Crónica Macaense

MUSEU LUÍS DE CAMÕES A SUA CRIAÇÃO

Isabel Nunes*

O palacete de Manuel Pereira: albergou os supercargos da Companhia das Índias, o Museu de Luís de Camões e, hoje, a Fundação Oriente. Logo atrás, a Gruta de Camões (In "Archivo Pitoresco", 1864, Vol. III).

Não pretendendo ser inédito, nem tão pouco esgotar o assunto — da mesma forma que muitos autores escreveram e divulgaram a obra do Poeta - também o presente artigo procura levar junto do público a criação do Museu Luís de Camões, seu homónimo.

Longe de constituir uma síntese da história do Museu, trata-se sobretudo de uma meditação acerca da sua origem e de alguns passos da sua vida.

Em 1989 encerra as suas portas ao público o Museu Luís de Camões e com elas se fecha mais um capítulo da história do Museu. Criado com o nobre desejo de, à semelhança do poeta que lhe deu o nome, transmitir aos Portugueses e ao mundo a grandiosa obra Lusitana, o seu recheio, à imagem da epopeia de Camões, pretendia tornar-se no expoente histórico e cultural de Macau, o que veio a aconte-cer, constituindo uma mostra ímpar; afir-ma-se já em 1937 que "(...) o Museu de Macau nada tem que com ele se compare em todo o Sul da China (...)" (1), mas quis o destino que para além do nome de Camões, o Museu viesse a comungar de fado semelhante ao do poeta errando de local em local, sofrendo também ele os maus tratos das constantes mudanças e adaptações.

Reza a história de Macau, entre os seus mais gloriosos episódios, que Camões na sua cruzada por terras do Império permaneceu cerca de dois anos neste enclave situado no Estuário do Rio das Pérolas, onde inspirado pela Musa terá escrito parte de OS LUSÍADAS. Embora este facto tenha sido defendido por uns e negado por outros o certo é que, por força da tradição, se tomou uma rea-lidade da história local, seja factual para os que a professam e tentam prová-la, seja no domínio do mito para aqueles que dela duvidam.

A sua presença em Macau canta-da ao longo dos séculos por poetas naci-onais e referida por muitos viajantes Por-tugueses e estrangeiros que por aqui pas-saram, viria com o Século XIX a tomar vida e a eternizar-se para sempre na me-mória e no quotidiano de Macau. É a partir de então que o local onde o poeta terá passado longas horas de meditação, os "Penedos de Camões", conforme refe-re no Século XVII um "Título dos bens de raíz do Colégio de Macau", os rochedos ou a gruta segundo outros, se torna co-nhecida, genérica e definitivamente, como Gruta de Camões. A designação vai tam-bém estender-se ao luxuriante e frondoso parque que ficará igualmente conhecido pelo Jardim da Gruta de Camões. E se o lugar já era visitado e venerado, vai tor-nar-se daí em diante verdadeiro local de culto do herói e da Pátria, uma referência obrigatória, onde milhares de visitantes iriam e continuam a ir nas suas deambulações por Macau.

Fortemente imbuído das caracte-rísticas culturais do Século XIX, o início de novecentos encontra-se marcado por uma forte tendência nacionalista e pela persistência dos temas dos heróis históri-cos que, animado pelo espírito empreen-dedor Republicano, vem expressar-se em Macau na criação de um Museu histórico e etnográfico para o qual o nome escolhi-do foi o de Camões, em homenagem ao maior poeta Português de todos os tem-pos. Será precisamente na Casa do Jar-dim da Grota de Camões, (actual Casa Garden) onde, em 1937, o Museu se virá a instalar.

Criado em 4 de Novembro de 1910 por Portaria Provincial do Governa-dor Eduardo Marques, o "Museu históri-co, etnográfico, fisiocrático, comercial e industrial, sob a designação de "Museu Luíz de Camões" "(2) procurava, à seme-lhança da ilustre epopeia do poeta, divul-gar de forma notável e relevante a história de Macau, destinando-se deste modo, a "(...)preservar, eaomesmo tempo reunir deforma acessível ao estudo e à observa-ção d'aquelles a quem possam interes-sar, todos os elementos de valor históri-co, relativos ao estabelecimento dos portuguezes em Macau e à sua acção no Extremo-Oriente" (3), e a proporcionar informações relativamente à província de Timor através de um mostruário dos seus produtos naturais, da sua indústria e da sua vida local. Assim, o Museu era composto por duas secções, uma essenci-almente histórica, referente a Macau, e a outra de carácter mais variado e genérico sobre Timor. Para a sua direcção e admi-nistração foi constituída uma "comissão directora" cujos membros deveriam ele-ger entre si, anualmente, o seu presidente. Quanto à instalação do Museu propunha-se "Enquanto não houver acomodação especial (...) ficar (á) installado no edifí-cio do Jardim da Gruta de Camões, na parte contigua à occupada pela direcção das obras publicas". (4)

O Governador Artur Tamagnini de Sousa Barbosa (retrato da Galeria do Leal Senado).
O Governador Eduardo Marques (retrato da Galeria do Leal Senado).

Lançadas as bases de tão belo e promissor projecto tudo indicava uma vida nobre e feliz para o Museu. A reali-dade, porém, veio revelar-se bem mais dura desde início e volvidos dezasseis anos "Não tendo podido fruir resultado (...) relativamente a museu e a mostruá-rio de Timor,..." (5), uma segunda Porta-ria, datada de 5 de Novembro de 1926 vem, através de novas propostas, ressus-citar e concretizar o projecto do Museu.

Mantendo a ideia inicial, a Direc-ção das Obras dos Portos, de quem de-pendia o Museu em 1926, procurava, sobretudo, "dinamizar" o "(...) mostruá-rio para fins comerciais de produtos de Portugal e suas colónias, nomeadamente de Timor, que interessem aos mercados do Extremo Oriente e bem assim dos artigos de industria da Colónia e dos que em geral possam interessar à sua expor-tação, (...) "(6). Não descurando, porém, a sua vertente cultural, pretendia ainda reunir no Museu todos os elementos con-siderados dignos de interesse histórico e etnográfico que se encontrassem dispersos pelas diversas repartições, assim como, na sequência do que estava sendo organi-zado pela Comissão das Pescarias, criar uma colecção de biologia marítima cons-tituída por exemplares da fauna e da flora da região, passando o Museu então a designar-se "Museu Comercial Etnográ-fico Luiz de Camões".

Um ano mais tarde era aprovado, por Portaria Provincial de 25 de Novem-bro de 1927, o Regulamento dos serviços do Museu, o qual passaria a ser constitu-ído por uma biblioteca, uma secção de etnografia e de história, uma secção de biologia marítima e uma secção comerci-al. Enquanto o Museu não possuísse mai-or autonomia, ficaria dependente da enti-dade administrativa do Porto. A sua ad-ministração seria assegurada por 3 direc-tores: um director principal, funcionário da Administração do Porto, e dois direc-tores técnicos, um para o mostruário e outro para o Museu, que escolheriam entre si um presidente para a Direcção do Museu. Para o êxito do funcionamento do Museu solicitava-se uma boa colabora-ção, sempre que necessária, das outras repartições da Colónia e apelava-se tam-bém ao público, que sensibilizado com a iniciativa, contribuísse voluntariamente com donativos, fossem eles em dinheiro ou em objectos, para o Museu. Os contri-buintes mais generosos que excedessem os valores fixados pela instituição teriam, em sinal de agradecimento, a recompen-sa de serem "proclamados beneméritos do Museu" e os seus nomes inscritos numa lista "quadro de honra", exposta ao público, afixada nas instalações do Mu-seu.

Aprovado o regulamento, rapida-mente o Museu adquiriu vida, ao mesmo tempo que a sua acção no campo cultural apontava, conforme tudo indicava, para ser intervencionista e participativa na vida do Território. Enquanto em 1910 se pre-via a sua intervenção no âmbito da pro-tecção e conservação dos "(...) monumen-tos profanos e religiosos, civis e milita-res, de caracter luso ou sinico (...)" (7), em 1926, a comissão directora do Museu visava essencialmente preservar o patri-mónio móvel e divulgar o Território, no-meadamente no seu campo industrial. Deste objectivo fazem parte as participa-ções em Feiras e Exposições internacio-nais. Foram os casos, logo em 1926, da representação na Feira de Hanói, em 1928, da participação de Macau, ao lado de Portugal, na Exposição de Sevilha, e em 1940 a presença do Pavilhão de Macau na Grande Exposição do Mundo Português realizada em Lisboa.

No âmbito do património móvel o Museu que, segundo Luís Gonzaga Go-mes, no seu início era bastante pobre, veio a receber algumas ofertas de particu-lares, como por exemplo, em 1927, um conjunto de artigos de vidro da Shimada Glass Factory, importante fábrica Japo-nesa de Osaka, e em 1928, de "uma artística vitrine de curiosas porcelanas no valor de cerca de $2000 (8) oferecidas pelo capitalista Chinês Hee Cheong, um dos promotores da construção do Hotel Central, antigo Hotel President, vindo a tornar-se famoso pelo seu recheio (...) havendo quem venha a Macau só para o ver. Bastantes e elogiosas referencias lhe têm sido feitas por pessoas de toda a competencia".

Em 1932, pertencendo já o Mu-seu aos Serviços de Administração Civil, conforme proposta da Direcção das Obras dos Portos aprovada no ano anterior, rea-liza o Museu o maior investimento patrimonial jamais levado a cabo: a aqui-sição da colecção de Silva Mendes, que se encontrava à venda por morte do seu proprietário.

Considerada ainda actualmente a maior colecção do mundo de cerâmica de Shekwan, constitui hoje o principal acer-vo do Museu, tendo-lhe granjeado duran-te anos grande fama internacional.

Grupo de bronzes do espólio do Museu

A especificidade da matéria im-plicou a escolha de peritos, sendo na altura convidados os "coleccionadores" José Vicente Jorge e Dr. Liu que, porém, não aceitaram. Deste modo, e porque o assunto assim o exigia, ponderaram-se duas alternativas, uma recorrer a especi-alistas de Cantão e de Hong Kong, e outra, menos dispendiosa, que se limita-va ao auxílio de três cidadãos Chineses -Chan Kiucho, Sui-Cheong e Lam-Meng - indivíduos conhecedores da matéria e negociantes em velharias e antiguidades, estabelecidosemMacau. Tendo sido esta a opção, os trabalhos tiveram início em meados de Abril desse ano, mas dada a minúcia e algumas dificuldades de ordem linguística com que depararam ao res-ponder às inúmeras questões apresenta-das pela Comissão nomeada, em finais de Julho encontravam-se ainda sem qual-quer decisão de aquisição, pelo que resol-veram os herdeiros iniciar a venda públi-ca dos bens herdados. Perante esta ame-aça, a Comissão resolve decididamente adquirir a colecção, já desfalcada em três lotes que entretanto tinham sido vendi-dos. Mas se o processo de avaliação foi moroso a sua aquisição também não foi simples, pois apesar de ter sido aprovada pelo Governador teve de se debater ainda com problemas de ordem económica. Após o Director dos Serviços da Fazenda revelar que não dispunha de verba para esse fim, a Comissão procura angariar fundos junto ao "(...) Inspector dos Servi-ços Económicos [que] dispoz-se logo da melhor vontade a auxiliar os desejos da Comissão e, havendo sondado a opinião de alguns capitalistas, pareceu-lhe que apesar das dificuldades económicas da época que atravessamos e de que êles também se queixam, não se mostraram indiferentes ao apêlo que lhes era fei-to". (10) Contudo, não pertencendo o Ins-pector à Comissão e porque" (...) esta não tem competencia para, oficialmente, lhe pedir o seu valioso auxílio, dirigiu-se a Comissão a Sua. Exa., oGovernador(...) solicitando autorisação para êle [inspec- tor] procurarobter dos capitalistas chins o oferecimento da colecção Silva Men-des, ou parte dela, ao Museu (...)". (11) Poucas notícias mais se possuem relati-vamente ao capítulo de aquisição do Pa-trimónio do Museu. Dos documentos con-sultados presume-se que o Museu, após 1933, ano em que o mostruário da secção comercial veio a ser encaixotado, foi ven-do cada vez mais acentuada a sua vertente cultural, e dentro desta o campo da arte e da história, assumindo a forma em que se encontrava nas vésperas de encerrar as suas portas em 1989. Sabe-se que em 1936 contava o seu acervo com cerca de 1400 peças, constituídas por centenas de pinturas em papel e seda e dezenas de pinturas a óleo, e também por lacas e barros tumulares muito antigos.

Grupo de bronzes do espólio do Museu

Data de 1954 a primeira lista dos objectos existentes no Museu de que se tem conhecimento. Tinha como principal finalidade servir de base para o estudo e adaptação a Museu do interior do edifício da Imprensa Nacional onde se ia proceder a obras. Essa lista designa as peças que constituem o recheio do Museu, distribu-ído, na altura, por 4 salas. Entre os seus objectos constam inúmeras e variadas peças de cerâmica (muitas delas instala-das em armários - vitrinas mercê o cuida-do que careciam), louça sino-europeia, louça brazonada, objectos de bronze, ta-lhas, pinturas e uma sala só de arte sacra, assim como inúmeras armas de fogo pro-venientes de diversas épocas. Por isso em 1956, sendo conhecedor das característi-cas do espólio, o Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil propôs ao Governador a alteração do nome do Museu: "Parece-me agora oportuno determinar-se a alteração da actual designação deste estabelecimento Museu Comerciale Etnográfico "Luis de Camões" por outro nome que melhor traduza o recheio e o conteúdo do Museu e que dada a diversidade destes bronzes, porcelanas, barros, louças, gravuras, pin-turas objectos de arte sacra, armas, etc., poderia chamar-se Museu de Arte de Luís de Camões ou simplesmente e talvez mais apropriadamente Museu de Luís de Camões". (12) Tal como actualmente se designa.

Marcado logo de início pela in-certeza quanto ao local, o Museu encon-trava-se predestinado a sofrer durante anos as agruras de mal-amado, tendo de se instalar temporária e passageiramente nos edifícios que lhe eram atribuídos. Quis curiosamente o destino que o pri-meiro local, o jardim da Gruta de Luís de Camões, onde em 1910se pensou instalar transitoriamente o Museu, viesse cerca de vinte e sete anos mais tarde a acolhê--lo, tendo aí permanecido até finais da década de oitenta. Mas, antes disso não tendo sido instalado "(...) no edifício do jardim da Gruta de Camões, na parte contigua à occupada pela direcção das obras públicas" (13), conforme fora sugerido, o Museu confrontou-se até 1926 com o problema de achar um local onde se instalar. Nesse ano o Palacete da Flora, até aí sede da Secretaria do Governo, fica devoluto, evai albergá-lo provisoriamente incluindo o jardim que, transformado em jardim botânico da Colónia, ficaria a fa-zer parte do Museu, enquanto ele ali se encontrasse. A biblioteca era, por sua vez, instalada no edifício do Leal Senado de onde nunca veio a sair.

Salas do Museu, depois de adquirida parte da colecção do Dr. Silva Mendes (A. H. M., Adm. Civil).

Em 1928, a direcção do Museu propõe a cedência do Palacete da Flora para a instalação da Escola Infantil, em troca de instalar as respectivas secções, marítima e comercial, do Museu, nas dependências do edifício do Leal Senado habitadas pelo contínuo da Câmara. Os motivos eram fundamentalmente dois: um, a distância a que o Palacete da Flora se encontrava do centro da cidade e do bairro comercial e o outro o benefício dos serviços do Museu poderem ficar reuni-dos no mesmo edifício. As vantagens da troca, argumentadas pelo Presidente da direcção do Museu, revelam-se convida-tivas "(...) quer para os serviços do Mu-seu, quer para a instalação da Escola Infantil, querainda economicamente para o Leal Senado (...) assim os Serviços do Museu ficariam todos juntos como con-vem a Escola Infantil com instalação própria(...), e o Leal Senado deixaria de ter o encargo do prédio onde hoje funci-ona aquela Escola, ficando com o encar-go de dar ao continuo um subsídio [$60.00 Mensais] para renda de casa como com-pensação por lhe ter tirado a habitação (...)". (14) Deste modo, o Leal Senado não ficaria prejudicado, (...) antes pelo contrário pois que transferindo-se a Es-cola Infantil para o Palacete Flora, pou-pa-se a respectiva renda que é de $110.00 mensais". (15)

Ouvido o Leal Senado acabou por vir a ser acordada, em Agosto desse ano, a cedência do salão de extracção da lotaria da Santa Casa, que funcionava no rés-do--chão do Cartório da Santa Casa da Misericórdia, para instalar o Museu mediante o pagamento de uma renda mensal de $10.00 patacas. Como condição funda-mental a Santa Casa exigia que a presença do Museu nunca viesse a impedir nem a ameaçar o bom funcionamento do salão para o fim que lhe estava destinado. Tra-tava-se, contudo, de uma medida provi-sória, conforme aprovara o Conselho do Governo que, na altura,"(...) entende que o Muzeu(de)verá ficar instalado, de futu-ro, no primeiro andar do novo edifício dos Correios, logo que este esteja conclu-ído". (16)

Passados cinco anos, em 1933, o Museu depara outra vez com o problema das instalações e a necessidade de sofrer uma nova mudança. A Santa Casa, neces-sitando da sala onde se encontrava insta-lada a secção comercial pede para que ela seja removida "no curto prazo". Esta questão não foi fácil de resolver visto haver dificuldades quanto à sua remoção, ou melhor, quanto à sua posterior instala-ção, uma vez que as salas, repletas com o espólio das outras secções do Museu, não comportavam mais objectos e, sobretu-do, porque, apesar de volvidos estes anos, o Museu continuava ainda sem possuir instalações próprias. Uma vez mais é a soluções provisórias que se recorre: "Toma esta Direcção a liberdade de su-gerir a V. Exa. (Encarregado do Gover-no) a ideia de, na impossibilidade de juntar todas as Secções do Museu em casa apropriada, ser a secção Comercial acomodada, pelo menos temporariamen-te, na Inspecção dos Serviços Económicos ou em qualquer outra Repartição que V. Exa melhor entenda ". (17) O mostruário da secção comercial foi então encaixota-do e removido para uns compartimentos vazios da Fábrica do Ópio, mas"(...) ten-do aí ficado sem ninguém que dele cui-dasse foi totalmente destruído (escapa-ram apenas alguns vidros e metais)". (18)

Peças da Dinastia Tang.

Em breve a Santa Casa reclama também a remoção da restante parte do Museu. Nessa ocasião voltou-se, pela segunda vez, a colocar a hipótese de instalar o Museu na casa do Jardim da Gruta de Camões como sendo uma boa alternativa visto que assim haveria a pos-sibilidade de reunir o Museu num só edifício. Mas não seria ainda para aí que o Museu viria a mudar. Antes, a parte histórica do Museu que, segundo Luís Gonzaga Gomes, se encontrava no 1.º andar do edifício do Leal Senado corren-do riscos de se perder, irá juntamente com as restantes Secções instalar-se no Pala-cete de Santa Sancha, que em 1936 se encontrava desocupado, após o encerra-mento do Hospital que aí se instalara em 1934. A ameaça de um tufão em Agosto desse ano vai denunciar a falta de segu-rança em que o Museu se encontrava, devido ao estado de degradação do edifí-cio do Leal Senado cujas "bandeiras das janelas da parte de trás do edifício de superfície de cêrca de dois metros qua-drados, não têm protecção alguma de madeira, têm os caixilhos pôdres e os vidros quasi todos partidos, tudo levando a supôr que virão dentro quando o vento sopre com um pouco de força ", espe-rando-se que "(...) apesar de todos os cuidados, corresse ainda grave risco tudo quanto existe no Museu". (19)

Dois dos locais que albergaram o acervo do Museu: o Palácio de Santa Sancha e o Palacete da Flora (fotos do Anuário de Macau de 1927).

O edifício de Santa Sancha, não vem contudo solucionar a segurança do espólio ameaçado, conforme em Outu-bro se queixa, apreensivo, o Director da Secção do Museu ao verificar que a mudança "(...) tem sido realizada em circunstâncias muito precárias (...) [e que] Os objectos têm sido amontoados no novo edifício, não de modo a pode-rem ser expostos ao público, mas utili-zando-o, apênas, como armazem". (20) O seu estado preocupante era tal, que insistindo no assunto refere ainda o mesmo documento: "Se providências rápidas não puderem ser tomadas, de modo a suprirem as faltas apontadas, pouco ganhou o Museu com a mudança, porquanto, se no antigo edifício corria o risco de se perder, por causa da ruina dos tectos e do soalho, no actual corre-rá o mesmo risco, por não haver quem dele cuide. (...)

"A vastidão do edifício de Santa Sancha e o amontoado das peças que não convem tirar dos caixotes e cestos onde foram transportados faz que a sua conservação seja mais difícil do que seria, se o Museu estivesse aberto ao público". (21)Nesse mesmo ano, a 12 de Dezembro, era reaberto o Museu em Santa Sancha, mas seria por pouco tem-po, pois logo em Maio do ano seguinte dá-se início, por ordem do Governador Tamagnini Barbosa, à mudança do Mu-seu para aquelas que viriam a ser as suas instalações até à actualidade, a Casa do Jardim da Gruta de Camões, hoje desig-nada também "Casa Garden".

Em 1958, o Governador Pedro Correia de Barros determina que: "o edifício do Museu Comercial e Etnográfico "Luís de Camões" e seu recheio são transferidos em l de Janei-ro de 1959 para o Leal Senado da Câ-mara de Macau, a cargo de quem ficam as despesas com a sua manutenção e conservação" (22). Embora se tenha apenas procedido à transferência de pro-priedade, o Museu permaneceu na "Casa Garden". O destino porém parece não perdoar, e volvidos mais de oitenta anos após a sua criação é obrigado uma vez mais a abandonar o edifício, a encerrar o seu espólio e a aguardar por novas e possivelmente definitivas instalações.

O certo é que, se no decurso da sua já longa e atribulada vida o Museu resistiu, foi mercê da consciência do seu papel histórico e cultural e, tal como a obra do poeta se imortalizou, também o Museu será, no futuro, um marco histó-rico Português no Oriente, através do qual se manterá viva e bem firme a História de Macau.

Longe vá o agoiro que, em 1936, predizia: "A sorte da antiga Secção Co-mercial, totalmente destruída pela for-miga e pelo caruncho, será em breve a sorte das restantes Secções se as actu-ais circunstâncias se mantiverem". (23)

BIBLIOGRAFIA

Arquivo Histórico de Macau-Administra-ção Civil - Processo sobre a criação do Museu Comercial, Etnográfico "Luís de Camões" e da Biblioteca Pública, 5 de No-vembro 1926 - 1 de Outubro de 1960. Boletim Oficial do Governo da Província de Macau, 1910.

Boletim Oficial de Macau, 1926.

Boletim Oficial de Macau, 1927.

Boletim Oficial de Macau, 1931.

Boletim Oficial da Colónia de Macau, 1932.

Boletim Oficial da Colónia de Macau, 1958.

Gomes, Luís Gonzaga - "Museu Luís de Camões", separata n.º 3 do vol. VII do Bole-tim do Instituto Luís de Camões. Macau, Imprensa Nacional.

A. H. M. - Adm. Civil, M. N. L. 6.16. F.

Palacete da Flora, in Anuário de Macau.

Macau, Imprensa Nacional, 1927.

"A Voz de Macau", 1936.

NOTAS

(1)A. H. M. - Adm. Civil, P - n.º 10.893 CX 201, Of n.º 8,1937.

(2) B. O. n.º 45, 5 Nov. 1910, P. P. n.º231.

(3)Ibid.

(4)Ibid.

(5)B. O. n.º 45, 6 Nov. 1926, P. P. n.º 221.

(6)Ibid.

(7)B. O. n.º 45,5 Nov. 1910, P. P. n.º 231.

(8)Gomes, L. G.-"Museu Luís de Camões", p. 18.

A. H. M. - Adm. Civil, P - n.º 10 893 CX 201, Of n.º 8,1937.

(10)Idem, Of. s/n,1932.

(11)Ibid.

(12)A. H. M. - Adm. Civil, P - n.º 10. 893 CX 201, Of. s/n, 1956.

(13)A. H. M. - Idem Of. n.º 47,1928.

(14)Idem, Of. n.º 592,1928.

(15)Ibid.

(16)Idem-Of. n.º24,1933.

(17)Idem-Of. n.º8,1937.

(18)Idem-Of. n.º48,1936.

(19)Idem- Of. n.º48,1936.

(20)Idem- Of. n.º61,1936.

(21)Ibid.

(22)B. O. n.º40, 4 Out. 1958, Diploma Legislativo n.º 1.429.

(23)A. H. M. - Adm. Civil, P - n.º 10. 893 CX 201, Of. n.º 61,1936.

*Licenciada em História. Técnica do Gabi-nete do Património Cultural do ICM. Este trabalho foi realizado no âmbito das investí-gações em curso no G. P. C..

desde a p. 187
até a p.