Crónica Macaense

UM TOMARENSE LIBERAL EM MACAU

Pe. Manuel Teixeirae. Manuel Teixeira*

O tomarense de que vamos falar é o Dr. Francisco da Silva Magalhães.

Nasceu em Tomar, filho de Manuel da Silva Magalhães e de Maria do Carmo Neves e Silva. Formou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, em 1866.

Chegou a Macau a 18 de Agosto de 1871 como facultativo de 2a classe e professor do Seminário de S. José.

Em Janeiro de 1872, fundou o jornal O Oriente, em que atacou o Governador, os Jesuítas, as congregações religiosas e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses.

O Governador mandou-o prender e desterrar para Timor em 1872. Ali pediu a exoneração de médico militar e regressou a Macau.

A comunidade portuguesa de Hong Kong ofereceu-lhe uma medalha de oiro. Passou depois a Manila, onde exerceu clínica durante sete anos. Em 1883 já se achava de novo em Macau, leccionando no Seminário no ano lectivo de 1883-1884.

Regressou à Metrópole, falecendo em Tomar em 8 de Março de 1886.

Vamos considerá-lo como médico, professor e jornalista.

Estudou Medicina na Univer-sidade de Coimbra onde se formou em 1866. Entre os nossos manuscritos figura um cartão que diz: "O Curso do 5° ano médico - 1866 - solicita a honra de o acompanhar no seu jantar de despedida, que ha-de ter lugar ama-nhã às 5 horas da tarde no salão da imprensa". Num semicírculo em volta aparecem os nomes dos finalistas desse curso: J. C. Godinho de Faria e Silva, F. A. da Graça Correia Fino, G. Augusto Fernandes Braga, J. Francis-co Mendes Marques, José Gomes Ferreira Pinto, Manuel da Costa Ale-mão, Raymundo da Silva Motta, Antó-nio Mendes Callado, Francisco da Silva Magalhães, Joaquim Dias Ferreira, Augusto da Silva Baptista, A. S. Guedes de Vasconcelos Monterrazo, F. E. Fer-nandes de Meira, A. Antonio Vaz das Neves, J. d'Oliveira Rinojordão e A. N. Correia Pinto.

Em 1871, veio para Macau como médico e professor. Foi médico muito competente.

Foi ele o primeiro a usar aqui o clorofórmio. Falando dum doente sus-peito de cólera, em 7 de Outubro de 1884, escrevia o Chefe dos Serviços de Saúde de Macau no seu relatório de 1888: "Vendo naquela doença para mim um caso novo, o diagnóstico de cólera ocorreu-me logo; não obstante, limitei-me a receitar uma infusão ex-citante, e fui recorrer ao valioso auxí-lio do meu ilustradíssimo e prático colega, infelizmente hoje falecido, Dr. Francisco Magalhães; expus-lhe todo o quadro sintomático que observara; em virtude do que a minha opinião ficou logo confirmada pela sua grande autoridade médica."(1)

Em Timor, o Dr. Magalhães foi delegado da Junta de Saúde. Publicou dois opúsculos: As febres intermiten-tes e a hematúria (Macau. Typographia de J. da Silva, 1874), e Instruções sobre a cultura do tabaco em Timor (Macau, Typographia Mercantil, 1881).

Se o Dr. Magalhães se tivesse limitado a exercer a sua profissão de médico, teria feito um óptimo papel em Macau e a sua memória seria aben-çoada. O mal foi ter-se deixado arras-tar pelo seu ódio não só contra os Jesuítas, mas também contra as con-gregações religiosas e contra o Gover-nador que as protegia. Com isto só ganhou a sua prisão e o seu desterro. Não lhe podemos negar os seus méri-tos como médico. É ele próprio quem os reivindica em O Oriente, n° 37, quinta-feira, 10-10-1872:

"A honra do funcionário públi-co há-de sair ilibada, eu o juro. Que venham, emprazo a todos que digam quando deixei de ir ao hospital, que serviço mau hei aí feito. Que digam em que serviço fui menos escrupulo-so; venham todos, porque a todos da-rei resposta cabal.

"Como médico, venham ainda todos e digam quando me bateu à porta um aflito pai, o extremoso mari-do, o filho atribulado e me visse ficar sentado à mesa da refeição ou deitado no leito do repouso.

"Venha um só que jure em sua alma que eu perguntasse se tinha bolsa cheia para retribuir meus serviços. Ve-nham todos e digam se o albergue da miséria me viu menos solícito do que o palácio do potentado.

"Que venham todos, e haja um só que diga que, debaixo do ardor do sol ou nas horas silenciosas da noite, eu deixasse de acudir ao lugar da afli-ção.

"O ilustre presidente do tribu-nal pode informar a S. Exa. se ouvir a algum uma só acusação ao facultativo de primeira classe.

"O membro do conselho, o ca-pitão Ferreira, pode informar S. Exa. das queixas que ouviu formular contra o médico. Vejo o Snr. Corte Real co-mo outro membro do conselho; diga, Snr. Corte Real, diga a seus colegas se uma só vez, a deshoras da noite, bateu à minha porta e esta lhe ficou cerrada.

"Diga, informe a S. Exa. da tenacidade, do ardor com que lutei face a face com a morte, que arrebatou sua infeliz esposa.

"Fui intimado a recolher a uma fortaleza como um vil sicário, sem tempo para recomendar a meus cole-gas os meus doentes, alguns dos quais em iminente perigo; a uma fortaleza que S Exa. ainda há dias julgava inca-paz, pelo seu estado de ruínas, de receber um indivíduo que havia sido pronunciado pelo crime de homicídio frustrado.

"Acato a ordem, e lá estarei silencioso como soldado leal, deixan-do como homem os amigos, como professor o exercício do magistério, como médico os meus doentes, como jornalista a minha nobre missão."

O Dr. Amândio Murta, que vive em Tomar, obteve dos descendentes do Dr. Magalhães a seguinte mensa-gem que os comerciantes chineses lhe dirigiram ao deixar Macau:

"Nós, os negociantes e habi-tantes chineses de Macau, vimos res-peitosamente apresentar ao Illm. Snr. Dr. Magalhães esta manifestação do nosso sentimento; Snr. Dr. Magalhães! V. S.ra, como um distinto médico por-tuguês, é um homem para grandes aspirações, porque a sua vasta ciência abrange os conhecimentos dos sábios antigos e dos modernos.

"Há alguns anos que V. S.ra veio para Macau e aqui a sua reputa-ção se tem estendido por toda a parte, de modo que todos lhe tributam res-peito, e os negociantes, tanto chineses como europeus, folgam de manter re-lações de amizade com V. S.ra, cujas excelentes qualidades o tornam digno do mais profundo respeito.

"Mas ai! que o tempo não se compadece com V. S.ra e por isso não logrou V. S.ra preencher o seu fim — o que nós em conversas particulares não deixamos de lamentar; mas, não obstante isto, o coração de V. S.ra, está todo dedicado ao bem da humanida-de, e o seu pensamento não se afasta do povo.

"Apenas com uma pequena par-te do seu admirável talento, V. S.ra conseguiu rivalizar com um Ki e um Wong (2), de quem foi apanágio o segredo das coisas. Em seu coração compassivo, V. S.ra deleita-se em fa-zer a felicidade dos outros, arrancan-do às garras da morte quantos enfer-mos o chamam em seu auxílio, e dan-do vida àqueles a quem toma o pulso, do mesmo modo como a primavera reanima as plantas, de sorte que mui-tos o têm por milagroso. Ora, um mérito como este iguala de certo o poder da natureza e, por isso, pode bem dizer-se que V. S.ra tem de algum modo satisfeitas as suas aspirações constantes, e com razão podemos aplicar-lhe as palavras de um an-tigo sábio: quando se não possa ser um bom ministro, seja-se um bom médico.

"Consta-nos agora que V. S.ra desistiu do seu emprego, e vai regres-sar para o reino; e, não nos sendo possível detê-lo aqui, como deseja-mos, debalde ficamos a olhar para o oceano e a suspirar; pois não sabemos se um dia tornaremos a encontra-nos com V. S.ra, visto que vai retirar-se para tão longe, para os extremos da terra.

Muito sentimos a retirada de V. S.ra, e por isso lhe dirigimos estas sinceras expressões, como manifesta-ção da nossa profunda saudade.

30 da 9ª Lua do ano 13° de Tung-chi, ou 8 de Novembro de 1874."

(seguem-se vários selos).

PROFESSOR DO SEMINÁRIO DE MACAU

Por decreto de 20 de Setembro de 1870, foram excluídos do ensino os Jesuítas que leccionavam no Seminá-rio. A pedido do Governador António Sérgio de Sousa ainda continuaram até ao fim do ano lectivo que terminou em Junho de 1871.

No entanto, o novo Governa-dor do Bispado de Macau, Con. Dr. António Luís de Carvalho, fora a Por-tugal recrutar novos professores. A 18 de Agosto de 1871, chegou a Macau o vapor Sadan com as seguintes pesso-as: Con. Dr. Carvalho, João Albino Ribeiro Cabral, prof. do Seminário, Francisco António Fernandes, prefei-to dos alunos, Francisco Jerónimo Luna, Cor. de Eng. e director das Obras Públicas, Dr. Francisco da Silva Ma-galhães, cirurgião de 2a classe e prof. do Seminário, José Vicente da Costa, aluno e prefeito dos alunos órfãos do Seminário, Francisco Pedro da Con-ceição Carmo, mordomo do Seminá-rio, Baltazar Castiço Viana, aluno do Seminário e Luís Filipe de Vila-0z, bedel do Seminário.

Os professores no ano lectivo de 1872 eram os seguintes: Dr. Maga-lhães, Físicas e Francês; Ribeiro Cabral, Latim e Português; Pe. Antó-nio Maria Augusto de Vasconcelos, Português (2° ano); Teodósio Rodri-gues, Filosofia e Inglês (1° ano); Mariano Álvares, Inglês (2° ano); Pe-dro Nolasco da Silva, Mandarim; Ma-nuel da Silva e Carlos José Caldeira Jr., Instrução Primária; e Francisco Joaquim Marques, Náutica.

Todos leigos, excepto o Pe. Vas-concelos, liberal e inimigo dos Jesuí-tas. Pobre Seminário!

E. J. de Couto comenta: "São estes homens que estão à testa do ensino da mocidade portuguesa de Macau?! São estes que o R.do Reitor, hoje o Ex. mo Sr. Governador do Bispa-do, escolheu para professores!! So-mos obrigados a perguntar alto e em bom tom: Onde estamos? e para onde vamos?...

"Continuem, continuem os rabiscadores do imundo jornal (3) com a doutrina satanica que apregoam, cedo obterão boa recompensa. Ao R. do Rei-tor, o Ex. mo Sr. Governador do Bispa-do, é que poremos toda a responsabi-lidade perante o Céu, o mundo e a sociedade!... Sua Ex. a Reverendíssima que se acha à testa da casa de ensino, sua Ex. a que representa o Pastor das ovelhas da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, se deixa levar de tanta indiferença na educação da mocida-de?! Será prova de zelo pela salvação da mocidade o permitir que homens anti-religiosos que pregam o libera-lismo desassombradamente, que odei-am a quem nunca os ofendera, que caluniam, por meio dum periódico de que são redactores, a benemérita soci-edade de Jesus, estejam exercendo o ofício de professorado?...

"Sua Rv.a não vê que é um grande escândalo para os católicos este seu silêncio e indiferentismo?"(4)

Quanto aos professores expul-sos do seminário, escreve um seu dis-cípulo, Leôncio Ferreira: "Finalmen-te, no mês de Agosto de 1871, no meio da consternação de quase toda a cida-de, e acompanhados das saudades e da simpatia de todos os bons macaenses, partiram de Macau para seus diversos destinos os virtuosos e eruditos padres jesuítas, indo ao seu bota-fora um gran-de concurso de seus amigos, discípu-los e admiradores.

"Partiram sim, mas cá ficam seus nomes em letras de oiro nos anais da história da nossa cara pátria, pelos serviços relevantes que como sacer-dotes e como professores têm presta-do a esta cidade e à juventude macaen-se especialmente; e mais ainda ficam seus nomes gravados eternamente em caracteres indeléveis na memória e nos corações de todos os bons maca-enses, que os souberam devidamente apreciar, prodigalizando-lhes provas inequívocas de reconhecimento, gra-tidão, estima e consideração. Sim, os nomes dos padres Rôndima, Matos, Cahil, Virgili e Pereira, que nos en-chem hoje a alma de tantas saudades, estarão sempre na memória e nos co-rações de todos os verdadeiros filhos de Macau, cuja posteridade os profe-rirá algum dia com saudade, amor, respeito e veneração, e os abençoará finalmente.

"Esta é a nossa consolação.

"E vós, abjectos deprimidores do carácter deles, podeis continuar a preencher a vossa triste e lastimosa missão; continuai a inventar e a lançar ao público quantas mentiras e ri-dicularias a vossa tresvariada fantasia vos ditar contra eles, que nada con-seguireis; - afiançamo-lo - traba-lhareis debalde, e ficareis por fim com-pletamente logrados, pois que o severo e incorruptível tribunal da opi-nião pública já as julgou e a vós tam-bém; a eles declarou beneméritos e mui dignos das brilhantes demonstra-ções que os macaenses lhes fizeram espontaneamente; e a vós... quereis saber qual é a sentença que contra vós proferiu? Ei-la:

"À canzoada que ladra do monturo, sôfrega do que ali há podre, atira-se com uma pedra e segue-se caminho." (5)

JORNALISTA ATRABILIÁRIO

O Dr. Magalhães chegou a Ma-cau a 18 de Agosto de 1871; seis meses depois fundava "O Oriente", gazeta hebdomadária que apareceu em 21 de Janeiro de 1872 e terminou com o n° 37, a 10 de Outubro desse mesmo ano.

Eis como ele descreve a seu modo a fundação do seu jornal, no n° 37 do Oriente: "Chegámos a Macau, e desde logo nos foi sensível a falta dum jornal que, servindo de dique aos ac-tos governativos, que se nos afigurou não tenderem à prosperidade desta colónia, ao mesmo tempo transmitis-se à comunidade portuguesa espalha-da por todos os portos da China, aber-tos ao comércio europeu, as prosperi-dades e adversidades desta colónia (...); não hesitámos em inaugurar a publicação dum jornal semanal, O Oriente. Podem-no taxar de muitos defeitos; ninguém lhe negará, porém, a independência e a justiça com que tem advogado os interesses de Macau.

"Escudado com a lei, donde nunca saímos, louvámos, ao princí-pio, os actos do actual Governador de Macau, o Sr. visconde de S. Januário, e estigmatizámos os actos do seu antecessor, o vice-almirante Sérgio de Sousa, como o havíamos feito com coragem cívica durante a sua adminis-tração (6). Apontámos ao novo Go-vernador os melhoramentos e modifi-cações a introduzir no governo da colónia (7) em uma revista que mere-ceu a atenção de S. Ex. a e os aplausos da imprensa portuguesa.

"Infelizmente, o governo inau-gurado em tão lisongeiros auspícios, começou a retirar, e o jornal que o havia acompanhado, ou que ia na guar-da avançada, teve a dura, mas impreterível necessidade de o adver-tir; mais tarde teve de lhe dizer franca-mente e lealmente toda a verdade. A quem agrada esta linguagem?... (8)

"No número 35 encetámos uma série de artigos contra a introdução das irmans de caridade em Macau, sucessoras hábeis dos jesuítas (9). Como verdadeiros liberais, reprová-mos esta medida. O número 36 agas-tou por tal forma o Governador, vis-conde de S. Januário, a quem sempre enviámos os números do jornal, que S. Ex.a ordenou imediatamente a minha prisão...

"Nomeou-se conselho de in-vestigação, onde S. Ex. a se foi queixar e ordenar a classificação do crime e os artigos em que entendia tinha incorri-do o que ele julgava um criminoso...

"O conselho de investigação julgou-me incurso nos artigos que S. Ex. a lhes assinalara e achou que devia responder a conselho de guerra, não obstante a opinião conteste dos advo-gados do auditório que dei como tes-temunhas que disseram - que o artigo 6º da lei da imprensa era claríssimo, por consequência só o tribunal ordiná-rio era o competente para formar o processo; que a asserção que eu avan-çara sobre o ter sido S. Ex. a censurado pela concessão duma amnistia aos revoltosos da Índia, era evidentíssima para quem lesse o livro do Ex. mo Go-vernador Geral da Índia, o visconde de S. Januário; finalmente, que o meu procedimento como homem, médico e funcionário público estava ilibado."

Ora vejamos o que se passou realmente. Quando Magalhães che-gou a Macau, havia cá um juiz corre-ligionário do recém-chegado: era o Dr. António Ferreira de Lacerda, que tomou posse da vara a 24 de Janeiro de 1870 e morreu a 29 de Julho de 1873, aclamado por todos os mações e libe-rais da terra.

Magalhães aliou-se com ele para botar jornal e zurzir tudo e todos para os seus fins.

O administrador do Oriente era João Albino Ribeiro Cabral, que veio com ele de Portugal, como professor de Latim e Português do Seminário. Cabral nasceu em Mesquita em 1850, sendo filho de Júlio Joaquim Ferraz e de Maria Cândida Ribeiro Cabral; ca-sou em Macau com Carolina Antónia Gouveia e aqui faleceu em 7 de Agos-to de 1900, com 29 anos de residência e 50 de idade. Havendo padres em Macau, o Dr. Carvalho recorreu a um leigo para mestre de Latim.

Além de redigir O Oriente qua-se do princípio ao fim, o Dr. Maga-lhães colaborava ainda no jornal de Tomar A Verdade.

Magalhães tinha atacado o Con-tra-Almirante António Sérgio de Sousa, Governador de Macau (1868--1872).

Quando a 2 de Março de 1872 tomou posse o novo governador, Cap. de Cavalaria Januário Correia da Sil-va, visconde de S. Januário, elogiou-o a ver se podia obter qualquer benesse; mas o visconde não se deixou levar pelos seus conselhos e então ficou furioso e lançou-o aos jesuítas, o fan-tasma contra o qual assentara as suas baterias.

MAGALHÃES CONTRA A EDUCAÇÃO RELIGIOSA

O visconde queria dotar Macau de bons educadores e confiou a educa-ção da mocidade feminina às Irmãs de S. Paulo de Chartres, assistindo e dis-cursando na inauguração do seu Colé-gio da Imaculada Conceição. Macau rejubilou.

E Magalhães? Com a baba de raiva a espumar entre os dentes, escre-veu: "Começou o beatério a sua sedu-ção, e não posso crer que o homem de tantas tradições atraiçoasse o seu man-dato, não creio que atraiçoasse o par-tido liberal; iludiram a boa fé do Sr. visconde de S. Januário; e a seita apos-sou-se rapidamente do seu espírito fraco.

"Tudo então mudou e come-çou o reinado jesuítico. Um jornal reaccionário (10) é publicado em lin-guagem portuguesa e há logo o cuida-do de o pôr ao abrigo da bandeira inglesa...

"Não bastava a educação dos meninos pelo jornal, era preciso que as futuras mães de família educassem seus filhos na santa regra. As irmãs de caridade francesas são chamadas para Macau, faz-se a inauguração solene da abertura e é o Sr. visconde de S. Januário quem faz o discurso inaugu-ral...

"Obrigado, Sr. visconde de S. Jarnuário, por me ter poupado ao nojo de presencear tanta loucura se não mal-dade.

"O desterro a que me votou, dispensando a lei, é-me mais suave do que ser forçado a presencear tão funesta administração.

"Agora que o jornal liberal foi brutalmente suprimido, pode S. Ex. a derramar a educação jesuíta pelos ma-caenses, e satisfazer assim a certos com-promissos, que tem (segundo se afirma) com uma alta personagem de Lisboa e íntima do papa.

"À sombra amiga da Liberdade só medram os jesuítas."

A Gazeta de Macau e Timor, de 8 de Julho de 1873, comentava assim esta diatribe, pondo as palavras na boca do Dr. Magalhães: "Reconheci pela lei-tura do seu artigo que um Rabagás aflito pode contar com outro. Também eu tenho dado umas pinceladas na fan-tasmagoria do jesuíta, que é a nossa obra-prima e que nos sustenta, e apro-veitei a ocasião para advogar a ignorân-cia em Macau. Cada um faz o que pode, uns por aqui, outros por lá... Para ver se adiantava mais os meus nogócios aliei--me com o juiz de direito (11) em Ma-cau para botar jornal, descompus à di-reita e à esquerda, a torto e a direito, e consegui menos do que desejava... Quando o visconde de S. Januário che-gou a Macau, julguei que podia arranjar alguma coisa, apresentei-me de jornal em punho, mas este funcionário, sobre quem eu fundava as minhas esperanças, riu-se de mim e do meu papel. Na minha indignação lancei o visconde de S. Januário aos jesuítas... Echegou o desa-foro a tal ponto, que já principia a haver instrução e educação em Macau para os dois sexos. E eu que tanto diligenciei para obstar a este nefasto acontecimen-to!

"Cá estou, sr. visconde de S. Januário, furioso e raivoso de não vos poder deitar o dente. Forçando-me a cumprir com as minhas obrigações, ti-raste-me dos meus hábitos e eu não posso esquecer tal excesso.

"Para espantar Manatuto, Labaluta, Veimasse, direi que tendes compromisso com um amigo do papa!"Bem pregada, heim!

"Abaixo a liberdade para todos! viva a liberdade para nós... ambos."

Por sua vez, O jornal do Comér-cio comentava também ironicamente referindo-se à farinha Revalescière du Barry de Londres: "Se a Revalescière cura a espécie de alienação mental que se revela nas proclamações à última hora do sr. Magalhães, consideramos esta farinha como verdadeiro meio de regeneração social. Alguns homens ex—perimentados afirmam, porém, que não é a loucura que dita semelhantes diatribes, mas antes a malvadez pura e sem mistura".

O Dr. Magalhães atacou o Go-vernador, mas a sua sanha era sobretu-do contra os Jesuítas. Estes tinham ele-vado o seminário a uma grande altura sob o ponto de vista moral e pedagógi-co. Na sua cegueira, o Dr. Magalhães dizia que "o seminário administrado pelos jesuítas ou suas creaturas não podia ser considerado com seriedade como casa de educação". E no Oriente, n° 31 de 15-8-1872 acrescenta: "O se-minário de S. José de Macau estava entregue a jesuítas; o governo pensou um dia e expulsou-os. Enviou o sr. António Luís de Carvalho para gover-nador do bispado; o sr. Carvalho veio pois em nome desse princípio liberal, é em nome desse princípio que aqui está, não abjurou por certo dele".

Sabemos que mais tarde se arre-pendeu da sua conduta contra os Jesuí-tas.

Contra o Dr. Magalhães publi-caram-se na imprensa cartas de Manuel da Silva e de António Bastos Jr., e ainda dois panfletos: "A Verdade Reinvidicada", por E. J. Couto, e um "Brado pela verdade ou a Questão dos Professores Jesuítas em Macau e a Instrução dos Macaenses", por Leôncio Ferreira (Macau, Typographia Mercan-til, 1872).

MAGALHÃES CONTRA A ASSOCIAÇÃO PROMOTORA DA INSTRUÇÃO DOS MACAENSES

O Dr. Magalhães não se limitou a combater os Jesuítas e as congrega-ções religiosas; atacou também a "As-sociação Promotora da Instrução dos Macaenses", fundada por um grupo de pessoas para preencher a lacuna deixa-da pela saída dos Jesuítas. Esses indiví-duos eram: Maximiano António dos Remédios, presidente; João Joaquim Braga, tesoureiro; Pedro Nolasco da Silva Júnior, secretário; Lourenço Mar-ques, vogal; Vicente de Paulo Portaria, vogal; António Manuel Pereira, vogal; Filomeno Maria da Graça, vogal. Em 5 de Outubro de 1871, enviaram uma circular aos portugueses residentes na China, solicitando a sua coadjuvação para a fundação dum colégio destinado "a preparar os jovens para seguirem com vantagens a carreira comercial nes-tas paragens, sem deixar de ao mesmo tempo desenvolver e robustecer a sua inteligência por meio de uma instrução esmerada e de formar o seu carácter pela educação religiosa".

Parece que esta iniciativa, apro-vada pelo governo por portaria de 29 de Setembro de 1874, deveria merecer o apoio de todos. O Dr. Magalhães pode-ria colaborar, dirigindo no seu jornal um apelo aos leitores e sendo ele o primeiro a subscrever.

Mas, em vez de apoiar, atacou-a, escrevendo: "Não confirma o Diário Nacional que a projectada escola co-mercial não tinha por fim a instrução dos macaenses, mas um motivo mera- mente político?"

A Associação ripostou no "Bo-letim da Província de Macau e Timor" com o seguinte: "Protesto — Tendo o jornal Oriente insinuado que a Associ-ação Promotora da Instrução dos Ma-caenses tem um fim meramente políti-co, os abaixo assinados, como repre-sentantes dessa associação, protestam, por si e em nome de todos os accionis-tas, contra esta insinuação, que é intei-ramente falsa e destituída de fundamen-to, e declaram que o único fim desta associação é fundar um colégio para instrução dos macaenses, como está consagrado nos seus estatutos aprova-dos pelo governo. Macau, 26 de Feve-reiro de 1872".

O Oriente acrescentava: "E não lhe constou que os mais conspícuos da cidade, e que não se deixam iludir, opuseram-se tenazmente a ocultos de-sígnios?"

Leôncio Ferreira responde: "O Oriente é contraditório consigo mes-mo.

"Se tais desígnios eram ocultos, nem o Oriente, nem os mais conspícuos da cidade poderiam conhecê-los, e mui-to menos fazer-lhe tenaz oposição, excepto se estavam determinados a se oporem a alguns fantasmas.

"Se, porém, os conheciam, logo não eram ocultos, e portanto houve mentira no caso. Outrossim seria bom que o Oriente publicasse os nomes des-ses mais conspícuos da cidade que fize-ram oposição a essa associação. Até agora o público não os conhece.

"Emprazamoso Oriente para que os indique...

"A única pessoa que nós sabe-mos com certeza que se opõe a esta nova associação é o sr. redactor do Oriente.

"Lamentamos muito semelhan-te observação.

"Vergonha... e mil vezes vergo-nha para o liberal que tanto apregoa o progresso, e ao mesmo tempo faz opo-sição mesquinha a uma associação pa-triótica, destinada a promover a ins-trução.

"Acautelem-se, pois, os incau-tos contra as prelecções deste liberal- -obscurantista".

PRISÃO DO DR. MAGALHÃES

A 25 de Setembro de 1872, rece-beu a seguinte notificação: "Secretaria do Governo de Macau e Timor — N° 865; Illmo. Sr.: De ordem de S. Ex.a o Governador dou a v. s. conhecimento, para os fins convenientes, do despacho lançado pelo mesmo Ex.mo Sr. no pro-cesso do conselho d'investigação a que respondeu o facultativo de lª classe do quadro desta província - Francisco da Silva Magalhães como editor responsá-vel do jornal o "Oriente", pelo crime de difamação à pessoa do governador da colónia; - Despacho - Conformando--me com a opinião do conselho, e dis-pensado o réu de responder a conselho da guerra, impondo-lhe a pena de dez dias de prisão com homenagem na for-taleza do Monte, levando-lhe em conta o tempo decorrido desde que foi preso. Deus guarde a v. s. — Secretaria do governo de Macau, 25 de Setembro de 1872 — (ass.) Henrique de Castro, se-cretário geral".

O Dr. Magalhães, no Oriente de 10-10-1872 comenta: "No dia 19 de Setembro, depois que o Oriente saiu do prelo, fomos encerrados numa fortale-za, sem que nem ao menos se nos dis-sesse o motivo que nos obrigava a to-mar o lugar dum grande criminoso. Deixámos ao abandono nossa numero-sa clínica, os nossos discípulos como professor do seminário e os nossos ne-gócios como jornalista.

"Mais tarde, no dia 20, a tipogra-fia do Oriente foi intimada pelo admi-nistrador do conselho para não continu-ar a impressão do jornal sem que o nosso editor se habilitasse, visto achar-mo-nos nós preso por abuso de liberda-de de imprensa".

De facto, o cap. Francisco de Melo Baracho, administrador interino do Conselho, mandou intimar a José da Silva que descontinuasse a publicação do Oriente.

No dia 21, Magalhães foi levado ao quartel para prestar declarações. A 24, o ten. cor. Vicente Nicolau de Mes-quita, comandante da Fortaleza do Monte, comunicou-lhe que pelo ofício n° 858 do Governo ele ficava ali preso para conselho de guerra.

A ordem de prisão foi-lhe inti-mada em sua casa no dia 19 de Setem-bro pelo cap. Francisco de Paula da Luz. Qual a razão?

Responde Magalhães no Orien-te: "No número 35 encetámos uma sé-rie de artigos contra a introdução das irmãs de caridade em Macau, sucesso-ras hábeis dos jesuítas. Como verdadei-ros liberais, reprovámos esta medida. O número 36 agastou por tal forma o governador, visconde de S. Januário, a quem sempre enviámos os números do jornal, que S. Ex. a ordenou imediata-mente a minha prisão. A lei de imprensa que invoquei foi inútil; a Carta Consti-tucional que diz - ninguém será preso sem culpa formada, a não ser em fla-grante delito - letra morta.

"Nomeou-se conselho de inves-tigação, onde S. Ex. a se foi queixar e ordenar a classificação do crime em que entendia tinha incorrido o que ele julgava um criminoso".

REACÇÃO EM HONG KONG

Escreve Magalhães: "Alguns filhos de Macau, que têm a fortuna da independência e a coragem de seus actos, apenas souberam da nossa pri-são, enviaram-nos um adress, em que bem claramente mostram a sua indig-nação pelo acto cometido atentatório da nossa liberdade. Nenhum dos sig-natários nos conhecia pessoalmente; ainda bem que as circunstancias nos levaram a poder apertar a mão a um punhado de homens de bem".

(Do Daily Advertiser de 21 de Setembro de 1872)

"Na vil prisão da fortaleza do Monte acha-se hoje o dr. Magalhães, redactor do Oriente, para responder pe-los allegados libellos publicados no úl-timo número do jornal contra S. Ex.a o visconde de S. Januário. Como militaro dr. Magalhães terá de ser provavelmen-te processado em conselho de guerra. O artigo em questão contem por certo algumas palavras fortes contra o gover-nador, mas não vemos ali libello algum, e muito mais porque o Oriente não fez accusação nenhuma; são por tanto, a nosso vêr, completamente injustifi-cáveis a suppressão do jornal e a prizão do seu redactor."

(Do Daily Press de 23 de Setem-bro de 1872)

"Somos informados de se haver creado um grande excitamento em Ma-cau com a prisão do Dr. Magalhães, redactor do Oriente, ordenada pelo go-vernador d'aquela colónia. Pelo que podemos d'ali coligir, parece que a acção do governador foi muito coerci-va, e que de forma nenhuma poderá ser justificada pelas leis de Portugal. Adi-ante publicamos a tradução do artigo pelo qual é acusado o dr. Magalhães; mas não percebemos o que ali ha de offensivo à dignidade do governador. É certo que o censura fortemente sobre a sua conducta em readmitir na colónia as irmans de caridade, mas esta questão é a que se acha licitamente aberta à dis-cussão; e somos informados por autori-dade competente que as leis de Portugal com respeito à imprensa são tão liberaes como são as de qualquer nação do mun-do; que garantem completa liberdade aos que redigem jornaes, e os protegem de oppressão e coacção de qualquer natureza. Nestas leis está até consigna-da a clausula importante em que se diz que só compete às auctoridades judiciaes o tomar conhecimento das suas trans-gressões.

"Em taes circunstancias é real-mente impossível comprehender o pro-ceder do governador de Macau pren-dendo o dr. Magalhães sem processo algum; e o meio que se adoptou parece mais duro ainda, ao ver-se que o redac-tor foi encarcerado na fortaleza do Monte, - logar que ainda há pouco se considerava não muito bom para rece-ber o sr. Torre Bueno, que até então era consul peruano, quando foi accusado de homicidio frustrado, praticado na pessoa do engenheiro do vapor.

"Suppondo porem que a acção intentada pelo governador por este acto, é motivada pela consideração de que o sr. Magalhães é do quadro de saude militar, e que é possível que o faça sugeitar à disciplina militar, como por ahi dizem, terá de ser processado em conselho de guerra. Se assim fôr é des-necessário dizer que este facto vae cau-sar uma evidente violação da lei, visto que a mesma lei que diz que só compete às autoridades judiciaes tomar conheci-mento das offensas commetidas pela imprensa deve estar expressamente de-signada para ter applicação no caso presente, isto é, uma garantia em que nenhum homem seja punido por qual-quer auctoridade a quem esteja sugeito em outras condições, e que esta auctoridade nada tem que fazer com aquelle quanto à sua connexão com a imprensa.

"Não é de surprehender que este facto causasse grande excitação em Macau, e é de esperar que o governador retrocederá seus passos de uma posição que parece ao certo ser falsa. Se no artigo de que se queixa, ha algumas allusões que superficialmente se não mostram, e pelas quaes o redactor é responsavel de toda a maneira perante a lei portugueza; se o governador não as considerar muito abaixo da sua digni-dade, deve deixar que esta questão se julgue perante um tribunal competente enão porumamedida coerciva mettendo o offensor n'uma prisão; e por conve-niencia propria manda que elle respon-da perante um tribunal militar em vez de o enviar às autoridades civis. Se o governador de Macau tem realmente poder para assim proceder, deve ser inevitavel a conclusão a todos os obser-vadores imparciais: - que as leis de Portugal são boas só em papel; que como modelo de legislação theorica são perfeitas, mas como não passam de nulidades por que não as poem em pratica."

(Do Daily Press de 23 de Setem-bro de 1872)

"A questão do dr. Magalhães, redactor do Oriente, vae ser submettida a conselho de investigação. Entretanto o proprietario da typographia foi inti-mado para cessar com a publicação do dito jornal. Uma tal ordem só pode ser propriamente emanada de auctoridades legaes.

"Referindo-se uma correspon-dencia à publicação, no primeiro núme-ro do novo jornal, diz o seguinte:

"O novo jornal portuguez cha-mado Gazeta de Macau e Timor, redi-gido pelo sr. Mesnier, secretario priva-do de s. exa. o governador de Macau, appareceu a publico pela primeira vez.

Fica deste modo explicada a perseguição do Oriente. O redactor do novo jornal deve necessariamente ter pouca confiança nos meios que tem para defender os actos do governo, por isso que se vê na necessidade de pôr mordaça ao orgão da opposição, justa-mente na occasião em que creou este novo elemento.

"É triste o ver que nenhuma segurança tem a liberdade de imprensa nesta colonia, e que o governo emprega meios que estão muito longe de serem louvaveis.

"A imprensa portugueza da Metropole, sempre orgulhosa dos seus direitos e previlegios, protestará sem duvida contra este ultrage de suas immunidades".

(Do China Mail de 21 Setembro de 1872)

"Appareceu hontem a nova Ga-zeta de Macau e Timor de que havemos recebido um exemplar esta manhan, no mesmo momento em que nos era envi-ado pela redacção do Oriente um outro documento impresso com a mesma data, o qual resa assim:

"A administração do jornal Ori-ente previne por esta forma os srs. assinantes, de que fica suspensa tempo-rariamente apublicação do dito jornal em virtude daprizão do redactor,-pri-são que se efectuou na tarde de quinta—feira, por ordem de s. exc. o governa-dor da província. Macau 20 de Setem-bro de 1872."

"Estamos por certo fóra do se-gredo da legislação de Macau; mas não podemos deixar de notar a singular coincidencia da prisão do redactor de um jornal, hostil ao governador, com o apparecimento do primeiro número de um novo jornal de que é redactor o secretário privado do mesmo governa-dor. Naturalmente nada tem uma cousa com a outra; mas notamos simplesmen-te como singular esta coincidencia.

"O nosso mancebo, empenhado contemporaneo pensa seriamente que o alimento forte é próprio para creanças. O seu programa contém um óptimo sortimento de necedades, concluindo por um facto espantoso de que Macau é "chamada cidade santa pelo respectivo reconhecimento dos nossos visinhos". O resto da folha ocupa-se em defender o negócio de culis no estado em que se acha.

"As suas columnas locaes ter-minam com uma noticia em referencia a algumas observações que recente-mente appareceram no China Mail; a qual, se o espaço nos permitir, transcre-veremos na sua integra com o fim de causarmos um forte riso aos nossos leitores. Por em quanto contentar-nos—hemos com citar duas sentenças: "Nós detestamos a escravatura," diz o novoorgão, "nós aborrecemos o negocio de culis, mas não reconhecemos no gover-no portuguez outra cousa mais que as ideias nobres e elevadas com respeito á emigração de Macau".

"Entre outras palavras diz que odeia o amarelo, odeia o azul mas que admira maravilhosamente o verde. Com respeito ao nosso jornal, diz simples-mente que, se nós não declararmos quem foi o individuo que visitou Macau para vêr os barracões, o dia e a hora em que lá esteve, etc., que se nós não provar-mos o que escrevemos, por um modo satisfactorio para a Gazeta, nos taxará de "mentiroso", como imposição de uma multa. Terrivel ameaça!

" Mas não satisfaremos a este feroz campeão, n'em tão pouco o priva-remos de materia para a sua futura publicação. Diremos aos nossos leito-res (em voz baixa) que o cavalheiro que foi visitar os barracões não tinha (como havia suggerido a Gazeta) ligação algu-ma com o China Mail, nem com o negocio de culis, nem com outro qual-quer negocio que lhe diga respeito; nem visitou (como ingenuamente suppoz a Gazeta) a superintendencia; e que final-mente é elle um cavalheiro incapaz de mentir como podem attestar quantos homens ha de respeitabilidade e alta posição, capazes mesmo de satisfazer a nova Gazeta.

"Se os conductores da Gazeta de Macau e Timor querem acceitar ago-ra os conselhos de jornalistas de alguma experiencia, terão de modificar essa sua ferocidade de expressão, que é prema-tura até para um menino que nasceu apenas hontem: uma creança que devo-ra de uma assentada uma perna de car-neiro, deve necessariamente ser consi-derada um pequeno monstro.

"Qual é o juizo que podemos formar da pequena Gazeta deMacau e Timor que deveria engolir-nos de um bocado? Foi de certo uma felicidade para esta que o seu adversário ficasse fechado (corporalmente) no mesmo dia em que viu a luz; mas a bôa fortuna devia resignar-se com a equanimidade. Logo que o Oriente recuperar a sua liberdade, que esplendidos empuxões que não dará elle ao novo menino".

NOTAS

(1)P. M. Teixeira, A Medicina em Macau, VIII, (Macau, 1976), p. 202 - 3.

(2)Nota de J. Manuel, tradutor desta mensa-gem sobre Wong e Kei: "O imperador 黃帝 Wong-tai, que reinou 2697 anos A. C., aflito com a morte prematura dos seus súbditos, ocasionada por várias doenças, entregou-se ao estudo da medicina; e com a ajuda do sábio médico 岐伯 Ki-pac, compôs o seu 內經ou "Tratado do Interior", sendo por isso considerados pelos chineses como fundado-res da medicina".

(3)O Oriente, fundado e dirigido pelo Dr. Francisco da Silva Magalhães.

(4)A Verdade Reivindicada ou a Questão dos Jesuítas, publicado por E. J. de Couto (Xangai, 1872, p. 5).

(5)Leôncio A. Ferreira, Um brado pela verdade ou a Questão dos Professores Jesuítas em Macau e a Instrução dos Macaenses, Macau Typographia Mercantil, 1872, p. 47--49.

(6)O Oriente apareceu em 21-1-1872; Sér-gio chegou a Macau a 30-7-1868 e entregou o governo a S. Januário a 23-3-1872. Se ficasse mais tempo, é provável que proce-desse contra Magalhães.

(7)É sempre assim: qualquer jornalista se julga no direito de admoestar os governado-res, apesar de recém-chegados.

(8)Como o governador não quis ser guiado pela maçonaria. Este foi o seu crime.

(9)Não se tratava das Irmãs de Caridade, mas das Irmãs de S. Paulo de Chartres que, a 24 de Novembro de 1872, abriram em Macau o Colégio da Imaculada Conceição.

(10)Trata-se de O Catholico, do qual dizia a Gazeta de MacaueTimor, de 19-11-1872:"É este o título de um bem elaborado sema-nário religioso e noticioso, que se publica em Hong Kong, na tipografia do colégio de S. Salvador e de que é responsável o sr. Fernandes F. Carion".

(11)Dr. António Ferreira de Lacerda.

*Historiador de Macau, da presença por-tuguesa e da Igreja no Oriente, com mais de uma centena de títulos publicados. Membro de várias instituições internacio-nais, v. g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia. Grande Colar e Só-cio da Academia Portuguesa de História.

desde a p. 196
até a p.