Atrium

INTRÓITO

Agostinho da Silva

Portugal nasceu com três bençãos que o sagram para todo o futuro do mundo: a de ter sido proclamada a Afonso Henriques em Ourique, em campo de batalha tão plantado de incertezas e de lendas, a coordenação monárquica de municípios republicanos e, quanto possível, autónomos, o que tudo durou inteiro até Dom João I, o de Aljubarrota e Ceuta. A benção de ter construído, à beira do Atlântico, o cais donde partiria para o resto do globo aquele Império Romano que vinha da filosofia grega e que foi salvo de uma primeira ruína pelos monges cristãos. E, finalmente a benção de ter recebido da inspiração de Isabel, que no século XIII casava com nosso Dom Dinis, os impulsos de Joaquim de Fiore quanto a Deus viver em duas eternidades, a do momento sem tempo e a do tempo que não acaba mais, o que permite dar idade a Deus, que se distinguiria em Criador de todo o fenómeno, em Consolador de todos os acidentes do que chamamos evolução; e na plenitude lógica do Espírito Santo, a que logo aderem os franciscanos que foram chamados de "espirituais", cuja primeira festa foi em Alenquer, e que mais tarde teria seu símbolo esculpido na monumental igreja de Macau.

Por esta benção geral e particularizada ficamos destinados a sermos pioneiros do Império do Espírito Santo a que Vieira chamou Quinto e que fica depois da queda dos quatro, de passado e de futuro, do livro bíblico de Daniel, um Quinto sem Sexto; a levar-lhe nós a semente a tudo que é ecúmena, entrando, por exemplo, na China de Confúcio e Lao Zi, e dando-lhe unidade real já no banquete gratuito do Culto Divino, em que é do reino da virtude, dos preceitos políticos e sociais para preparar boa comida e organizar o serviço e em que se pode ser plenamente o que se nasceu quando nos sentamos, comemos em boa companhia e nada teremos que pagar; ou confirmado tudo pela ideia de Camões no episódio da Ilha dos Amores, a de que se tem de ser de Confúcio, enquanto se não atingiu o objectivo posto, o da Índia, mas depois se pode ser completo na liberdade do Tauismo.

Nos navios portugueses ou, se mais largamente deles queremos falar, nos da Península Ibérica, levamos o tal Império Romano à sua última queda, a que se está dando no mundo de hoje, já que, depois dela, Platão só será celebrado como Poeta, morrerá de vez toda matemática de Euclides, que é falsa como representação do universo físico, substituída pela mais ampla do tempo-espaço, e, sobretudo lá para depois dos cem anos de reformas do patriarca Deng Xiao Ping, com toda a compreensão do a que chegou a disciplina chinesa, o desaparecimento de imperadores e legiões, tudo a partir daquela Região Especial que a Macau incluirá.

É daí que virá afirmar-se sem qualquer dúvida que a criança é o Imperador do Mundo, que a vida, tanto no material como no espiritual, será gratuita, e que a liberdade se realizará, não só a das cadeias com seus presos e seus guardas, que nunca nenhum governo amnistia, mas a liberdade de todas as prisões que ao homem limitam, tanto as de dentro como as de fora, como de haver um só código penal, quando não há ninguém igual a ninguém, ou a dos maus costumes tomados ao longo dos anos que já passamos no que chamamos evolução de querer ter cada um a posse do que ama, em vez de ser simultaneamente o amador e o amado por todo o tempo e por toda a eternidade.

Tudo com a devida nota de que a disciplina de Oriente não dominará sozinha o mundo: Ihe será companhia e complemento o inesperado, a imprevisibilidade, o gosto de sonhar com juízo sonhos loucos, dos que têm como línguas oficiais o português e o espanhol, isto é, quanto a este, o castelhano alargado ao serviço da política.

O porvir da grande placa que vai do Atlântico ao Pacífico e em que vão caber as religiões monoteístas, tudo o que de algum modo é budista, ou animismo, ou até ateísmo que afinal é outra religião por não haver dele prova matemática, exactamente como o não fazem as crenças, centradas felizmente no coração e não no cérebro. Desta placa, metade boreal, se tratarão os difíceis problemas de avanço ao que devem ser a África colonizada durante séculos, e da América pelas perturbações que sofreram os índios, nome que vem do erro de Colombo, pela chegada de colonos ou conquistadores europeus e de africanos importados como escravos.

Por tudo isto talvez possamos aceitar que o presente número da Revista do Instituto Cultural de Macau seja o primeiro de uma série de abraço do universo ao universo, na realização total da Beleza platónica ou do Caminho/Estrada do pensamento chinês. Assim seja. Ou, falando no árabe que ao português passou: Oxalá seja.

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