tarde, surgiram também as peças teatrais que se denominavam Nanqu (canção com a pronúncia do Sul).

Existe no entanto uma diferença entre estes dois tipos de teatro: enquanto no Norte é mais formalizado, no Sul torna-se mais livre quanto ao uso da linguagem e dos tons e quanto à maneira de cantar.

    天凈沙
    TIAN JING SHA
    (Céu/limpar/areia)

    枯藤老樹昏鴉
    Ku teng lao shu hun ya, 
    (Seco/trepadeira/velho/árvore/crepúsculo/corvo)

    小橋流水人家
    Xiao qiao liushui renjia. 
    (Pequeno/ponte/corrente/casa)

    古道西風瘦馬
    Gu dao xifeng shou ma, 
    (Antigo/via/oeste/vento/magro/cavalo)

    夕陽西下
    Xiyang xi xia, 
    (Tarde/sol/oeste/descer)

    斷腸人在天涯
    Duanchang ren zai tianya. 
    (Destroçado/intestino/viajante/estar/céu/limite)

    O CÉU LIMPA A AREIA 

    Trepadeiras secas, velhas árvores, corvos no crepúsculo, 
    Uma ponte pequena, uma corrente, umas casas; 
    Uma antiga via, o vento oeste, um cavalo magro, 
    Na tarde, o sol põe-se a oeste, 
    E um viajante de coração destroçado está no limite do céu. 

JIANG JIE (蔣捷) — C. 1270

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu na província de Jiangsu. Jiang Jie obteve o seu doutoramento em Letras nos anos de 1275-1276, e ingressou nos serviços do Império no final da dinastia Song que, mais tarde, foi derrotada pelos Mongóis. Retirou-se então para não servir à nova dinastia Yuan (Mongol), apesar dos novos governantes pedirem para continuar no seu cargo. Por essa razão foi admirado pelas gerações subsequentes.

O seu estilo é simples e os seus versosdescritivos estão repletos de expressões que lhe são muito próprias.

Descreveu, no poema que se segue, as suas viagens através do país na qualidade de oficial do Império, pensando na sua terra natal.

    虞美人
    YU MEIREN
    (Yu/bela)

    少年聽雨歌樓上
    Shaonian ting yu ge loushang, 
    (Jovem/ouvir/chuva/cantar/andar/superior)
    紅燭昏羅帳
    Hong zhu hun luo zhang. 
    (Vermelho/vela/luzir/seda/cortina)
    壯年聽雨客舟中
    Zhuangnian ting yu kezhou zhong, 
    (Viril/idade/ouvir/chuva/passageiro/barco/dentro)
    江濶雲低斷雁叫西風
    Jiang kuo yun di duan yan jiao xifeng. 
    (Rio/vasto/nuvem/baixo/despedaçar/ganso selvagem/gritar/oeste/vento)

    而今聽雨僧盧下
    Erjin ting yu seng lu xia, 
    (Agora/ouvir/chuva/monge/cabana/em baixo)
    鬢已星星也
    Bin yi xingxing ye. 
    (Cabelo/já/estrela/estrela/ah!)
    悲歡離合轂無情
    Beihuanlihe zong wuqing, 
    (Tristeza/alegria/separação/reunião/tudo/sem/amor)
    一任階前點滴到天明
    Yiren jie qian diandi dao tianming. 
    (Conceder/degrau/diante/gota a gota/até/madrugada)

    A BELA DE YU 

    Na juventude, ouvi a chuva no pavilhão das cantoras, 
    Onde as velas vermelhas luziam nas cortinas de seda. 
    Na flor da idade, ouvi a chuva dentro dos barcos de passageiros
    Nos vastos rios, sob nuvens baixas, os gansos selvagens gritavam ao vento oeste. 

    Agora, ouço a chuva sob a cabana dos monges, 
    O meu cabelo é prata, como estrelas! 
    Tristeza, alegria, separações e encontros são-me indiferentes, 
    Não me importo que a chuva tombe, frente aos degraus, gota a gota, até ao amanhecer. 

SA DU LA (薩都喇) — 1308 -?

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Sa Du La era Mongol. Nasceu, todavia, na China e viveu na província de Shanxi. O exército de Gengiscão deslocou-se para o Sul em 1211 com o objectivo de atacar os Tártaros que se haviam instalado no Norte da China, sob a dinastia Jin.

Mais tarde, Gengiscão dirigiu-se para oeste, mas os seus descendentes regressariam, desejando conquistar a Chin. Avançaram para sul, capturando Hangzhou, capital dos Songs do Sul, em 1276. Kubilai Cão unificaria o império chinês em 1280.

Sa Du La passou no exame de doutoramento em Letras e teria, eventualmente, ocupado um cargo importante como governador da província de Fujian.

O poema que traduzimos é o lamento de uma cidade em ruínas. Será o lamento sincero de um descendente dos destruidores da cidade? Será o lamento de um Mongol sinizado?

    念奴嬌
    NIAN NU JIAO
    (Lembrança/escrava/encantada)
 
   石頭城上
    Shitou cheng shang, 
    (Pedra/cidade/sobre)
    望天低
    Wang tian di; 
    (Olhar/céu/baixo)
    吳楚眠中無物
    Wu Chu yan zhong wu wu. 
    (Wu/Chu/olho/dentro/não/coisa)
    指点六朝
    Zhidian Liuchao, 
    (Mostrar/Seis Dinastias)
    形勝地
    Xing shengdi; 
    (Figura/vitorioso/lugar)
    惟有青山如壁
    Weiyou qingshan ru bi. 
    (Só/ter/verde/montanha/talcomo/muro)
    蔽日旌旗
    Bi ri jingqi, 
    (Tapar/sol/bandeira/estandarte)
    連雲檣櫓
    Lian yun qiang lu; 
    (Tocar/nuvem/mastro/gingar)
    白骨紛如雪
    Baiqu fen ru xue. 
    (Branco/osso/espalhar/como/neve)
    一江南北
    Yi jiang nanbei, 
    (Inteiro/rio/sul/norte)
    消磨多少豪傑
    Xiaomo duoshao haojie? 
    (Morrer/quanto/herói)

    LEMBRANÇA DA ESCRAVA ENCANTADA 

    Sobre a cidade de pedra, 
    Olhando o céu e a terra; 
    Da grandeza dos reinos Wu e Chu,25 nada resta. 
    Indico as Seis Dinastias,26
    Cujos lugares foram famosos; 
    Ficaram apenas verdes montanhas, como muros. 
    Estandartes que taparam o sol, 
    Mastros que gingam, tocando as nuvens, 
    Ossos brancos, espalhados como neve. 
    A Norte e a Sul do Grande Rio, 
    Quantos heróis terão morrido? 

LIU JI(劉基)—1311-1375

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu no tempo da dinastia Yuan (1279-1368), mas os últimos sete anos da sua vida foram passados na dinastia Ming (1368-1644). Na capital, desempenhou um papel muito importante como sábio e estadista. Possuía a reputação de ser duro e intransigente.

A nota convencional do poema de separação que se segue, em que uma mulher tem saudades do seu amante que se encontra longe, é superada pela sagacidade com que é retratada a situação.

    眼兒媚
    YANER MEI
    (Olho/encanto)

    萋萋煙草小樓西
    Qiqi yan cao xiao lou xi, 
    (Luxuriante/vapor/erva/pequeno/torre/oeste)
    雲壓雁聲低
    Yun ya yan sheng di. 
    (Nuvem/apressar-se/ganso selvagem/grito/extinguir-se)
    兩行疏柳
    Liang hang shu liu, 
    (Dois/fila/espaçado/salgueiro)
    一絲殘照
    Yi si canzhao, 
    (Único/fio/deficiente/iluminar)
    萬點鴉棲
    Wan dian y a qi. 
    (Dez mil/ponto/corvo/empoleirar)
    春山碧樹秋重綠
    Chun shan bi shu qiu chong lu, 
    (Primavera/montanha/azul/árvore/Outono/denovo/verde)
    人在武陵溪
    Ren zai Wuling xi. 
    (Pessoa/estar/Wuling/ribeira)
    無情明月
    Wuqing mingyue, 
    (Sem/amor/lua-cheia)
    有情歸夢
    You qing gui meng, 
    (Ter/amor/vir junto/sonho)
    同到幽閨
    Tong dao y ou gui. 
    (Junto/chegar/retirado/toucador)

    ENCANTO DOS OLHOS 

    A oeste do pequeno pavilhão, luxuriante, a erva húmida, 
    As nuvens apressam-se, os gritos dos gansos selvagens extinguem-se. 
    Duas filas de salgueiros, espaçadas, 
    Um único fio de luz, brilha, ténue, 
    Dez mil pontinhos, são os corvos, nas árvores empoleirados. 

    Na Primavera, a montanha é de jade, no Outono, verde escuro, 
    Alguém está na Ribeira de Wuling, 
    Sem amor, sob a lua-cheia, 
    Com amor, em sonhos, chegavam juntos, 
    E juntos chegavam ao retirado toucador. 

NALAN XINGDE(納蘭性德)—1655-1685

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Oriundo da Manchúria, Nalan Xingde foiguarda oficial do palácio Imperial e consta que se teria apaixonado por uma das concubinas imperiais, o que obviamente inviabilizava o casamento.

A dinastia Manchu, Qing (1644-1911), ocupou o trono da China 11 anos antes do nascimento do nosso poeta. Por conseguinte, ele cresceria pensando em Beijing (Pequim) como sendo a sua própria casa e aprendeu o chinês desde a infância.

Tornou-se um dos melhores escritores líricos da língua chinesa da época. Os seus versos exprimem ilusões. A sua vida foi brevemas a sua poesia, plena de beleza, ficaria para sempre na história da literatura chinesa.

O poema que se segue descreve as correntes do rio, a montanha, o vento e a neve, tendo talvez sido inspirado por uma expedição militar na fronteira.

    長相思
    CHANG XIANGSI
    (Longo/pensamento)
    
    山一程
    Shan yi cheng, 
    (Montanha/um/etapa)
    水一程
    Shui yi cheng, 
    (Água/um/etapa)
    身向榆關那耽行
    Shen xiang Yuguan na pan xing, 
    (Corpo/para/Yuguan/aquele/margem/andar)
    夜紳千帳鐙
    Yeshen qian zhang deng. 
    (Noite/profunda/mil/cortina/lanterna)

    風一更
    Feng yi geng, 
    (Vento/um/vigília)
    雪一更
    Xue yi geng, 
    (Neve/um/vigília)
    壛碎鄉心夢不成
    Guo sui xiang xin meng bucheng, 
    (Ruído/magoar/terra natal/coração/sonho/não/conseguir)
    故園無此聲
    Gu yuan wu ci sheng. 
    (Antigo/jardim/não/este/som)

    LONGOS PENSAMENTOS 

    Uma estância na montanha, 
    Uma estância na água... 
    Vou para a margem de Yuguan,27
    Na noite profunda, lanternas em mil cortinas. 

    Uma vigília ao vento, 
    Uma vigília na neve... 
    Um ruído magoou-me o coração, não consigo sonhar com a terra natal, 
    No antigo jardim não havia este som. 

GUO MO RUO (郭沫若) —1892 -1978

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu no distrito de Yueshan, na província de Sichuan. Foi ilustre poeta, historiador, dramaturgo, crítico, arqueólogo e grande activista social da nossa época.

Em 1913, depois de ter acabado os seus estudos no liceu, foi ao Japão estudar medicina e, aí, leu inúmeros livros estrangeiros sobre literatura. Em 1919 começou a escrever e, em 1921, publicou uma colecção de poemas intitulada Nushen (Deusa), através da qual inaugurava um novo estilo poético. Desempenhou papel importante no movimento de renovação literária e fundou, em Julho de 1921, a célebre sociedade "A Criação".

Em 1923, voltou do Japão e desenvolveu activamente o movimento literário na China.

Em Março de 1926, foi a Guangzhou (Cantão) a fim de desempenhar as funções de Director da Faculdade de Letras da Universidade daquela cidade. Em Julho do mesmo ano, participou na grande Expedição do Norte. No dia 1 de Agosto de 1927, participou na revolta de Nanchang.

Após 1928, viveria uma dezena de anos no Japão, estudando a história da Antiga China e escreveu obras científicas famosas tais como Investigação sobre a sociedade da Antiga China e Investigação sobre inscrições antigas em ossos de animais e escamas de tartaruga.

Em 1937, a agressão japonesa contra a China conduziu-o novamente para a luta. Depois da guerra, permaneceu nos territórios administrados pelo Partido Comunista. Exerceu altas funções no seio do Governo Popular Chinês (Vice-presidente do Conselho, Presidente do Comité Cultural e da Educação, Presidente da Federação Nacional de Literatura e das Artes, Presidente da Academia das Ciências, etc.).

    阿母
    A MU
    (A Mãe)

    阿母心悲切
    A mu xin beiqie, 
    (A mãe/coração/triste)
    送兒直上舟
    Song er zhi shang zhou. 
    (Acompanhar/filho/directamente/embarcar/barco)
    淚枯惟刮眼
    Lei ku wei gua yan, 
    (Lágrima/secar/somente/esfregar/olho)
    灘轉未回頭
    Tan zhuan wei huitou. 
    (Praia/afastar/não/voltar/cabeça)
    流水紳紳恨
    Liushui shenshen hen, 
    (Correr/água/profundadamente/lamentar)
    雲山疊疊愁
    Yun shan diedie chou. 
    (Nuvem/montanha/muitas vezes/melancólico)
    艱忘江畔語
    Nan wang jiang pan yu: 
    (Difícil/esquecer/rio/margem/palavra)
    休作異邦游
    Xiu zuo yi bang you! 
    (Parar/fazer/estrangeiro/país/viajar)

    MÃE 

    O coração da mãe está triste, 
    Quando acompanha o filho até à entrada do barco. 
    As lágrimas só secam se esfregar os olhos, 
    Afastando-se na praia, não volta a cabeça. 
    É um lamento profundo como as águas que correm, 
    Como eu, melancólicas, nuvens e montanhas. 
    Não esqueço as palavras à beira do rio: 
    Pára de viajar para outros países! 

MAO ZE DONG (毛澤東) —1893 - 1976

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu na aldeia de Shaoshanchong (actualmente Shaosha Qu), distrito de Xiangtan, província de Hunan.

Em 1911, quando contava dezasseis anos, demonstrou ser um grande revolucionário, sentimento que manifestou através da divisa Da Han Minguo wansui! (Viva a Grande República Han!).

Com oito anos, frequentou a escola primária de tipo tradicional, onde os estudantes aprendiam a recitar os Clássicos e Confúcio sem, no entanto, os compreenderem. Aos treze anos foi obrigado pelo pai a abandonar a escola, consagrando-se de tempo inteiro ao trabalho no campo. Porém, M a o continuou a ler e a aprender sozinho. Segundo se diz, a partir dos seis anos de idade teria começado a ajudar o pai nos trabalhos do campo. Com dezasseis anos, apesar da oposição do pai, matriculou-se numa escola moderna, a Escola Primária Superior de Dongshan, perto de Xiangxiangxian, distrito onde nasceu a mãe. Na referida escola, pela primeira vez entrou em contacto directo com as correntes modernas do pensamento vindas da Europa e do Japão que, na altura, já era o país mais ocidentalizado do Continente Asiático.

Em 1913, Mao matriculou-se na Quarta Escola Normal, onde graduou-se, na Primavera de1918. Durante estes cinco anos de estudo, adquiriu uma grande parte da sua educação, tanto clássica como moderna, tanto chinesa como ocidental.

Ao deixar a escola, Mao estreou-se como assistente bibliotecário na Biblioteca da Universidade de Beijing (Pequim).

No Verão de 1919, quando regressou a Hunan, lançou-se na actividade política, a que se seguiram as demonstrações de 4 de Maio de1919, actividade política que culminou com a direcção máxima da Nação no ano de 1954.

    長征
    CHANGZHENG
    (Longa Marcha)

    紅軍不怕遠征難
    Hongjun bu pa yuanzheng nan, 
    (Vermelho/exército/não/recear/expedição/difícil)
    萬山千山衹等閑
    Wanshuiqianshan zhi dengxian. 
    (Dez mil/rio/mil/montanha/apenas/fácil)
    五嶺逶迤腾細浪
    Wuling weiyi teng xi lang, 
    (Wuling/sinuoso/galopar/miúdo/onda)
    烏蒙磅礡走泥丸
    Wumeng pangbo zou ni wan. 
    (Wumeng/imenso/marchar/lama/bolinha)

    金沙水拍雲崖暖
    Jinsha shui pai yun ya nuan, 
    (Jinsha/água/tocar/nuvem/fraga/tépido)
    大渡橋橫鐵索寒
    Dadu qiao heng tiesuo han. 
    (Dadu/ponte/transversal/ferro/cadeia/frio)
    更喜岷山千里雪
    Geng xi Minshan qian li xue, 
    (Mais/contente/Minshan/mil/li/neve)
    三軍過後盡開顏
    Sanjun guo houjin kaiyan. 
    (Três/exército/passar/depois/tudo/sorriso)

    LONGA MARCHA 

    O Exército Vermelho não receia expedições difíceis, 
    Dez mil rios e mil montanhas são para ele fáceis de atravessar. 
    No tortuoso Wuling,28 galopando como ondas miúdas, 
    No majestoso Wumeng marchando como bolinhas de lama. 

    As vagas de Jinsha29 tocam as nuvens, os tépidos penhascos, 
    Estão geladas as cadeias de ferro assentes sobre a ponte de Dadu. 
    Que alegria, avistar as magníficas neves de Minshan!30 
    Após a passagem do Grande Exército,31 toda a gente sorri. 

ZHANG AI PING (張愛萍) N. 1910

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu em Daxian, na província de Sichuan. Em 1926, aderiu à Liga da Juventude Comunista Chinesa e, em 1928, tornou-se membro do Partido Comunista. Mais tarde, foi membro do Comité Central do Partido. A partir de 1925, participou no Movimento dos Camponeses e Estudantes. Em 1929, alistou-se no Exército Vermelho. Foi Chefe de um Regimento. Posteriormente nomearam-no Primeiro Secretário do distrito central da Liga da Juventude Comunista e dirigiu o Departamento Político das Três Armadas Vermelhas. Em 1934 participou na Longa Marcha. Durante a guerrafoi Secretário do Comité Provincial de Jiangsu, Anhui e Henan, do Partido Comunista. Foi ainda Vice-comandante em Chefe da zona militar da China Central, durante a guerra de libertação. Mais tarde, foi Comissário político e Comandante do Exército Naval da Zona Leste da China. Depois da fundação da República Popular, exerceu o cargo de Comandante da Zona Militar da Província de Zhajiang e foi Vice-chefe do Estado-maior.

Actualmente, é Vice-Primeiro-Ministro, Membro do Conselho de Estado e Ministro da Defesa Nacional da China. Na qualidade de Ministro da Defesa visitou Portugal a convite de seu colega, Rui Machete, então na mesma pasta. Durante sua estadia, visitou o Cabo da Roca, lugar que lhe serviu de inspiração para escrever um poema como testemunho de agradecimento e em homenagem ao Povo Português — é esse o poema que reproduzimos a seguir.

    卜算子
    BU SUANZI
    (Predizer/contador)

    驚喜到天涯
    Jingxi dao tianya, 
    (Surpreendente/alegre/chegar/céu/limite)
    大洋從此去
    Dayang cong ci qu. 
    (Grande/oceano/daqui/partir)
    得幸同遊蓬萊角
    Dexing tong you Penglai jiao, 
    (Com sorte/junto/viajar/Penglai/ponta)
    望洋心潮激
    Wang yang xin chang ji. 
    (Olhar/oceano/emoção/sentimento/surgir)

    雲浪擊懸崖
    Xue lang ji xuanya, 
    (Neve/vaga/atacar/falésia)
    狂飆動天地
    Kuangbiao dong tiandi. 
    (Furacão/mover/céu/terra)
    我欲乘風跨海飛
    Wo yu chengfeng kuahai fei, 
    (Eu/querer/aproveitar/vento/saltar/mar/voar)
    展翅虅空起
    Zhanchi tengkong qi. 
    (Estender/asa/erguer-se/espaço/levantar)

    O ADIVINHO 

    Fico surpreendido com alegria chegando ao fim do Mundo, 
    O Grande Oceano parte daqui. 
    Com sorte viajo acompanhado dos meus amigos até ao Cabo dos Imortais,32
    Que sentimento e emoção surgem em mim ao olhar o Oceano! 

    As ondas brancas como neve atacam a falésia, 
    O furacão faz mover o Céu e a Terra. 
    Quero aproveitar o propício vento, saltando por cima do Mar, voando, 
    Estendo as asas, erguendo-me no espaço, subindo. 

CHENG XI (程曦) — N. 1919

© Ilustração por Lei Chi Ngok

Nasceu na província de Hebei. Licenciado na China, obteve o grau de Mestre em Cambridge.

Viajou muito. Iniciou o seu trabalho como assistente de investigação na Academia Sínica, em Taibei (Formosa) e, mais tarde, leccionou nas Universidades de Hong Kong, Cambridge, Londres e Malásia.

Cheng Xi é professor associado de Chinês na Universidade de Iowa, na América do Norte, onde presentemente lecciona poesia e drama.

É, além disso, músico, cantor e humorista de grande talento.

O poema que aqui se apresenta descreve a ocupação japonesa da China durante a terceira década deste século.

    臨江仙
    LIN JIANG XIAN
    (Margem/rio/imortal)

    翻破陳雲徵大地
    Fan po zhen yun zheng dadi
    (Abanar/quebrar/posição/nuvem/conquistar/terra)
    奮威狂舞塵沙
    Fen wei kuang wu chen sha. 
    (Esforçar-se/poderio/louco/dançar/pó/areia)
    怒侵江海卷龍蛇
    Nu qin jiang hai juan long she, 
    (Furioso/invadir/rio/mar/mover/dragão/serpente)
    掀波振浪
    Xian bo zhen lang, 
    (Levantar/vaga/sacudir/onda)
    倏忽返天涯
    Shuhu fan tianya. 
    (De repente/voltar/céu/limite)
    浩氣欲摧山岳動
    Haoqi yu cui shan yue dong, 
    (Espírito nobre/querer/demolir/montanha/serra/mover)
    危峰矗立堪嗟
    Wei feng chuli kan jie! 
    (Perigoso/pico/erguer-se alto/merecer/ah)
    長林日暮響悲笘
    Chang lin ri mu xiang bei jia, 
    (Comprido/bosque/sol/pôr/ressoar/melancólico/flauta)
    無邊落葉
    Wubian luoye, 
    (Sem/limite/queda/folha)
    飄閃逐寒鴉
    Piao shan zhu hanya. 
    (Flutuar/esgueirar/seguir/gralha)

    O IMORTAL NA MARGEM DO RIO 

    Quebra a posição das nuvens, conquistando a terra, 
    Pó e areia dançam loucamente sob o seu impulso... 
    Com ira invade rios e mares, rolando dragões e serpentes, 
    Levanta ondas e sacode vagas, 
    De repente, volta para o limite do céu. 

    Com espírito nobre, quer demolir montanhas e mover serras, 
    O pico perigoso que se ergue alto merece elogios. 
    Na longa floresta, ao pôr do sol, ressoa a melodia triste da flauta, 
    As folhas caem por toda a parte, 
    Flutuando e esgueirando-se, seguem-se as gralhas. 

** Nota do Editor: Mêncio.

***Nota do Editor: Por ser praxe, não só nas edições da RC, como em todas as publicações do território de Macau (salvo, porventura, excepções), são adoptados, neste artigo, caracteres complexos.

1. A pronúncia do sistema pinyin (拼音 ), resumida pelo Prof. Rygaloff, é transcrita no Quadro I (só as consoantes iniciais).

2. Pengxian foi um dos ministros sábios e competentes de Chu. A História conta que o soberano não ouviu os seus conselhos acerca de uma governação justa e correcta. Por esse motivo suicidou-se, afogando-se no rio Miluo.

3. Qing chang, "cantar claro", significa cantar de improviso, sem preparação.

4. Em chinês, Changjiang, Yangjiang, Yangzijiang: "Longo Rio", lang-Tsé, Rio Azul—rio lansequião.

5. São poemas de oito linhas, cada uma delas com sete caracteres, de acordo com uma regra muito rigorosa. A rima encontra-se particularmente no último carácter de cada linha.

6. Jiuchongtian, "nove degraus do céu", e shengming, "santa luz", são sinónimos e significam Imperador.

7. Wangsun significa "descendente principesco".

8. Montanha Peng ou Montanha dos Imortais—montanha lendária das ilhas de Penglai, no Mar Oriental.

9. Qingniao, "pássaro azul", é o nome dado ao mensageiro de Xiwangmu—" rainha-mãe do Ocidente", filha do Senhor Celestial e soberano dos lugares onde o Sol se põe.

10. Lao, "velho", "envelhecer", é também sinónimo de "morrer".

11. Lubianren, "pessoa ao lado da mesa" ou, "ao lado dopote de vinho", isto é, pessoa ou rapariga que serveo vinho.

12. Yue, "lua", sobretudo a lua-cheia, é o símbolo dabeleza da mulher.

13. Vernota9.

14. Refere-se ao lugar dos três desfiladeiros do antigo reino de Chu, onde as águas turbulentas se elevam ao alto.

15. Dong, "leste", ocorre duas vezes neste poema e, tal como ficou dito na sua biografia, isto custou caro ao nosso poeta, pois as referências fizeram com que o imperador Tai Zong suspeitasse de que o imperador-poeta Li Yu tivesse planeado uma rebelião pararestaurar o império perdido a Leste do Grande Rio.

16. Yuanye, décima quinta noite do primeiro mês docalendário lunar, traduz-se "Festival das Lanternas"por ambas as datas coincidirem-se.

17. Huangli, "oríolo", é considerado um pássaromigratório e mensageiro.

18. Wangsun, "descendente principesco", significa, nestecaso, a pessoa amada.

19. Shuangxi, "Duplo Regato".

20. Zhameng, "gafanhoto", figurativamente significa"leve como um gafanhoto".

21. Qiu, "Outono", frequentemente é utilizado parasimbolizar a melancolia, a monotonia e como sinalda velhice.

22. Tianshan, "Montanha Celeste", encontra-se naprovíncia de Xinjiang, ao norte do Turquestão chinês.

23. Cangzhou é o nome atribuído ao lugar para onde osletrados e os sábios da antiguidade se retiravam.

24. Jin an denota um nobre ou rico possuidor de cavalos e arreios, isto é, "um sonho de riqueza".

25. Wu, "Reino de Wu", situava-se no curso inferior do rio lansequião; Chu, "Reino de Chu", localizava-se no que são actualmente as províncias de Hunan e Hubei. Foram dois reinos muito famosos no que diz respeito às artes na China antiga, principalmente no século VI a. C.

26. Liuchao, "Seis Dinastias" (317-589).

27. Yuguan era o ponto onde convergiam a passagem da Grande Muralha e o mar que separava a antiga China da Manchúria e que, agora, é conhecido por Shanhaiguan, "Passagem da Montanha e do Mar".

28. Cinco Cordilheiras.

29. Areiasde Ouro.

30. Monte Min.

31. Sanjun, "Três Exércitos", no poema denota o Exército Vermelho da Longa Marcha.

32. Penglaijiao, "Cabo dos Imortais", denota o Cabo da Roca, visitado pelo Ministro da Defesa da República Popular da China no dia 20 de Julho de 1985. Este poema foi dedicado aos acompanhantes da viagem.

Quadro I

 

lang=EN-US>

labiais

Dentais

alveolares

retrofiexivas

Palatais

velares

Orais

oclusivas

não

aspiradas

B [p]

d [t]

z[ts]

zh [t]

J[tc~']

g [k]

Aspiradas

P[P‘]

t [t‘]

c [ts‘]

ch [t‘]

q [t

ç‘]

k [k‘]

fricativas

f [f]

 

lang=EN-US>

s [s]

sh[]

x [c~']

h [x]

Nasais

 

lang=EN-US>

l [l]

 

lang=EN-US>

r []

sonantes

m [m]

n [n]

 

lang=EN-US>

 

lang=EN-US>

 

RYGALOFF, Alexis, Grammaire Élémentaire du Chinois, Paris, Presses Universitaires de France, 1973, p. 31. Os símbolos fonéticos internacionais são por mim transcritos.

*Doutor em Letras pela Universidade de Bona, foi professor de Linguística na Universidade de Lourenço Marques (Maputo) e no Instituto Universitário Politécnico de Santarém. Lecciona Língua e Cultura Chinesas na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Autor de mais de trinta títulos sobre as línguas românicas e chinesa, colabora no Gabinete de Traduções do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa.

desde a p. 67
até a p.