Macau-Brasil

A LIRA CHINESA DE MACHADO DE ASSIS

Joaquim A. de Jesus Guerra*

Joaquim Maria Machado de Assis Retrato por Joaquim Franco Técnica mista; Macu,1995

O meu amigo Pe. Manuel Teixeira enviou-me o último número do "Boletim do Instituto Luís de Camões", onde se faz um estudo da Lira chinesa,1 de Machado de Assis, "para eu ouvir os acordes da Lira chinesa [escrevia ele], e dizer se está afinada". Claro que um velho amigo não se deixa sem resposta.

O sobredito estudo é feito por Edgar C. Knowlton Jr., que termina dedicando o seu trabalho à memória do saudoso Luís Gonzaga Gomes, e com a esperança de que alguns leitores do Boletim possam fazer mais luz sobre pontos e aspectos que continuam por esclarecer.

Num ambiente de tanta simpatia, centrada em Machado de Assis, aqui vai a minha modesta achega.

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é um dos cariocas mais ilustres. Recorda-nos Henrique Perdigão2 que o grande escritor nasceu numa família operária, devendo o brilho da sua carreira literária às excepcionais qualidades de carácter e de trabalho que possuiu. É considerado o Eça de Queirós das Letras brasileiras. Dele escreveu Laudelino Freire: "Foi o mais considerado e querido dos literatos. Envolvia-o um am-biente de carinhosas atenções, considerações e respeito... É que ele, como homem, fora uma consciência pura, serena, cristalina e imaculada".

Machado de Assis foi um dos fundadores e 1° Presidente da Academia Brasileira de Letras onde, por sua morte, lhe sucedeu Rui Barbosa. As suas produções mais notáveis são as Crisálidas,3 Falenas,4 Americanas5 e Ocidentais.6 Delas fez o autor uma edição conjunta, em 1901, sob o título de Poesias completas.7

É na série Falenas que se inserem 8 poesias que Machado de Assis intitulou Lira chinesa. E ele próprio explica em nota: "Os poetas imitados nesta colecção são todos contemporâneos. Encontrei-os no livro publicado em 1868 pela Sra. Judith Walter, distinta viajante, que dizem conhecer profundamente a língua chinesa, e que traduziu em simples e corrente prosa."

O livro em referência é Le livre de jade, que teve a sua la edição em 1867.8 Segundo nos informa Edgar Knowlton, Judith Walter (de seu nome Judith Gautier) aprendeu chinês, por sugestão do pai, a partir de 1863, com o Letrado Tin-Tun-Ling.

O Livro de jade contém 70 poesias de variados autores chineses, traduzidas, em prosa rítmica. Como notou Schwartz, a autora preocupou-se sobretudo com reproduzir a inspiração do original, sacrificando-lhe, às vezes, a fidelidade linguística. O seu livro pertence, pois, mais à literatura francesa do que à Sinologia. Por isso mesmo, julgo eu, empregou Machado de Assis a palavra "imitados", não "traduzidos". Se o Livro de jade é uma imitação, a Lira chinesa não podia deixar de ser outra.

A selecção de Judith Walter contém 14 poesias atribuídas a Thou-Fou. Dow Phu é o grande poeta chinês do séc. VIII, que brilha ainda como estrela de 1a grandeza nas letras pátrias. Acontece, porém, que dessas 14 peças, 2 foram mutiladas pela escritora francesa, e as outras 12, no dizer de William Hung, são puras criações da sua imaginação! Muita gente, aliás, tem abusado do renome de Dow Phu, para autorizar composições da própria lavra.

É de recear que o chinês de Judith Walter não fosse tão profundo como supôs Machado de Assis. De qualquer maneira, mesmo as poesias autênticas do seu Livro de jade são apenas versões livres do original, orientadas talvez pelo Mestre "Tin-Tun-Ling". Foram esses textos franceses, em boa prosa rítmica, já em prosa, que Machado de Assis, com bastante fidelidade e sobrada arte, verteu em metro português.

Seria necessário ter à vista os originais chineses, para poder conferir e avaliar. Mas isso não é possível, até porque Judith Walter levou a ousadia ao ponto de fazer passar por obras de Dow Phu o que era apenas criatividade sua. E quanto aos nomes dos poetas que figuram na Lira chinesa, escritos como estão na romanização francesa de Judith Walter, são quase todos irreconhecíveis. Tal é a má sina das "romanizações", de que falarei adiante.

Machado de Assis teve a impressão de que eram todos contemporâneos os autores contemplados no Livro de jade. Pode ser que a própria Judith Walter tenha escrito isso. Quem dispuser da edição9 que Machado de Assis aproveitou, o poderá averiguar. A verdade, em todo o caso, é muito diferente. Contemporânea seria a 1a poesia da Lira, que Machado de Assis intitula "As flores e os pinheiros", pois crê-se ser obra do próprio Letrado Tin-Tun-Ling.

A 2a poesia, "O leque", é até anterior à era cristã! Trata-se duma obra bem conhecida na Literatura Chinesa, com o nome de "Tsheo shyen uyn", título bem expressivo, que quer dizer: Queixa (Uyn) dum leque (shyen) no Outono (tsheo). Data, efectivamente, dos fins do 1° século antes de Cristo. Foi composta pela Dama Paen Dsiedwe, que a deixou escrita, num leque de seda, ao Imperador Zdyeqtey (Sintar), quando abandonou o Palácio. Sintar reinou desde o ano 32 ao ano 6, portanto até à véspera de nascimento de Cristo, dado que a era cristã foi calculada com um atraso de 5 a 6 anos.

A autora era Bela até de seu nome, Dsiedwe (Cédue, em fonética derivada). Pertencia à ilustre família Paen, sendo, pois, aparentada com o General PaenTjhao (das gloriosas campanhas da Ásia Central), e com os famosos historiadores Paen Piao e Paen Koes (pai e filho), o segundo dos quais bem secundado pela irmã Paen Tjao que também deixou nome nas Letras. O estranho é que Judith Walter tenha atribuído "O leque" ("L'eventail") a um tal "Tan-Jo-Su".

A 3a poesia da Lira é "O poeta a rir", na versão de Machado de Assis que lhe dá por autor Han-Tiê quando, no Livro de jade, se lê Ouan-Tié.

Seguem-se, na Lira, "O imperador" e "Reflexos", atribuídas a Thu-Fu (Dow Phu). Ora, "O imperador" é uma das tais poesias espúrias, falsamente atribuídas ao ilustre poeta. Dá a impressão que o Mestre de Judith Walter era de raça e língua Hakka (Xhakca), pois o Livro de jade traz Thou-Fou, aspirando o apelido do poeta. A aspiração no 6° tom (3° inferior) é típica do Xhakca.

Dow Phu viveu no séc. 8° (712-770). Foi um dos maiores génios da Poesia. De tal maneira chegou a dominar a arte, que esta se tornava natural na sua pena. Nasceu e viveu muito pobre. A sua morte atribuiu-se mesmo a uma indigestão, a seguir a um longo jejum forçado. Mas Dow Phu possuía um notável condão humorístico, sabendo aliviar, com traços alegres, as-suntos muito sérios senão trágicos. Foi sumamente humano. Vivia intimamente os problemas sociais do seu tempo, e vibrava com os fulgores e os apagamentos da Pátria. Passou anos de funcionário modesto, que nunca lhe trouxeram desafogo à família. Em novo, viajou muito pelas costas da China. Terá estado também cá pelo Sul.

Um dia que regressou para rever a mulher e os filhos, ouviu chorar ao aproximar-se de casa. Tinha-lhe morrido o filho mais novo, de fome! E no fim desse mesmo ano de 755, ia-se eclipsando de vez a gloriosa dinastia Dão (Dá), sendo destruídas, pela rebelião de Aon Logsean, as duas Capitais, Dyão-Aon (Doan) e Rawk-Yão (Raxo). Dow Phu foi, pois, testemunha do zénite cultural e militar do Imperador Huentsoq (Wenthu), o fundador da Academia Hawnlem (Allam), e cujos generais atravessaram o Pamir e chegaram ao Oxus. E também viu o mesmo imperador em fuga pre-cipitada para o Seztjhuen, de onde abdicou num filho. Dow Phu retirou-se para Zdyeqto, em 760. Tinha 58 anos, quando faleceu, numa inundação, ao regressar de lá à sua província natal de Haonaem.

A 6a poesia, "imitada" por Machado de Assis, recebeu dele o título de "A uma mulher" ("A la plus belle femme du bateau des fleurs", diz o francês). Judith Walter deu-lhe por autor Tché-Tsi. Duvido que se trate do poeta Wão Tsec do séc. VII, se bem que este deixou uma poesia intitulada "Thejewel" nas versões inglesas.

Vem depois "A folha do salgueiro" que a escri-tora francesa diz ser de "Tchan-Tiou-Lin". Parece tratar-se de Tyão Keuleq (672-740), nada contemporâneo, portanto. Nem é contemporâneo de Dow Phu, visto que lhe é cem anos anterior.

Os último acordes da Lira chinesa são dum "Coração triste falando ao Sol", obra de Su-Tchon, que ninguém soube identificar.

Uma vez passada revista aos poetas da Lira e às suas composições, fixemo-nos agora na qualidade da tradução que deles fez o Mestre brasileiro. Machado de Assis, como vimos, preferiu dizer "imitação": imitação do francês, que também foi imitação, mais que tradução fiel, do chinês.

Começando pelos títulos, Machado de Assis abreviou alguns deles, entendendo que um título deve ser breve; com isso, porém, ficaram menos expressivos. Assim, em vez de "As flores e os pinheiros", no Livro de jade lia-se "Les petites fleurs se moquent des graves sapins". E em vez de "O poeta a rir", o francês traz "Un poète rit dans son bateau". O título "Sur le fleuve Tchou" ficou reduzido a uns "Reflexos" indefinidos. Sem falar da 6a canção, "A uma mulher", quando Judith Walter escreveu "A la plus belle femme du bateau des fleurs". Até no último título, onde estava "Le coeur triste au soleil", ouviu-se "Coração triste falando ao Sol". O sentido não é bem o mesmo: oco-ração, lá exposto ao Sol, aqui põe-se a falar.

De resto, a forma poética esmerada de Machado de Assis supera o modelo francês, que traduziu em prosa o verso original. Permito-me, no entanto, apontar alguns senões, já que o Pe. Teixeira me mandou provar a afi-nação da Lira.

Na 3a canção, a última cena vem assim pintada em francês: "Je laisse mon bateau / Glisser doucement sur l'eau / Et je souris de voir la natura / Imiter ainsi les hommes". A expressão é poética, não há dúvida. Ora, Machado de Assis traduziu simplesmente: "Faz-me rir / ver-te assim, ó natureza, Cópia servil dos homens".

Foi pena que o nosso vate omitisse o efeito poético da barca, vogando rio abaixo. E seria bom que ele tivesse imitado também a descrição do sorriso (pois não foi "riso"), e da simples verificação, sem recorrer à invectiva.

Por outro lado, acho menos feliz a expressão "Cópia servil". Pois não é o homem a primeira maravilha da Natureza, para que as mais criatura se ponham a invejá-lo, a rever-se nele e a imitá-lo? Ainda por cima, o Homem tem de Deus a missão de submeter e dominar o mundo; e por isso a natureza só se realiza e prestigia quando ao serviço do seu legítimo dono.

É de lamentar que Machado de Assis não tivesse conhecido mais copiosa fonte de Poética chinesa, para dedilhar na sua vibrante Lira. Mas nem ele, embora grande linguista, sabia chinês; nem, o que é mais lamen-tável, existiam em português traduções aproveitáveis das obras-mestras chinesas. É quase incrível que nem em Macau, terra aliás abençoada por Deus, surgisse, em 400 anos de amigável convívio luso-chinês, uma versão completa dos belos Clássicos da China. Mas talvez esteja para breve remediar-se tamanha falha, pois algumas dessas obras se encontram agora traduzidas do original, só à espera de um Mecenas ou agência cul-tural que as edite.** Como eu gostaria de que Machado de Assis fosse vivo, para lhe passar a minha versão do velho Cancioneiro chinês (Eu chamo-lhe o Livro dos Cantares), escrínio de tesoiros mal conhecidos, desfigurados mesmo feiamente em traduções (latinas, inglesas e francesas) que existem. Mas o poeta brasileiro faleceu no ano em que nasci; e eu próprio, só no declínio da vida, tomei providencial contacto com essas obras milenárias, luzeiros de fé e humanismo que, uma vez acesos, nunca mais se deverão apagar.

Mas quero por fim destacar o problema, já levantado atrás, e que aflora duma forma irritante para os estrangeiros, no trato com tudo o que é chinês. São os nomes, das pessoas e dos lugares, que os autores lêem e escrevem cada qual à sua maneira, causando nos leitores confusões lamentáveis.*** De facto, uns pronunciam e escrevem em Mandarim, outros em Hakka, outros em Cantonês, para não ir mais longe. Daí resultam grandes diferenças. Lembro-me daquele historiador, com quem viajei uma vez de Xangai para Nanquim, que julgou dever fazer esta observação, a propósito de Shiu-Hing: "Tchau-K'ing, que hoje se cha-ma Shiu-Hing". Ora, os caracteres chineses são os mes-mos, estando toda a diferença apenas na sua leitura em Mandarim ou em Cantonês!

Acresce ainda que os autores usam diferentes "romanizações", escrevendo uns à portuguesa, outros à inglesa, outras à francesa, etc., cada um conforme a sua fonética nacional ou outra das suas preferências. Então o mesmo nome, por exemplo, Shiu-Hing, sempre dentro da pronúncia cantonesa, sairá escrito Chio-Hing (por um francês), Siu-Jing (por um espanhol), Siu-Heng (por um português).

No caso da Lira chinesa, Machado de Assis aportuguesou um pouco a romanização francesa de Judith Walter: Thu-Fu porThou-Fou; Tchan-Tiu-Lin por Tchan-Tiou-Lin. A autora francesa leu os nomes em Mandarim ou talvez Xhakca, segundo disse atrás. Noutros casos, houve simples confusão de ortografia, como em Tan-Jo-Lu (Machado de Assis) por Tan-Jo-Su; Han-Tiê por Ouan-Tié.

Este problema angustiante continua à espera duma solução oficial ou ao menos concertada pelas Agências de Imprensa e pelas Entidades Bibliotecárias. Nas Reuniões Gerais da ISO TC/46 (Comissão de Trabalho 46 - Documentação - da Organização Inter-nacional de Normalização - Standartization) em que participei (Paris, Estocolmo, Lisboa e Haia), como representante do Centro Português de Normalização, integrado na Inspecção Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, bem pugnei por uma solução adequada do problema. Pouco se consegiu. No fim, Portugal desligou-se de membro dessa Comissão da ISO, e a própria Sub-Comissão da Conversão das Escritas se dissolveu.

Os magros resultados da Sub-Comissão da ISO deveram-se em parte à reacção, que já era de recear, do poderoso bloco anglo-americano, que não queria deixar as Normas por ele seguidas há muito tempo, a fim de adoptar as Normas internacionais que se discutiam e se chegavam a "recomendar".

Por outro lado, eu sempre insisti que as nações em causa deviam estar presentes e orientar as respectivas discussões. Trabalhou-se bastante, anos seguidos, na conversão do alfabeto grego, do hebraico, do cirílico, bem como na alfabetização do chinês. Ora, a Rússia não comparecia, e a China também não.

Os caracteres chineses são usados também, como é sabido, na Coreia e no Japão. A Coreia não se inte-ressava muito, porque já possui um alfabeto, o Hangul, inventado em 1446, no reinado de Seijong, o Grande. O povo coreano fez grandes invenções. Lá se inventaram os tipos móveis da imprensa, 200 anos antes de Gutten-berg. De lá foi introduzido no Japão o conhecimento dos caracteres e da cultura chinesa, a partir do Reino Paekje (18 a. C.-663). O alfabeto Hangul tinha 11 vogais e 17 consoantes, reduzidas hoje a 10 e 14, respecti-vamente. É uma bela escrita, perfeitamente adequada à língua coreana, onde as palavras derivadas do chinês têm uma pronúncia uniforme e sem tons.

Também no Japão a língua é uma só, e as pala-vras de origem chinesa, que são o maior número, aclimataram-se lá, perdendo os tons que tinham na China. Por isso mesmo, o problema da alfabetização do japonês e o da conversão do Hangul pareciam rela-tivamente fáceis. No Japão, por disposição do Ministério da Educação, desde Setembro de 1948 a Março de 1949, em 90 escolas primárias experimentar-se-iam os 3 sistemas de romanização, lá conhecidos: Nippon, Kunrei e Hepburn. Cada escola escolheria o sistema que pre-ferisse. Consoante os resultados, o Governo decidiria depois qual o sistema a oficializar. Ao que parece, nenhum deles evidenciou especial vantagem; e por isso a situação continuou como dantes. O representante do Japão, na XII Reunião de Estocolmo (Outubro, 1969), declarou-nos que no Japão não tinham especial interesse no problema.

Na China, o caso é bastante distinto, porque as línguas cobertas pelos caracteres são bastante diversas, parecendo impossível encontrar um sistema alfabético de âmbito nacional que satisfaça a todos. Esforços bem se têm feito. O Governo Nacionalista, depois de oficia-lizar o alfabeto nacional (Kvawk'em Bhohaow), tão generalizado nos manuais de Instrução Primária, ao lado dos caracteres, oficializou também o sistema Gwoyeu Romatzyh apresentado, se não estou em erro, pela Aca-demia Sínica. Mas tanto um como outro desses sistemas serviam apenas para o dialecto Mandarim, cuja pronún-cia foi oficilizada. Da mesma limitação sofria o Latinxua promovido pelos Comunistas.

A realidade, porém, é que na China existem bastantes falas assaz diferentes, que devem ser tomadas em consideração, num plano verdadeiramente nacional. Se os caracteres chineses são, desde há milhares de anos, a escrita comum da China e têm contribuído muito para a união nacional, é também porque se prestam a ser lidos diversamente, conforme os dialectos regionais. Não se perca isto de vista. Em milhares de anos, nem os carac-teres nem Governo nenhum pretenderam que as gentes de Cantão deixassem de falar Cantonês. A pior de todas as soluções, anti-natural e utópica, seria essa de querer resolver o problema, unificando a língua.

Entretanto, a confusão continua. Os mesmos no-mes continuam a escrever-se diversamente, nos jornais e nos artigos das enciclopédias, consoante os diversos autores, fazendo crer, a leitores desprevenidos, que se trata de pessoas e lugares diferentes.

Foi em parte para acudir a esta situação que, du-rante bons 30 anos, trabalhei por descobrir esse sistema que se chama agora o Chinês alfabético, editado em Macau, em chinês, português e inglês, no ano de 1970.10

O Chinês alfabético é mesmo como diz o título da edição chinesa: "Tyoqmhen dsezmu: nhxphão em ed saiphat" - Chinês alfabético: uma escrita única para todas as pronúncias da China.

O problema está substancialmente resolvido, concluiu um competente Padre chinês da Formosa, depois de examinar o novo sistema. Resta agora divulgá-lo e experimentá-lo suficientemente, em vista duma eventual oficialização.

Neste artigo, os nomes chineses vêm escritos em Chinês alfabético, onde eram conhecidos os caracteres correspondentes; caso contrário, deixei-os com a roma-nização usada pelos respectivos autores.

Mas agora, a par do Chinês alfabético, de gosto chinês e entoado, oferece-se também a possibilidade de escrever os nomes chineses e qualquer palavra chinesa, em Fonética Derivada, segundo um sistema que só espe-ra publicação.**** Mediante uma Chave de Conversão, os sons passam, regularmente, da fonética e ortografia interdialéctica chinesa para uma fonética universal, que parece estar na estrutura e base de todas as línguas.

Também este artigo oferece exemplos (grifados) de fonética derivada, tais como: Sintar (Zdyeqtey), Wen-thu (Huentsoq), Cédue (Dsiedwe). Na mesma Fonética Derivada ou Convertida, Shiu-Hing escrever-se-á Sain (Zdyawxhyq); Kvauqtoq (Cantão) - Quatro; Hong-Kong (Xeãokauq) - Joca; Keuloq (Kowloon) - Colu; Macau (Aowmoen) - Almon; Taipa (Damhtsei) - Dançar (ou Danthar); Coloane (Lowwhaen) - Ruwen.

Nota-se que a palavra Macau bem como a palavra China estão já, ao que parece, em fonética deri-vada. Se estas duas palavras derivassem do chinês, por evolução, como se tem dito, era de esperar que os chine- ses as empregassem, o que não é o caso. Macau podia derivar de Mhãw + Caav (Esperar, com intuito de + mais perto, relações, tracto). Por seu lado, a palavra China, tão discutida, podia significar simplesmente: Vasta região (A) do Oriente (Chin). Nesse caso, os chineses são os orientais.

(Publicado originalmente em: "Boletim do Instituto Luís de Camões", Macau, 11 (2-3) Verão--Outono 1977, pp. 201-10.)

BIBLIOGRAFIA

CHEN Shou Yi, Chinese literature: a historical introduc-tion, Taipei, 1971.

DAVIS, A. R., The Penguin book of Chinese verse, 1971.

PERDIGÃO, Henrique, Dicionário universal de literatura, Barcelos, 1934.

SCHWARTZ, William Leonard, The imaginative inter-pretation of the Far East in modern French literature, 1800-1925, Paris, Librairie Ancienne Honoré Champion, 1927.

SUPPO, Michele, Sommario storico di letteratura cinese, Macau, 1942.

GLOSSÁRIO

A Ke Su (Oxus) = 阿克蘇

An Lushan (Aon Logsean) = 安祿山

Aomen (Aowmoen) = 澳門

Ban Biao (Paen Piao) = 班彪

Ban Gu (Paen Koes) = 班固

Ban Jie Yu (Paen Dsiedwe; Cédue) = 班婕妤

Ban Zhao (Paen Tjao; Paen Tjhao) = 班超

Chang An (Dyão-Aon; Doan) = 長安

Cheng Di (Zdyeqtey; Sintar) = 成帝

Cheng Du (Zdyeqto) = 成都

Du Fu (Dow Phu; Thou-Fou; Thu-Fu) = 杜甫

Guang Dong (Kvauqtoq) = 廣東

Guang Zhou (Kvauqtoq) = 廣州

Guo Yu Luo Ma Zi (Gwoyeu Romatzyh) = 國語羅馬字

Han Lin Yuan (Hawnlem; Allam) = 翰林

He Nan (Haonaem) = 河南

Jiu Long (Keuloq; Colu) = 九龍

Ke Jia (Hakka; Xhakca) = 客家

La Ding Hua (Latinxua) = 拉丁化

Lu Huan (Lowwhaen; Ruwen) = 路環

Luo Yang (Rawk-Yão; Raxo) = 洛陽

Pa Mi Er (Pamir) = 帕米爾

Pin Yin Han Yu (Tyoqmhen dsezmu: nhxphão em edsaiphat) = 拼音漢語

Qiu Shan Yuan (Tsheo Shyen Uyn) = 秋扇怨

Si Chuan (Seztjhuen) = 四川

Tan Zai (Damhtsei) = 氹仔

Tang Chao (Dão, Dá) = 唐朝

Wang Ji (Han-Tiê; Ouan-Tié) = 王績

Xiang Gang (Xeãokauq) = 香港

Xuan Zong (Huentsoq; Wenthu) = 玄宗

Zhang Jiu Ling (Tchan-Tiou-Lin; Tchan-Tiu-Lin) = 張九齡

Zhao Qing (Shiu-Hing; Sain; Tchau-K'ing; Zdyawxhyq) = 肇慶

Zhuo Yin Fu Hao (Kvawk'em Bhohaow) = 注音符號

NOTAS

** Felizmente que dispõe hoje a cultura de língua portuguesa dessas obras já impressas, traduzidas pelo Pe. Joaquim Guerra: Quadras de Lu e relação auxiliar, Macau, Jesuítas Portugueses, 1981-1983. Quadrivolume de Confúcio; O Livro dos cantares; As obras de Mâncio; O Livro das mutações; Escrituras selectas, Macau, Instituto Cultural, 1990.

*** Esta observação do autor, pertinente na época, e apesar de tudo ainda hoje, caminhou para resolução com o sistema de uniformização "Pinyin", introduzido oficialmente pela 1a Sessão Plenária do 1° Congresso Nacional Popular da R. P. da China, em 21 de Fevereiro de 1958, critério adoptado e aplicado pela RC nas suas edições.

**** GUERRA, Joaquim A. de Jesus, Dicionário chinês--português de análise semântica universal, Macau, Jesuítas Portugueses, 1981.

1 KNOWLTON JUNIOR, Edgar C., Machado de Assis and his 'Lira chinesa', "Boletim do Instituto Luís de Camões", Macau, 10 (3-4) Outono-Inverno 1976, pp. 165-83.

2 PERDIGÃO, Henrique, Dicionário universal de literatura, Barcelos, 1934.

3 ASSIS, Machado de, Chrysalidas, Rio de Janeiro, B. L. Garnier 1864.

4 ASSIS, Machado de, Phalenas, Rio de Janeiro, Garnier, 1870.

5 ASSIS, Machado de, Americanas, Rio de Janeiro, 1875.

6 ASSIS, Machado de, Ocidentais, 1901.

7 ASSIS, Machado de, Poesias completas, Rio de Ja-neiro, 1901.

8 GAUTIER, Judith, Le livre de jade, Paris, Lemerre, 1867.

9 GAUTIER, Judith, Le livre de jade, 2e ed., 1868.

10 GUERRA, Joaquim A. de Jesus, O chinês alfabético em plano nacional = Alphabetic Chinese on sci-entific grounds = Tyoqmhen dsezmu: nhxphão em ed saiphat, Macau, Imprensa da Missão do Padroado, 1970.

* Ingressou na Companhia de Jesus em 1925, tendo terminado o curso de Filosofia. Partiu para a China, em 1933, com destino à Missão de Shiu-Hing, fundada por Mateus Ricci em Setembro de 1583. Ordenou-se em Xangai, onde concluiu o curso de Teologia, na Faculdade Belarmino. Com dezenas de anos de residência na China, foi considerado em vida o maior sinólogo português, tendo traduzido e comentado os principais clássicos chineses. Publicou, entre outros: Condenado à morte, 1963; O chinês alfabético em plano nacional e um sistema novo de leitura de caracteres, 1970; Curso de cantonês, 1972.

desde a p. 95
até a p.