História

OS MERCADOS INDONÉSIOS NA ECONOMIA MACAENSE DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVII

Gonçalo Mesquitela*

Na sua longa história, Macau viveu inúmeras crises em que as qualidades de iniciativa, tenacidade e dedicação à terra dos seus moradores se revelam em altíssimo grau. A que escolhemos para tema deste trabalho, verifica-se na segunda metade do século XVII, tendo início nos primórdios dos anos 40. Os parâmetros que a envolvem são críticos, adensados ainda pela sua conjugação.

São eles: a expulsão violenta do comércio macaense do Japão; a tomada de Malaca pelos holan-deses e o consequente corte de comunicações com Goa, a sede do Governo da Ásia Portuguesa; o corte de rela-ções comerciais com Manila, devido ao conhecimento da Restauração da Independência de Portugal com a proclamação do rei natural; o recrudescimento da luta dos holandeses em toda a área de influência comercial dos macaenses; a crise dinástica chinesa.

Confirmado em 1640 o fim do comércio da Viagem do Japão com a trágica execução dos enviados da Embaixada Mártir de Macau, parecia gravissima-mente ameaçado o grande sustentáculo para o comércio com Cantão. Nagasáqui era um dos pólos da corrente comercial, da qual o outro eram as feiras de Cantão, para onde corria a prata de que os moradores dispunham, a maior parte proveniente do Japão. Cessadas as compras nas feiras, estaria em alto risco a própria subsistência da utilidade, para os chineses, da Cidade do Nome de Deus.

Os esforços para conquistar ou desenvolver novos mercados, que permitissem a constituição da-quelas compras, iniciaram-se imediatamente.

Outro dos pólos de grande importância era Ma-nila, que absorvia grandes quantidades de mercadorias chinesas, principalmente as sedas, em troca de prata de origem americana, ali atraída pelos preços mais baixos do que os resultantes do ciclo da prata oficial. Também aí as dificuldades apareciam.

A queda de Malaca em mãos holandesas teve con-sequências gravíssimas. Este porto era, desde o início da expansão portuguesa para o Extremo Oriente, nas primeiras décadas do século XVI, a charneira que unia os mercados produtores de pimenta e de outras especiarias às linhas de navegação que as comercializavam para Oriente e Ociden-te. Estas mercadorias provinham da Indonésia e das Ilhas da Sonda: a noz moscada, o cravo, as maças, a canela e, acima de tudo, a célebre pimenta. Concentrado o seu comér-cio em Malaca, daqui saíam as quantidades que a Nau da Viagem da China e do Japão trazia a Macau, para o comér-cio com Cantão. Perdida Malaca, havia que reforçar as ligações dos mercadores macaenses com as fontes dessas mercadorias, por via diferente da que, por mais de um sé-culo, tinha sido adoptada.

A agravar a perda do porto intermediário para o abastecimento das especiarias, outra consequência para Macau: a interrupção das comunicações com Goa, o cen-tro político, diplomático e administrativo da Ásia Portuguesa.

Os portos de que agora mais dependia situavam-se no Arquipélago da Indonésia. Mas, de todos eles, os únicos que tinham tradição na navegação marítima comercial de Macau, eram as de Timor e outras Ilhas da Sonda, durante muito tempo reservadas às chamadas Viagens dos Pobres. As outras, nas décadas de ouro da Viagem do Japão e do comércio normal com Manila, eram esporádicas. Mesmo assim, existiam relações que os macaenses se apressaram a reatar e desenvolver.

A falta de ligações com Goa e com Malaca, cortou a continuidade da acção do governo do vice-rei naquelas zonas, o que limitara até então a presença do Senado de Macau junto dos potentados locais. Junto deles concorriam com os macaenses, os holandeses, os ingleses, os espanhóis e também chineses e japoneses.

Nos dois anos subsequentes à Restauração de 1640, enquanto a notícia da revolução portuguesa não atingiu o Oriente, Macau lança mão da Viagem de Ma-nila para subsistir e ali colocar parte das mercadorias que, em 1640 ainda destinava ao Japão.

Simultaneamente o Senado procurou represen-tar-se junto dos "príncipes vizinhos", protestando a amizade da Cidade e procurando firmar as condições para com eles se comerciar em maior escala.

A crise atingiria também as estruturas econó-micas de Macau, com muita violência. A agravá-la, a aguda situação dinástica chinesa e a consequente guerra civil dificultam em grau elevado a produção, o financiamento e o comércio da China. Em consequência da luta, dá-se a perda de confiança nas linhas tradicionais da economia, perturbando seriamente a presença, nos mercados, dos artigos de exportação, com as naturais consequências nas fontes de financiamento e crédito.

A Cidade não podia deixar de ressentir-se desta conjuntura. O primeiro efeito grave foi o de fazer sair Macau das rotas do comércio internacional, de que fora até então um dos elementos decisivos. Restava-lhe a área mais restrita do comércio do mar do Sul da China para tentar manter a sua posição perante Cantão, como grande comprador.

É neste furacão de factores adversos e de con-correntes que os mercadores da Cidade vão ter de criar as novas linhas de sustentação da sua existência. E nesta luta se mantêm até ao final do século XVII.

Já em Novembro de 1640 os moradores tinham alterado o sistema do comércio marítimo. As viagens passariam a ser feitas "em companhia", isto é, por fretamento dos navios sob responsabilidade do Senado. Cada mercador embarcava a sua fazenda, pagando os fretes fixados por acordo. Os donos dos navios fretados tinham a obrigação de trazer a prata resultante das vendas, sem cobrarem qualquer taxa adicional; o Senado faria a distribuição dessa prata para pagamento aos mercadores, segundo os registos das mercadorias entre-gues para Viagem (v. Termo de 12 -11 -1640 in Arquivos de Macau, 1.a série, vol. 3. °, p.61).

Para as cargas ricas, próprias para o mercado japonês, encontrou-se também um expediente que foi o de as embarcar em juncos chineses que, por acordo, as transportavam e vendiam no Japão, entregando o produto aos macaenses. Nestes acordos, que não deram azo a reclamações, foram especialmente importantes os celebrados pelo Senado com o corsário I Quan. Durante vários anos, desde 1644, funcionou este sistema cujos resultados levaram a que fosse registado que "foi Deus servido que a nau (de I Quan) foi e voltou tão rica que prosperou Macau em grande parte" (Boxer in nota 1 a p. 18 da Ásia Sínica e Japónica - Ed. I. C. M.)

Em 1642 intervém novo factor adverso: Conhecida em Manila a notícia da Restauração da Coroa Portuguesa pela Revolução de 1640, os portugueses foram qualificados, naturalmente, como rebeldes à Espanha dos Filipes. Isto inviabilizou o comércio directo com Manila, principalmente depois da decisão dos macaenses de se manterem fiéis à Coroa de Portugal. O Governador de Manila ainda tentou inverter esta situação: Provocou conflitos na Cidade; ofereceu benefícios aliciantes aos seus moradores; mobilizou alguns partidários de Castela que o capitão-geral dominou com vigor. Mas a vontade firme e decidida dos macaenses, até de certo modo surpreendente, de se manterem fiéis à Ásia Portuguesa, definiu o corte de quaisquer relações directas com Manila. Por isso os espanhóis, de aliados naturais de Macau que eram, pas--saram ajuntar-se aos restantes "inimigos da Europa". Desvaneciam-se assim as esperanças de que Manila pudesse ser uma solução para as dificuldades que se iam acumulando.

Esta situação provocou a saída de muitos mora-dores e mercadores que até aí tinham as suas bases, os seus navios e as suas fortunas ligadas a Macau. Dá-se nes-te período o êxodo para outras áreas menos arris-cadas e mais rentáveis. A frota de Macau reduziu-se, principalmente nos navios de mais capacidade e maior autonomia de navegação. Com eles seguiu também a prata dos seus donos para outros destinos.

Mas sem se dobrarem ao desespero, os portu-gueses de Macau, afincados à sua Cidade, lançaram-se à procura de novos mercados que lhes permitissem con-tinuar nela.

Indonésia - Macassar, Java e Bornéu

O primeiro mercado para onde os macaenses diri-giram as suas atenções, era já conhecido: Macassar, situado a sudoeste das Celebes.

Aí se situava o reino de Goá, cujo Sultão manti-nha forte influência sobre o reino de Tolo.

As relações com os portugueses datavam da con-quista de Malaca, em 1511, e desenvolveram-se depois de 1558, sendo até aí esporádicas para os macaenses. A política comercial de Macassar foi sempre a de um porto franco liberal, com total isenção de impostos e taxas sobre mercadorias estrangeiras. Assim se desenvolveu muito o seu comércio externo.

Nem existiam limites para a exportação de moeda, do ouro ou da prata.

Os seus dirigentes associavam-se com merca-dores malaios e europeus, e negociavam também por conta própria, nos seus navios, com Malaca e outros portos do ocidente do arquipélago Indonésio.

Na monção própria, os navios de Macassar demandavam os mercados das Malucas (pois Macassar era o centro comercial da região) carregados com arroz, tecidos e metais preciosos, em bruto e em jóias. Por todos os portos das Malucas trocavam estas mercadorias por produtos da zona, principalmente cravo, noz moscada, maças, sândalo de Timor e de Solor.

Regressados a Macassar, negociavam estes artigos contra tecidos e arroz, partindo para Malaca e para os mercados de pimenta de Java, Samatra e Bornéu. Aí, trocavam as suas mercadorias por panos de algodão que tinham grande procura em todo o Arquipélago. Estes eram trazidos da Índia por mercadores portugueses e indianos. Novamente se abasteciam de pimenta que, de Macassar, seguia para a China.

Impedidos de comerciar directamente com as Malucas, dada a oposição armada dos holandeses, os portugueses estabeleceram ligações com Macassar. Para manter a sua influência estimularam o comércio privado dos seus governantes com Malaca. Assim o movimento português naquele porto ascendia a mais de 500 000 taéis por ano, o que preocupava os concorrentes holan-deses.

Esta política comercial permitiu a expansão política do Sultão que, a partir de 1635, apoia a resistência das Malucas contra os holandeses, enviando até forte auxílio militar aos revoltosos.

Quando Malaca cai, em 1641, os mercadores macaenses do mar do Sul da China e os do Estado da Índia intensificaram os seus esforços junto destes Esta-dos autóctones.

As dificuldades do abastecimento de pimenta para a China, que se fazia em Malaca, eram vencidas pelos fornecimentos obtidos em Macassar, que centra-lizava o produto oriundo de Java, Bornéu e do arqui-pélago Indonésio.

Os portugueses de Macau fortaleciam estas relações que, de 1621 a 1642, justificavam a média de 2 navios por ano. A partir de 1644 até 1660, a média passa para de 1 a 5 navios por ano.

A importância desta viagem já em 1634 levara a Coroa a estabelecer o seu monopólio. O Conde de Linha-res fixou em 2 navios por ano as viagens dos mercadores de Macau a Macassar, limitando a carga de sedas que podiam levar, para proteger a alfândega de Malaca.

Por outro lado, através das associações com dirigentes de Macassar, os macaenses conseguiam iludir as proibições de comércio com Manila, antes e depois de 1642. Enviavam as suas cargas em navios de Macassar, seguindo neles portugueses como feitores dos príncipes em nome dos quais era feita a viagem. Assim também, conseguiam abastecimentos de madeira de sândalo de Timor e de Solor.

Deste modo se manteve a corrente comercial de Macau com Manila, com o envio dos muito procurados tecidos da China e da Índia, e recebendo em troca a pra-ta, essencial para as feiras de Cantão.

Para a execução deste sistema teve grande importância a acção de dois portugueses, Francisco Vieira de Sá, feitor do sultão de Macassar, e Francisco Mendes, secretário do mesmo sultão.

Os mercadores de Macau forneciam artilharia e munições para a campanha militar por ele desencadeada.

Em Manila, o mesmo sistema foi desenvolvido, a partir de 1647, pela sociedade formada nas Filipinas pelo funcionário da Coroa Espanhola Pedro de la Mata e pelo mercador português, ali residente, João Gomes de Paiva.

O mercado filipino carecia de grandes quanti-dades de artigos chineses, dada a política holandesa de desviar para a Formosa e para Amoi a navegação da China. Assim rarefazia-se a exportação para as Filipinas, prejudicando as encomendas locais e as da América Es-panhola.

Por isso os navios de Manila seguiam para Macassar, por via das rotas que mantinham abertas nas Malucas, e ali trocavam ouro, prata e açúcar por cravo, que vendiam em Macassar, onde adquiriam seda crua, tecidos de seda e algodão, ferro e outros artigos chineses, trazidos pelos mercadores de Macau.

Mas Macau não limitou às preocupações comerciais directas a sua acção na área da Indonésia. Com a queda de Malaca (1641) toda a política regional portuguesa ficou prejudicada pelo bloqueio holandês às comunicações com Goa. A partir desse ano, o Senado de Macau e os seus mais importantes mercadores assumiram a manutenção das relações diplomáticas na região do Mar do Sul da China, incluindo o apoio às operações militares do sultão de Macassar. Neste campo tomam a iniciativa de resistir à V. O. C (Comp.a Holan-desa das Índias Orientais) nas Ilhas da Sonda, produtoras do sândalo.

Em 1644, Macau celebra acordos com os poten-tados de Palembang e Pangeram, nas ilhas de Samatra, através do seu representante. Feliciano Caetano de Sousa, restabelecendo antigas relações mas assegurando maior mercado para a pimenta. Enviado pelo Senado, ao chegar ao seu destino, com a carga de seda e outros tecidos chineses, verificou que o mandatário do poten-tado era um mestiço português de Macassar.

Com ele negociou o acordo e firmou a aliança. Os navios da Coroa Portuguesa passariam a poder usar livremente o porto e os mercadores portugueses bene-ficiariam de redução das taxas sobre quaisquer merca-dorias, com excepção da pimenta. Mas os holandeses apreenderam a navio e a sua carga, alegando que Palem-bang se encontrava na área holandesa definida nas tréguas com Portugal.

Os macaenses tiveram de deixar de frequentar este porto mas passaram a utilizar o de Japara, em Java, pertencente ao mesmo sultão. E continuaram a usar Macassar.

Com as tréguas luso-holandesas estas relações com Japara atingiram grande desenvolvimento, pois ficava na rota dos navios da Índia e do Coromandel com Macassar.

Em 1647 o vice-rei da Índia volta a estar em con-dições de retomar a iniciativa diplomática portuguesa com os sultanatos indonésios.

Para isso, nomeia seu representante junto deles Franciso Vieira de Figueiredo, residente em Macassar e antigo feitor do Sultão, como assinalámos. Nas instruções enviadas a Figueiredo indicava-se que deveria manter o Senado de Macau sempre informado das negociações com os governantes de Palembang, Jambi, Bantam e Mataram. Foi ele que conseguiu desenvolver as relações com Japara, por forma a que este porto passasse a constituir uma base da navegação proveniente da Índia. Possuía uma frota mercante cujos navios singravam, desde a Índia até Macau, através das rotas indonésias.

A aliança dos portugueses com Macassar e Mata-ram preocupou os holandeses, tanto mais quanto o apoio dado às rebeliões nas Malucas estava no quadro da cooperação.

A partir da década de 50, os holandeses começam a apresar navios, com grande perda das cargas perten-centes ao sultão e a governantes de Macasar. Des-prezaram as reclamações destes e, em represália, o Sul-tão dá ainda maior apoio aos rebelados contra a V. O. C. De 1653 a 1655 a guerra aumenta de intensidade, colaborando nela, sem ser ostensivamente, os portu-gueses. Mas os holandeses conseguiram evitar que Macassar recebesse tecidos indianos, indispensáveis ao seu sistema de trocas. O Estado Português da Índia não dispunha dos necessários meios de apoio ao seu aliado para que se opusesse com êxito às forças holandesas.

Estes factores, juntos à morte de alguns dirigen-tes mais pró-portugueses, levaram os dirigentes de Macassar a negociar com a V. O. C. uma paz separada em 1655, paz que excluía do comércio todos os estran-geiros, à excepção dos holandeses.

Apesar disso, os mercadores de Macau e as comunidades portuguesas de Timor, Solor e Flores mantiveram a luta sozinhos contra a V. O. C., defendendo a influência macaense nas ilhas, que passaram a ter grande importância para Macau.

Ilhas da Sonda - Timor, Solor e Flores

A principal mercadoria destas ilhas era o sândalo, muito procurado na China para as cerimónias religiosas. Os lucros de uma viagem eram de cerca de 150 a 200 por cento. Além do sândalo, os mercadores traziam mel de abelhas e escravos. Durante muitos anos foi consi-derada a Viagem dos Pobres. A partir de 1630, passou a ter maior importância.

Estas ilhas estavam nos domínios do sultão de Tolo, sogro do de Macassar. Mesmo depois de adensadas as relações com o genro, este conseguiu conter quaisquer ataques contra os portugueses. Mas, logo a seguir à sua morte, eles foram desfechados, tendo sido ocupada a sede portuguesa de Larantuca. Os portugueses, acom-panhados de indígenas fiéis, refugiaram-se nas mon-tanhas do interior da ilha das Flores. Daí, contra-atacaram com êxito, apoiados por chefes indígenas católicos. Ocuparam a região de Belos. Em nada estes incidentes alteraram as relações com o sultão de Macassar.

Na ilha de Solor, os portugueses mantinham a sua posição contra os holandeses que tinham aban-donado Fort Henricus. Em 1644 voltam a usá-lo, para exploraram novamente a madeira da ilha.

Os macaenses adquiriam o sândalo directamente aos indígenas e transportavam-no para Macassar, destinando a maior parte para abastecer o mercado chinês vendendo os excelentes, em concorrência com os holandeses, ingleses e dinamarqueses.

Finda a trégua com os holandeses em 1652, os portugueses atacaram-nos constantemente em Cupang, que eles tinham ocupado. Esta situação durou até 1656, ano em que a V. O. C. desistiu de vez do comércio do sândalo daquela origem, tendo então abandonado Cupang definitivamente. Em 1658 tentaram uma trégua com os portugueses, mas foi recusada.

O acordo a que tinham chegado com os diri-gentes de Macassar, pelo qual era negado o direito de comércio destes com qualquer estrangeiro, não chegou a funcionar plenamente, porque se mantiveram no sultanato alguns portugueses que, de cumplicidade com os anteriores associados, conseguiram em pouco tempo estabilizar o declínio comercial que se verificara.

Os holandeses só conseguem desalojar definitivamente os portugueses, incluindo os macaenses, em 1669, ano em que ocupam pela força militar o porto de Macassar.

Tonquim

Na época que estudamos, o Tonquim volta a ter importância para Macau. Tinha sido um mercado secundário, fornecedor de seda de qualidade inferior à chinesa, mas que também era vendida no Japão. O maior interesse desta região (parte do actual Vietname) era o dos missionários jesuítas que ali se tinham estabelecido. O Tonquim apresentava grandes riscos de navegação pelo que, durante muitos anos, comercialmente pouca importância teve. Mas, na década de 40, foi mais um dos vizinhos a que se recorreu.

A produção da seda situava-se no interior. Intermediários compravam a cada produtor as quantidades que oferecia. O intermediário, no entanto, não era livre de exportar a mercadoria porque os governantes - a Corte Trinh - tinham reservado para si esse monopólio.

Fora uma das maneiras por que os holandeses se procuraram assegurar daquele mercado.

No final da década de 40, a fome provocada pela guerra no Kuan Tung elevou de tal modo o preço do arroz que a sua venda dava maiores lucros que a da seda. E o Tonquim era produtor do cereal.

Em 1648 o seu preço na China excedia o de igual peso de prata. Por outro lado, pelas mesmas causas da escassez de alimentos, diminuía a quantidade de merca-dorias chinesas próprias para exportação, o que agravava as condições comerciais de Macau.

Os mercadores macaenses que frequentavam o Tonquim tiveram diversos atritos com os Trinh, sem que no entanto fossem rompidas as relações económicas. É que forneciam àquele mercado um elemento essencial: as moedas de cobre com um orifício no meio o que permitia que, unidas por um fio, formassem colares de fácil transporte. E Macau fundia tais moedas - as "caixas" -, indispensáveis às transacções pequenas, como eram as que se faziam com os produtores da seda. Só para transacções de maior vulto se utilizava a prata e até o ouro; mas essas não estavam ao alcance do pe-queno produtor.

Os macaenses faziam fundir as "caixas" em Macau com cobre vindo do Japão ou, depois de fechado este mercado, com o metal comprado a mercadores chineses. Eram transportadas como lastro dos navios para o Tonquim. Os holandeses e os chineses de fora de Macau também as forneciam, das que o Japão fundia.

A partir de 1650 verifica-se uma procura maior de "caixas" no Tonquim e, para os macaenses, abre-se também a Cochinchina. Eram mercados importantes para o comércio de Macau.

No Tonquim, a carência de "caixas" fez subir os preços na década de 50 e a V. O. C., para contrariar esta tendência, introduziu o sistema de pagamentos em prata e ouro, que obtinha no Japão. Mas conseguiu apenas um fluxo inflacionário, dada a falta de "caixas" no mercado. Nos meses que antecediam as compras de seda aos produtores, o ágio da moeda de cobre para a prata era de 10 taéis para 20 000 "caixas". Durante o período de compras passa para 6 000 a 7 000, para os mesmos 10 taéis de prata. A seda ficava portanto a preços altís--simos que se reflectiam também nos restantes produtos que a tinham como matéria prima. Com o desequilíbrio entre o alto preço da seda crua e o que lhes era oferecido pelos seus produtos, os tecelões desinteressaram-se em 1654, deixando de produzir. Tinham de pagar a matéria prima em "caixas" e vender os produtos em prata, com ágio muito desfavorável.

O mercado das "caixas" era assim fértil para os macaenses. Mas os riscos da viagem marítima eram enormes. Entre 1656 e 1660, os jesuítas mantinham nela certa regularidade mas, de 6 navios enviados, só um regressou são e salvo. Três naufragaram e outros dois foram capturados por piratas.

Em 1660 os holandeses experimentaram cunhar as moedas no Japão. Mas o lucro era apenas de 40 por cento, pelo que limitaram as quantidades às necessárias para estabilizar o ágio. Assim a importação massiça das "caixas" deixou de ser um negócio tentador, dado o seu baixo lucro.

Não só os holandeses limitaram as quantidades como também aos macaenses deixou de interessar. As viagens para o Tonquim espaçaram-se e, a partir de 1669, praticamente cessam.

Outros mercados

Em 1667, por ordem das autoridades chinesas, mais de metade da frota de Macau foi destruída, o que obrigou os macaenses a seleccionar com todo o cuidado os mercados a explorar, tendo em vista o lucro que pudessem colher. Passaram a ser os do mar do Sul da China e os do oceano Índico: Sião, Batávia, Ilhas da Sonda, Bantam e Goa. Os restantes, como Manila e Banjarmasin eram esporádicos.

Havia, no entanto, restrições políticas nos mais promissores. No Sião, o problema dos pagamentos por conta da dívida contraída criava constrangimentos, por estarem atrasados e muito longe de ela estar saldada.

Em Batávia, eram constantes os conflitos com os holandeses porque estes autorizavam os seus navios não pertencentes à V. O. C. - os Vrijburghers - a negociar com os chineses nas Ilhas de Macau, ao que a Cidade se opunha. E ainda pelas taxas exorbitantes que cobravam dos portugueses em Malaca.

Na Sonda inferior (Timor, Solor e Flores) os macaenses tinham de afrontar a concorrência da própria Coroa e de outros mercadores portugueses, que se aproveitavam do seu comércio. Durante toda a década de 70 conseguiram anular os esforços de Goa para monopolizar, com Viagem própria, o sândalo naquela área. Os funcionários reclamavam contra os mercadores de Macau, no que eram acompanhados pelos de Goa e de toda a Índia. Estes reclamavam também da presença dos mercadores de Macau nos portos Ocidentais, o que veio a forçar o Governo do Estado da Índia a criar aí restrições à navegação e ao comércio de Macau.

Para os macaenses, que viam fechar-se sucessiva-mente os mercados a que recorriam, navegar era uma necessidade de que dependia a existência da Cidade do Nome de Deus. Venciam as resistências, apelavam para a Coroa e, teimosamente, mantinham as suas posições.

Bantam

Depois da década de 70, este mercado, situado a oeste de Batávia, na Ilha de Java, veio a ser um dos mais importantes. Não havia limitações políticas ao comércio e as actividades comerciais eram as mais livres. As exportações através dos seus portos davam maior lucro do que as do sândalo da Sonda e do sal, de Goa para a China. As mercadorias chinesas e europeias vendiam-se ali com facilidade e rapidez. Além disso, o que era muito importante, encontravam-se investidores para este comércio.

Durante doze anos os macaenses desenvolveram actividade neste mercado, o que muito os ajudou a recompor a sua vida.

Ali contactavam com os negociantes europeus, com os quais contratavam a venda de mercadorias da China. Passou a ter importância especial a contratação para fretamento de navios, de Macau para destinos que interessavam àqueles. Em 1671 e 1672, Macau mandou para Bantam um ou dois navios por ano. Para ali se diri-giam também navios portugueses provenientes de Ti-mor, do Sião, Coromandel e de outros portos de Java.

O Sultão, assessorado por um capitão inglês que a Companhia das Índias Orientais ali colocara, definira uma política de desenvolvimento do comércio marítimo. Agruparam-se assim em Bantam, desde 1666, os interesses ingleses aos dos expulsos de Macassar pelos holandeses e, por isso, os ingleses mantinham uma pequena frota.

Os excedentes de pimenta que se acumulavam em Bantam passaram a ser manuseados pelo Sultão, desde 1667 até 1672. Não só ele, como também os seus funcionários superiores, interessaram-se por actividades comerciais que abrangiam Macau, Manila e o Tonquim.

Eram apreciáveis as quantidades de pimenta que os macaenses transportavam para a China onde a ven-diam. Por isso, os mercadores e funcionários de Cantão associaram-se a eles e, mesmo contra a lei, aos Vrijburghers holandeses.

As ilhas de Macau, onde estes mercadejavam, voltaram a conhecer o movimento de tempos antigos, com preços favoráveis para os chineses.

Macau, no entanto, já não dispunha de capitais e navios suficientes para assegurar a totalidade deste negócio quando foi restabelecido o fluxo comercial com Cantão. Isto influenciou não só a quantidade mas também a qualidade dos produtos que Macau passou a manusear.

Os seus navios chegavam a Bantam carregados com grandes consignações de mercadorias de lastro, juntamente com pequenas quantidades de artigos mais valiosos, de maior lucro. Os mercadores de Macau reservavam para si estas mercadorias, como a seda crua e em peças, o almíscar e o ouro. O resto da carga era de pau da China, artefactos domésticos e até frigideiras de ferro. Mas a base das exportações para Bantam era o zinco, as porcelanas (que iam como lastro) e grandes quantidades de chá. De 1676 a 1678 chegaram a somar 12 644 libras, em dois dos quatro navios que deman-daram Bantam. Isto representa o dobro do que a Compa-nhia Inglesa das Índias Orientais enviou para Inglaterra no período entre 1669 e 1682. O zinco e a porcelana necessários à Índia eram vendidos em quantidades apre-ciáveis pelos macaenses. Parte do metal era utilizado para consumo imediato e o restante transformado em liga e amoedado na emissão dos "bazarucos" do Estado da Índia.

As porcelanas de qualidade mais vulgar abasteciam as comunidades de certos portos. As mais finas e de luxo, até 1670, eram fornecidas por Macau, em pequenas quantidades, a famílias aristocráticas do Oriente, de Portugal e de outros países da Europa. A crise chinesa limitava a quantidade produzida. A partir daquele ano, começaram os fornecimentos em larga escala, das duas espécies, seguindo dos portos da Índia para a Europa. A que se exportava por Bantam era a de uso doméstico para a população local chinesa, europeia e indígena.

Em Bantam os macaenses compravam pimenta, prata, sal e areca.

Para o sal, que na China constituía monopólio imperial, é possível que os macaenses tivessem algum acordo com a administração chinesa para a sua impor-tação na China.

Os fretes marítimos, que acima referimos, serviam em especial outros europeus, a partir de Ban-tam. Este ramo foi-se desenvolvendo até que, mais tarde, abrangeu também as companhias europeias e mercadores de todo o Oceano Índico.

Este comércio de Macau e de outros portugueses em Bantam durou até 1680, ano em que a V. O. C. forçou o Sultão a proibir o porto a qualquer europeu, conseguindo assim o monopólio das fontes de pimenta e outras especiarias do Arquipélago Indonésio. O comércio inter-regional com a V. O. C. passou a ser dominado pelos juncos chineses, afastando assim a navegação macaense, que se desviou para Batávia, Bornéu e Costa do Malabar, o que provocou também a mudança das qualidades de mercadoria para se manterem no mercado de Cantão.

Bornéu - Banjarmasin

Este sultanato, no sudoeste de Bornéu, era pro-dutor de pimenta e nela se baseava a sua economia. De 1637 a 1659 as relações com vizinhos eram dominadas por Matam, de Java, soberano reconhecido pelo sultão, com pagamento de tributos. Neste último ano pretendeu libertar-se deste feudo. Matam não conseguiu impor-se e, em 1670, a sua influência declina a ponto de não constituir sequer qualquer ameaça à plena soberania de Banjarmassin.

Já em 1638 os holandeses tinham pretendido o monopólio da pimenta do sultanato, sem o conseguirem. Voltam a tentar em 1660, ano em que, pela diminuição da produção de Palenbang e do Oeste de Samatra, tiveram dificuldades em satisfazer a procura crescente.

Ora, a estrutura económica do sultanato baseava-se no cooperação das duas etnias existentes na área de produção. Toda a comercialização no mercado interno e da exportação era exclusiva da etnia Banjar que dominava as terras baixas da Ilha. Mas a produção, nas terras altas, era feita pelos Biajus, que forneciam a pimenta àqueles.

Os holandeses conseguiram o acordo do monópolio com o sultão. Mas os Biajus recusaram-se a aceitá-lo, negando-se a entregar a pimenta aos Banjares sem que estes lhes fizessem adiantamentos.

Estabelecido o monopólio, os panjerans, chefes ou príncipes a quem o Sultão confiava o governo de áreas territoriais, passaram a contrabandear a pimenta, que vendiam a mercadores de Macassar e a portugueses.

Tornaram assim inoperante o acordo de mono-pólio, o que, verificado pelos holandeses, os levou a desistirem dele, em 1667.

Ora, desde o fim da década de 50, os portugueses adquiriam esta pimenta em Macassar ou directamente no porto de Martapoura. Em 1662, os macaenses agrupam-se e enviam uma naveta, com um representante do Senado de Macau, ao sultão de Banjarmasin, sem que se conheçam os resultados da missão. Só em 1670 volta a haver sinais de interesse directo de Macau por este mercado. Era necessário assegurar grandes quan-tidades de pimenta para fornecer a Cantão, contrariando as dificuldades provenientes dos Vrijburghers nas Ilhas e dos juncos chineses. Reiniciaram por isso as viagens para Banjarmasin. Os holandeses começam a registá-las em 1677.

A procura de Cantão era de cerca de 500 tone-ladas anuais de pimenta. Aquele sultanato produzia cerca de 300. Os holandeses voltam a tentar negociar o mono-pólio com o Sultão. Mas era tarde, proque os macaenses já ali estavam. Para apoiar as suas pretensões, inter-vieram em mais uma das constantes lutas do Sultão Dipati Anom, com os que pretendiam depô-lo. Desta vez eram os sobrinhos, Suria Angse e Suria Negara; os macaenses decidem apoiá-los, como primeiro passo para obterem o monopólio da exportação da pimenta para a China. Suria consegue derrotar o tio e subir ao trono. Concede grandes vantagens aos macaenses, embora não lhes dê o monopólio total. Perante isto os holandeses desistem e deixam o mercado livre para os macaenses, em 1681. Esta situação mantém-se até 1690, ano em que a V. O. C. tenta novamente obter a concessão alme-jada e constrói uma feitoria no sultanato. Anexa a ela, instala uma fortaleza.

Em 1692, quatro navios de Macau atacam, naquele porto, juncos chineses que carregavam pimenta e também navios espanhóis comandados pelo general António Nieto.

Os panjerans, fiéis ao princípio, que sempre defenderam, do comércio livre, reagiram à violência dos macaenses, recusando-lhes quaisquer vendas daí em diante. Também os ingleses tentaram um golpe de força semelhante, com o mesmo resultado negativo.

Terminou assim o comércio de Macau com Ban-jarmasin, o último dos mercados de que ainda dispunha no arquipélago Indonésio.

Vimos como, a partir do fim do comércio com o Japão, os macaenses para subsistirem na sua Cidade, sob soberania portuguesa e cumprindo as suas obrigações para com o mercado de Cantão, lutando con-tra circunstâncias políticas e militares adversas, recorre-ram aos mercados do mar do Sul da China. E também como, na luta contra o adversário de sempre - os holan-deses - conseguiram até final do século XVII abrir no-vas rotas, explorar novos mercados, desenvolver aqueles com que tinha relações anteriores. À medida que iam sendo consecutivamente fechados por imposição da for-ça holandesa, outros se tentavam e substituíam aqueles.

O esforço, no entanto, fora grande de mais. A situação interna da Cidade do Nome de Deus novamente se apresentava como desesperadora no início do século seguinte. Ilustra esta precariedade o que Fr. José de Je-sus Maria nos descreve, com relação a 1704, a propósito da necessidade de se enviar um socorro para conservação do comércio com as ilhas de Solor e Timor. O Senado reconhecia a necessidade desta ajuda. "Mas se a Cidade e os seus moradores se viam em consternação tão deplo-ravel que nem tinham que comer e a viam estar quasi acabando por instantes, até destituida de navios, como é que haviam de negociar."

Acudiu o vice-rei de Goa "fazendo mercê a estes pobres moradores de uma fragata real, para todos nela negociarem" (Ásia Sínica e Japónica, vol. 2. °, Ed. I. C. M., p.129 - 30).

Mais uma vez a crise densa batia à porta de Macau. Também a esta vai resistir, com a mesma tenacidade e lealdade com que vencera as anteriores.

Bibliografia a consultar

As descobertas e a economia mundial. Vitorino de Magalhães Godinho. Ed. Arcádia Lisboa, 1963.

Ásia Sínica e Japónica. Fr. José de Jesus Maria. Ed. I. C. M., Macau 1988.

The Survival of Empire. George Bryan Souza. Ed. Cam-bridge University Press, 1986.

Arquivos de Macau. Ed. I. N., Macau.

*Licenciado em Direito. Investigador de temas históricos, com vária colaboração esparsa por revistas de Macau e Portugal. Especialista en temas da história de Macau, é autor de uma História de Macau (2 vol.), no prelo, e editada pelo Instituto Cultural de Macau.

desde a p. 189
até a p.